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Mental

versão impressa ISSN 1679-4427versão On-line ISSN 1984-980X

Mental v.7 n.12 Barbacena jun. 2009

 

ARTIGOS

 

Educação e psicanálise: a prática educativa e a produção de subjetividade

 

Education and psychoanalysis: educative practice and the production of subjectivity

 

 

Rogério Rodrigues*

Universidade Federal de Itajubá

 

 


RESUMO

Podemos encontrar no campo educativo o predomínio hegemônico da tese de que toda relação de ensino e aprendizagem deva materializar-se em ações que resultem em efetivas trocas de práticas entre os sujeitos, e que isso possa também resultar na constituição ou na alteração de determi-nados tipos de comportamento do educando. Essa ideia apoia-se na hipótese de que o sujeito educado é aquele que desenvolve práticas observáveis e passíveis de avaliação em função das expectativas do sujeito educador. Neste artigo, o ponto central da análise é que educamos na crença de reproduzimos a nós mesmos, ou seja, educamos para formar o cidadão educado à nossa imagem e semelhança. Entretanto, o outro pode constituir-se na diferença. A educação, portanto, pode resultar em práticas que reprodu-zam a subjetividade ao realizar o “eu” no outro ou na produção do inédito.

Palavras-chave: Educação, Psicologia da Educação, Psicanálise e Educação, Fundamentos da Educação.


ABSTRACT

We can find in the educational field the hegemonic predominance of the thesis that all relation between education and learning must materialize into actions of effective exchange of experiences between individuals, also resulting in changes of certain types of behavior of the individual being educated. This idea is supported by the hypothesis that the educated citizen is one that develops observable practices that can be evaluated in function of the expectations of the educator. This article is focused on the belief that we educate to reproduce ourselves, that is, we educate others based on our own image and similarity. However, the other can be constituted by difference. The educational process therefore, can result in practices that reproduce subjectivity by constructing “I” in the other or in producing a new “I.”

Keywords: Education, Education psychology, Psychoanalysis and education, Education basis.


 

 

O homem que mais viveu não é o que contou
maior número de anos, mas aquele que mais
sentiu a vida (ROUSSEAU, 1995).

 

Podemos afirmar que educar é alterar o próprio modo de fazer, pensar e sentir do sujeito. Neste aspecto, podemos encontrar no campo educativo o predomínio hegemônico da tese de que toda relação de ensino/aprendiza¬gem deve materializar-se em ações que resultem em efetivas trocas de práticas entre os sujeitos e, que isso possa também resultar na constituição ou alteração de determinados tipos de comportamento no educando. Afirmar isso tem como ponto central a ideia de que o sujeito educado é aquele que desenvolve práticas passíveis de serem observadas é principalmente, avalia¬das em função das expectativas do sujeito educador. Portanto, afirmamos que alguém aprendeu algo quando este reproduz aquilo que lhe foi intencio¬nalmente ensinado. Compreende-se que quanto mais similar e correta a reprodução do que foi ensinado melhor foi o processo educativo – educar é fazer o “eu” no outro. É nesta afirmação de que educar é fazer o “eu” no outro que se pode ter o ponto de conexão para pensar as relações entre a Educação e a Psicanálise.

Compreende-se o campo educativo como o lugar da disputa sobre a verdade do sujeito. Tendo a reprodução das práticas pelo sujeito a base para avaliar o seu grau de educação, a constituição de uma efetiva psicologia da educação inaugura-se com o paradoxo de se compreender a formação do sujeito para além do trabalho eminentemente materializado nas próprias práticas. Nesta perspectiva, educar não seria somente o fato de constituir na prática o “eu” no outro como a reprodução de comportamento, ou seja, é também a produção da imaterialidade em ser sujeito - a subjetividade. Assim sendo, passamos de uma situação em que educar é somente a realização de práticas para a compreensão de que a educação é também a organização do interno psicológico no sujeito como determinante na produção da subjetivi¬dade e, portanto, no seu processo de aprendizagem em ser sujeito educado.

Entretanto, o interno psicológico não é passível de observação direta, pois também apenas o constatamos na exteriorização das práticas do sujeito. Temos, assim, na prática educativa a convergência simultânea da materialidade e da imaterialidade em ser sujeito. Assim, pode-se considerar a psicologia da educação como um modo de contraposição da tese educativa de que o sujeito educado é aquele que somente faz, para a tese da compreensão de que o sujeito educado é aquele que também opera com a psique. Neste caso, podemos analisar a prática educativa como a mistura entre as ações que também produzem uma determinada metafísica que se encontra presente na intenção de educar a subjetividade. Portanto, podemos pensar a psicologia da educação no cruzamento da dualidade da formação do sujeito que fica ora centrado na prática educativa, ora centrado na subjetividade.

Contudo, como levar até a última instância a tese de que o educar seria a reprodução de uma prática que se apresente como a imagem refletida do educador? Esta é uma pergunta cuja resposta tem direcionado o educador a exigir do educando a correspondência única do que é ser sujeito. Em outro aspecto, pensar o educar como a produção de uma metafísica que direciona o educador para outra exigência que seria quase inalcançável, ou seja, o de também produzir a subjetividade. Nessa dualidade, retoma-se a metáfora de Rousseau de que “moldam-se as plantas pela cultura, e os homens pela educação”. (ROUSSEAU, 1995). Isso pode resultar, basicamente, numa educação que de um lado trate o homem como uma planta que é mecanica¬mente cuidada pela cultura e de outro lado pensar o homem que é educado pela cultura, mais propriamente, educado no contexto da Bildung. Entretanto, o que seria educar o homem pela cultura no contexto da Bildung?

Utilizamos Bildung para falar no grau de ‘formação’ de um indiví¬duo, um povo, uma língua, uma arte: e é a partir do horizonte da arte que se determina, no mais das vezes, Bildung. Sobretudo, a palavra alemã tem uma forte conotação pedagógica e designa a formação como processo. (SUAREZ, 2005)

A ideia de Bildung deixa transparecer a formação do sujeito como algo para além das práticas educativas que se materializam nas ações entre os sujeitos. Portanto, educar não seria somente o resultado material que se centra na experiência do educador, mas também nas condições de vida de uma determinada época.

Sobre a consolidação do modo de pensar do sujeito é muito oportuna a investigação de Foucault sobre o conhecimento, ao apontar para a instabi¬lidade do modo de saber ser sujeito, pois permite compreender que “o homem não passa de uma invenção recente, uma figura que não tem dois séculos, uma simples dobra de nosso saber, e que desaparecerá desde que este houver encontrado uma forma nova”. (FOUCAULT, 1999)

Pensar o sujeito como uma construção de práticas educativas aponta para um amplo campo de investigação, pois como apontado anteriormente pode-se compreendê-lo como aquele que se encontra inserido num conjunto de ações que para Marx constituem o ponto central das relações sociais de produção, ou seja,

na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, rela¬ções de produção estas que correspondem a uma etapa determina¬da de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura econô¬mica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superes¬trutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida mate¬rial condiciona o processo em geral de vida social, político e espiritual. (MARX, 1974)

Tanto para Foucault quanto para Marx somos resultados de um conjunto de práticas que alteram ou mantêm o nosso modo de ser sujeito. Neste caso, a educação seria um processo de inserir o sujeito em práticas que o constituam numa determinada formação cultural (Bildung) que também condiciona o sujeito numa concepção de mundo, mais propriamente, como uma Weltanschauung que é

uma construção intelectual que soluciona todos os problemas de nossa existência, uniformemente, com base em uma hipótese supe¬rior dominante, a qual, por conseguinte, não deixa nenhuma per¬gunta sem resposta e na qual tudo o que nos interessa encontra seu lugar fixo. (FREUD, 1933 [1932])

No âmbito de uma Weltanschauung, pensar a questão da educação é compreendê-la como um campo fenomenológico de múltiplas determina¬ções, entre as quais os diversos modos específicos que resultam no cruzamento das ações práticas e na estrutura da organização do pensamento do sujeito. Para Freud, no campo de uma Weltanschauung,

a criança é educada no sentido de conhecer os seus deveres sociais mediante um sistema de recompensas carinhosas e de punições; é-lhes ensinado que sua segurança na vida depende de que seus pais (e, depois, de que outras pessoas) a amem e de que eles possam acreditar que a criança os ama. Todas essas relações são posteriormente introduzidas, inalteradas, pelo homem, na religião. A quantidade de proteção e de satisfação destinada a uma pessoa depende do seu cumprimento das exigências éticas; seu amor a Deus e sua consciência de ser amado por Deus são os fundamentos da segurança que adquire contra os perigos do mundo externo e do seu ambiente humano. (idem, p. 160)

Podemos considerar que a Weltanschauung encontra-se, basicamente, dividida em dois grandes segmentos a partir da nossa hipótese de trabalho, qual seja, de que a materialidade da ação educativa é o ponto de união entre a teoria e a prática, mais propriamente, no caso da educação, a união entre o resultado de uma educação prática e a manifestação da organização psicológica do sujeito que a adquire em decorrência de suas experiências com a vida. Neste aspecto, por um lado, a prática seria entendida como algo determinado pela própria materialidade da coisa, portanto teríamos uma Weltanschauung prática. Por outro lado, ao afirmar que interpretamos e fazemos coisas em função do pensamento constituiria a Weltanschauung teórica.

A unidade entre essas duas Weltanschauung seria o que se denomina no campo do marxismo como a práxis, ou seja, como uma atividade humana que não se resuma a uma prática utilitária, e sim à interpretação e transformação do mundo (VÁSQUEZ, 1977). Entretanto, no campo educativo de que maneira pensar a práxis educativa como a unidade da prática e do pensamento que resulte em ações para educar o sujeito?

O campo educativo proporciona as condições para um olhar da psicologia da educação pautado estritamente no biológico do sujeito, a qual apontaria somente para as ações práticas estritas no modo em ser sujeito como o resultado de sua organização neural. Pelas práticas educativas encontra-se o precioso caminho para educar e produzir a subjetividade. Em contraposição a essa situação, é possível identificar uma outra psicologia da educação que analisaria as condições simbólicas do sujeito na realização de sua prática.

A via da Psicanálise para compreender o fenômeno educativo seria uma ruptura na tentativa ilusória de educar na reprodução do mesmo, mais propriamente apontar no sujeito as formações do inconsciente como a injunções que se encontram presentes no desgoverno de suas atuações. Neste ponto, temos um grande problema no campo da educação, qual seja, como afirmar que a prática educativa é ilusória se esta possui eficácia na constituição do sujeito?

Dir-se-ia que em cada escola e em cada sala de aula os sujeitos são educados para serem a reprodução do sujeito educador. Nada haveria de ilusório na afirmação de que a educação reproduz o eu no outro. A questão central seria pensar quais os resultados de práticas educativas que insistem em fazer o eu no outro.

O aparelho escolar é construído como uma máquina que deve resultar na formação do sujeito plenamente educado. Nesse processo educativo o sujeito é formado na tentativa de manter-se no incontrolável desgoverno de suas pulsões. Para tanto, o exercício das prerrogativas da repressão é condicio¬nado como o modo mais condizente na educação do sujeito. Contudo, as formações do inconsciente não deixam de apresentar-se como sintoma, mais propriamente, o estranhamento em ser sujeito. Consideram-se aqui as cone¬xões entre a Educação e a Psicanálise como um modo de interpretar a impos¬sibilidade dos resultados dos processos de massificação na educação do sujeito.

Freud chega a denominar a Psicanálise para o sujeito como uma modali¬dade de “pós-educação” (FREUD, 1913), a ponto de compreendê-la como uma modalidade de “profilaxia, que se destina a prevenir ambos os resultados – tanto a neurose quanto a perversão” (idem). A questão central é que a Psicanálise não se propõe como uma ciência aplicada no campo de educativo, e sim como uma modalidade de escuta do desamparo do sujeito perante a sua própria castração. De certo modo, já se encontra em Rousseau esse mesmo caminho de pensar a educação, quando ele afirma que:

Portanto, uma vez que a educação é uma arte, é quase impossível que ela tenha êxito, já que o concurso necessário a seu sucesso não depende de ninguém. Tudo o que podemos fazer à custa de esforços é nos aproximar mais ou menos do alvo, mas é preciso sorte para atingi-lo. (ROUSSEAU, 1995, p. 9)

Não se pode deixar de criticar que, entre esses dois modos de compreen¬der o psicológico da educação no sujeito – o pautado por um lado no bioló¬gico e por outro, no campo do simbólico – abre-se uma falsa divisão que retrata no campo educativo a separação cartesiana que estabelecemos entre as coisas do corpo (biológico) e as coisas da alma (simbólico).

Essa separação é a base com que solidificamos e passamos a pensar o mundo e as coisas na ciência moderna. Basicamente, essa separação se susten¬ta na tese de que há dois reinos, quais sejam, a natureza e a cultura. A projeção dessa separação no sujeito é estampada no modo como o olhamos, pensamos e fazemos coisas em nossas práticas cotidianas. Portanto, é reproduzido no modo de ser sujeito o fato de este estar cindido entre a natureza (corpo) e a cultura (subjetividade).

A partir dessa separação entre natureza e cultura é que se pensa a educação, e há muita dificuldade para pensar o sujeito como a mistura entre natureza e cultura, o que pode ser denominado como a natureza cultural daquilo que se acredita que seja o sujeito. Neste caso, não se pode esquecer que a todo o momento olha-se para o sujeito e que este somente é reconhe¬cido como o reprodutor de práticas, pois há muita dificuldade de pensá-lo em sua subjetividade – o seu modo de ser na mistura entre a natureza e cultura. Portanto, de certo modo coisificamos o sujeito a ponto de naturalizar¬mos a própria cultura. Posicionamos e fixamos o sujeito na verdade de sua natureza e cultura. No entanto, que,

o caráter seja imutável não é uma verdade no sentido estrito; esta frase estimada significa apenas que, durante a breve duração da vida de um homem, os motivos que sobre ele atuam não arranham com profundidade suficiente para destruir os traços impressos por milhares de anos. Mas, se imaginássemos um homem de oitenta mil anos, nele teríamos um caráter absolutamente mutável: de modo que dele se desenvolveria um grande número de indiví¬duos diversos, um após o outro. A brevidade da vida humana leva a muitas afirmações erradas sobre as características do homem (NIETZSCHE, 2000)

É sobre essas falsas aparências que a verdade é assumida, que fica limitado o pensar o sujeito e são dedicados grandes esforços educativos para assim mantê-lo. Entretanto, como se deve tratar na radicalidade para poder pensar uma modalidade de prática educativa que seja a intenção da impossível unidade entre a natureza e a cultura? Fala-se em impossível intenção, pois sabemos que não sabemos ser a unidade de uma cindida relação que se constitui em educar em práticas desprovidas de subjetividade – os educadores se orgulham de ser aplicadores de técnicas. Neste caso, oscila-se ora de uma concepção de que a educação é algo passível de ser materializada unicamente em práticas e ora de que a educação é a experiência de vida.

A primeira concepção está pautada na tese de que a “aprendizagem” resulta de um processo mecânico centrado na memorização através da repeti¬ção. Isso possui em si uma verdade natural e determinista na formação do sujeito. Não se pode deixar de considerar que essas práticas tratam o sujeito como coisa e que resultam na eficácia de obter a produção deste. Essa premissa acaba por resultar na condição moderna de que somente se constitui o sujeito na mecânica de ações resultantes de uma máquina de vigiar e punir, mais propriamente, no controle ostensivo do panóptico. Para Foucault, o “panóptico” é uma máquina de eficiente resultado no objetivo de querer vigiar e controlar o outro. Esse “aparelho” possui um funcionamento bem simples:

na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre; esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atraves¬sando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra, que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar. Pelo efeito da contraluz, pode-se perceber da torre, recortando-se exatamente sobre a claridade, as pequenas silhuetas cativas nas celas da periferia. Tantas jaulas, tantos peque¬nos teatros, em que cada ator está sozinho, perfeitamente individua¬lizado e constantemente visível. O dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente. Em suma, o princípio da masmorra é invertido; ou antes, de suas três funções – trancar, privar de luz e esconder – só se conserva a primeira e suprimem-se as outras duas. A plena luz e o olhar de um vigia captam melhor que a sombra, que finalmente protegia. A visibilidade é uma armadilha (FOUCAULT, 1991, p. 177, grifo nosso)

Em termos educativos, parte-se da premissa que ao aplicar uma força “F” no sujeito ocorra uma reação. A partir da aplicação dessa força espera-se que isso possa resultar em sua plena educação. Os educadores buscam promover uma adequada medida na aplicação de força que resulte numa reação no sentido de atender aos seus próprios anseios. A questão do “F” educativo que se aplica no sujeito leva-nos a pensar que se tem todo um aparelho escolar na mecânica do panóptico que investe no sujeito um conjunto de práticas que se efetivam numa verdadeira educação física que implica o modo de ser sujeito 1. Instaura-se todo um saber pedagógico do sujeito para muito bem avaliar o processo e o resultado da produção da força “F” aplicada na educação do sujeito. Entretanto, ignora-se por completo qual o tipo de subjetividade que se produz nas ações dessas forças, pois se considera que a subjetividade é algo que não se pode medir – a não mensurabilidade do ser subjetivo.

Entretanto, o aparelho escolar se aprimorou como uma máquina que permite nos fazermos sujeitos como resultado de intervenções práticas que marcam os nossos corpos e nem por isso deixa de produzir subjetividade. Naquilo que se denomina o processo educativo não deixam operar na eficácia da transmissão de fazer o modo como nos tornamos o mesmo – o “eu” no outro. Contudo, isso é algo que muitas vezes não compreendemos, ou seja, “como alguém se torna o que é”. (NIETZSCHE, 1995). Diríamos que essa pretensa compreensão é abandonada somente quando se entra em crise, ou seja, algo vai errado na onipotência em ser sujeito pleno da razão.

No campo da perspectiva educativa de “como alguém se torna o que é” (NIETZSCHE, 1995). tem-se o caso do sujeito educado na teoria de Herbart, para o qual esse só pode se constituir ao realizar uma quantidade de trabalho materializado e mensurável em práticas. (NIETZSCHE, 1995). Diríamos que essa prática educativa corresponde à teoria da educação de Herbart, que se pauta na evidência, portanto é preciso que se tenha a prova para conferir que o sujeito realmente aprendeu a lição. A importância dessa preparação centra-se na premissa de que “não se ensina para escola e sim para a vida” (HERBART, [s. d.]). O sujeito somente aprende pelo fato de possuir determinadas aptidões que podem ser ampliadas com o trabalho educativo na formação do chamado “círculo de ideias” que influenciam o caráter do sujeito (idem, p. 278).

Temos como exemplo dessa concepção a modalidade de educar na necessidade compulsiva de se exigir que os alunos façam a execução de tarefas repetitivas no sentido de se alcançar a memorização e, principalmente, aquilo que se compreende como sendo o pleno exercício que resulte na aprendizagem. O adulto perante uma criança ordena-lhe realizar a tarefa e espera que ela cumpra de imediato aquilo que foi solicitado. Sobre este tipo de atuação educativa, Rousseau aponta para um problema educativo, qual seja:

Eis a fórmula a que podem reduzir-se aproximadamente todas as lições de moral que se dão ou se podem dar às crianças.
O mestre: Não se deve fazer isso.
A criança: E por que não se deve fazer isso?
O mestre: Porque é ruim.
A criança: Ruim! O que é ruim?
O mestre: O que lhe proíbem.
A Criança: Que mal existe em fazer o que me proíbem?
O mestre: Punem você por ter desobedecido.
A criança: Eu faço coisas de um jeito que ninguém fica sabendo.
O mestre: Vão espioná-lo.
A criança: Eu me esconderei.
O mestre: Vão fazer-lhe perguntas.
A criança: Eu mentirei.
O mestre: Não se deve mentir.
A criança: Por que não se deve mentir?
O mestre: Por que é ruim, etc. (ROUSSEAU, 1995, p. 85-6)

A crítica de Rousseau aponta para uma educação que fica presa em si mesma e rodando em círculo, no qual o que prevalece é a força daquele que educa na imposição de sua vontade. Portanto, na contraposição a essa situação, o educar para além da prática seria a organização da tarefa educativa em que o sujeito aprende não pelo fato de inserir-se na ordem escolar materializada em práticas, mas fundamentalmente por estas relações se constituírem em função de determinados sentimentos em relação às coisas e que lhe fazem marcas em sua estrutura psíquica. Nesta segunda perspectiva temos o pensamento de Rousseau, que compreende a teoria educativa numa psicologia da educação que parte da premissa de que se devem estabelecer as consolidações de determinados sentimentos entre educador e educando que são fundamentais para se estabelecer o “processo de aprendizagem” no educando.

No campo dessa psicologia da educação, o processo de aprendizagem seria o resultado do encontro entre sujeitos em que se estabelece o ensino pela transmissão de procedimentos; estilos de vida; modos de pensamentos; e, principalmente, pela incorporação da tarefa educativa como a experiência subjetiva que possui como centro o elemento emocional e que resulta em algo significativo para o sujeito. Estas interações entre os sujeitos podem alterar o seu estado de ânimo a ponto de permitir o desenvolvimento de habilidades que antes não faziam parte de seu modo de ser sujeito.

O papel do educador nesse procedimento educativo é como um organi¬zador da possibilidade dessa experiência vivida, na qual, em última instância, a prática educativa não se realiza no seguinte pressuposto: “faça como eu faço” e sim no processo educativo que “faça como eu sinto”. O educador somente pode partir dessa perspectiva educativa subjetiva pelo fato de que sua experiência possui um significado para si mesmo.

Entretanto, nessa segunda concepção de educação como a experiência vivida parte-se do pressuposto de que em termos educativos ainda pensamos em nós mesmos como coisa e continuamos a manter a divisão que estabele¬cemos entre a natureza e a cultura, pois nada sabemos sobre como pensar o sujeito educado na unidade entre a natureza e a subjetividade.

Identifica-se nos trabalhos de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), intitu¬lados Emílio ou Da Educação (ROUSSEAU, 1995), a inauguração dessa perspectiva educativa, que ao contrário de Herbart compreende a formação do “outro” como algo que se encontra pautado numa relação direta entre o sujeito e o objeto do conhecimento, ou seja, é a interação entre sujeito e objeto que proporciona as condições subjetivas da realização do conhecimento sobre o objeto.

Passamos de uma formação em Herbart, pautada numa psicologia da educação que aponta para a organização psíquica do processo de memória do sujeito, para a formação em Rousseau, em que a psicologia da educação está direcionada para a organização da memória de experiência de vida do sujeito. Neste ponto, afirma-se que o olhar sobre o sujeito educado difere entre Herbart e Rousseau, mas ambos ainda mantêm a mesma separação entre natureza e cultura e ambos são estritamente racionais e empíricos no modo de compreender a formação educativa do sujeito. A diferença entre essas duas teorias educativas é que em Herbart temos uma valorização no aspecto da formação artificial devido à imposição da memorização dos conteúdos e em Rousseau, uma valorização da experiência natural como forma de estabelecer o saber ser sujeito. Para educar em Rousseau, longe de estar atento a evitar que Emílio se machuque, eu ficaria muito aborrecido se ele nunca se ferisse e crescesse sem conhecer a dor. Sofrer é a primeira coisa que ele deverá aprender, e a que ele terá maior necessidade de saber. (ROUSSEAU, 1995, p. 66).

Assim sendo, em Rousseau educar é a vivência de experiência, mas essa experiência tem que se voltar para a natureza própria do sujeito e não para algo constituído de modo artificial (cultura). Portanto, deve-se evitar “nossa mania professoral e pedantesca de sempre ensinar às crianças o que aprenderiam muito melhor por si mesmas, e esquecer o que só nós lhes poderíamos ensinar”. (ROUSSEAU, 1995, p. 66).

Voltamos à questão anterior, qual seja, o que seria a prática educativa pautada na compreensão de que não reproduza no sujeito a separação entre a natureza e a cultura? Tudo indica que a contraposição para enfrentarmos esse modo cindido de compreender o sujeito leva a pensá-lo como sendo uma mistura entre a natureza e a cultura. No entanto, no campo educativo essa mistura entre natureza e cultura acaba por levar a práticas em que a condição de formar o sujeito corresponde a esforços cada vez mais apelativos de educar pela força da razão ou pela experiência da emoção. Isso acaba por, de certo modo, manter também a ruptura entre natureza e cultura, com a diferença que agora elas se misturam. Por um lado é exigido um esforço físico/mental para memorizar coisas, por outro nos tornarmos reféns dos nossos vínculos de amor com as coisas do saber.

Responder a questão sobre a possível unidade entre natureza e cultura pautada no campo educativo é levar até as últimas consequências a realização de uma psicologia da educação que tem como base ora a relação estritamente física do sujeito educado, ora a experiência estritamente emocional. Neste aspecto, podemos ter como ilustração o quadro de Jean-Honoré Fragornard, cujo título é “A educação faz tudo”. 2

 

A educação faz tudo (Jean-Honoré Fragornard 1775-1780) 3

 

Nessa tela está colocada em evidência a tese educativa sobre a possibilidade da inscrição da vontade do educador no sujeito, qual seja, “a educação faz tudo”, até mesmo altera a natureza do próprio educando. Partimos da compreensão de que em nossa contemporaneidade estamos mergulhados nessa crença de que é possível pela educação e, principalmente, pelos bons costumes inserirmos o sujeito na sociedade para que ele seja compatível com as exigências modernas da nossa civilização.4 Essas exigências educativas pressupõem que seja possível alterar o próprio estado de natureza do educando, ou seja, se este cometer algum tipo de violação das leis sociais é preciso uma dose acertada de mais educação, pois somente ao reeducá-lo que podemos constituí-lo como sendo o “bem-educado”.

Temos a crença de que somente “boas práticas educativas” é que podem resultar na “adequação do sujeito à sociedade”. Entretanto, há aí certo grau de verdade, ou seja, acabamos por nos educar pelo fato de estarmos inseridos com os educadores em práticas que nos servem de modelo. Para Freud, sobre a construção desse modelo educativo

é difícil dizer se o que exerceu mais influência sobre nós e teve importância maior foi a nossa preocupação pelas ciências que nos eram ensinadas, ou pela personalidade de nossos mestres (FREUD, 1914)

Podemos não saber o que define em nós o que somos, ou seja, somos sujeitos em decorrência dos conteúdos que nos são ensinados ou a própria figura de nossos educadores. Os que apostam na primeira opção apostam na razão e fazem da educação um corolário de conceitos a serem memorizados pelo educando. Já os que apostam na segunda possibilidade pensam a educa¬ção como algo estritamente emocional e que o seu principal eixo é o encontro entre os sujeitos. Neste caso, os cachorros no quadro de Fragornard ficam em pé ao comando da menina tanto pelo fato de treinarem fisicamente, como também pela afeição por sua dona que cuida deles com carinho e alimento. Portanto, o paradoxo é que a verdade educativa não está nem de um lado ou do outro, ou seja, ela pode estar no meio, portanto educar seria um encontro da razão entre sujeitos emotivos que realizam trocas simbólicas. Podemos afirmar que

é fácil perceber que o modo de vida ideal talvez seja obter um delicado equilíbrio entre os extremos. (...) mesmo sob condições extremas, deixar-se levar apenas pelo coração ou pela razão não é um bom modo de viver nem a maneira certa de sobreviver. (BETTELHEIM, 1985, p. 206).

Entretanto, como alcançar esse equilíbrio na formação cultural do sujeito e falar sobre a possibilidade de educar o sujeito depois de Freud ter sinalizado que somos portadores de algo não revelado em nossas ações, ou seja, atuamos no conjunto de nossas formações do inconsciente? Para Freud,

a educação tem de escolher seu caminho entre o Sila da não-interferência e o Caríbdis da frustração. A menos que o problema seja inteiramente insolúvel, deve-se descobrir um ponto ótimo que possibilite à educação atingir o máximo com o mínimo de dano. Será, portanto, uma questão de decidir quanto proibir, em que hora e por que meios. (FREUD, 1933 [1932]).

A nossa modernidade acabou por instaurar de modo hegemônico a interpretação do quadro “A educação faz tudo” (FRAGORNARD, 1775-1780), na qual somente podemos nos educar através da realização do esforço físico exaustivo e doloroso na busca do resultado (Herbart) ou sermos refém do amor pelo educador (Rousseau). Ambos possibilitam exigências ao sujeito/educando e muitas vezes autorizamos que o educador nos faça sofrer para sermos o sujeito educado. No caso da teoria de Herbart, a imposição vem pela vontade do educador de que seja memorizado o discurso sobre o objeto. No segundo caso a imposição vem pelo amor do educando pelo educador que o direciona a fazer experiências de vida, no sentido de não medir esforços para aprender algo que agrade ao educador. Neste ponto é que podemos indicar a oportunidade para aqueles que desejam exercitar a crueldade, pois acabam por encontrar no campo educativo um modo aceito e justificado socialmente de pôr em ação tais práticas dolorosas com o álibi de que são condutas educativas para o sujeito. Para Freud,

A crueldade é perfeitamente natural no caráter infantil, já que a trava que faz a pulsão de dominação deter-se ante a dor do outro – a capacidade de compadecer-se – tem um desenvolvimento relativamente tardio. (...) A ausência da barreira da compaixão traz consigo o risco de que esse vínculo estabelecido na infância entre as pulsões cruéis e as zonas erógenas torne-se depois indisso¬lúvel na vida (FREUD, 1905).

No entanto, fica uma questão pertinente a esse processo educativo, entendido como sinônimo de colocação de barreiras no que diz respeito à satisfação dos impulsos da criança: qual grau de contenção é realmente necessário para educar uma criança? Não podemos correr o risco de favorecer a instauração de uma doença, já que “a libido fica privada de satisfação pelas vias normais”? (FREUD, 1905, p. 161). Portanto, como estabelecer uma educação que permita e, simultaneamente, impeça práticas de crueldade\barbárie. O que mais nos preocupa é que podemos encontrar a plena satisfação desses impulsos cruéis numa criança, e, mais tarde, num adulto, que realizam essas atitudes com aquilo que se pode denominar a banalidade do mal, que desafia as palavras e os pensamentos (ARENDT, 1999, p. 274). O mais assustador é que as práticas de crueldade com o outro e consigo próprio acabam por se instituir como a realização de atuações que permitem se reconhecer como sujeito. O fato importante a analisar nessas práticas são os laços de paridades, ou seja, um educador cruel encontra facilmente aqueles que desejam que ele os faça sofrer, pois somente assim é que o educando se percebe educado. Entretanto, o que seria a crueldade?

Partimos do pressuposto de que não se pode definir a priori a crueldade. Estabelecemos alguns parâmetros que indicam coisas que não se podem fazer consigo mesmo e com o outro, como fator impeditivo da realização da crueldade. Entretanto, não podemos afirmar que a crueldade não possa estar dissimulada em atuações despercebidas do nosso cotidiano, no caso específico deste estudo nas práticas educativas.

Como podemos notar no quadro de Fragornard, temos no centro dois cachorros (educandos) que se encontram em pé e estão sob o comando direto da menina (educadora). Os cachorros realizam a proeza de ficar em pé apoiados somente nas patas traseiras, e isso é algo totalmente contrário à natureza do próprio cachorro, que deveria apoiar-se naturalmente nas quatro patas. Isso significa dizer que “a educação faz tudo” a ponto de alterar a própria natureza do cachorro. Essa prática teria embutido em seu interior algo da ordem da crueldade?

Para responder essa questão devemos analisar qual o grau de sofrimento que envolve a realização dessa proeza apresentada no quadro e que tem como base o resultado do bom trabalho educativo. Aplica-se a tese educativa ao estabelecer uma relação direta na formação do sujeito como sendo o resultado de uma operação de intervir na estrutura da natureza do educando. Esta prática educativa que se materializa em práticas que têm como meta o resultado de educação de técnicas do corpo denomina-se como adestramento. Sobre esse fato, Marcel Mauss já tinha relatado que:

O treinamento, como a montagem de uma máquina, é a procura, a aquisição de um rendimento. Trata-se aqui de um rendimento humano. Essas técnicas são pois as normas humanas do treina¬mento humano. Os processos que aplicamos aos animais foram aplicados pelos homens voluntariamente a si mesmos e a seus filhos. Estes foram provavelmente os primeiros seres que foram assim treinados, que foi preciso primeiro domesticar, antes de todos os animais. (MAUSS, 1974, p. 220).

Aplicamos aos animais e a nós mesmo a condição de educar pela aplicação de estímulos e o reforço dos resultados favoráveis (SKINNER, 1974). Portanto, nessa concepção hegemônica a “boa educação” é somente aquela que pode proporcionar as condições necessárias para alterar a natureza do educando (adestrar), e isso seria o tipo de ensino que possa modificar no sujeito a

(...) determinação de sua vontade, mais precisamente, um exercício pleno das “ações da alma”, pode controlar as “paixões da alma”. O que encontramos no sujeito cartesiano é uma íntima relação entre vontade e razão. Para aqueles em que a vontade é forte, não há que temer o desvio, pois os sujeitos sabem o que querem e buscam alcançar esse objetivo a qualquer custo. A análise de Descartes se volta para aqueles que não possuem uma forte vontade em alcançar o que desejam (SKINNER, 1974).

Nesse aspecto, a “boa educação” centrada na tese cartesiana seria algo que possa proporcionar as condições necessárias para controlar as paixões da alma e, até mesmo, alterar os seus resultados. Para Descartes esse tipo de educação é possível pelo fato de constatar que o cão, quando

vê uma perdiz, é naturalmente levado a correr em sua direção, e, quando ouve um tiro de um fuzil, tal ruído o incita naturalmente a fugir; mas, não obstante, adestram-se comumente de tal maneira os cães perdigueiros que a vista de uma perdiz os leva a deter-se e o ruído que ouvem depois, quando alguém atira à perdiz, os leva a correr para ela. Ora, essas coisas são úteis de saber para encorajar cada um de nós a aprender a observar suas paixões; pois, dado que se pode, com um pouco de engenho, mudar os movimentos do cérebro nos animais desprovidos de razão, é evidente que se pode fazê-lo melhor ainda nos homens (...). (DESCARTES, 1974, p.i247).

A psicologia da educação de Herbart e a de Rousseau, inserida na pers¬pectiva de que “a educação faz tudo”, aproximam-se na busca do resultado em mudar estritamente a natureza do sujeito, seja pela dor do sofrimento físico, seja pela dor do sofrimento emocional em que os sujeitos se encontram mergulhados em suas próprias práticas e subjetividades.

Nesse caso, retomamos o conceito de Weltanschauung como a possibili¬dade de realizar uma prática educativa e a produção da subjetividade, pois temos a crença instituída na possibilidade de formar uma Weltanschauung educativa no sentido de solucionar “todos os problemas de nossa existência”. (FREUD, 1933 [1932]). Essa tarefa improvável ainda se mantém presente nas mentes de muito educadores que pensam a prática educativa como o exercício pleno da subordinação do sujeito aos ditames na verdade, e que somente com essa imposição é que podem livrar o sujeito do lado prático de sua ignorância e do lado da subjetividade do seu mal ser na civilização.

Do lado prático em livrar o sujeito da ignorância Rancière afirma que

a explicação não é necessária para socorrer uma incapacidade de compreender. É, ao contrário, essa incapacidade, a ficção estru¬turante da concepção explicadora de mundo. É o explicador que tem necessidade do incapaz, e não o contrário, é ele que constitui o incapaz como tal. Explicar alguma coisa a alguém é, antes de mais nada, demonstrar-lhe que não pode compreendê-la por si só. Antes de ser o ato do pedagogo, a explicação é o mito da pedagogia, a parábola de um mundo dividido em espíritos sábios e espíritos ignorantes, espíritos maduros e imaturos, capazes e incapazes, inteligentes e bobos. (RANCIÈRE, 2002, p. 23-4).

Do lado da subjetividade em livrar o sujeito do mal-estar na cultura, como afirmamos anteriormente, podemos localizar, a partir da leitura do texto freudiano, dois eixos de pesquisa nos tipos de conexões entre a Psica¬nálise e a Educação, qual seja, de um lado o otimismo de que seja possível intervir na educação com o auxílio da Psicanálise, no sentido de se alcançar

uma influência profilática na criança, enquanto esta ainda é sadia. Por outro lado, poderia detectar as primeiras indicações de um desenvolvimento na direção da neurose e resguardar a criança contra o seu desenvolvimento ulterior numa época em que, por diversas razões, uma criança nunca é levada ao médico. (FREUD, 1913)

De outro lado pode-se também encontrar em Freud uma crítica a qualquer tipo de técnica da Psicanálise aplicada no campo educativo, a ponto de tornar impossíveis as relações de conexões entre a Psicanálise e a Educação, pois ele compreende o fato de “existirem três profissões impossíveis – educar, curar e governar”. (FREUD, 1925).

Diante dessas duas perspectivas de se pensar as relações e/ou conexões entre a Psicanálise e a Educação é que se estabelecem as tentativas de investigação, de observação e de análise sobre as questões educacionais. Partimos da tese de pensar a prática educativa como a realização de uma práxis na qual o sujeito possa se reconhecer criticamente como construtor e reprodutor de si mesmo na formação cultural do outro.

Nesse quadro é que podemos pensar os argumentos dos educadores que têm atuado como aplicadores de práticas que educam e produzem a subjetividade no sentido de instaurar no sujeito a realização do “eu” no outro. Entretanto, os resultados apontam para uma falta de resultado, ou seja, por mais que se exija que o sujeito se estabeleça, ele se apresenta instável, principalmente se contrapondo as imposições dos educadores. Neste caso, em termos educativos, compartilhamos do argumento freudiano de que os esforços para educar o sujeito não se direcionam para o ponto central, ou seja,

que a educação dos jovens nos dias de hoje lhes oculta o papel que a sexualidade desempenhará em suas vidas, não constitui a única censura a qual somos obrigados a fazer contra ela. Seu outro pecado é não prepará-los para a agressividade para a qual se acham destinados a se tornarem objetos. Ao encaminhar os jovens para a vida com essa falsa orientação psicológica, a educa¬ção se comporta como se devesse equipar pessoas que partem para uma expedição polar com trajes de verão e mapas dos lagos italianos. Torna-se evidente, nesse fato, que se está fazendo certo mau uso das exigências éticas. A rigidez dessas exigências não causaria tanto prejuízo se a educação dissesse: ‘É assim que os homens deveriam ser, para serem felizes e tornarem os outros felizes, mas terão de levar em conta que eles não são assim’. Pelo contrário, os jovens são levados a acreditar que todos os outros cumprem essas exigências éticas — isto é, que todos os outros são virtuosos. É nisso que se baseia a exigência de que também os jovens se tornem virtuosos. (FREUD, 1929, p. 137).

Nesse aspecto, já seria o momento em que os educadores de plantão pudessem amenizar a sua compulsão para educar e, principalmente, realizar uma crítica radical em seus próprios fundamentos que sustentam as suas práticas educativas. Uma crítica que tivesse como base que suas premissas educativas para realizar o eu no outro estaria conduzindo a práticas em o sujeito/educando deixou muito tempo de existir e o que temos no campo educativo é a presença hegemônica da ilusão de que podemos constituir a reprodução de nossa própria natureza e a produção de subjetividade no outro. Portanto, educamos na crença de que somos reprodutores de nós mesmos e produtores de subjetividades, ou seja, educamos na fantasia de que temos a potência de formar o cidadão educado. Contudo, não podemos deixar de considerar que temos uma eficácia na realização dessa crença educativa que ao todo custo nos subordina as manias e repetitivamente nos fazem sujeitos no impossível caminho sem fundamento da prática educa¬tiva e na produção de subjetividade.

 

 

REFERÊNCIAS

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Artigo recebido em: 16/4/2009
Aprovado para publicação em: 8/7/2009

 

 

1 Poderíamos dizer que os sujeitos inseridos nas cidades são educados numa verdadeira educação física. Assim, como nos esportes praticados nas sociedades industriais, as cidades também buscam um sujeito com uma determinada produtividade e a maximização nos resultados. Portanto, o desenvolvimento das forças produtivas de uma sociedade, as formas arquitetônicas do urbano e as alterações na maneira de usar o corpo no campo esportivo são elementos que podem estar intimamente relacionados. Cf. SEVCENKO, Nicolau. Futebol, metrópoles e desatinos. Revista da USP: dossiê futebol. São Paulo, no 22, p. 30-7, jun./jul./ago. 1994.
2 O quadro intitulado A educação faz tudo de Jean-Honoré Fragornard encontra-se na coleção Masp (São Paulo). No caso do nosso estudo é justamente o título do quadro que mais chama atenção, pois apresenta a tese da ideia moderna de poder pela força da razão instrumental dominar e controlar a natureza/cultura.
3 Cf. quadro do acervo da coleção Masp – São Paulo (óleo sobre tela 55,5 cm x 66 cm).
* Rua Xingu, no 365, apto 32, bloco Ypê, Valparaíso. Santo André-SP. 09060-050. rogerio@unifei.edu.br. Agradecimentos à Unifei e, principalmente, à Fapemig, pelo apoio financeiro na realização desta pesquisa (Projeto “Edital Universal/2006 – SHA 1929/06”).

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