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Revista Brasileira de Orientação Profissional
versão On-line ISSN 1984-7270
Rev. bras. orientac. prof vol.12 no.1 São Paulo jun. 2011
ARTIGO
Percepções e estratégias de inserção no trabalho de universitários de Administração
Perceptions and job insertion strategies by Business Administration undergraduates
Percepciones y estrategias de inserción en el trabajo de universitarios de Administración
Lucia Barbosa de Oliveira1
Faculdade de Economia e Finanças Ibmec, Rio de Janeiro-RJ, Brasil
RESUMO
Este estudo qualitativo teve por objetivo investigar como jovens universitários percebem e se preparam para o mercado de trabalho. Foram realizadas 31 entrevistas em profundidade com estudantes de diferentes cursos de graduação em Administração do Estado do Rio de Janeiro. Os resultados mostram que a carreira tradicional ainda é preferida e que o investimento em qualificação é visto como a principal estratégia de inserção no trabalho. Foram também identificados quatro perfis de jovens - engajado, preocupado, cético e desapegado -, tipos ideais definidos a partir da forma como reagem à realidade do mercado de trabalho, da confiança nas qualificações que conseguiram construir e do significado que atribuem ao trabalho, fatores estes que acabam por influenciar suas aspirações de carreira.
Palavras-chave: gestão da carreira, escolha profissional, aspirações profissionais, universitários, mercado de trabalho
ABSTRACT
The purpose of this qualitative study was to investigate how undergraduates perceive and prepare for the job market. Thirty-one in-depth interviews were held with students from different Business Administration courses in the state of Rio de Janeiro, Brazil. The results showed that the traditional careers were still preferred and that the investment in training was seen as the main job insertion strategy used. Four student profiles were also identified - engaged, concerned, skeptical and detached -, ideal types based on how they react to job market reality, their confidence in the skills they have managed to build and the meaning of working, factors that ultimately influenced their career aspirations.
Keywords: career management, career choice, career aspirations, undergraduates, job market
RESUMEN
Este estudio cualitativo tuvo por objeto investigar cómo los jóvenes universitarios perciben y se preparan para el mercado de trabajo. Se realizaron 31 entrevistas en profundidad con estudiantes de diferentes cursos de graduación en Administración del Estado de Río de Janeiro. Los resultados muestran que la carrera tradicional todavía es la preferida y que la inversión en cualificación se ve como la principal estrategia de inserción en el trabajo. También se identificaron cuatro perfiles de jóvenes - involucrado, preocupado, escéptico e indiferente - tipos ideales definidos a partir de qué forma reaccionan a la realidad del mercado de trabajo, de la confianza en las cualificaciones que consiguieron construir y del significado que atribuyen al trabajo, factores estos que terminan influenciando sus aspiraciones de carrera.
Palabras clave: gestión de la carrera, elección profesional, aspiraciones profesionales, universitarios, mercado de trabajo
A quantidade de jovens e adultos que busca a formação superior como forma de garantir um espaço no mercado de trabalho vem crescendo de forma significativa nos últimos anos. Entre 1997 e 2007, o número de matrículas em cursos de graduação presenciais cresceu mais de 150%, saltando de pouco menos de 2 milhões para 4,8 milhões de alunos (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [INEP], 2000, 2009). No entanto, como a demanda por trabalho mais qualificado parece não ter crescido na mesma proporção, o que se observa é um aumento da competição pelas melhores posições e o fenômeno da sobre-qualificação, em que o trabalhador mais escolarizado acaba por não alcançar uma ocupação condizente com seu nível educacional (Pitcher & Purcell, 1998; Teichler, 1999). Além desse aspecto quantitativo, houve ainda uma mudança qualitativa nas posições hoje disponíveis.
Se num passado não muito distante as empresas ofereciam uma perspectiva de longo prazo a seus trabalhadores, hoje as relações de trabalho estão mais instáveis e transitórias. Os contratos de trabalho tradicionais - caracterizados pela reciprocidade e compromisso de longo prazo - vêm perdendo espaço para relações regidas pela lógica do mercado (Cappelli, 1999), fazendo com que o modelo de emprego para a vida toda seja paulatinamente substituído pelo modelo baseado na carreira, cujo gerenciamento é de responsabilidade do indivíduo. As expressões carreira sem fronteiras e carreira proteana foram cunhadas na tentativa de explicar o fenômeno. Uma carreira sem fronteiras, em oposição à carreira tradicional ou organizacional, não se limita a um ou poucos empregadores e exige que o profissional invista no autoconhecimento, no desenvolvimento de conhecimentos e habilidades e na construção de sua rede de relacionamentos (Arthur & Rousseau, 1996; Defillipi & Arthur, 1994). O conceito de carreira proteana enfatiza a transitoriedade das relações de trabalho e a importância da adaptação às mutantes necessidades das empresas (Hall, 2004). O termo proteano vem de Proteu, o personagem da mitologia grega que podia assumir diversas formas, de acordo com sua vontade. Por essa razão, este adjetivo vem sendo usado para representar a versatilidade e a flexibilidade cada vez mais exigidas do trabalhador.
Kanter (1997) também discute essa transformação na natureza das carreiras. Segundo a autora, enquanto a carreira corporativa tradicional, regida pela lógica da promoção e do relacionamento de longo prazo, se mostra em declínio, estariam ganhando espaço as carreiras profissional e empresarial. Na carreira profissional (ou autônoma), o indivíduo se vincula às organizações apenas pelo tempo de duração do projeto e seu crescimento depende do investimento em qualificação e da construção de sua reputação no mercado. Handy (1991) utiliza a expressão profissional de portfólio para explicar o tipo de pessoa que opta por esta modalidade de carreira, caracterizada pela liberdade, flexibilidade e independência. Na carreira empresarial (ou empreendedora), o elemento-chave é a capacidade de criação de novos produtos ou serviços e o crescimento envolve a conquista de novos territórios e a ampliação do volume de negócios gerados (Kanter, 1997).
No caso brasileiro, a opção pela carreira no serviço público também faz parte do leque de opções aberto aos jovens profissionais. Uma pesquisa realizada pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro [FIRJAN] (2007), com alunos do último ano de diferentes cursos e instituições de ensino superior do estado do Rio de Janeiro, mostrou que 63,5% dos entrevistados veem o concurso público como a primeira opção para sua inserção no mercado de trabalho após a formatura - sendo que apenas 6,5% têm como objetivo prioritário a construção de um negócio próprio.
A mensagem de que o trabalhador precisa tomar as rédeas de sua carreira está intimamente relacionada à hegemonia de um dos conceitos de empregabilidade - chamado de empregabilidade de iniciativa (Gazier, 2001) -, de acordo com o qual a responsabilidade pela conquista e manutenção de um posto de trabalho dependeria unicamente do trabalhador. A predominância deste discurso, porém, é um fenômeno relativamente recente, tendo o conceito de empregabilidade assumido diferentes interpretações ao longo da história (De Grip, van Loo, & Sanders, 2004). A este mais popular opõe-se o conceito de empregabilidade interativa (Gazier, 2001), segundo o qual as chances de um indivíduo manter-se ativo no mercado de trabalho dependeria não apenas de suas características pessoais, mas também das habilidades exigidas pela ocupação, da situação do mercado de trabalho e das políticas de qualificação da força de trabalho promovidas tanto por empresas quanto pelo Estado (De Grip et al., 2004).
Observa-se, portanto, que o conceito de empregabilidade mais difundido é o que prega que é do trabalhador e somente dele a responsabilidade por seus desígnios profissionais. Nesse sentido, a empregabilidade dependeria da capacidade individual de desenvolver e manter um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes atraentes aos potenciais empregadores.
A discussão dos aspectos necessários à construção da empregabilidade traz à tona uma questão apresentada por Bourdieu (2008), segundo o qual a origem social do jovem é tão ou mais importante na determinação de sua posição futura do que esforços individuais em torno da qualificação formal. Em outras palavras, cabe discutir até que ponto a posse de um diploma universitário é suficiente para a conquista da tal empregabilidade ou se, como destaca o autor, outros tipos de capital são tão ou mais importantes. O argumento de Bourdieu, baseado em extensa pesquisa sobre a mobilidade social na sociedade francesa, é o de que o valor do diploma universitário está positivamente relacionado à posse de capitais econômico, cultural (em suas outras formas) e social.
Em relação à empregabilidade, a importância do capital econômico residiria na disponibilidade de recursos para o pagamento do ensino formal, cursos extracurriculares (idiomas, etc.) e viagens, e para o financiamento da inatividade, fazendo com que o jovem tenha tempo livre para investir em seu capital cultural. O capital social, por sua vez, dá acesso a informações sobre oportunidades profissionais e poder de influência no ambiente de trabalho, conforme bastante discutido na literatura (Fugate, Kinicki, & Ashforth, 2004; Granovetter, 1995). Já o capital cultural seria importante, em primeiro lugar, pelas qualificações formais aprendidas no sistema educacional, mas também em função da competência linguística e do conhecimento da cultura das classes superiores (Dumais, 2002). A teoria do capital cultural de Bourdieu (2008) - desenvolvida em resposta à teoria do capital humano (Schultz, 1971) - defende que o sistema educacional reproduz as desigualdades sociais e que o desempenho acadêmico dependeria, portanto, do estoque de capital cultural acumulado no seio da família.
No Brasil, uma pesquisa desenvolvida pelo economista Carlos Alberto Ramos, publicada no jornal O Globo (Rosa, 2006), traz evidências que confirmam a tese de Bourdieu. Segundo o economista, considerando-se os profissionais com curso superior completo, o desemprego entre os 10% mais pobres da População Economicamente Ativa (PEA) é de 46,55% contra 2,64% entre os 10% mais ricos. Nesta mesma linha, um estudo com formandos e formados do curso de Administração de uma importante instituição de ensino superior (IES) carioca mostrou que aqueles com menor renda familiar "ocupam, predominantemente, posições em empresas menos conhecidas e com menor remuneração" (Lemos, Dubeux, & Pinto, 2008, p. 9).
Frente às transformações nas relações de trabalho, ao surgimento de novas formas de se encarar a carreira e ao entendimento de que a responsabilidade pela inserção profissional cabe exclusivamente a cada indivíduo, uma questão que se coloca é como os jovens, especialmente aqueles que optaram por investir no ensino superior, percebem essa realidade e reagem a ela. Alguns estudos têm discutido a inserção de universitários no mercado de trabalho, mas segundo Teixeira e Gomes (2004), o tema ainda é pouco explorado no Brasil. Numa pesquisa pioneira, conduzida em 1986 e 1987, junto a concluintes de diferentes cursos de graduação da Universidade Federal da Bahia, Neiva (1996) encontrou diferenças significativas entre as perspectivas de jovens que escolheram profissões com um bom mercado de trabalho, relativamente aos que optaram por profissões com um mercado de trabalho fraco. Apesar de terem uma visão mais pessimista, os jovens do segundo grupo apresentaram alguns comportamentos positivos, mostrando-se, por exemplo, mais decididos em relação ao seu projeto de futuro. Mais recentemente, Teixeira e Gomes (2004) investigaram as perspectivas profissionais de estudantes de Farmácia e Odontologia e identificaram uma combinação de otimismo e insegurança em relação à transição da universidade para o mercado de trabalho. Bardagi, Lassance e Paradiso (2003), por sua vez, analisaram a trajetória acadêmica e a satisfação com a escolha profissional de universitários gaúchos, tendo encontrado evidências que apontam para uma correlação positiva entre envolvimento em atividades acadêmicas e satisfação com a escolha.
Nos Estados Unidos e na Europa, a obtenção de um diploma de nível superior é cada vez mais percebida como uma forma de viabilizar uma carreira intelectualmente desafiadora e com um retorno financeiro superior (Salas-Velasco, 2007; Shearer, 2009), o que tem levado um crescente número de jovens a optar por esta trajetória e estimulado o desenvolvimento de pesquisas junto a este grupo. As investigações têm se focado tanto no processo decisório e nas dificuldades de escolha (Lent et al., 2002; Shearer, 2009) como nos dilemas e dificuldades da transição entre a faculdade e o mercado de trabalho (school-to-work transition) (Brown & Hesketh, 2004; Salas-Velasco, 2007; Teichler, 1999). No caso específico da Europa, altas taxas de desemprego entre a população jovem (International Labour Office [ILO], 2008) e a flexibilização da legislação trabalhista de diversos países da região vêm servindo de estímulo à pesquisa de seus impactos sobre jovens com diferentes níveis de escolaridade. Golsch (2003), por exemplo, apresenta evidências de que a percepção de insegurança no trabalho, associada a situações de precariedade ou desemprego, afeta outras esferas da vida pessoal do jovem, como a saída da casa dos pais, casamento e filhos.
Considerando-se jovens oriundos do ensino superior, Teichler (1999), a partir de uma ampla pesquisa quantitativa realizada em nove nações europeias, encontra evidências de que a conquista do primeiro emprego está fortemente relacionada ao esforço individual, mas também depende das condições macroeconômicas do país. Além desses fatores, impactam significativamente a transição para o mercado de trabalho a origem social, medida pelo nível de escolaridade do pai, a reputação da instituição de ensino, as experiências de trabalho durante a faculdade e a idade, com os mais velhos tendo mais dificuldade em relação aos mais jovens. Brown e Hesketh (2004), por sua vez, investigaram a perspectiva de jovens britânicos em busca de posições de prestígio em boas empresas (tough-entry jobs), tendo identificado duas diferentes estratégias. De um lado aparecem os jogadores, que percebem os processos seletivos como uma competição com regras próprias e procuram se posicionar da melhor forma possível, manipulando as regras do jogo se necessário for. Já os chamados puristas acreditam que encontrarão o seu espaço confiando que o jogo é justo e que a meritocracia prevalece, procurando, desta forma, expressar verdadeiramente quem são.
Com o objetivo de contribuir para um melhor entendimento do tema, apresenta-se aqui parte dos resultados de uma pesquisa que buscou explorar como jovens estudantes de Administração procuram construir sua carreira profissional. Dentre os diversos aspectos investigados, duas questões especificamente orientaram a elaboração deste artigo: como esses jovens percebem o mercado de trabalho e, dada esta percepção, como se preparam para nele se inserir após a conclusão do curso superior.
Método
A pesquisa, de caráter qualitativo, foi orientada pelo paradigma construtivista, segundo o qual a realidade é múltipla e construída por cada um dos sujeitos a partir de suas vivências e experiências sociais (Guba & Lincoln, 1994). Buscou-se, portanto, captar com profundidade percepções e ações, abrindo-se mão de um estudo mais abrangente que cobrisse um conjunto representativo da população universitária brasileira.
Participantes
Participaram da pesquisa 31 jovens, sendo 15 homens e 16 mulheres, com idades entre 20 e 28 anos (média de 22,1 anos). Excetuando-se uma jovem que havia casado recentemente, todos eram solteiros. Além daquela jovem, que vivia com o marido, quatro outros entrevistados não residiam mais com os pais - dois optaram por sair de casa para viver com colegas e dois cujos pais não moravam no Rio de Janeiro. Cinco desses jovens escolheram estudar Administração depois de já terem cursado, parcial ou integralmente, um outro curso de Graduação - Comunicação Social, Economia, Engenharia (2) e Psicologia.
Na seleção dos sujeitos, foram considerados jovens com alguma experiência profissional (de estágio ou trabalho), como forma de enriquecer o conteúdo da entrevista (Creswell, 2003), e oriundos de cursos de Administração que obtiveram nota máxima no ENADE, um critério objetivo utilizado como indicativo de sua qualidade e prestígio. Esse recorte foi necessário para dar mais homogeneidade ao grupo pesquisado, uma vez que etapas preliminares da pesquisa mostraram que o prestígio da IES no mercado tem um impacto não desprezível sobre as perspectivas profissionais de seus alunos. A Tabela 1 mostra as oito instituições de ensino superior do Estado do Rio de Janeiro cujos cursos de Administração obtiveram nota máxima no exame realizado em 2006 e o número de entrevistados em cada uma.
Instrumento
A pesquisa foi conduzida por meio de entrevistas em profundidade semiestruturadas. O roteiro continha perguntas sobre (a) a trajetória de carreira do jovem, cobrindo desde a primeira vez em que pensou o que queria ser quando crescesse, passando pelos anseios e escolhas da época do vestibular, até as vivências na faculdade; (b) experiências profissionais, incluindo estágios e trabalhos; (c) percepções sobre o mercado de trabalho; (d) expectativas em relação ao futuro profissional, incluindo desafios a serem enfrentados, ambições e desejos de conquistas profissionais; (e) importância atribuída ao trabalho e à qualificação profissional.
Procedimentos
Para chegar aos entrevistados, um ou mais professores das instituições de ensino escolhidas para a pesquisa foram contatados e os alunos de suas turmas convidados, pessoalmente ou por e-mail, a participar de uma pesquisa sobre trabalho e carreira. Aos jovens que optaram voluntariamente por participar foi solicitado e-mail e telefone para um contato posterior. Neste contato, buscou-se esclarecer eventuais dúvidas e foi agendado um encontro pessoal para a realização da entrevista.
Antes do início de cada entrevista, o jovem era novamente informado que sua participação deveria ser inteiramente voluntária e que seu nome seria mantido em sigilo. Os nomes que aparecem nas citações, portanto, foram trocados para preservar o anonimato dos respondentes. As entrevistas foram conduzidas entre setembro de 2007 e julho de 2009, com duração entre 29 e 106 minutos, totalizando 33 horas de entrevistas e uma média de 64 minutos por entrevista.
Também pediu-se permissão para a gravação das entrevistas e nenhum deles teve objeções. As gravações foram integralmente transcritas e analisadas com o apoio do software Atlas Ti. Este programa permite a criação de códigos e a associação dos mesmos a partes do material transcrito. Também é possível o registro de comentários vinculados aos códigos, o que facilita o processo de interpretação e análise. O sistema possui ainda uma ferramenta para a criação de redes (networks) de códigos, o que simplifica a identificação de relações entre os mesmos. Para este artigo especificamente, foram considerados apenas os códigos que abordavam as percepções sobre o mercado de trabalho, as estratégias adotadas para lidar com tal realidade, além das perspectivas, ambições e receios em relação ao futuro profissional.
Resultados e Discussão
A apresentação e discussão dos resultados da pesquisa está organizada em quatro partes. A primeira aborda as percepções dos jovens em relação ao mercado de trabalho, a segunda trata de seus objetivos e ambições profissionais, enquanto a terceira enfoca as estratégias de inserção no mercado de trabalho. Na quarta e última parte buscou-se sintetizar as descobertas apresentadas anteriormente por meio da construção de tipos ideais, ferramenta conceitual criada por Max Weber, que permite descrever uma realidade a partir de análises comparadas (Gerth & Mills, 1982).
Percepções sobre o mercado de trabalho
A percepção a respeito do mercado de trabalho que mais se destaca entre os entrevistados é a de que o mercado de trabalho é extremamente competitivo. Essa foi umas das descobertas que surpreenderam, dada a posição relativamente privilegiada desses jovens. Seria possível considerar que, por estudarem em faculdades com boa reputação no mercado, tais jovens se sentiriam seguros da conquista de uma posição satisfatória no mercado de trabalho. No entanto, a percepção que parece predominar é a de que estudar numa boa faculdade é condição necessária, mas não suficiente para o alcance de seus objetivos profissionais.
Acho que hoje [o mercado de trabalho]<> é muito competitivo, a gente tem muitos profissionais de qualidade saindo todos os anos das faculdades prontos para ingressar no mundo, e entre tantos outros que já estão lá, que já se formaram antes de mim. Então acho que está bem complicado. (Helena, 20 anos, FGV)
Se você tiver um currículo bom, você está ali; se você tiver um currículo mais ou menos, já era; e se você tiver um currículo muito bom, você ainda vai ter que brigar. (Bernardo, 20 anos, UFRJ)
Ao tentar fazer sentido dessa competição, observou-se três tipos de explicação, uma delas bastante contraditória. A primeira é a da sobre-qualificação. No entendimento dos jovens que pensam dessa forma, as empresas buscariam trabalhadores com nível superior, mas o tipo de trabalho oferecido não exigiria essa qualificação, nem seria condizente com as expectativas de quem optou por investir num curso universitário. A competição, sob esta ótica, residiria em torno das melhores ocupações.
Eu acho que hoje é uma concorrência brutal. É dificílimo. (...) Eu acho que tem emprego, mas não do jeito que as pessoas gostariam, por exemplo, com um bom salário, numa boa empresa. (Elisa, 20 anos, PUC)
Trabalho tem para todo mundo, é só o pessoal topar trabalhar numa área que pode ser menos do que eles acham que tinham que estar trabalhando. No Brasil tem emprego de sobra, agora, é só o pessoal topar fazer o trabalho. (Celso, 20 anos, Ibmec)
O segundo grupo, que corresponde à maior parte dos entrevistados, acredita que existe espaço no mercado de trabalho, mas apenas para aqueles que investem em sua qualificação e alcançam um diferencial em relação à "concorrência".
Você tem que ter uma boa faculdade, tem que ter um bom curso, você tem que se dedicar. Não adianta você terminar a faculdade sem nunca ter estagiado, sem nunca ter feito nada e achar que o mercado de trabalho vai te abraçar, porque não vai. (Jacqueline, 21 anos, UFF)
Se você é bom, se você estuda para isso, eu acho que o mercado está bom, sempre tem gente procurando. (Gisele, 21 anos, FGV)
Por fim, um outro grupo de jovens procura destacar que "oportunidade existe, o que falta é qualificação", acreditando que uma boa formação seria a resposta para o problema da inserção profissional. Em seguida, porém, acaba por constatar que há profissionais bem qualificados sem emprego ou uma carência de oportunidades, o que seria inconsistente com a explicação anterior. Esta percepção evidencia uma contradição, mas pode ser entendida se considerarmos, por lado, uma justificativa para o investimento que optaram por fazer em sua qualificação e, por outro, suas próprias dificuldades (ou de pessoas próximas) na conquista de uma colocação, mesmo com boas credenciais. Os comentários de Aline e Antônio são representativos desta contradição.
Às vezes eu acho que tem trabalho, mas o que falta mesmo é qualificação. (...) É claro que muitos não tiveram oportunidade. Mas eu vejo várias pessoas que tiveram oportunidade, que têm um bom currículo e não têm emprego. É uma coisa assim, chocante claro, preocupante para a gente que está estudando numa faculdade boa. Claro que a gente espera estar sempre empregado e tal. (Aline, 20 anos, ESPM)
Eu acho que as oportunidades existem, mas o que não existe ainda, ou o que está faltando, é qualificação. (...) Eu acredito que oportunidade no mercado de trabalho hoje em dia existe, não existe muita, mas existe. (Antônio, 23 anos, ESPM)
Nos dois últimos grupos, observa-se a internalização do discurso da empregabilidade de iniciativa, que situa no indivíduo a responsabilidade pela conquista de um posto de trabalho. Cabe aqui destacar que este tipo de interpretação tende a ser mais confortável, na medida em que representa que estaria nas mãos do próprio jovem o controle sobre sua carreira e seus desígnios, bastando a ele ou ela "correr atrás" da qualificação.
Objetivos e sonhos profissionais
Com relação futuro profissional, observa-se que a grande maioria pretende se inserir no mercado de trabalho formal após a formatura. Poucos são os jovens que falam em empreender - corroborando os resultados da pesquisa da FIRJAN (2007) - e, entre os que falam, a ideia que predomina é primeiro adquirir experiência em empresas maiores para depois partir para o sonho da empresa própria. Nenhum deles considera a vida autônoma, o que é compreensível, dada sua relativa inexperiência e a importância da reputação para quem opta por este modelo de carreira (Kanter, 1997).
O emprego público é visto como uma boa alternativa por muitos, em função da estabilidade que proporciona, e está relacionada à visão de que o mercado de trabalho é altamente competitivo. Em vários casos, os pais desses jovens atuam como incentivadores dessa opção, na tentativa de proteger seus filhos da competição que percebem ou que eles mesmos vivenciaram - alguns perderam seus empregos e tiveram dificuldades de recolocação.
Para os que desconsideram essa opção e pretendem construir sua vida profissional trabalhando para empresas privadas, observa-se um grupo de jovens com sonhos bastante ambiciosos. Sua expectativa é a de alcançar cargos altos, motivados essencialmente pelo prestígio, poder e retorno financeiro de tais colocações.
Eu cheguei à seguinte conclusão: eu sou uma pessoa que tem ambição, o Google vai dominar o mundo, eu tenho que estar lá dentro. (Cristiane, 23 anos, Ibmec)
Eu quero ser presidente da L'Oréal. (Gisele, 21 anos, FGV)
Há um outro grupo, porém, que se mostra relativamente menos ambicioso. Para os jovens desse segundo grupo, a perspectiva de realizar um trabalho que lhes dê prazer e pelo qual sejam bem remunerados é motivo de satisfação. Tais jovens também aspiram crescer nas empresas em que trabalham, mas tal ascensão está mais ligada à possibilidade de realizar um trabalho mais interessante (menos operacional) do que ao poder e ao status da posição.
Eu gosto muito da visão do gerente, porque acho que o gerente se livra um pouco desse dia a dia. Acho que o gerente tem uma visão mais macro de todo o processo, tem um contato maior com todas as áreas. (...) O dia a dia eu acho muito maçante, o dia a dia operacional. (...) Eu não aguentaria ficar muito tempo sem ter essa perspectiva de um dia virar gerente. (Jacqueline, 21 anos, UFF)
Eu penso que o sucesso é o dia a dia. Sucesso é a cada degrau que você sobe. Acho que as pessoas de sucesso são aquelas pessoas que fazem o que gostam. (Daniel, 20 anos, PUC)
Em ambos os grupos, portanto, a expectativa de entrar numa empresa e nela galgar os degraus da chamada escada corporativa aparece, evidenciando que o modelo de carreira tradicional ainda predomina.
Ah, eu quero entrar para uma empresa, eu quero crescer, eu quero ser alguém razoavelmente importante dentro da empresa. (Elisa, 20 anos, PUC)
Qualificação como estratégia de inserção
É praticamente unânime entre os jovens entrevistados o entendimento de que a principal estratégia de inserção e permanência no mercado de trabalho deve ser o investimento em qualificação. Tal percepção é consistente com os conceitos mais modernos de carreira, de acordo com os quais o trabalhador - e não mais a empresa - é responsável por seu desenvolvimento pessoal (Arthur & Rousseau, 1996; Hall, 2004).
Na visão dos entrevistados, diversas são as qualificações valorizadas pelas empresas contratantes. Em primeiro lugar, o fato de estudarem em faculdades de primeira linha (na sua percepção) é reconhecido como um diferencial. Em seguida aparece o domínio de línguas estrangeiras - ainda que esta exigência seja alvo de críticas por parte de alguns deles. Para os que dominam o inglês, observa-se em alguns casos a preocupação com o aprendizado de uma segunda língua estrangeira, na medida em que o inglês sai do seu horizonte de preocupações. Para os que não tem tal domínio, verifica-se uma certa apreensão e a constatação de que não terão condições de competir por determinadas vagas. Nesse sentido, o domínio ou não do inglês é fator determinante para as oportunidades profissionais abertas a esses jovens. E o domínio de uma língua a mais aparece como um diferencial importante, especialmente para os jovens que pretendem trabalhar em empresas multinacionais de origem não-inglesa.
Em seguida vêm as experiências de trabalho. Apesar de estarem ainda no início de suas carreiras, diversos percebem - também com olhar crítico - que muitas empresas exigem deles algum tipo de experiência profissional. Percebe-se uma certa hierarquia de experiências valorizadas pelos potenciais empregadores: quanto maior e mais conhecida a empresa, mais valiosa é a experiência. Esse aspecto explica, ainda, a insegurança vivida por muitos deles quando da busca da primeira colocação. Outros cursos ligados à administração (como gestão de projetos, por exemplo) e cursos que envolvem o desenvolvimento de competências gerenciais e/ou interpessoais também são vistos como forma de melhorar a qualificação - passando a fazer parte da já intensa rotina desses jovens.
Foi possível observar, ainda, uma grande preocupação com a continuidade do processo de qualificação. Diversos entrevistados já pensam nos cursos de pós-graduação que pretendem fazer após a formatura, acreditando, por um lado, que a popularização do ensino superior reduziu o valor do seu diploma no mercado e, por outro, que o trabalhador precisa estar constantemente renovando seus conhecimentos e habilidades.
Pretendo estudar mais, porque faculdade hoje não é nada praticamente. (Gisele, 21 anos, FGV)
[O mercado de trabalho] te exige cada vez mais. Você não pode ficar parado, você não pode parar de estudar nunca, tem que se atualizar sempre, se não você vai ficar... como diz um professor, você vai virar massa. (Joaquim, 23 anos, UFF)
Essa crença evidencia, mais uma vez, a internalização do discurso da empregabilidade de iniciativa e, além disso, a aceitação da lógica do desenvolvimento pessoal (Boltanski & Chiapello, 2005), segundo a qual a busca pela qualificação representaria uma obrigação moral, relegando a um segundo nível aqueles que não se esforçam para tal. Uma das entrevistadas, por exemplo, procura justificar a demissão de funcionários da empresa em que trabalha, alguns com muitos anos de casa, à sua inabilidade ou não iniciativa de buscar a qualificação.
Eu não me imagino 23 anos na mesma empresa, fazendo a mesma coisa que eu faço hoje, sem nem sequer fazer um cursinho. E foi isso que aconteceu com essas pessoas que saíram. (Leila, 20 anos, UERJ).
Apesar da quase unanimidade no entendimento de que o mercado de trabalho é competitivo e na importância atribuída à qualificação, alguns jovens se mostram mais receosos e outros mais certos que conseguirão se inserir no mercado de trabalho após a formatura, numa posição que atenda às suas expectativas. Essa diferença está associada ao grau de confiança do jovem nas qualificações que conseguiu construir, o que, por sua vez, está relacionada à posse de capitais econômico, cultural e social. Joaquim e Antonio, por exemplo, fazem parte do primeiro grupo.
Ainda não [me sinto preparado para o mercado de trabalho]. Acho que falta um pouco. Pouco não, médio. (Joaquim, 23 anos, UFF)
As dificuldades? Eu acho que seriam... talvez as oportunidades diminuindo, porque ao passo que as empresas estão demandando cada vez mais profissionais qualificados, as instituições[de ensino] vão começar a mandar mais profissionais qualificados para esse mercado. (Antônio, 23 anos, ESPM)
Jovens do segundo grupo tendem a confiar mais no futuro, possivelmente porque percebem sua condição privilegiada, sendo os casos de Cristiane e de Ernesto bastante representativos dessa condição. Cristiane conseguiu seu primeiro estágio numa grande empresa nacional por conta da indicação de uma tia, fala inglês fluentemente pois estudou desde pequena num curso, e mesmo antes de se formar já está fazendo um curso de extensão na área em que pretende se especializar numa instituição bastante reconhecida no mercado. Ernesto foi dirigente da Empresa Jr. de sua universidade, costuma viajar ao exterior durante as férias e possui uma rede de relacionamentos que inclui jovens de outros países, o que dá a ele acesso à realidade de diferentes culturas. Sua mãe é formada em Letras e fala fluentemente inglês e francês, o que serviu de estímulo para que ele também investisse no aprendizado de línguas.
Eu acho que eles [estudantes de faculdades de primeira linha] têm um tratamento diferenciado no mercado, entendeu? Eu acho que a gente tem uma visão, que não é que ela não seja real, ela é real pra gente, mas ela não se aplica a todos os profissionais. (Cristiane, 23 anos, Ibmec)
Eu acho que mercado de trabalho hoje oferece oportunidades para quem obviamente pode se encaixar, para quem talvez esteja nas faculdades de ponta, e também quem criou diferenciais na sua graduação. (Ernesto, 23 anos, PUC)
Esse foco na qualificação acaba por ter duas implicações. Em primeiro lugar, torna o dia a dia do jovem extremamente intenso. Além da faculdade e do estágio, que ocupam praticamente todos os dias e noites, o jovem se sente pressionado a preencher o pouco tempo que sobra com cursos e atividades extra-curriculares, normalmente aos sábados. Além disso, fica evidente que jovens de origem socioeconômica inferior acabam tendo mais dificuldades: precisam muitas vezes de trabalhos ou estágios mais longos, que pagam mais, para ajudar em casa ou no custeio de seus estudos (alguns são bolsistas ou estudam em faculdades públicas, mas precisam pagar por transporte, alimentação, livros, etc.), e dispõem de menos recursos financeiros, fazendo com que tenham menos tempo e menos dinheiro para investir na sua qualificação.
Os tipos ideais
A partir da análise das entrevistas, foi possível identificar a existência de quatro perfis de jovens: engajados, preocupados, céticos e desapegados. Esses perfis representam tipos ideais e são interessantes como instrumento de análise da forma como os jovens interpretam a realidade com a qual se defrontam na busca de seu espaço profissional e como desenvolvem suas estratégias de inserção a partir dela. Os tipos ideais aqui apresentados foram construídos em torno de quatro categorias: (a) aceitação ou não das condições do mercado de trabalho (b) autoconfiança em relação à qualificação, (c) centralidade do trabalho e (d) objetivos e sonhos profissionais.
A primeira categoria refere-se à forma como o jovem reage à percepção de que o mercado de trabalho é competitivo e de que a conquista de um espaço depende unicamente de seu esforço individual. Alguns jovens parecem aceitar essa realidade, enquanto outros a questionam ou rejeitam. Há ainda aqueles que não parecem se preocupar muito com a questão, notadamente porque o trabalho não ocupa uma posição central em suas vidas. Com relação à autoconfiança, um grupo de jovens acredita que o nível de qualificação alcançado é suficiente para atender as expectativas do mercado, enquanto outro grupo percebe a existência de um gap de qualificação. Esse gap tende a se relacionar à carência de capitais cultural e social, fortemente associada à origem socioeconômica do jovem. Em terceiro lugar, considera-se a centralidade do trabalho, que diz respeito à importância atribuída ao trabalho, de forma absoluta (importância do trabalho em si) ou relativamente a outras esferas da vida - família, lazer, religião e comunidade (Meaning of Working International Research Team [MOW], 1987). Por fim, a construção dos tipos levou em conta as perspectivas futuras em relação à carreira, que na realidade representam uma consequência dos três aspectos anteriores (Tabela 2).
Os engajados são jovens que aceitam as condições do mercado de trabalho sem muito questionamento e confiam plenamente que, com o grau de qualificação que alcançaram, conseguirão conquistar uma posição privilegiada no mercado de trabalho. A carreira é importante para estes jovens (alta centralidade do trabalho), o que faz com que despendam tempo investindo em sua qualificação e tenham expectativas de carreira relativamente mais ambiciosas. A posse de capital econômico, cultural e social é uma característica marcante deste grupo que, por essa razão, acredita estar numa posição privilegiada para alcançar seus sonhos de carreira, que tipicamente envolvem posições de prestígio.
Como meu objetivo é trabalhar em empresa grande, que é o que eu quero para o futuro, principalmente multinacional, eu resolvi parar um tempo para poder me dedicar à língua estrangeira[alemão], para então tentar um estágio numa empresa maior. (Aline, 20 anos, ESPM)
Olha, eu acho que profissionalmente, mais do que dinheiro ou status, o que eu busco é conhecimento. Na[grande empresa de consultoria], você vê que pessoas em cargos mais acima têm muito mais conhecimento. Elas sabem muito mais. E eu vejo e quero chegar naquele lugar, de alguém me perguntar e eu saber responder, eu ter vivência, experiência e saber falar: no projeto que eu trabalhei aconteceu isso, isso e isso e a solução que a gente achou foi essa, essa e essa. Eu acho que quando eu tiver com bastante conhecimento eu vou estar realizado profissionalmente. O financeiro, ele vem junto. (Reinaldo, 25 anos, UFRJ)
Os preocupados também aceitam as condições do mercado de trabalho, percebido como competitivo e exigente. No entanto, como não se sentem confortáveis com o nível de qualificação que conseguiram alcançar, vivenciam uma preocupação em relação à sua capacidade de encontrar uma posição no mercado de trabalho condizente com suas expectativas iniciais, construídas a partir do momento em que ingressaram numa IES de qualidade. O trabalho e a carreira também são muito importantes, mas suas ambições em relação ao futuro tendem a ser mais modestas, relativamente às dos engajados. A possibilidade de fazer carreira numa empresa pública não é descartada, especialmente porque existe pressão dos pais nesse sentido. A preferência, porém, tende a ser a iniciativa privada, percebida como mais dinâmica e interessante. Os receios em relação à qualificação que construíram devem-se, em grande medida, à percepção de que lhes falta o capital social e cultural exigido pelo mercado, carência esta decorrente de sua origem sócio-econômica inferior, em linha com as colocações de Bourdieu (2008).
Eu estou com uma dificuldade para entrar em algumas empresas. Embora as melhores empresas me chamem para fazer prova, processo seletivo, eu estou tendo algumas dificuldades porque eu não tenho inglês avançado, sabe? É aquilo, eu consegui entrar na melhor faculdade, eu estou dedicado, estou tendo excelentes notas. Só que eu vim de classe baixa, entendeu? A minha estrutura de ensino começou a ser de ponta só a partir do momento em que entrei na faculdade. E é uma coisa obrigatória hoje pro mercado... mercado das empresas boas, que você tem que saber inglês. (Guilherme, 24 anos, FGV)
A prova [do processo seletivo de um grande empresa ] é muito atualidade, e eu não tenho tempo para assistir jornal, não tenho tempo para ler. Então eu cheguei na hora e eu falei "gente!", eu sabia que aquilo tinha acontecido, assim, de ouvir falar, mas não sabia os detalhes e é muito difícil porque eles pedem detalhes do acontecimento. (Elisa, 20 anos, PUC)
Os céticos são assim definidos exatamente porque têm um postura crítica em relação às condições do mercado de trabalho - opondo-se aos engajados e aos preocupados -, dada a competitividade exacerbada e a falta de perspectiva para muitos trabalhadores. O cético, apesar de possuir um nível de qualificação que permitiria a ele ou ela conquistar uma boa colocação em empresas privadas, pretende optar por outros caminhos, como o emprego público, o terceiro setor ou a vida acadêmica. O trabalho também é importante para o jovem desse grupo (alta centralidade) e a dimensão normativa do significado do trabalho (MOW, 1987) está mais ligada à obrigação perante a sociedade e menos como uma atividade que apenas lhe renderá frutos pessoais.
Concurso público é uma coisa que eu sempre pensei bastante. Eu preciso de estabilidade, e por outro lado, é também uma questão de cultura organizacional. Acho que eu me adequaria melhor à cultura de uma empresa pública. (...) Eu sou uma pessoa extremamente crítica, então numa empresa privada é muito complicado pra mim, eu acabo tendo um sofrimento muito grande vendo o dia inteiro todas essas pessoas... sei lá, eu sofro pelos outros. Eu vejo as pessoas alienadas ali, totalmente presas naquilo e eu vejo, caramba, qual perspectiva que essa pessoa tem de sair dessa situação? E as pessoas reclamando, as pessoas infelizes, se enganando. Me gera muito incômodo, me gera um desconforto muito grande. (Regina, 23 anos, UFRJ)
Os desapegados se distinguem dos demais tipos em função de sua baixa centralidade do trabalho. A percepção que possuem do mercado de trabalho não é muito elaborada, exatamente porque dedicam pouco tempo a pensar sobre o tema. Esse jovem é predominantemente do sexo feminino e espera que o trabalho que venha a conquistar viabilize a dedicação a outras esferas da vida, especialmente à família que pretende construir no futuro. Nesse sentido, o trabalho numa empresa ou órgão público é visto como uma opção, na medida em que é percebido como menos intenso do que na iniciativa privada.
Eu acho a [vida] pessoal mais importante. Por isso eu saí da [nome da empresa], porque lá... eu sempre pensei como ia ser quando eu casasse, tivesse filhos, porque lá não tem hora pra sair. Aí por isso que eu quis procurar uma empresa mais tranquila. Eu acho que não dá, pra mim não dá viver para o trabalho, e não poder ter tempo para outras coisas. (Eliane, 25 anos, PUC)
Com a construção desses tipos ideais - que representam uma imagem de diferentes perfis de jovens que fazem parte de uma nova geração de trabalhadores que está se incorporando ao mercado de trabalho -, a expectativa foi contribuir para ampliar o conhecimento a seu respeito e da realidade com a qual se defrontam. Apesar de serem todos jovens e compartilharem certas percepções e expectativas, observou-se importantes diferenças em relação às suas aspirações, evidenciando a complexidade inerente ao processo de desenvolvimento profissional.
Considerações finais
A partir da análise aqui apresentada, pode-se destacar alguns aspectos importantes para a compreensão da forma como jovens estudantes de Administração buscam construir sua carreira profissional. Em primeiro lugar, cumpre destacar que a carreira tradicional - representada pelo emprego formal numa "boa" empresa - ainda faz parte do imaginário da grande maioria dos entrevistados. A carreira profissional (ou autônoma) não é vista, pelo menos neste momento, como uma alternativa viável. Isto porque o jovem parece perceber que não possui o prestígio e a reputação necessários ao sucesso sob este modelo carreira. Alguns poucos jovens pensam numa carreira empreendedora, mas esta opção é considerada como uma alternativa para um futuro mais distante, já que lhes faltariam a experiência, o capital econômico e as redes de relacionamento necessários. Interessante observar que a aquisição de experiências e conhecimentos se daria num emprego formal em organizações maiores. Em outras palavras, o emprego formal tende a ser visto como parte do treinamento necessário à ação empreendedora.
A ideia da construção de uma carreira proteana (Hall, 2004) ou sem fronteiras (Arthur & Rousseau, 1996) não parece ter sido plenamente incorporada por esses jovens, que além de almejar um emprego formal, esperam ingressar numa empresa e nela galgar os degraus da chamada escada corporativa. No entanto, alguns trabalham com a perspectiva de mudar de empresa várias vezes ao longo da carreira, fator que associam às mudanças nas relações entre organizações e trabalhadores (Cappelli, 1999) e às dificuldades que poderão enfrentar. Desta forma, apesar de aceitarem, e em alguns casos acharem interessante, a perspectiva de trabalhar em diferentes empresas, a instabilidade inerente aos novos modelos de carreira é vista com receio e cautela.
Em segundo lugar, observa-se que uma das preocupações centrais desses jovens diz respeito à sua qualificação. Ao perceber a grande competição em torno da melhores ocupações, o jovem entende que investir na aquisição de conhecimentos e experiências - aumentando desta forma sua empregabilidade - é a melhor forma de enfrentá-la. No entanto, e em linha com as proposições de Bourdieu (2008), diversos entrevistados parecem ter consciência de que o diploma de um bom curso universitário não garante o acesso a postos de trabalho condizentes com suas expectativas. Este precisaria ser combinado a outras formas de capital cultural, como conhecimento de línguas estrangeiras e experiências internacionais, por sua vez viabilizados pela posse de capital econômico. Cumpre destacar, porém, que o investimento em redes de relacionamento (capital social) e a busca do autoconhecimento não recebem a mesma atenção. Em outras palavras, das competências destacadas por Defillipi e Arthur (1994) como importantes para construção de uma carreira em tempos de flexibilidade e insegurança, a qualificação (know how) parece ocupar o centro das atenções, ficando o autoconhecimento (know why) e as redes de relacionamento (know whom) relegados a um segundo plano.
O terceiro aspecto a destacar refere-se ao interesse pelo emprego público, visto como boa alternativa profissional por preocupados, desapegados e céticos - apenas os engajados têm uma clara preferência pela iniciativa privada. Para os jovens preocupados, que percebem não possuir certas qualificações - capital cultural e social - exigidas no mundo privado, porque os processos seletivos (concurso público) minimizam sua necessidade. Para os desapegados, porque estes dão valor a outras esferas da vida e o emprego público é percebido como menos intenso. Os céticos, por sua vez, acreditam que a carreira numa empresa pública permite a realização de um trabalho com sentido, sem a competição que eles tanto criticam e rejeitam. Nesse sentido, o emprego público emerge como alternativa, por diferentes razões, para um grande contingente de jovens, explicando a crescente demanda por esse caminho profissional (FIRJAN, 2007). Como sugestão para futura pesquisa, seria interessante verificar se esta situação se repete em outras regiões do país. Isto porque é possível que moradores do Rio de Janeiro, que abrigou a capital da República no passado e concentra um grande número órgãos e empresas públicas, sejam mais propensos a buscar esta alternativa profissional do que os de outros estados.
Os resultados aqui apresentados e discutidos têm implicações tanto para profissionais que trabalham com educação e orientação de jovens, como para empresas que buscam jovens talentos para compor seus quadros. As escolas do ensino fundamental e médio, por exemplo, poderiam desenvolver programas que promovam o autoconhecimento de seus alunos, competência considerada importante, especialmente no contexto atual de flexibilidade e incertezas (Defillipi & Arthur, 1994; Shearer, 2009). Além disso, pode-se buscar conscientizar os jovens da importância do capital social e estimulá-los a desenvolver habilidades nesse sentido, o que serve como apoio tanto na conquista de novos postos de trabalho como no progresso interno em uma organização, contribuindo para o alcance de suas aspirações profissionais (Fugate et al., 2004).
A identificação dos tipos ideais, por sua vez, sinaliza às empresas a possível necessidade de desenvolver estratégias diferenciadas de atração e retenção de jovens talentos. Os engajados, por exemplo, mostram-se atraídos pelo desafio e pelas oportunidades de crescimento profissional, enquanto os desapegados tendem a valorizar uma vida equilibrada e com maior flexibilidade. A atração de jovens céticos passa pelo desenvolvimento de um ambiente de trabalho mais cooperativo e, no caso dos preocupados, pode ser necessária a revisão de determinadas práticas e exigências nos processos seletivos. Tais considerações abririam espaço para a construção de uma força de trabalho mais satisfeita e diversificada, com todos os benefícios envolvidos (Robinson & Dechant, 1997).
Como recomendação para futuras pesquisas, caberia ampliar este estudo para incluir jovens de instituições de ensino superior de menor prestígio, comparando suas perspectivas com as dos jovens aqui analisados. A construção e validação de um inventário que permita classificar os jovens em cada um dos perfis também pode ser interessante, permitindo o desenvolvimento de um trabalho de orientação vocacional mais alinhado a cada perfil. Além disso, sua aplicação a uma amostra mais abrangente e representativa da população jovem universitária brasileira permitiria identificar a frequência de cada um dos perfis e a aderência da tipologia aqui proposta.
Referências
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Recebido: 10/09/2010
1ª Revisão: 07/01/2011
2ª Revisão: 25/02/2011
Aceite final: 04/03/2011
Sobre a autora
Lucia Barbosa de Oliveira é professora da Faculdade de Economia e Finanças (Ibmec-RJ) e coordenadora do curso de Graduação em Administração. Mestre e Doutora em Administração pelo Instituto Coppead de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Economista pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
1 Endereço para correspondência: Av. Presidente Wilson, 118, 20.030-020, Rio de Janeiro-RJ, Brasil. E-mail: lucia.oliveira@ibmecrj.br