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Tempo psicanalitico
versão impressa ISSN 0101-4838
Tempo psicanal. vol.44 no.1 Rio de Janeiro jun. 2012
SEÇÃO LIVRE
Anotações sobre a leitura freudiana da angústia
Notes on the Freudian conception of anxiety
Ana Maria Loffredo
Docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, membro filiado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e editora da revista Psicologia USP
RESUMO
O artigo se insere no campo da história e epistemologia da psicanálise, mais especificamente da pesquisa relativa à genealogia conceitual pertinente à construção da metapsicologia freudiana da angústia. Tem por objetivo apresentar os argumentos principais que permitem dar encaminhamento à tese segundo a qual as teorias contidas na trajetória freudiana sobre a angústia não são excludentes, podendo ser consideradas, em seu conjunto, um modelo explicativo único que englobaria as várias etapas da produção de angústia. Dessa forma, o trabalho pretende examinar os impasses que podem ser apreendidos nas formulações freudianas no âmbito do que é concebido, desde Freud, como "segunda teoria da angústia".
Palavras-chave: angústia; Freud; metapsicologia freudiana; repressão.
ABSTRACT
This article belongs to the field of history and epistemology of psychoanalysis, specifically to research on the conceptual genealogy pertaining to the construction of Freudian metapsychology of anguish. It aims to present the main arguments that allow us to discuss that theories contained in Freud's work on anxiety are not exclusive and may be considered, as a whole, a single explanatory model that would encompass the various stages of production on anxiety. This paper intends to examine the barriers that can be seized in the Freudian formulations, under what is conceived, since Freud, as a "second theory of anxiety".
Keywords: anxiety; Freud; Freudian metapsychology; repression.
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Podemos verificar três tempos matrizes na produção teórica de Freud sobre a angústia: as concepções de 1895, nas quais a angústia é concebida como uma descarga somática, efetuada sem a participação do psiquismo, no âmbito das neuroses de angústia (Freud, 1895b/1989; 1895c/1989); o segundo momento, em 1909, quando a histeria de angústia é classificada como um processo patológico independente, sendo a angústia entendida como um dos produtos possíveis da repressão, por meio do processo de transformação da libido (Freud, 1909a/1990); e a "virada" de 1926, em "Inibição, sintoma e angústia" (Freud, 1926/1990), que pretende ser uma reformulação da teoria anterior, com a utilização dos ingredientes teóricos fornecidos pela perspectiva do segundo dualismo pulsional e da segunda tópica1.
A angústia passa a ocupar um papel defensivo e, segundo essa reformulação, é liberada intencionalmente pelo eu, sede da angústia, perante situações de perigo definidas como ameaças de ocorrência de uma situação traumática, sendo essa sinalização uma condição necessária para colocar o processo defensivo em andamento (Freud, 1926/1990). Nesse momento, são recortadas duas teorias, que diferem pela posição ocupada pela repressão na sequência dos eventos, isto é, a quem cabe o papel disparador no processo de formação do sintoma.
Entretanto, mesmo no âmbito dessa novidade teórica, Freud reconheceu que podem ocorrer, com a repressão, alterações na libido pertencente aos processos do id. A presença do estado afetivo ansioso podia ser constatada, também, após a repressão e sua explicação por meio da transformação da libido parecia-lhe irreconciliável com a nova hipótese relativa a uma angústia produzida intencionalmente. Há passagens em "Inibição, sintoma e angústia" que mostram claramente esses pontos de contradição e dúvida. Embora o estudo das fobias o tenha levado a concluir que há uma leve liberação de angústia antes da repressão e como condição para que esta ocorra e não pretenda abandonar essa hipótese, escreve o seguinte:
pode continuar sendo correto que a repressão produza angústia a partir do investimento libidinal das moções pulsionais. Mas como harmonizar este resultado com o outro, a saber, que a angústia das fobias é uma angústia egoica, nasce no eu, não é produzida pela repressão, mas, ao contrário, a provoca? Parece uma contradição e solucioná-la não é coisa simples. Não é fácil reduzir essas duas origens da angústia a uma só (Freud, 1926/1990: 105).
Segundo essa análise, considera que sua postulação anterior é correta apenas do ponto de vista descritivo, não tendo atingido o alcance de uma explicação em termos metapsicológicos, como havia suposto até aquele momento. Na verdade, não havia sido possível explicar como ocorria a transformação da libido em angústia.
ANGÚSTIA E LIBIDO
A hipótese de uma relação estreita entre libido e angústia era facilmente formulável no quadro das neuroses de angústia, nas quais se tinha acesso a distúrbios na vida sexual atual dos pacientes que se reportavam a um acúmulo de tensão sexual que não se descarregava pelas vias adequadas. Tratava-se, portanto, de uma insuficiência no plano da elaboração psíquica da tensão sexual somática, daí se derivando um déficit no afeto sexual, isto é, na "libido psíquica", como escreve Freud no "Rascunho E", provavelmente datado de 1894 (Masson, 1986: 81).
Por outro lado, era inegável a participação dos mecanismos psíquicos na angústia pertinente às fobias e obsessões e a questão era resolvida em termos das causas que propiciavam essa excitação não descarregada, as quais, nesses casos, eram de ordem psicológica. Ocorre "uma espécie de conversão na neurose de angústia, tal como ocorre na histeria (outro exemplo da semelhança entre elas); na histeria, porém, é a excitação psíquica que segue o caminho errado, rumando exclusivamente para o campo somático, ao passo que, aqui, trata-se de uma tensão física que não consegue penetrar no campo psíquico", continua Freud no mesmo manuscrito (Masson, 1986: 82).
Nesse contexto, não podemos esquecer o papel central que ocupava o postulado enunciado por Fechner relativo ao "princípio da constância", segundo o qual há uma tendência a reduzir ou pelo menos manter constante a excitação presente no sistema nervoso. Sua importância é evidente, considerando-se que foi formulado pela primeira vez em "Estudos sobre a histeria" (Freud, 1893-1895/1990: 208) e esteve subjacente a todo o percurso teórico freudiano. Em termos de aparelho psíquico, é esperado que um funcionamento adequado evite e previna excessos por via exógena ou endógena, de modo a que cumpra sua função de amortecedor de estímulos por meio de suas trilhas elaborativas.
Embora o interesse de Freud se voltasse, predominantemente, ao acúmulo de excitações endógenas de caráter libidinal, em seus estudos iniciais sobre a angústia, Strachey (1926/1990: 77) nos alerta para a seguinte passagem, no mesmo material enviado a Fliess citado anteriormente:
Mas por que a transformação se dá especificamente em angústia? A angústia é a sensação do acúmulo de outro estímulo endógeno, o estímulo da respiração, estímulo este que não é passível de ser psiquicamente elaborado além da própria respiração; por conseguinte, a angústia poderia ser empregada para a acumulação de tensão física em geral (Masson, 1986: 82; grifos nossos).
Nessa mesma linha, mais ou menos na mesma época, logo no início do "Projeto de uma psicologia", Freud apresenta as principais necessidades que dão origem a estímulos endógenos e que devem ser eliminadas por meio de uma ação realizada no mundo externo: fome, respiração e sexualidade. Essa ação, "que merece ser chamada de específica", reporta-se a condições que podem ser nomeadas como "necessidade da vida" (Freud, 1895a/2003: 176-177).
De qualquer forma, a ideia de que a angústia era produto de transformação da libido atravessou muitos anos de pesquisa freudiana2 , de modo que vinte e seis anos depois, em uma nota de rodapé inserida, em 1920, em "Três ensaios de teoria sexual", está escrito: "O fato de que a angústia neurótica nasce da libido, é um produto da transformação desta e mantém com ela a relação do vinagre com o vinho é um dos resultados mais significativos da investigação psicanalítica" (Freud, 1905/1990: 205).
Seis anos após, no adendo a "Inibição, sintoma e angústia", Freud afirmará que "o investimento libidinal da moção pulsional recalcada experimenta, como se vê de maneira mais nítida no caso da histeria de conversão, uma aplicação diversa de sua transposição em angústia e sua descarga como tal", complementando, entretanto, que "agora perdeu interesse para nós a transposição direta da libido em angústia, antes sustentada" (Freud, 1926/1990: 152).
Entretanto, na mesma obra, ao reconhecer que não se trata de desvalorizar suas descobertas anteriores, mas apenas de colocá-las em interação com as formulações mais recentes, escreve o seguinte:
Não é descartável que, no caso da abstinência, de perturbações abusivas no curso da excitação sexual, de um desvio desta excitação de seu processamento psíquico, surja angústia diretamente da libido, isto é, se estabeleça aquele estado de desamparo do eu frente a uma tensão hipertrófica da necessidade, estado que, como no nascimento, desemboque em um desenvolvimento de angústia [...] em relação a isso, é de novo uma possibilidade indiferente que seja o excesso de libido não aplicada que encontre sua descarga no desenvolvimento de angústia (Freud, 1926/1990: 133).
Posteriormente, na 32ª das "Novas conferências de introdução à psicanálise", parece que essa posição nuançada é definitivamente abandonada: "Não mais sustentaremos ser a libido que é transformada em angústia". Entretanto, importa-nos particularmente a sequência dessa afirmação: "Mas não vejo objeção alguma a uma origem dupla da angústia: em um caso como consequência direta do fator traumático e, em outro, como sinal que ameaça a repetição de um tal fator" (Freud, 1933/1989: 88).
Essas afirmações oscilantes e contraditórias evidenciam que Freud tinha dificuldade em abandonar completamente a teoria anterior, mas, ao mesmo tempo, não encontrava meios de conciliá-la às novas criações teóricas (Sevá, 1975).
Entretanto, uma análise do conjunto de suas teorizações relativas à angústia permite-nos formular uma hipótese segundo a qual essas várias concepções poderiam ser tomadas como eixos explicativos cuja interligação seria crucial para o entendimento do percurso de produção da angústia. Segundo essa perspectiva, não se trataria de colocar em oposição duas teorias excludentes, como são apresentadas pelo próprio Freud, em meio aos impasses gerados por essa opção.
O trajeto teórico freudiano pode nos fornecer, a depender da leitura que dele se faça, o acesso à presença de três teorias sobre a angústia, passíveis de composição em um modelo integrado único, que abarcaria os vários tempos do processo de produção da angústia.
Além disso, importa destacar que, de certa forma, estão justapostos e entrecruzados dois parâmetros que não costumam ser suficientemente esclarecidos na apresentação dessas duas teorias: a concepção de angústia como oriunda de transformação da libido e a produção da angústia em termos de sua relação com a repressão. A hipótese enunciada anteriormente supõe a separação desses dois critérios de análise e é justamente por essa razão que será possível utilizá-los como instrumentos para a composição da proposta que pretendo desenvolver.
Além dos textos que marcam esses três momentos principais da investigação freudiana sobre a angústia, as ideias apresentadas anteriormente serão desenvolvidas tendo como referências centrais o modelo proposto por Freud em "Projeto de uma psicologia" (Freud, 1895a/2003) e as concepções, expostas em "O inconsciente" (Freud, 1915c/2010), "Pulsões e destinos de pulsão" (Freud, 1915a/1990) e "A repressão" (Freud, 1915b/1990), relativas ao par afeto e representação, delegados a partir dos quais a pulsão é capturável pelo psíquico.
Serão enunciados e desenvolvidos os eixos principais do trajeto da argumentação, desde que não é possível apresentar o conjunto do material obtido por esta investigação no âmbito dos limites deste artigo.
VICISSITUDES DA ANGÚSTIA COMO UM AFETO3
Como a angústia é um caso particular de afeto, à luz do esquema do "Projeto", relembremos as vicissitudes do afeto no circuito da vivência de satisfação, assinalando, brevemente, as ocorrências nos vários sistemas neurônicos e as conexões que são estabelecidas desde que se instaura uma pulsão somática a partir de uma fonte endógena4.
Uma vez aparecendo uma tensão de necessidade, ela é percebida pelo sistema ω e registrada no sistema Ψ do manto. Essa tensão de necessidade leva a um aumento de excitação em Ψ do núcleo e o afastamento do nível constante da energia desse sistema define uma tensão nuclear que provoca uma descarga visceral (por exemplo, o choro), correspondente à expressão de uma emoção. Tanto a tensão em Ψ do núcleo como a descarga visceral específica são percebidas e deixam as marcas correspondentes em ω e Ψ do manto, respectivamente.
O sistema Ψ do manto é capaz de memória, aprendizagem associativa, impulso de desejo e repulsa; assim, desde que é percebida uma tensão nuclear proveniente do soma, é evocada a memória do objeto de satisfação, cuja imagem mnêmica foi estabelecida por ocasião de uma primeira vivência de satisfação. Uma vez que tal objeto é evocado, ocorrerá uma nova tensão, desde que relembrá-lo não é o mesmo que percebê-lo. Nesse ponto, emergirá um impulso no sentido de restabelecer a percepção desse objeto, isto é, buscar a identidade perceptual, e este impulso (Drang) é denominado estado de desejo (Wunschzustand).
Embora Ψ do manto guarde a memória de tal objeto, a ativação desse registro levaria a uma percepção alucinatória, pois esse sistema é regulado pelo processo psíquico primário. Cabe a uma parte do sistema Ψ, a que Freud se refere como uma "organização", um grupo de neurônios que ele define como "eu", inibir o investimento da imagem mnêmica do objeto quando ele está ausente a partir dos signos de realidade provenientes do sistema ω. Essa operação do processo psíquico secundário impede o movimento alucinatório e promove a busca do objeto real e da identidade perceptual real. Dessa forma, o impulso de desejo secundário corresponde a uma força que leva à redução da tensão instalada em Ψ do manto, que desaparece com o estabelecimento da identidade perceptual.
Como Ψ do manto retém as imagens mnêmicas dos reflexos adequados e há vias de facilitação entre elas e as imagens mnêmicas do objeto de satisfação, assim que a identidade perceptual é atingida e os reflexos adequados são emitidos é abolida a tensão nuclear e registrada essa ocorrência. Desse modo, o circuito da vivência de satisfação se completa, com seus correspondentes registros no nível do aparelho psíquico. Ou seja, "a totalidade do circuito formado em Ψ - um conjunto de neurônios interligados e representando os elementos de uma vivência de satisfação - é um caminho preferencial de eliminação e é definido por Freud como desejo" (Gabbi Jr., 2003: 55).
No caso da experiência de dor, Ψ do manto retém a imagem mnêmica do objeto hostil e os laços entre essa memória e os neurônios secretores, que passam a liberar desprazer sempre que a imagem do objeto hostil é reinvestida. Com a estimulação dos neurônios secretores, ocorre uma tensão de repulsa em relação ao objeto hostil e, por meio da repressão ou defesa primária, instalada por aprendizagem filogenética para abolir a dor, é desinvestida a imagem mnêmica do objeto hostil.
Podemos notar, nessa breve apresentação dos afetos, quatro tensões: tensão somática, tensão nuclear, tensão de desejo e tensão de repulsa; e quatro correspondentes reduções de tensão: a primeira, por satisfação de necessidade biológica, no segundo caso, quando o nível de excitação volta ao valor constante em Ψ do núcleo, em seguida, ao se obter a identidade perceptual em Ψ do manto, no caso da experiência de satisfação e, finalmente, pela operação da repressão, no caso da experiência de dor. Cada um desses afetos tensionais e distensionais são percebidos no sistema ω como sentimentos e deixam imagens mnêmicas em Ψ do manto como sinais de sua ocorrência.
No caso específico do afeto de angústia, trata-se de uma tensão de necessidade proveniente de via endógena que provoca um aumento de excitação em Ψ do núcleo, ou de uma subida do nível de excitação em Ψ do núcleo por via exógena. Como esse aumento de excitação não é descarregado por vias normais, haverá um acúmulo de excitação, a partir do qual, uma vez ultrapassado um valor limiar, se produzirá, por meio de vias facilitadas filogeneticamente, a descarga de angústia, afeto esse tão peculiar, no qual, nas precisas palavras de Assoun (1996: 160), uma espécie de "coquetel sensório-motor se torna sensível, na sua mistura de passividade e atividade, de desprazer e erotização".
Em "Inibição, sintoma e angústia" (Freud, 1926/1990), essa descarga é definida como angústia automática ou angústia econômica e ocorre numa situação de desamparo frente a um acúmulo de excitação o qual o eu se acha desprovido de recursos para enfrentar. Assim se recorta a definição de perigo, que ocupa papel proeminente na metapsicologia da angústia, articulado à ameaça de esmagamento ou aniquilamento do eu, expressão que Freud já havia utilizado em "O eu e o isso" (Freud, 1923/1990), no contexto da discussão envolvendo os embates do eu com as outras instâncias. A conceituação de desamparo articula-se à definição de situação traumática, sendo que o termo angústia econômica refere-se ao conjunto todo, da situação traumática à descarga específica que a acompanha.
Como toda tensão e sua descarga correspondente são percebidos no nível do aparelho psíquico pelo sistema neurônico ω, deixando as marcas de tais experiências em Ψ do manto, a angústia econômica deverá deixar um registro de sua ocorrência. É esse o percurso dos afetos em geral, em que se vinculam a percepção e a imagem mnêmica dos afetos tensionais. Nesse quadro, a definição de sinal de angústia corresponde, justamente, ao registro da angústia automática5.
Desse modo, a angústia econômica corresponde à primeira experiência de angústia vivenciada pelo sujeito e as subsequentes reativações das marcas dessa experiência primitiva conduzirão a posteriores descargas de angústia. Podemos observar que Freud usa a expressão "sinal de angústia" tanto para se referir à imagem mnêmica como a seu investimento, que se vincula à emergência do estado afetivo ansioso, sempre mobilizado quando é reativada a memória da situação de desamparo vivida originalmente.
Fica absolutamente delimitado que o sinal de angústia é mobilizado toda vez que ocorre uma ameaça que tal situação traumática volte a ocorrer, de modo que nessa rede conceitual o sinal de angústia ocupa um papel nuclear, desde que se articula a uma liberação intencional e mínima desse afeto por parte do eu perante situações de perigo. Com essa estratégia, o eu se previne contra o esmagamento articulado ao desamparo por meio do agenciamento dos processos defensivos, de cujo conjunto faz parte a repressão.
Os determinantes do perigo mudam conforme o eu se constitui, mas têm como característica comum a separação ou perda do objeto, ou de seu amor, pois essas condições anunciam uma ameaça de desamparo. Os determinantes do perigo enunciados em "Inibição, sintoma e angústia" são, em síntese, os seguintes: o nascimento, a perda da mãe como objeto, a perda do pênis, a perda do amor do objeto e a perda do amor do supereu (este último em sua relação com a discussão sobre o sentimento de culpa que havia sido reinstalada, poucos anos antes, em "O eu e o isso"). Nesse conjunto, importa destacar que, embora o perigo da castração seja o mais familiar, a concepção de angústia em função da separação ocupa uma atenção proeminente nessa obra (Strachey, 1926/1990). Escreve Freud (1926/1990):
o processo do nascimento é a primeira situação de perigo e a convulsão econômica que ele produz se converte no protótipo da reação de angústia. Já traçamos a linha de desenvolvimento que liga essa primeira situação de perigo e determinante da angústia com as posteriores e vimos que todas conservam algo em comum, pois em certo sentido significam uma separação da mãe: primeiro só no aspecto biológico, a seguir como uma perda direta do objeto e depois numa separação mediada por caminhos indiretos (Freud, 1926/1990: 142).
Embora a definição e os desdobramentos teórico-clínicos do sinal de angústia só apareçam nessa obra, devemos lembrar que a referência a uma liberação mínima de desprazer usado como sinal para evitar uma liberação mais intensa já está presente em obras anteriores: no "Projeto de uma psicologia" (Freud, 1895a/2003), em "A interpretação dos sonhos" (Freud, 1900/1989), em "O inconsciente" (Freud, 1915c/2010) e na 25ª das "Conferências de introdução à psicanálise" (Freud, 1917/1989). Da mesma forma, a situação traumática já tinha seus antecedentes em obras publicadas na década de noventa, como é o caso da citação exemplar presente no "Projeto" (Freud, 1895a/2003):
O organismo humano é no início incapaz de levar a cabo a ação específica. Ela se efetua por ajuda externa, na medida em que, através da eliminação pelo caminho da alteração interna, um indivíduo experiente atenta para o estado da criança. Esta trilha de eliminação passa a ter, assim, a função secundária da mais alta importância, de comunicação. E o desamparo inicial do ser humano é a fonte originária de todos os motivos morais (Freud, 1895a/2003: 196).
Finalmente, é fundamental destacar que os registros de situações traumáticas articulam-se a um ponto de vista que engloba ontogênese e filogênese.
ANGÚSTIA E REPRESSÃO6
Como na teorização freudiana sobre a angústia é crucial a questão de sua relação com a repressão, relembremos, brevemente, alguns elementos básicos relativos à metapsicologia da repressão, presentes nos artigos "Pulsões e destinos de pulsão" (Freud, 1915a/1990), "A repressão" (Freud, 1915b/1990) e "O inconsciente" (Freud, 1915c/2010), fundamentais para o desenvolvimento das propostas aqui apresentadas.
Como uma pulsão só é apreensível pelo psíquico por meio de seus representantes ideacional e afetivo, não cabe abordá-la em função da antítese consciente-inconsciente, pois apenas seu componente ideativo é passível de pertinência ao sistema inconsciente (Ics). Nesse caso, não só as expressões moção pulsional inconsciente ou moção pulsional reprimida são inadequadas como não se poderia falar, rigorosamente, de "afetos inconscientes" ou de "sentimentos inconscientes": o uso desses termos "remete aos destinos do fator quantitativo do impulso instintual, em consequência da repressão" (Freud, 1915c/2010: 116).
Quando o componente ideativo é reprimido, são três os caminhos possíveis para o afeto: permanece, total ou parcialmente, o que ele é; transforma-se em outro afeto qualitativamente diferente, principalmente em angústia; ou é suprimido, isto é, coartado em seu desenvolvimento. Entretanto, de modo ambíguo, afirma Freud (1915c/2010: 118) em "O inconsciente": "É possível que o desenvolvimento do afeto proceda diretamente do sistema Ics; nesse caso tem sempre o caráter da angústia, pela qual são trocados todos os afetos 'reprimidos'".
Com a inibição do desenvolvimento do afeto, o uso linguístico nos leva a usar a expressão "afetos inconscientes", mas na comparação com a ideia inconsciente Freud estabelece, entretanto, uma diferença entre ambos: com a repressão, o representante ideativo continua existindo "como formação real no sistema Ics, enquanto ao afeto inconsciente corresponde, no mesmo lugar, apenas uma possibilidade incipiente, que não pôde se desenvolver" (Freud, 1915c/2010: 116). Mas Freud parece oscilar, afirmando, logo em seguida, que:
bem pode haver, no sistema Ics, formações afetivas que, como outras, tornam se conscientes. Toda diferença vem de que ideias são investimentos - de traços mnemônicos, no fundo -, enquanto os afetos e sentimentos correspondem a processos de descarga, cujas expressões finais são percebidas como sensações. No estado atual de nosso conhecimento dos afetos e sentimentos não somos capazes de exprimir essa diferença de modo mais claro (Freud, 1915c/2010: 117; grifos nossos).
Em termos descritivos, podemos dizer que, na repressão, ocorre uma separação entre o afeto e a ideia à qual ele está ligado, seguindo cada um deles um caminho diferente. Mas, na realidade, o afeto só poderá surgir quando se ligar a uma nova representação no sistema Cs (Pcs.).
As citações anteriores fundamentam algumas hipóteses relativas a pontos obscuros e de impasse, envolvendo a questão dos destinos dos representantes pulsionais na operação da repressão. Podemos supor, em função dessas formulações freudianas, que haveria no sistema Ics, como representantes pulsionais, duas formações, uma de caráter ideacional e outra de caráter afetivo. Poderíamos denominá-las, respectivamente, memória e estrutura afetiva, as quais, quando investidas, corresponderiam a uma ideia e a um estado afetivo, pertinentes ao sistema Pcs (Cs).
O processo de repressão consistiria na separação dessas formações (espécies de estruturas) de seus respectivos investimentos libidinais, deslocando-se a energia assim liberada para outras estruturas ideacionais e afetivas. Esse deslocamento daria sustentação à explicação da formação das ideias substitutivas nas neuroses e das vicissitudes possíveis para o componente afetivo da pulsão. O termo reprimido poderia ser aplicado, portanto, tanto à formação ideativa como à formação afetiva, que permaneceriam desinvestidas no sistema Ics.
Essa proposta é passível de articulação com as reflexões desenvolvidas por Freud, em várias ocasiões, envolvendo a questão das emoções. Já desde o início de suas investigações, como se pode observar em "Estudos sobre a histeria" (Freud, 1893-1895/1990), considera que os afetos, em geral, são da ordem da repetição traumática, desde que "os estados afetivos estão incorporados na vida anímica como sedimentações de antiquíssimas vivências traumáticas e, em situações parecidas, despertam como símbolos mnêmicos", como afirmará, nessa mesma linha, em "Inibição, sintoma e angústia" (Freud, 1926/1990: 89). É nesse sentido que o afeto seria construído como um ataque histérico, reportando-se, como este, à ativação de uma reminiscência, como Freud já afirmara anteriormente, na "25ª Conferência de introdução à psicanálise" (Freud, 1917/1989):
o estado afetivo teria a mesma construção que um ataque histérico e seria, como este, o precipitado de uma reminiscência. Portanto, o ataque histérico é comparável a um afeto individual recentemente formado, e o afeto normal à expressão de uma histeria geral que se tornou herança (Freud, 1917/1989: 360).
Essas "relíquias de comportamentos anteriores" marcam, sem dúvida, a dívida de Freud com o pensamento darwiniano, a quem Freud se reporta explicitamente nos "Estudos sobre a histeria", na discussão sobre o caso clínico de Cäcilie M., quando afirma o seguinte: "Todas essas sensações e inervações pertencem à 'expressão das emoções', que, como nos ensinou Darwin, consiste em operações que originalmente possuíam um significado e serviam a uma finalidade" (Freud, 1893-1895/1990: 193). Aspecto que se vincula à dimensão paradoxal das emoções, "função de desordem aparente que deve, no entanto, encontrar sua significação em sua utilidade ao mesmo tempo real e mascarada" (Assoun, 1996: 156).
Na perspectiva da metapsicologia freudiana, essas "relíquias" poderiam se articular às ficções teóricas apresentadas anteriormente, relativas ao componente afetivo da pulsão, em termos de "estruturas ou formações" afetivas presentes no sistema Ics. E, principalmente, expressam uma dimensão do campo dos afetos perfeitamente condizente ao alcance do papel defensivo que a angústia passa a ocupar, destacadamente, a partir do segundo dualismo pulsional e da segunda tópica, que converge para a função do sinal de angústia.
Sabemos que a distinção explícita entre repressão e defesa é uma das contribuições teóricas mais importantes do ensaio "Inibição, sintoma e angústia". Os dois termos foram usados de maneira confusa no decorrer da obra freudiana desde a primeira vez que apareceu o termo repressão na "Comunicação preliminar" (Freud, 18931895/1990) e o termo defesa, em "Neuropsicoses de defesa" (Freud, 1894/1989). A partir de então, "repressão" passou a ser usado com maior frequência, sendo mesmo afirmado por Freud, na "Contribuição à história do movimento psicanalítico" (Freud, 1914/1990), que passou a usá-lo em substituição a "defesa".
A necessidade de reintroduzir esse termo surgiu com a constatação de que a repressão, tal como era definida, não abarcava todos os processos por meio dos quais os impulsos indesejáveis eram afastados. Embora, até então, a repressão não tenha sido separada explicitamente de outros mecanismos de defesa, já havia antecedentes dessa diferenciação, por exemplo, no caso do Homem dos ratos (Freud, 1909b/1990), no qual é feita a referência a dois tipos de repressão relativos à histeria e à neurose obsessiva, e, também, em "A repressão" (Freud, 1915b/1990), quando é feita referência ao mecanismo da projeção na discussão sobre as vicissitudes da pulsão. A relação entre os dois termos se esclareceu de modo consistente, de fato, apenas em 1926, quando o conceito de defesa é usado como "designação geral para todas as técnicas que o eu utiliza em seus conflitos que podem levar à neurose, enquanto que 'repressão' continua sendo o nome de um desses métodos de defesa em particular, com o qual nos familiarizamos no início, como consequência da orientação de nossas indagações" (Freud, 1926/1990: 153).
Em "Inibição, sintoma e angústia", trata-se de dois tipos de defesa pertinentes à histeria e à neurose obsessiva, ocorrendo no primeiro caso um afastamento da consciência das experiências patogênicas e, embora permaneça consciente no quadro da neurose obsessiva, a amnésia que aparece em ambas é efeito do processo de isolamento no caso da neurose obsessiva.
A HIPÓTESE DE DOIS REGISTROS
Com base no que foi exposto anteriormente, a diferença entre esses dois mecanismos de defesa poderia ser explicada a partir da suposição de dois registros no sistema Ics, referentes aos dois componentes da pulsão que designamos como "memória" (estrutura ou formação ideacional) e "estrutura afetiva" (ou formação afetiva). Segundo as ideias aqui propostas, reside nesse ponto a opção metapsicológica que terá consequências significativas para o encaminhamento dos impasses observados nos desenvolvimentos teóricos freudianos sobre a angústia.
Ao que tudo indica, Freud não trabalhou claramente com dois registros e parece referir-se ao afeto como sendo o investimento da ideia, mesmo que se leve em conta a pluralidade de sentidos que o termo afeto assume no decorrer de sua obra. A metapsicologia do isolamento fica mais compreensível se supusermos que, na repressão, há um desinvestimento da ideia e do afeto, que ficam reprimidos como uma memória e uma estrutura afetiva; nesse caso, é a forma pela qual a energia libidinal liberada é aproveitada que define que tipo de neurose vai ocorrer. No isolamento, continuam presentes no sistema Pcs (Cc) tanto a ideia quanto o afeto componentes da pulsão, isto é, não são desinvestidos, mas há uma ruptura do nexo associativo entre ambos, de modo que permanecem isolados entre si.
A partir dessas evidências, fica clara a necessidade de se situar a repressão apenas como um dentre os meios de defesa utilizados pelo eu em seus embates com as exigências pulsionais. Além disso, Freud vê essa delimitação como uma abertura para se efetuarem correlações entre tipos de defesa e tipos de neurose e, ainda, para se pesquisar a possível existência de outros mecanismos de defesa anteriores à diferenciação entre eu, isso e supereu.
A ANGÚSTIA EM TRÊS TEMPOS
Mesmo que brevemente, foram anunciados os elementos básicos que nos permitem retomar a proposta de situar no percurso freudiano três teorias sobre a angústia, e não duas, as quais não só não seriam excludentes, mas, ao contrário, poderiam ser consideradas, em seu conjunto, uma proposta teórica única que englobaria as várias etapas do processo de produção da angústia.
Já vimos que a angústia econômica ou automática ocorre numa situação de desamparo do eu que se confronta a um acúmulo de excitação, oriunda de fontes exógenas ou endógenas, que ultrapassa um valor limiar e o impede de qualquer ação de controle. Também é fundamental resgatar a ideia com a qual, como vimos, Freud alimenta suas reflexões desde a correspondência com Fliess, segundo a qual a angústia poderia ser utilizada para o acúmulo de tensão física em geral, não apenas de caráter libidinal. Assim se define uma situação traumática e essa descarga afetiva é percebida no nível do aparelho psíquico pelo sistema ω, deixando uma estrutura afetiva como registro de sua ocorrência, que é o "sinal de angústia".
A angústia econômica se refere à primeira experiência de angústia vivenciada pelo sujeito e o estado afetivo ansioso surgirá, posteriormente, pelo reinvestimento da imagem mnêmica dessa experiência primitiva. É útil esclarecer que o termo sinal de angústia é usado por Freud num duplo sentido, reportando-se tanto ao registro da angústia econômica como ao resultado de seu reinvestimento.
Também deve ser relembrado que existem tanto imagens mnêmicas de eventos traumáticos experienciados pelo sujeito como traços mnêmicos de ocorrências traumáticas que se transmitem como uma herança filogenética, desde que essa diferenciação é fundamental para englobar as teses propostas por Freud em uma formulação teórica única.
Essa perspectiva permite distinguir a produção da angústia na neurose de angústia e na histeria de angústia, tomando esses quadros patológicos em sua forma "pura", isto é, como construções teóricas cuja emergência empírica singular fica destinada a situações limite. Esse esclarecimento se reporta à insistência de Freud em destacar a ocorrência proeminente de neuroses mistas, pois, mesmo que tenha se empenhado na discriminação dos mecanismos e etiologia dos diversos quadros psicopatológicos, não deixou de enfatizar a facilidade com que psiconeuroses podem se desenvolver a partir de neuroses atuais (Freud, 1926/1990). Mesmo assim, essa diferenciação teórica é fundamental para a problematização metapsicológica aqui ensaiada.
Na neurose de angústia, trata-se da ativação de um sinal de angústia adquirido por meio de uma descarga econômica inserida na historicidade do sujeito, daí sua denominação de neurose atual. A histeria de angústia, por outro lado, se reporta ao investimento de um registro que faz parte do patrimônio filogenético e corresponderia à estrutura afetiva da angústia de castração que, quando reativada, constitui o motor dos processos defensivos que conduzem às neuroses de defesa. O sinal filogenético é mobilizado em situações de conflito e frustração, que representam a ameaça de ocorrência de uma situação traumática, e é nesse contexto teórico que se insere a noção de perigo, que adquire um estatuto conceitual proeminente na metapsicologia da angústia. A angústia é então vivida de forma mitigada, assim se articulando a uma expectativa, ou melhor, a uma expectativa angustiante, inscrevendo-se, desse modo, no registro de uma lógica da "antecipação" no sentido de acionar a operação do mecanismo de defesa. Resta esclarecer o aparecimento da angústia como resultado da repressão.
Em "Inibição, sintoma e angústia", como vimos, a repressão é considerada um dos mecanismos de defesa disponíveis ao eu perante situações de conflito. Se nos reportarmos à equação etiológica presente na "23ª Conferência de introdução à psicanálise" (Freud, 1917/1989), observamos que os elementos presentes na formação de sintomas, que se articulam segundo a perspectiva do conceito de "séries complementares", são os seguintes: a frustração e a tendência ao conflito como precondição mais geral em virtude dos obstáculos que se impõem à satisfação dos impulsos libidinais; uma predisposição por fixação libidinal (em função do par composto, de modo complementar, por constituição sexual a partir de experiências pré-históricas e o vivenciar infantil da história do sujeito), por meio da qual a libido regride a fases anteriores de seu desenvolvimento, passando a operar segundo o regime das matrizes que lhes são pertinentes. Com os instrumentos conceituais fornecidos pela segunda tópica, o conflito subjacente à neurose passa a se circunscrever no espaço de tensão entre o eu, que responde às exigências do supereu e da realidade, e as tendências pulsionais provenientes do id.
Se na equação etiológica de 1895 (Freud, 1895c/1989), no âmbito das pesquisas mobilizadas pelas neuroses atuais, o fator etiológico específico para as neuroses de angústia eram os distúrbios da vida sexual atual, a tônica é bem diversa na concepção de causa específica, segundo a "série complementar" de 1917: o fator específico neste caso é a fixação, determinada pela relação complementar entre a disposição herdada e as ocorrências infantis. O conflito e a frustração, correspondentes às experiências acidentais traumáticas da vida adulta, são, como complemento da fixação, apenas o fator desencadeante das diversas modalidades de sofrimento psíquico. Também é evidente que o sentido do que seja esse "vivenciar", como componente do quadro complexo que fundamenta a formação de sintomas, se articula ao papel fundamental do que foi definido como realidade psíquica.
A ideia de uma "equação" não só enfatiza a noção de sobredeterminação como fundamento da concepção etiológica como explicita a necessidade de que sejam levados em conta, em seu conjunto, os componentes pertinentes a um exame metapsicológico. Assim se destaca a insuficiência de uma abordagem apenas qualitativa das condições etiológicas, de modo que é crucial que as condições dinâmicas se façam acompanhar por uma avaliação em termos econômicos:
o conflito entre duas aspirações não irrompe senão quando foram alcançadas certas intensidades de investimento, por mais que preexistam os fatores determinantes do conflito. A importância patogênica dos fatores constitucionais depende de quanto mais de uma pulsão parcial em relação a outra está presente na disposição; e ainda podemos imaginar que as disposições de todos os seres humanos são qualitativamente semelhantes e só se diferenciam por essas proporções quantitativas. O fator quantitativo não é menos decisivo na capacidade de resistência à neurose. O que interessa é o montante de libido não aplicada que uma pessoa pode conservar em suspensão e o tamanho da fração de sua libido que é capaz de desviar do sexual para as metas da sublimação (Freud, 1917/1989: 341).
Posteriormente, na 32ª das "Novas conferências de introdução à psicanálise", Freud expressa essas concepções de modo mais sintético: "Só a magnitude da soma de excitação converte uma impressão em fator traumático, paralisa a operação do princípio do prazer e confere à situação de perigo a sua importância" (Freud, 1933/1989: 87).
Em termos do aparato conceitual apresentado até agora, e no âmbito das consequências teórico-clínicas do conceito de equação etiológica, na situação de conflito e frustração reside uma ameaça de situação traumática, que se vincula a intensidades excessivas que podem romper os escudos-protetores e, nesse caso, o investimento da memória filogenética de castração circunscreve a ameaça de uma situação de desamparo.
É, portanto, crucial, o papel defensivo que a angústia passa a ocupar, desde que o eu é concebido como sede da angústia e, nessa circunstância, é capaz de emitir um sinal de alerta que coloca o processo defensivo em andamento. O mecanismo de regressão que se instaura inicialmente permite que o modo de operação ao qual a libido retorna por fixação (oral, sádico-anal, fálico) defina que mecanismo de defesa será utilizado e, consequentemente, que processo de formação de sintomas se efetuará.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Já vimos que, com a repressão, segundo nossa hipótese de trabalho, são retirados os investimentos do par de representantes pulsionais, a ideia e o afeto, que passam a fazer parte do sistema Ics como formações (estruturas). Recorta-se aqui uma questão fundamental: o que acontece com essa libido liberada pela repressão?
Pelo exposto até aqui, podemos supor que a libido sofrerá um deslocamento cujo destino definirá que tipo de neurose estará em questão: poderá deslocar-se para uma memória kinestésica, ou para uma estrutura afetiva de angústia, ou para outra memória e estrutura afetiva quaisquer. Os resultados pertinentes a cada uma dessas vicissitudes estariam vinculados, respectivamente, à histeria de conversão, à histeria de angústia e à neurose obsessiva, e o termo reprimido aplica-se, desse modo, apenas às estruturas ideacional e afetiva.
Da montagem desse cenário teórico se deriva a proposta segundo a qual não só a angústia deve ser concebida apenas como um dos resultados obtidos por meio da repressão como também que esse desfecho se efetua necessariamente por deslocamento da libido e não por transformação da libido. No processo de escolha da neurose, a fixação é o fator decisivo, pois é ela que determina o destino da libido liberada pela repressão, colocando-se na posição privilegiada, como fator específico da rede etiológica, de definir qual defesa ou agrupamento de defesas estará em ação.
O que pretendemos demonstrar é que pode haver, do ponto de vista da relação entre angústia e repressão, dois tempos na produção da angústia: ela surgirá, sempre, em situações de conflito - que representam uma ameaça que instala uma situação traumática, pelo reinvestimento da memória filogenética de castração -, como condição necessária para colocar o processo defensivo em andamento, mas poderá ainda aparecer, também, como consequência da repressão, dependendo do destino da libido retirada dos representantes pulsionais.
Finalmente, tendo como perspectiva a hipótese segundo a qual a produção de angústia deriva de um acúmulo de tensão física em geral e não apenas de caráter libidinal, carece de fundamento a suposição de eventual produção da angústia por transformação da libido, fio condutor que esteve subjacente a três décadas da pesquisa freudiana voltada a essa temática. Nesse caso, desde que o "princípio de constância" é soberano, poderíamos supor que a angústia se reportaria a um escoamento de libido, no caso de um acúmulo de tensão sexual e de um escoamento pelas mesmas vias sensório-motoras que dão suporte à angústia, em se tratando de outras modalidades de tensão articuladas à "necessidade da vida", expressão cunhada por Freud, em 1895, no "Projeto de uma psicologia" (Freud, 1895a/2003: 177).
De certa forma, retomamos a brecha aberta por Freud, em 1933, ao se reportar à possibilidade de uma dupla origem da angústia e a articulamos a suas formulações iniciais pertinentes à produção de angústia como derivação de uma tensão física no geral.
Segundo a metapsicologia da angústia que estamos propondo, a aparente reformulação pertinente à "segunda teoria" explicitaria um segundo tempo, que, complementado pela "primeira" teoria, vinculada a um terceiro tempo, formaria uma tentativa teórica conjugada de entendimento da relação entre repressão e angústia. A teorização relativa à angústia econômica, por sua vez, daria suporte a um primeiro tempo do percurso, necessário para que se registre um sinal de angústia, base de operação dos dois movimentos subsequentes.
Na perspectiva da tese que pretendemos demonstrar não só não há incompatibilidade entre as assim chamadas "duas teorias sobre a angústia" como podem ser recortadas da leitura freudiana da angústia três teorias que, num espectro integrado de teorização, são consistentes aos três tempos envolvidos na produção de angústia.
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NOTAS
1 O leitor poderá se beneficiar das análises relativas à tradução de Angst para o português nos trabalhos de Hanns (1996) e Souza (1999). Também o remeto à diferenciação efetuada por Freud (1917/1989) entre Angst (angústia), Furcht (medo) e Schreck (susto ou terror) e a meus breves comentários sobre essa questão em Loffredo (no prelo).
2 Ver a excelente Introdução de Strachey (1926/1990) à obra "Inibição, sintoma e angústia".
3 A polissemia que envolve o termo "afeto" na obra freudiana é objeto de discussão de estudos consistentes na literatura (por exemplo, Assoun, 1996; Barros, 1975/1998; Green, 1982/1999) e este trabalho não tem por objetivo tematizar essa questão.
4 Remeto o leitor para o "Projeto de uma psicologia", parte I, onde se apresentam as características dos sistemas neurônicos Φ, Ψ (do núcleo e do manto) e ω (Freud, 1895a/2003).
5 Nesse caso, a relação entre a angústia automática e o sinal de angústia não seria definida em termos de uma oposição, como afirmam Laplanche e Pontalis (2001: 27) em seu verbete sobre angústia automática, mas em termos da posição que ocupam na rede dos operadores teóricos que instrumentalizam a compreensão das etapas do processo de produção da angústia, como veremos na sequência dessa argumentação.
6 Não me proponho a enveredar pela polêmica implicada na tradução para o português de Verdrängung. A opção pelo termo repressão, no contexto desta pesquisa, se apoia na discussão efetuada por Souza (1999) e nos seguintes comentários de Gabbi Jr. (2003: 112), em suas Notas a projeto de uma psicologia: "O próprio Freud considera que Verdrängung 'teria o sentido quantitativo de um despojamento de quantidade'. A expressão despojar de quantidade é usada no sentido de retirar o estímulo para eliminação proveniente da própria existência de quantidades. A repressão caracteriza o processo de expulsar quantidades de uma ideia, anulando seu estado de incitação; neste sentido, indica um retorno a um estado de uma quantidade menor ou ausente". Ver, também, Hanns (1996) e Souza (1999).
Recebido em 25 de julho de 2011
Aceito para publicação em 13 de fevereiro de 2012
Em memória de Carlos Paes de Barros