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Revista Mal Estar e Subjetividade
versão impressa ISSN 1518-6148versão On-line ISSN 2175-3644
Rev. Mal-Estar Subj. v.8 n.4 Fortaleza dez. 2008
AUTORES DO BRASIL
ARTIGOS
Psicopatologia: legitimação de discursos pós-modernos na sala de aula
Psychopathology: post-modern discourse legitimating in classroom
Conrado Neves SathlerI; Manuel Morgado RezendeII
IMestre em Psicopatologia e Psicologia Clínica pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada (Lisboa). Doutorando em Lingüística Aplicada pelo IEL/Unicamp. Professor de Psicopatologia do UNISAL - Centro Universitário Salesiano de São Paulo - U.E. Lorena. End.: R. Dr. Benedito Julio de Oliveira Braga, 40, Parque Esperança. Taubaté, SP. CEP: 12062-330. E-mail: c.sathler@uol.com.br
IIMestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Doutor em Saúde Mental pela Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Professor Titular do Mestrado em Psicologia da Saúde da Universidade Metodista de São Paulo. Professor Doutor da Universidade de Taubaté. End.: Av. Felix Guisard, 520. Taubaté, SP. CEP: 12093-510. E-mail: manuel.rezende@uol.com.br
RESUMO
O objetivo deste trabalho é mostrar que os discursos da Pós-Modernidade são legitimadores dos manuais de classificação e também que, ao tratar a Psicopatologia como uma abordagem de sistematização sintomatológica, os manuais a põem no mesmo patamar de outros valores pós-modernos, ou seja, fragmentada, formada por elementos supérfluos e com indícios de enfraquecimento da subjetividade. Esses problemas pós-modernos serão aqui vistos pelos prismas de Zygmunt Bauman, Gilles Lipovetsky e Michel Maffesoli. A sala de aula é apresentada como uma arena onde forças político-ideológicas vão disputar o valor de verdade sobre os sintomas, que ora são tomados como sinais da crise subjetiva e, às vezes, ao contrário, como sinais de resistência e emergência de singularidade do sujeito e, numa terceira vertente, vão por em pauta o conhecimento construído acerca do sujeito. Essas forças políticas põem a Psicopatologia dos manuais (CIDs e DSMs) num pólo e as Teorias da Subjetividade e a Psicopatologia Fundamental em outro.
Palavras-chave: sala de aula, discurso, ensino, psicopatologia fundamental, pós-modernidade.
ABSTRACT
The objective of this paper is show that the Discourse of post-modernity are legitimates of classification's manuals and to treat the Psychopathology like an approaches of symptomatologics systematization, the manuals put it at the same place of other post-moderns values, or better, fragmented, formed by superfluous elements and with signs of subjectivity weakness. These post-modern problems will be here seen by the Zigmunt Bauman's, Gilles Lipovetsky's and Michel Maffesoli's prism. The classroom is showed like an arena of conflicts where the politic-ideologist forces will go to dispute the value of the true about the symptoms that are taken like signs of the subjective crises and, moreover, in opposite, like resistance and emergency signs of singularity subjective and, in a third slope, will go in schedule the knowledge built about the subject. These political forces put the Psychopathology of Manuals (ICD and DSM) in a point of view and the theories of subjectivity and Fundamental Psychopathology in another point.
Keywords: classroom, discourse, teaching, fundamental psychopathology, post-modernity.
Introdução
O presente texto tem como objetivo discutir, mais uma vez, os problemas do ensino da Psicopatologia. Mas o que motivou esta empreitada não foi apontar os problemas que se apresentam ou os rumos que precisam ser tomados no ensino e na pesquisa, temas já discutidos em literatura reconhecida na Psicopatologia Fundamental. Mais especificamente, dois pontos motivaram este trabalho: a busca da articulação entre os problemas da Modernidade e as conseqüências de seus excessos, aqui identificados como Pós-Modernidade, com a Psicopatologia dos Códigos; e a apresentação de críticos da Pós-Modernidade como Zygmunt Bauman, Gilles Lipovetsky e Michel Maffesoli, autores que ao discutirem os problemas humanos e sociais da Pós-Modernidade, discutem também o sofrimento humano ligado aos tempos atuais.
Tomamos como referencial teórico para a discussão desta temática a abordagem discursiva foucaultiana. Isso implica na compreensão do discurso como uma ordem que autoriza quem pode e o que pode ser dito em determinado lugar para ser aceito e compreendido ou, ainda, discurso como um conjunto de regularidades enunciativas que, embora em contínua dispersão, descontinuidade e heterogeneidade, compõem um conjugado de saberes identificado naquele momento como verdade, visto atender a controles internos, como a lógica e o interdito, bem como aos controles externos como: autoria, obediência doutrinária e formação de sociedades discursivas (Foucault, 2002; Foucault, 1970).
Para realização deste trabalho, em primeiro lugar, usamos a experiência de professor de Psicopatologia, preocupado com a política envolvida no ensino dessa disciplina, para apresentarmos a sala de aula como uma arena de conflitos. Destacamos, nessa arena, vozes que cruzam todos os espaços sem nenhum compromisso com o conhecimento científico e, entre elas, destacamos a mídia que transforma em espetáculo o sofrimento humano e promove, mantendo seus compromissos comerciais e de entretenimento, a construção de novos muros, desta vez, não os muros institucionais, mas aqueles construídos pelo preconceito gerado pela classificação e pela identificação daqueles que, sem acesso ao conhecimento crítico e submetidos à "verdade" transmitida pelas telas de TV, são levados pela (con)fusão gerada pela realidade construída nas câmeras, como se essa fosse a representação da realidade sem intermediários, sem interpretações e sem intenções comerciais (cf. Baudrillard, 2002). Procuramos trazer, também, ao debate, um pequeno apanhado de leituras sobre os autores críticos da Pós-Modernidade que têm se destacado em nosso meio, buscando caracterizá-los em suas diferenças e pontos mais significativos aos nossos objetivos.
Procuramos, então, ordenar e relacionar o que os críticos da Pós-Modernidade apontam como conseqüências humanas da racionalidade, da globalização e da individualização do sujeito com os problemas do conhecimento e das práticas de ensino, da pesquisa em Psicopatologia e seus desdobramentos na atividade clínica e nas instituições de saúde em geral.
Posições discursivas em sala de aula
Um sujeito pode ocupar diferentes posições em um mesmo discurso (Foucault, 1969/2002), que podem ser relacionadas às posições discursivas ocupadas pelo sujeito na exterioridade do discurso, ou seja, nas práticas sociais. Propomos esse deslocamento conceitual a partir de Berlinck (1997), que trata da relação entre a psicopatologia (pathos) e as posições do sujeito (física, postural e relacional), no artigo O que é Psicopatologia Fundamental.
Isso significa que em um determinado lugar, com determinada postura e assumindo uma certa identidade discursiva (transitória), o sujeito se vincula a um outro ou a outros, e torna-se, a partir de sua fala, sujeito do discurso e, conseqüentemente, sujeito das tensões que o discurso carrega. Esse é o sujeito que aqui tomamos como referência: um lugar vazio, atravessado por dizeres e tensões, não antropológico, visto que pode ser ocupado por um ou outro indivíduo qualquer, mas qualquer um ali presente estará sujeito aos mesmos controles, poderes e desejos. Ali, naquele lugar vazio, o sujeito terá que enfrentar resistências e resistir aos jogos de poder e linguagem que fazem com que ele próprio seja reconhecido como um sujeito, ou como aquele sujeito específico.
A sala de aula pode ser encarada de muitas formas. No entanto, não é nossa intenção discuti-la em si (características, elementos, funcionamentos) neste momento, mas tomá-la como um lugar no qual há uma multiplicidade de discursos que se cruzam, especificamente, no nosso caso, discursos sobre a Psicopatologia. Conseqüentemente, é um local onde um sujeito ocupa sua posição e disputa o direito à fala e ao reconhecimento, tanto de si mesmo como falante-sabedor, quanto do valor da verdade que pronuncia como saber legítimo.
A sala de aula de Psicopatologia possui características típicas não só por se tratar de um local para uma discussão temática - todas as outras disciplinas ocupam espaços temáticos no ensino -, mas diria que, discursivamente, é um espaço razoavelmente regular, ou ainda, trata-se de uma disciplina com variáveis discursivas previsíveis e essas são peculiares ao curso na qual está inserida e ao grupo presente em classe. Por ser a sala de aula de Psicopatologia um lugar de discussão dos padrões e da normalidade do comportamento, em poucos lugares se observa tão claramente a presença do controle discursivo e das tensões a ele relacionadas. Os discursos da Pós-Modernidade também funcionam como elementos da vontade de verdade relacionados ao saber-poder psicopatológico.
Como Foucault (1970/1996) observou, entre as formas de controle dos discursos estão a discriminação e a exclusão, e seus objetos mais valorizados são a loucura e a sexualidade, que são objetos que ocupam lugares de destaque na sociedade ocidental desde o século XVIII, com dizeres presentes nos discursos pedagógicos, médicos, administrativos, jurídicos, religiosos etc. A Psicopatologia tornou-se foco de disputa de poder desde que assumiu, nos últimos tempos, a posição de disciplina que classifica os comportamentos, os sintomas e as identidades, dando-lhes uma marca da normalidade ou não (Russo & Venâncio, 2006).
Assim, entre as atribuições geralmente postas aos professores de Psicopatologia, seja nos cursos de Medicina, Psicologia ou Serviço Social, estão os trabalhos com diagnósticos, as categorizações e, também, a formação de propostas de tratamento aos transtornos mentais, como são atualmente identificados os desvios de comportamento e de normalidade criados pelos textos psicopatológicos.
O poder presente nos discursos psicopatológicos se reveste de conhecimento científico, saber científico muitas vezes identificado com a Biologia, com as Neurociências ou com outras ditas "Ciências Naturais", que tratam de classificações e vão criando rótulos; junto com eles, criam também novas categorias de sujeitos, sem que isso seja percebido imediatamente como exercício de poder social ou poder de exclusão, talvez pelo caráter administrativo de promoção da saúde e de prevenção à doença que permeia tantos discursos relacionados às ciências da saúde nos últimos anos.
Outra variável presente na sala de aula de Psicopatologia, também caracterizadora dela, é a identificação. Além, então, dos discursos classificatórios e naturalizantes, pode-se observar, nos alunos, os conflitos pessoais ligados aos medos, aos desejos, aos preconceitos e às associações feitas entre as classificações dos manuais que são legitimadas pela ciência médico-psiquiátrica, pelas práticas de diagnóstico nos serviços públicos de saúde (que exigem os códigos), pelos serviços administrativos dos seguros e também pela mídia, por exemplo.
Isso ocorre de forma conflituosa, pois essa forma de conceber a patologia rivaliza com as concepções de homem e saúde encontradas em outras disciplinas como, por exemplo, a Psicanálise, a Fenomenologia e a Teoria Social Crítica, disciplinas comuns nos cursos de Psicologia e Serviço Social.
O medo da exposição, o medo da autoclassificação e, também, o contrário disso, o prazer em se apropriar de um discurso já legitimado, o poder contido no ato de diagnosticar e nomear, principalmente, aquele comportamento sintomático dos colegas e familiares presentes no dia-a-dia dos alunos e que, por algum motivo, incomodam ou despertam curiosidades, geram outro eixo de discursos e conflitos presentes em classe, geralmente as zombarias, as brincadeiras e as ironias em torno das classificações e categorizações.
Ainda ao que se refere ao comportamento do aluno, o desejo de reconhecimento (e de poder) se faz, também, por meio da utilização de conceitos de algumas teorias mais herméticas que exigem um investimento teórico-conceitual mais longo, o que confere a quem os usa (mesmo que de forma equivocada) um status de bom aluno, talvez até de aluno mais "inteligente" ou capaz, porque está, desde o início de sua formação, prontamente envolvido com teorias complexas, o que demonstra, em geral, grande capacidade de estudo.
No caso específico dos cursos de graduação em Psicologia, aprender Psicopatologia está relacionado com parte da formação para realização de psicodiagnósticos. Esse saber e essa prática são componentes de um processo de aprendizagem bastante amplo que compreende, entre outros conteúdos, os conhecimentos disciplinares sobre: o desenvolvimento humano, a aprendizagem, a psicologia social e as técnicas de observação; conteúdos que permitem a introdução à imensa responsabilidade de propor tratamentos, encaminhamentos médicos, jurídicos e pedagógicos, promoções e admissões trabalhistas entre outras incumbências, responsabilidades depositadas hoje no profissional em Psicologia. Em outras palavras, o psicodiagnóstico vincula-se a um exercício de poder profissional.
O poder profissional não se exerce fora do sistema social, nem mesmo fora dos saberes presentes na sala de aula. O que se quer com o exercício do poder é o controle sobre os corpos de todos que compõem esse sistema. O controle dos corpos passa pela classificação psicopatológica e pelas técnicas de normalização dos sujeitos, segundo Foucault: biopolítica e biopoder (Foucault, 1988) Conhecer essa disciplina é ter a possibilidade de exercer o poder de discriminar, excluir, estabelecer e identificar os parâmetros da normalidade.
Há, entretanto, outro grande eixo de discursos que atravessa a sala de aula de Psicopatologia. Esse é mais sutil e atravessa, além dos discursos, os próprios espaços físicos e humanos da sala de aula enquanto ambiente educacional. Conforme enunciou Guy Debord (1967), em sua obra Sociedade do Espetáculo, o espetáculo permeia as relações e estabelece novas formas de subjetivação.
O espetáculo não está localizado nas telas ou nas montagens, está, sub-repticiamente, se instalando em todas as relações e em todas as ocasiões. A sala de aula não está imune a essa estética que, ligada a "sociedade do narcisismo" (Lasch, 1979), vem delineando o sujeito pós-moderno, cuja subjetividade é fracamente estabelecida, e está diretamente calcado na imagem ou na exterioridade (Birman, 1998).
Com isso, vimos apontar que o professor da disciplina deve ser espetacular para ser ouvido, que a sala de aula deve ser um ambiente de espetáculo, preferencialmente com telões e data-show, com caixas de som e tablado, para ser considerada adequada. As aulas devem ser conferências proferidas em tom de suspense ou de saber magno e os temas devem ser ligados aos acontecimentos mais recentes, sob pena de serem desprezados por toda a comunidade acadêmica.
Surpreendentemente, Psicologia, Filosofia ou Pedagogia, até mesmo em suas respectivas formações profissionais, ciências que anteriormente compunham espaços destinados ao pensamento sobre os valores da escola e da educação, também destinadas a pensar as religiões e as políticas públicas das instituições de saúde e de assistência sociais e, hoje, mais voltadas à compreensão da formação da subjetividade, vêm focalizando com primazia a exterioridade.
O efeito dessa prática educacional naturaliza a noção de que o sujeito dentro-de-si deva ser associado a uma patologia e que o sujeito fora-de-si, aquele que cultiva a sua imagem, que cultiva seu corpo como objeto e se torna um ator em cena quando em contato com seus pares, está preservando sua saúde mental. Por conseqüência, essa exterioridade estimula os alunos a pensarem nas escolas, nas clínicas, nos hospitais e nas instituições de assistência social como locais de bem-estar físico, e não como lugares apropriados ao contato com o pensamento lógico e transformador, capaz de aumentar a tolerância à frustração e de gerar novas soluções, mais comprometidas com a realidade.
Evidentemente, a mídia não fica alheia a todo esse movimento de espetacularização das relações. Essa presença da mídia se faz de maneira bastante freqüente e influente em nossos dias. Como aponta Rezende (2006), uma das heranças do modelo médico no ensino de Psicopatologia se fez pela prática de visitas técnicas a instituições manicomiais. Essas visitas também eram recheadas de espetáculos e podemos supor que um dos modelos para essa prática tenha sido a experiência de Freud com Charcot, nas magistrais aulas em Salpetrière (Mannoni, 1989). Nos tempos atuais, em que os muros institucionais vêm sendo fortemente rejeitados, a mídia constrói outros muros por meio da veiculação e exploração de diagnósticos e condições de vida classificadas de forma a identificar, excluir e operar novas formações subjetivas na sociedade (Silva, 2006; Silva, Barros, Ferreira & Lima, 2006).
Ao veicular, também, formas estereotipadas de Psicopatologia, a mídia cria condições de circulação de verdades comprometidas com o espetáculo. Porém, não é raro observar que em muitos cursos a Psicopatologia é apresentada aos alunos na forma de espetáculo, e filmes como Um estranho no ninho, Silêncio dos inocentes, Uma mente brilhante, A cor da noite, Garota, Interrompida e Um dia de Fúria, entre tantos outros, tornam-se paradigmas para diagnósticos. Essa prática tenta apagar que os discursos ali observados não são outros senão os de atores com objetivo de seduzir sua platéia.
Esse grande número de filmes de circulação massificada foi citado acima porque, neste momento, poderíamos reforçar que não só os valores pós-modernos estão imbricados ao ensino, como também a estética cinematográfica e os modos de sentir, gerando um desvio postural nas propostas educacionais vinculadas às teorias da subjetividade que não permitem dissociar o sujeito de seu ambiente e de suas formas de construção subjetiva.
As críticas da pós-modernidade
Antes de tecer relações entre a Psicopatologia e a Pós-Modernidade, tema já tão discutido por tantos autores, faremos uma tentativa de expor os efeitos dessa Pós-Modernidade, segundo três teóricos que têm se notabilizado pelos estudos nessa área: Zygmunt Bauman, sociólogo polonês que teve longa carreira internacional, especialmente na Inglaterra, passando pelo Canadá, Estados Unidos e Austrália, depois de ter sido censurado por anos em sua terra natal; Gilles Lipovetsky, filósofo francês que partindo do estudo da moda e do efêmero, discute o sujeito hipermoderno, com seu vazio e sua decepção; e, finalmente, Michel Maffesoli, sociólogo francês, professor do Centro de Estudos sobre o Atual e o Cotidiano (CEAQ) da Sorbonne, que argumenta que a vida tribal e a busca do prazer são buscas do homem pós-moderno.
Alguma coisa em relação à formação subjetiva se passa no momento atual e não sabemos quais tendências o sujeito seguirá. Pautaremo-nos por três dos mais lidos autores sobre essas mudanças que se agrupam nesse "conceito guarda-chuva" da Pós-Modernidade que, na verdade, abarca várias tendências de pensamento e análises do mundo, do final do séc. XX aos tempos atuais.
Para expor o pensamento desses autores, vamos compará-los e em seguida tentar diferenciá-los naquilo que analisam em relação ao sujeito e às tendências humanas para os próximos tempos. Para efetivar essa empreitada, analisamos aspectos gerais da obra de cada um, não nos atendo a nenhum texto especificamente. Identificamos, como pontos principais que os diferenciam: em Bauman, uma leitura de tendência mais pessimista; em Lipovetsky, ao contrário, uma visão otimista; e, em Maffesoli, uma marca saudosista e conservadora.
Tomamos, primeiramente, a noção de Modernidade Líquida do pensamento de Bauman (Bauman, 2001; Bauman, 2004). Essa liquidez é denunciada quanto à falta de qualquer valor que seja sólido na Pós-Modernidade, como eram os valores da Antiguidade e da Modernidade. Se houve, na Antiguidade, um valor sólido calcado na lei divina e na onipresença e onisciência de Deus, houve na Modernidade um insuspeito investimento humano no direito, na lei racional, nas ciências e na lógica empírica, mas não podemos chamar esse período somente de logocêntrico, associamos a ele o que vamos chamar, para tentar ser mais específico no que nos interessa dessa forma de se pensar, de racionalismo antropocêntrico.
Seguindo a linha de pensamento de Bauman, podemos afirmar que há, na Pós-Modernidade, ausência de valores humanos, na medida em que o sujeito se torna semelhante a um recipiente de forma aleatória que contenha qualquer idéia que o atravesse. O sujeito não opõe resistência aos demais recipientes ou aos valores e idéias que o atravessam. Não há mais qualquer valor estável, há a desvalorização do humano, o que permite que sejam localizados os agrupamentos de lixos humanos, as massas de excluídos e, no extremo do controle da Modernidade, o holocausto - uma marca clara da racionalidade, com a industrialização da morte (dos judeus) numa linha de montagem de cadáveres humanos, com tal controle administrativo do Estado e tão brutal utilização da mídia, que os próprios condenados se comportavam com passividade.
Pode-se, então, argumentar que haja uma mudança rápida de valores, já que de um instante a outro um valor pode ser substituído e não manter com o primeiro qualquer relação de continuidade. Ora, refutamos essa idéia por compreendermos que, em Bauman, esse sujeito de valores instantâneos se caracteriza pelo instantâneo e não pelo valor. É justamente pela ausência de um valor constitutivo que qualquer valor pode ser admitido ou descartado.
A questão ética da Pós-Modernidade, ainda em Bauman (1997), pode ser tomada como um paciente em estado terminal. As decisões tomadas segundo o critério da racionalidade tornam-se contraditórias, ou seja, uma mesma atitude pode ser compreendida como boa, por ser economicamente adequada, e, por outro lado, má, por ser ecologicamente danosa. Ou seja, ao dividir cada atitude ou cada tarefa em partes que, em última instância, são inseparáveis, a racionalidade deposita num mesmo objeto, ao mesmo tempo, aspectos bons e maus do ponto de vista ético, o que coloca o sujeito frente a opostos não conciliáveis (aporia), no entanto, diante de uma decisão inadiável.
As conseqüências são projetadas numa espécie de pessimismo do autor que vê, então, a ética como confusa e os relacionamentos humanos como descartáveis, e os denomina de Amor Líquido (Bauman, 2004). Nessa realidade líquida, as identidades são chamadas de identidades-cabide, em uma analogia da relação das roupas com os cabides. Enfim, o sujeito posto nas condições geográficas de globalização, condições de produção de qualidade total e automatização industrial, na ordem do consumismo na relação com o desejo, torna-se um sujeito supérfluo e descartável. As identidades-cabide permitem que um sujeito marche, ombro a ombro, com companheiros por uma causa que, naquele momento, lhe parece fundamental, e a esqueça no dia seguinte e jamais a defenda. Tal qual um cabide que tem sua roupa trocada, o sujeito troca seus valores.
Lipovetsky (1989; 2004a; 2004b) identifica o momento atual como sendo a Hipermodernidade. O prefixo hiper, segundo esse filósofo, acompanha aquelas características que tipificam esse período. Hipernarcisismo, hipertexto, hipermercado e hiperconsumismo são exemplos desses adjetivos. No entanto, esse hipermercado com suas hiperofertas tem o efeito de democratizar o acesso aos estilos de vida. Em última análise, sobressai, na leitura de Lipovetsky, a liberdade que ele atribui ao sujeito pós-moderno.
Na interpretação desse autor, a moda utilizada até o século XIX marcava o indivíduo e indicava a qual grupo social ele fazia parte. Com a hipermodernidade, houve uma democratização da moda, não só pelo aspecto de que todos têm acesso à moda, mas também no de não haver mais uma ditadura da moda. Com o hipermercado, cada sujeito pode montar sua própria moda sem correr o risco de ser excluído ou discriminado por isso.
Essa possibilidade de individualização do sujeito e essa liberdade de escolha pessoal e independente de seu grupo social possibilitam o que Lipovetsky (2004a) chama de hiperindividualismo, onde percebe-se que o indivíduo, enquanto valor, está acima do coletivo, logo o desejo também se opõe às operações que exigem mutualidade. No entanto, a mídia apropria-se da comunicação social enquanto produção de sentidos, o que induz o sujeito a um padrão de consumo, a uma falta de comunicação direta com os elementos a sua volta e diminui os conflitos sociais. Mesmo assim, havendo uma variedade de modas disponíveis ao mesmo tempo, cada sujeito pode criar seu próprio estilo.
Com uma ética calcada na realização dos desejos, do prazer e da felicidade pessoal, a hipermodernidade põe o sujeito individual acima das regras e das leis sociais e até mesmo negligencia as relações mais próximas, como as familiares. Essas relações são permeadas por uma espécie de barbárie, veja-se, por exemplo, a violência doméstica e os parricídios, filicídios e fratricídios recentemente ocorridos. As relações sociais e familiares tornam-se tão fugazes quanto as relações com os objetos de consumo.
Mesmo com todos esses aspectos negativos observados na hipermodernidade, há ainda vastas possibilidades de felicidade. Os entraves para essa felicidade podem tornar o homem mais sensível com o sofrimento a sua volta e até mesmo, na opinião de Lipovetsky, ao alcançar o sucesso, o sujeito pode olhar em volta e buscar ajuda para aqueles que não o alcançaram. A Sociedade da Decepção (Lipovetsky, 2007) é assim caracterizada: o sujeito realizado ainda percebe desigualdades na sociedade e assim procura ser mais solidário.
Já para Maffesoli, Pós-Modernidade é, ao mesmo tempo, o rompimento da lógica do dever-ser e a conjunção do arcaico com as tecnologias de ponta. É uma complementaridade de afetividade e tecnologia, pois arcaico é tudo o que é da ordem emocional (Araújo, 2005).
Maffesoli (2000) apresenta forte argumentação a respeito dessa junção do arcaico com o atual. Para ele, os esportes radicais: escalada, montanhismo, canoagem, entre tantos outros, são manifestações de desejos ligados a um desejo arcaico, o desejo de ser forte, de vencer a natureza. No entanto, na Antiguidade, o homem precisava da força física, já o homem contemporâneo não tem a mesma necessidade, entretanto possui em seu inconsciente ou, mais propriamente, há no inconsciente coletivo da humanidade uma carga histórica, marca dos valores do passado que, ainda que de forma modificada, atinge o homem no mundo atual.
Para esse autor, esta é uma característica da Pós-Modernidade: a possibilidade da mescla dos elementos antigos com os atuais. Na arquitetura, Maffesoli tem seu exemplo mais claro, sinais góticos, romanos e barrocos postos numa mesma obra construída com materiais e tecnologia modernas. Essa mestiçagem de estilos é também uma mestiçagem de valores. Talvez seja o ponto mais contundente da obra de Maffesoli - a leitura do processo de tribalização da sociedade. Os agrupamentos humanos com valores tribais que se opõem aos valores de outras tribos, a convivência com aqueles que se agregam por cultivarem a mesma divindade, os atos de violência tribal contra os rivais, ou seja, aqueles que possuem outras crenças, cultivam outros valores e divinizam outros mitos são sinais da tribalização pós-moderna.
A compreensão de que nesses comportamentos tribais haja, de fato, um retorno de uma barbárie recalcada culturalmente e que se manifesta em forma de sintoma social contra a civilização, parece-nos uma nova proposta de leitura do mal-estar da civilização, mas não pela óptica freudiana, mas sim, pela junguiana, autor que, ao romper com a Psicanálise, apoiou-se nos conceitos de inconsciente coletivo e arquétipo para explicar o funcionamento da psicologia humana.
Esses três autores constroem muito bem as suas obras e, embora se oponham uns aos outros, apontam que está de fato ocorrendo forte alteração na formação da subjetividade. Não sabemos o futuro, não temos possibilidade alguma de nos posicionar mais de acordo com um ou com outro. Não é o caso. No entanto, podemos juntá-los e afirmar que a Pós-Modernidade não é somente um momento de crise passageira e sem conseqüências para a história humana. A Pós-Modernidade pode ser percebida como um movimento moderno, embora pertencente a uma espécie de modernidade hipertrofiada, mas mesmo assim calcada na racionalidade, o que tem provocado alterações na formação da subjetividade. Isso implica não só na mudança do sujeito, mas na mudança das instituições e da lógica social na qual opera o humano.
A pós-modernidade e a psicopatologia
A Pós-Modernidade, do ponto de vista filosófico, contém, sobretudo, uma grande crítica à Modernidade. Não é, contudo, uma crítica de fora do racionalismo e do empirismo modernos, mas uma crítica aos efeitos da Modernidade sobre a filosofia da história e sobre a própria condição da humanidade. Estamos falando, mais especificamente, de três fatores nos quais se centram as críticas pós-modernas: o sujeito, as metanarrativas e os valores humanos.
Indubitavelmente, esses fatores são imbricados e apresentá-los de forma separada atende a nossa intenção de explicitá-los enquanto itens que permitem a emergência da Psicopatologia enquanto disciplina, da forma como hoje se apresenta. Na Pós-Modernidade, o sujeito é compreendido como uma construção, como um processo, e já não ocupa mais o posto de senhor de sua racionalidade, capaz de conhecer e, conseqüentemente, de controlar e de conduzir seu futuro e os rumos da história. As metanarrativas ou os grandes discursos ideológicos não são mais vistos como referenciais para as demais construções humanas e, com o fim das ideologias, os conceitos como pátria, lei e divindade tornaram-se esvaziados de valor, e provocam a atrofia do sentido histórico do sujeito que fica, então, a deriva e desorientado. A ausência de valores universais enfraquece as dimensões práticas e afeta toda conduta humana que não possui valores éticos como bússola, e em seu lugar estabelece-se uma racionalidade que põe o sujeito frente a paradoxos pragmáticos.
Se considerarmos a Psicopatologia como uma compilação de categorias descritivas de sinais e sintomas poderíamos, de antemão, propor uma leitura unívoca e patológica do sujeito pós-moderno, quer dizer, frente à modernidade racional, esse sujeito é uma conseqüência indesejável, mais propriamente dizendo, o sujeito da Psicopatologia pós-moderna é um efeito colateral, um resultado possível pelo exagero da dosagem de racionalidade e de pragmatismo, ou seja, das próprias tendências modernas.
Situar a Psicopatologia nas bordas da Modernidade como uma disciplina referente às políticas de controle e de exclusão social ou, mais que isso, problematizar o lugar de onde fala aquele que constrói diagnósticos psicológicos a partir dos conceitos de normalidade, e discutir essa construção de conhecimentos sobre o sujeito como sendo um efeito do dispositivo do poder disciplinar, é condição sine qua non para se trabalhar a compreensão da Psicopatologia como expressão da singularidade do sujeito. Isso dentro das condições da Pós-modernidade, pois onde a racionalidade se hipertrofia, as classificações humanas que dela derivam também aparecem de forma exagerada e fragmentada. Veja-se o número crescente de diagnósticos possíveis nos manuais de Psiquiatria e Psicopatologia.
A Psicopatologia, hoje apresentada em forma de manuais compiladores de sintomas que tratam cada uma das classificações diagnósticas como entes ontologicamente estabelecidos, pode ser encarada como uma disciplina pós-moderna, que se faz possível pelas condições estabelecidas não só pela Modernidade, mas pela Pós-Modernidade. Isso porque há na Psicopatologia Clássica uma construção de conhecimento sobre o sujeito, ligada aos seus atos e a sua identidade, não abarcando os fatores de construção subjetiva, os dispositivos e os agenciamentos que a constituíram. Quer dizer, somente considerando simultaneamente o fim da história, o fim das ideologias e o sujeito autônomo e, por isso, responsável último por seus atos, é que se torna possível classificá-lo em termos de normalidade ou anormalidade. De forma fragmentária e sem solução de continuidade com sua história, o diagnóstico, então, não é feito com qualquer dispositivo etiológico, quer dizer, é feito somente pela presença de sintomas e evolução clínica e não pela forma de incidência daqueles traços naquele sujeito.
Dividir o comportamento em normal e anormal, delinear identidades, estabelecer parâmetros para a disciplinaridade e critérios para os comportamentos desejáveis são tarefas ligadas aos controles administrativos e aos governos das populações. Se Foucault nos coloca o nascimento da Psicologia e da Pedagogia como conhecimentos necessários para o surgimento do sujeito disciplinar, a Psicopatologia dos Códigos é um conhecimento sobre os parâmetros disciplinares e sobre os possíveis desvios relativos aos comportamentos e atitudes que se distanciam da regra disciplinar. Porém, indo além das disciplinas, os códigos normalizam também as identidades e os perfis das populações.
A Psicopatologia dos Códigos legitima, então, um modo moderno e disciplinar de compreensão do sujeito, e, também, um modo de operação e construção de um conhecimento sobre o sujeito, bem como uma escrita específica: descritiva, codificada e qualitativa. Essa forma de compreensão do sujeito considera-o como um conjunto de pequenos gestos aprendidos, na medida em que são comportamentos corrigíveis, controláveis ou tratáveis; ou considera-o como conjunto de comportamentos determinados pelas condições médicas, ou seja, transtorno orgânico, o que quer dizer, nos dias de hoje, sujeito controlado e corrigido pela medicina, sem a interferência do próprio sujeito adoecido.
Em oposição à Psicopatologia dos Códigos, que trata o ser humano como um indivíduo, aqui compreendemos o sujeito enquanto um lugar, um efeito do discurso. Abordamo-lo como um lugar de tensões, aquele que ocupa posições, resiste e luta por um espaço discursivo, aquele que pela sua fala se faz existir, logo, sujeito da falta, sujeito do pathos (Berlinck, 2005). Ao apresentar esse sujeito, já estamos inseridos nas fileiras das críticas à Pós-Modernidade.
Se para a Psicopatologia dos Códigos o sintoma é aquilo que escapa ao controle do indivíduo, para as teorias do discurso, o sujeito é exatamente aquilo que resiste ao poder, aos controles disciplinares ou aos mecanismos mais sutis da Sociedade do Controle, o que significa que o sintoma é o próprio sujeito, é lá que ele resiste e persiste. Tratar o sujeito, portanto, é dar voz ao sintoma, tal como propõe a Psicanálise.
Sala de aula e política - conclusão
Um traço da Modernidade carregado pela Pós-Modernidade é o gosto pela inovação, pela novidade. Isso se dá devido à necessidade de instituir novos comportamentos e novos hábitos, nos quais novos produtos de consumo ou novas mercadorias sejam incluídos e, no plano ideológico, se cumpra a promessa de que a evolução, baseada na racionalidade, traga ao sujeito novas possibilidades de conforto, de satisfação e de felicidade.
A esse pensamento das benesses da inovação associa-se a idéia de evolução, discurso que liga desenvolvimento do racionalismo ao pensamento de transformação e liga, também, a hipótese evolucionista darwiniana à economia ligada à industrialização. Assim, a evolução da espécie, o desenvolvimento social e o progresso científico se interligam no mesmo discurso moderno e dão a impressão de que o homem moderno é mais feliz que o homem de outras eras.
Em uma sala de aula de universidade, local onde se desenvolve o ensino baseado especialmente nos princípios da racionalidade moderna, impregnado pelos valores da Modernidade e pelos seus excessos que atravessam os discursos e cujas mutações resultam em Pós-Modernidade, a fragmentação do sujeito, as promessas da psicofarmacologia e a ausência de referências dos grandes discursos impõem conflitos e resistências entre os atores presentes.
Evidentemente, o professor de Psicopatologia sofre, no ensino da disciplina, as mesmas ilusões do sujeito do pathos moderno. Quer dizer, o sujeito que sofre pode tentar apagar seu sofrimento por meio da medicação (drogadicção) ou da medicalização, que significa dar razões médicas ao sofrimento ligado ao corpo: hereditariedade ou "condições médicas gerais", sem a percepção de qualquer interferência do sujeito sobre sua própria história. Ou, em outras palavras, o sujeito pode propiciar soluções externas (objetivas) ao sofrimento subjetivo. Da mesma forma, o professor de Psicopatologia pode tentar escapar aos conflitos dolorosos da sala de aula pela via das novas tecnologias de comunicação e informação e, ao apresentar os filmes hollywoodianos para análises e exercícios de classificação, escapa dos estudos de caso e dos debates que incluem todos os presentes na sala de aula como sujeitos do pathos. Ser sujeito do pathos por si só.
A inclusão de todos os presentes como sujeitos do pathos seria a mudança de vértice no estudo e compreensão do pathos como construção e processo subjetivo e, portanto, artifício formador da singularidade do sujeito. Provocaria, consequentemente, forte alteração na compreensão dos conceitos de normalidade e de tratamento, pois, sendo próprios ao sujeito seria, sobretudo, formas de viver, resistir, sobreviver e fazer valer algo de sua singularidade. Essa aprendizagem do sujeito consigo mesmo é também um fator de transformação: não aquela que impõe ao sujeito a eliminação de sua diferença ou de seu sofrimento, mas que torna seu sofrimento fator de conhecimento de uma possibilidade de expressão de sua singularidade e, talvez, nova forma de saída à massificação imposta pela Sociedade do Controle.
Outro efeito inseparável da temática da Psicopatologia é a noção de UM, impressa pela Modernidade. O indivíduo que sofre, se tomado como indivíduo, é percebido como uma unidade não divisível, senhor e conhecedor de suas possibilidades. Assim, as palavras: controle, consciência, personalidade e identidade são tomadas como parâmetros de avaliação e, por mais estranho que pareça, essas mesmas palavras carregadas de sentidos positivistas são tomadas como descrições naturais e a-teóricas pelos manuais.
A localização do sofrimento no indivíduo, tornando naturais o sofrimento social, a barbárie, o sofrimento institucional e a ausência de fé nos rumos da humanidade, responsabiliza o próprio indivíduo pelo seu sofrimento, acarretando também em encaminhamentos e propostas de tratamentos individualizados, que absolvem o meio pelo sofrimento imposto ao sujeito.
Bauman, Lipovetsky e Maffesoli apontam como a Modernidade e seu desenvolvimento afetam o sujeito e trazem sofrimentos ligados à racionalidade, ao sistema de produção e consumo e à constituição subjetiva dentro dos princípios da Modernidade. Cada um deles é capaz de associar o sofrimento atual da sociedade e do sujeito que, afinal, são a mesma coisa, pois não há distinção possível entre esses conceitos de forma objetiva, e põe em tensão essa noção de UM da Modernidade.
Paradoxalmente, mesmo apontando para as responsabilidades de cada individualidade e a autonomia como valor desejável, a Pós-Modernidade enfraquece o sujeito na medida em que as forças regentes do mercado, o saber sobre o mundo e sobre o sujeito, e os meios de comunicação, alteram tanto a formação subjetiva quanto as leituras sobre o sujeito que, assujeitado, sofre ao se confrontar com essas forças, ou se vê lançado num jogo de linguagem formador não só de seu destino, mas, também, de suas possibilidades de sucesso nesse jogo de cartas marcadas - a Psicopatologia Pós-Moderna.
A Psicopatologia dos Códigos, na medida que se apresenta como um referencial universal, descritivo e a-teórico, legitima esse jogo de linguagem pós-moderno enquadrando o sujeito e pondo-o em relação com a normalidade e com os outros sujeitos, demarcando assim suas possibilidades de realização e suas amarras, aquelas sujeitas à medicação e aquelas sujeitas à simples aceitação tácita, já que não dependem dele e tampouco daqueles detentores do conhecimento sobre a saúde e a doença do sujeito.
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Recebido em 13 de junho de 2008
Aceito em 24 de setembro de 2008
Revisado em 19 de dezembro de 2008