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Revista Brasileira de Psicanálise
versão impressa ISSN 0486-641X
Rev. bras. psicanál vol.47 no.2 São Paulo abr./jun. 2013
ARTIGOS
Na fronteira da "loucura": criatividade e o medo da insanidade1
In the frontier of "madness": creativity and the fear of insanity
En la frontera de la "locura": la creatividad y el miedo a la locura
Claudio Castelo Filho
Membro efetivo e analista didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise SBPSP, mestre em psicologia clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP, doutor em psicologia social e livre docente em psicologia clínica pela Universidade de São Paulo USP
RESUMO
Durante um atendimento, o analista tem uma visão que dura alguns segundos: um homem aparece e passa entre ele e o analisando. Isso tem a concretude de um fato real. Considerando essa experiência não como algo de natureza psicopatológica (apesar de ter sido considerada a possibilidade), mas como o que permite a realização e a evolução da situação em andamento no consultório, o autor discorre sobre uma situação mental que seria essencial para o desenvolvimento da atividade criativa e da expansão da capacidade de pensar. Associa suas ideias às apresentadas por Bion, Longman, Junqueira Filho, entre outros, além de depoimentos dados por personalidades da dramaturgia e da literatura, como a atriz Fernanda Montenegro, cujo processo de trabalho em cena é descrito por sua filha como algo que transita por uma zona extremamente perigosa e "louca". Outras situações na prática clínica são apresentadas.
Palavras-chave: imagem; pensamento-sonho; loucura; sonhar.
ABSTRACT
During a session the analyst has a vision that lasts a few seconds in which he sees a man that passes between himself and his analysand. 'This vision has the qualities of a real fact. It is perceived while it happens as an actual event. The analyst did not consider this vision as having a psychopathological nature (although he considered this possibility) but as something that afforded the capacity of a realization and the evolution of the situation that was going on in the session. From this experience he writes about a state of mind that would be essential to the development of creative activities and of the expansion of the capacity of thinking. He links his ideas to the ones presented by Bion, Longman, Junqueira Filho, among others, and also to communications made by significant actors and writers that go in the same direction, like the actress Fernanda Montenegro whose working process on stage, according to her daughter Fernanda Torres, takes place in an extremely dangerous and "mad" zone. Other clinical situations are also presented.
Keywords: image; dream-thought; madness; dream.
RESUMEN
De una experiencia en su cargo por un servicio en el cual el analista tiene una visión que dura unos pocos micro-segundos de un hombre que aparece y pasa entre él y el analizante, que tiene la concreción de un hecho real, y teniendo en cuenta la experiencia no como algo de la naturalezapsicopatológica (a pesar de que considera la posibilidad), pero a medida que permite la creación y la evolución en curso en la oficina, el autor expone una situación mental que sería esencial para el desarrollo de la actividad creativa y la expansión la capacidad de pensar. Asocia sus ideas a las presentadas por Bion, Longman, Junqueira Filho, entre otros, y las declaraciones dadas por personalidades expresivas del teatro y la literatura en la misma dirección que la actriz Fernanda Montenegro, cuyo proceso de trabajo en la escena es descrita por su hija como algo que transita por una zona muy peligrosa y "loca". Otras situaciones en la práctica clínica se presentan.
Palabras-clave: imagen; pensamiento-sueño; locura; soñar.
Soma: Minha dificuldade é exatamente esta. Não posso tornar qualquer coisa clara para a Psique a não ser que eu tome emprestada uma dor de barriga, ou dor de cabeça ou um problema respiratório do vocabulário somítico para qualquer dessas estruturas pós-natais. Creio em mente e em personalidade a despeito de não haver evidência para o que quer que seja a não ser o Corpo. E quando consigo fazer com que alguém fique ciente de uma dor de barriga, a probabilidade é de que imediatamente cave uma "cura". E minha mensagem...
....
P.A. (Psicanalista): Conheço silêncios grávidos - não tenho de crer neles. Setenta e cinco dizia que todos falando ao mesmo tempo era uma balbúrdia (bedlam).
Sacerdote: Milton falou em Pandemônio.
Diabo: Isso foi antes de a Razão assumir a chefia.
P.A: E Bedlam (hospital psiquiátrico como o Juqueri) - apenas porque a Razão era um chefe tão ruim. As assim chamadas "leis" da lógica eram uma prescrição para o Caos. Elas não deixam qualquer espaço vivo para a vitalidade. Mesmo hoje em dia ela seria natimorta se não tivesse encontrado refúgio naquilo que Alice chamaria de loucura ou -
Doutor: Psicose maníaco-depressiva, ou histeria, ou esquizofrenia, etcetera, etcetera, etcetera, e muito acertadamente também...
(Bion, 1991, pp. 445-446, tradução livre minha).
I
Estou em minha sala com um analisando. Trabalhamos juntos há um tempo razoável. Ele fala uma porção de coisas e há um tom de lamento e queixa. Vejo-me sem ter o que dizer. Nenhuma ideia me ocorre. Percebo-me completamente estéril por muitos e muitos minutos. Deixo a coisa correr solta a despeito de verificar que o analisando está em uma situação desconfortável e um tanto sofrida. Gostaria de fazer algo útil, mas estou convencido, por minha experiência, de que submeter-me ao desejo de ajudar o analisando é obstrutivo, e que todo esforço no sentido de encontrar, na marra, algo para poder aliviá-lo ou explicar o que se passa acaba tornando-se um estorvo e uma barreira para o alcance de alguma coisa mais substanciosa que possa manifestar-se, que teria real serventia. Continuo silencioso.
Observo o espaço da sala. Vejo o analisando deitado no divã à minha frente, ouço-o falar e vejo-me um tanto desalentado, sem perspectiva. Tomo nota desse sentimento que experimento. Talvez ele possa me ajudar a perceber algo, considerando o que estaria indicando. Permaneço olhando o analisando falar, deitado à minha frente, e subitamente tomo um grande susto (sem que o manifeste abertamente). Vejo passar à minha frente, no espaço que há entre meus pés e o divã, um homem magro, de cabelos louros cacheados e camiseta vermelha atravessar o espaço entre nós, olhar-me com desdém, fazendo caretas e micagens, e um gesto com as mãos que indicaria pouco caso de mim, do analisando e do que se passa no consultório.
Quando digo vejo, quero dizer literalmente isso: vi mesmo, senti a presença concreta desse homem passar. Não foi algo imaginado no sentido de eu perceber, no momento exato em que ocorria, de que se tratava de algo produzido pela minha imaginação, mas de uma presença fatual, real, diante de meus olhos por segundos, se tanto, e desapareceu como se tivesse saído instantaneamente pela porta. Fico alguns segundos perplexo. Enlouqueci? Resolvi tomar aquela aparição como uma imagem-sonho, um pensamento-sonho, que revelaria algo essencial do que estaria se passando. Poderia ter tomado, se fosse de um vértice místico-religioso, como uma aparição de outro mundo, mas preferi crer que se tratava de algo produzido no encontro que estava tendo com o analisando.
Comento que considerava que não estávamos a sós na sala, que havia alguém mais além dele e de mim. O analisando diz que parece sentir que tal percepção era verdadeira e indaga-me, intrigado, como eu sabia daquilo. Digo-lhe que sabia por que havia visto alguém passar entre ele e eu. "Viu?", diz o analisando um tanto assustado. Digo que sim, que vi em carne e osso, e descrevo a figura que havia percebido. Acrescento que poderia ser uma loucura minha, mas que considerava não ser esse o caso - ele, no entanto, não precisava descartar a hipótese de que eu tivesse ficado louco e que, se assim verificasse, deveria tomar as providências correspondentes. Mas eu achava que não.
O analisando diz que não entende, mas sente que o que eu dizia era verdade.
Após um silêncio, em que o analisando parece estar espantado por ter confirmado minha percepção, eu indago: "Quem você acha que poderia ser?". Ele responde que na sua juventude teria dito que era o "Outro". "E quem é o Outro?". Ele responde: O Diabo!"
Fico um tempo sem ter o que dizer, e em seguida verifico que surge com vigor em mim a ideia que comunico, levando em consideração o clima prévio da sessão, de desalento e falta de esperança.
"De fato há um diabo invejoso aqui, que procura desmotivar-nos e tratar tudo o que fazemos como algo desdenhável, inútil e sem relevância, deixando-nos sem esperança (no inferno). Ele esforça-se para provar que todos os nossos esforços darão em nada, e procura intrigar e arruinar sua relação comigo e, sobretudo, um relacionamento amoroso e criativo de você com você mesmo, além daquele que você pode ter comigo".
O que se desenvolveu em seguida no nosso trabalho evidenciou que essa manifesta-ção/captação abriu um enorme espaço e insight sobre muita coisa importante para a dupla. Abriu caminho para que o analisando pudesse visualizar e fazer contato com dimensões suas que considerava infernais, assustadoras e inaceitáveis, mas sem as quais toda sua criatividade estava severamente prejudicada. Ao que parece, minha possibilidade de ver o diabo, de não fugir dele, nem de perder a cabeça por tê-lo avistado, teria permitido que o analisando também se dispusesse a encará-lo, a conversar com ele, e assimilar essas potências primordiais, das quais não pode tampouco prescindir.
II
Mencionei em trabalhos anteriores (Castelo Filho, 2003, 2011) o artigo "Além da agressividade na teoria das neuroses", de José Longman (1989a/2008). Nele, Longman descreve uma imagem que vê como em um videoteipe que se desenrola à sua frente, uma série de pessoas que caminham em sua direção e que depois seguem a partir dele em outra. Essa visão ajuda-o, posteriormente, a ter um insight sobre a situação que vivia com o nascimento de sua primeira neta, em que percebia sua transitoriedade neste mundo, sua desimportância no conjunto humano e na história, e o uso que a natureza havia feito dele para perpetuar algo que não tinha nada a ver com ele nem com seus ancestrais e descendentes (as pessoas vistas caminhando para ele e a partir dele).
Pode-se objetar que o episódio representa mais uma figuração imaginada de uma teoria, motivada pelo desejo de explicação para o indizível, do que a observação de um indivíduo, não primitivo, mas sofisticado e preparado psicanaliticamente. Acontece que seu aparecimento inesperado e não refletido, a sua qualidade de estar totalmente presente, envolvendo toda a personalidade com a força da convicção de real que eu não ousaria afirmar, não fala em favor de uma tal suposição. É um entremeio entre o sonho e a vigília, a experiência transformada em imagem visualizada. A meu ver, o que vislumbrei foi uma "evolução" (Bion, 1969), da experiência emocional complexa que se dava no momento e que transparece através de outra realidade, que a torna visível e comunicável (Longman, 1989a/2008, p. 49).
Em outro artigo, "O Objeto psicanalítico: uma aproximação a partir da experiência", Longman acrescenta:
Uma vez considerado o objeto psicanalítico diferente do objeto sensorial, é claro que não pode ser observado do mesmo modo. Outra deve ser a ciência de sua observação. A capacidade para observá-lo, não vai, pois, depender de uma maior acuidade dos órgãos dos sentidos, mas de uma capacidade negativa neste sentido. A "capacidade de poder cegar-se artificialmente no trabalho, com o fim de concentrar toda a luz na única passagem obscura", como escreveu Freud (1916/1980) a uma colega e amiga. Vamos poder percebê-lo como os poetas, os sonhadores, os artistas, os delirantes e alucinados, embora o concebendo como psicanalista (Longman, 1989b/2008, p. 69).
III
O colega Celso Antônio Vieira de Camargo relatou-me o seguinte episódio, que lhe teria sido confidenciado pelo Dr. Yutaka Kubo quando em análise com Frank Philips2. Durante a sessão, Philips comunica algo. Kubo diz que não entendeu. "Nem eu", teria dito Philips.
No que parece ter sido a apreensão de Kubo, o que Philips havia captado não passou pelo entendimento - e ter-se-ia perdido se houvesse esforço para entender.
IV
No programa Starte, canal Globo News, de 31 de maio de 2011, a entrevistadora Bianca Ramoneda comenta com a atriz Fernanda Montenegro que no livro da jornalista Lúcia Rito com sua biografia, sua filha Fernanda Torres declarava que nunca havia visto atriz mais louca em cena que sua mãe. Dizia que a mãe trabalhava em uma zona de risco muito perigosa, em cima de um muro muito perigoso, e que isso era surpreendente para ela.
A entrevistadora comenta que nesse livro há uma dualidade muito grande entre Arlete - nome de batismo da atriz e que parece existir da porta de sua casa para dentro, praticamente desconhecida e inacessível ao público - e Fernanda, seu nome artístico e figura pública, que parecem ser duas pessoas. A atriz diz que realmente são duas, que ela é uma esquizofrênica e que isso (suponho que a esquizofrenia) só não teria se desenvolvido porque o teatro teria lhe permitido "ser". Fernanda foi uma "invenção" sua que pulou para fora da Arlete. Fernanda foi para a porta do teatro e Arlete é uma mulher interna, intramuros, sobre a qual fala pouco e é de uso intenso particular, não tanto conflitada com o lado realista, ao contrário da outra, que é o lado do voo ("que é esta entidade que, por acaso, brincando, eu dei este nome de Fernanda Montenegro").
V
Luiz Carlos U. Junqueira Filho (2004), em seu trabalho "Alteropoese: sobre a gênese da ideogramaticização no trabalho-onírico-alfa", refere-se ao trabalho de Robert Louis Stevenson, que dizia nada escrever, mas apenas transcrever aquilo que durante a noite, enquanto dormia, um grupo de homúnculos produzia e lhe "entregava" pronto.
Cito Junqueira, que por sua vez cita Stevenson (1986):
Robert Louis Stevenson (1850-1894) publicou em 1886 seu famoso livro Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde, explicando num ensaio posterior intitulado A Chapter on Dreams3 que sempre ansiara "escrever uma história sobre... esta forte sensação humana de existir em duplicidade que, às vezes, se impõe de modo avassalador à mente de toda criatura pensante": sentindo-se pressionado por problemas financeiros, concentrou-se durante dois dias na tarefa, tendo tido um sonho na segunda noite onde lhe apareceram duas cenas chaves para compor a história, juntamente com "a ideia central de uma mudança voluntária ter se tornado involuntária". Sua descrição a respeito da instância psíquica responsável por este trabalho onírico é magnífica e merece ser reproduzida: E não obstante, quantas vezes estes Duendes Benfazejos4 insones lhe prestavam um serviço genuíno entregando-lhe, enquanto ele ocasionalmente se deliciava sentado em seu camarote, contos bem melhores do que ele próprio teria produzido... Quem são os homúnculos? Sem sombra de dúvida, eles representam nexos intrínsecos ao sonhador. Afinal, quem são eles? E quem é o sonhador?. Eis aqui uma dúvida que assola minha consciência. Por mim mesmo - aquilo que eu chamo de Eu, meu ego consciente, o habitante da glândula pineal (a menos que tenha mudado de endereço desde Descartes), o homem possuidor de consciência e de uma conta bancária estável, o homem com chapéu e bota, com privilégio de votar e não eleger candidato nas eleições - sinto-me às vezes tentado a supor que não sou contador de histórias coisa nenhuma, mas uma simples criatura como qualquer queijeiro ou qualquer queijo, e um realista atolado até a raiz dos cabelos na realidade dos fatos; de modo que neste sentido, toda minha ficção já publicada deveria ser considerada como o produto personalizado de algum Duende Benfazejo, algum colaborador familiar e invisível, que eu mantenho trancado num sótão lá nos fundos, enquanto eu recebo todas as glórias a respeito do bolo, e ele só uma migalha (e mesmo assim, porque não me é dado impedi-lo). Mas o seu assombro (do sonhador) continuou a crescer e provavelmente também o do leitor, se ele o considerar maduramente, já que agora ele compreenderá porque eu falo dos homúnculos como inventores e atores substantivos (Junqueira Filho, 2004, p. 794).
De Junqueira também aproveito a bela epígrafe de seu trabalho
O real não está na saída nem na chegada,
ele dispõe para a gente no meio da travessia
(Guimarães Rosa, citado por Junqueira Filho, 2004, p. 786).
VI
Em entrevista concedida a Caros Amigos (julho, 1999), Zélia Gattai disse que Jorge Amado participou de seus livros unicamente como personagem. Não interferia quando os livros eram escritos, salvo uma vez quando ela escreveu Crônica de uma namorada (1994/2001). Ela começou a se mostrar aflita, andando de um lado para outro. Jorge quis saber o que estava ocorrendo. Zélia decidiu dizer:
Olha, Jorge, é que não consigo mais levar o romance adiante. Perdi o controle dos personagens. Um deles está querendo abusar de uma prima bem mais nova. Já se aproveitou dela, mexeu nela. Pior de tudo é que a menina está gostando. Não sei o que fazer com ele.
Jorge Amado olhou Zélia de alto a baixo e fez apenas um comentário, que foi também uma sentença: Zélia, não se meta na vida dos outros!
VII
Um analisando separa-se da esposa com quem vivia infeliz, depois de muito atormentar-se sobre essa decisão. Durante o casamento teve inúmeros affairs e relacionamentos extraconjugais.
Separado, contudo, desenvolve um verdadeiro pavor de ver-se só em seu quarto à noite. Olha para a janela à sua frente e sente muito medo. Digo-lhe que tinha medo de pular por ela. Ele reconhece a possibilidade e pergunta-se a razão.
A ideia que desenvolvi com ele é de que me parecia ser um menino que só queria divertir-se e ter prazeres sem fim, que tinha desprezo pelo adulto, que via como um estraga-prazeres que cortava o barato da criança, e cuja vida devia ser um tédio sem fim. Portanto, ser adulto e ser triste e entediado eram sinônimos. Por outro lado, angustiava-se por não tornar-se um homem de fato, já que a vida pedia isso dele, e acabava imitando aquilo que pensava ser um adulto, incluindo cerimônias de casamento e tudo mais que desse essa aparência.
Digo-lhe que temia que o menino, não contando com um adulto (a mulher que funcionava como mãe dele) para tomar conta dele, fizesse alguma besteira e acabasse caindo da janela.
Ele reconhece o que digo, mas também toma meu comentário como sendo um tipo de admoestação moral para que se livre do menino e se torne um adulto "responsável e sério". Quando percebo isso, comento que era esse o sentido que tinha dado à minha observação. Isso também o irritava porque me via como a ex-esposa que, segundo ele, queria que ele se tornasse um cara certinho. Minha ideia, concluo, não era a de que ele se livrasse do menino, ou do bebê, ou do adolescente, mas que pudesse acrescentar a eles o homem adulto que ele já era, que pudesse tomar conta deles, e ao mesmo tempo também pudesse se beneficiar das capacidades criativas, surpreendentes, brincantes do menino, do bebê etc. Ele se espanta ao ouvir isso e parece ficar mais relaxado. Diz que sua ideia sempre havia sido a de que teria de se livrar da criança. A conversa se expande consideravelmente a partir daí.
Em A memoir of the future (Bion, 1991), estaria explicitada a necessidade de depararmo-nos com as Alices, Rosemarys, Rolands, Robins, Toms, Moriartys, Sherlocks Holmes, Sacerdotes, Plasmas Germinais, Doutores, Tiranossauros, P.A.s (psicanalistas), somitos, Dezoito Anos, Bions, Setenta e Cinco Anos, Myselves etc, que somos nós mesmos e de quem não nos livraremos. Como poder pensar com todo esse barulho? A ideia proposta neste livro é do encontro e viabilização de uma conversa entre esses aspectos. O fundamental (p. 576) seria o desenvolvimento da sabedoria - a contrapartida seria a guerra e o esquecimento (entre as diferentes dimensões). A análise permitiria o encontro das dimensões mentais, desde as mais primordiais e arcaicas (somitos), violentas, cruéis, instintivas, intuitivas, criativas (como são os vulcões, que além de devastadores também constroem ilhas e continentes, e produzem terras extremamente férteis) com as mais "experientes", de modo a que possam conversar entre si, e eventualmente venham a negociar umas com as outras, chegando a algum denominador comum que seja do interesse dessas diferentes partes.
Em "Como tornar proveitoso um mau negócio", ele propõe:
Freud descreveu "Dois princípios do funcionamento mental"; sugiro "Três princípios de vida". O primeiro, sentimento; o segundo, pensamentos antecipatórios; o terceiro, sentimento mais pensamento mais Pensamento. Este último é sinônimo de prudência ou previsão → ação (Bion, 1979, p. 475).
VIII
Um jovem adulto veio para análise queixando-se de muitas perturbações emocionais e vivências que poderiam ser vistas como alucinações ou delírios. Alternava estados muito confusos, em que eu mal entendia o que dizia, com outros em que descrevia esses mesmos estados em que estava mergulhado instantes antes com grande lucidez, clareza e precisão, contrastando intensamente com o discurso desagregado anterior, evidenciando assim a possibilidade de encontrarmos uma fresta (Rezze, 1997) a partir desse ponto.
Desesperava-se para se livrar de visões ou comandos que recebia de figuras "internas" (pai, tios, primos etc, que via como autoridades), que procuravam orientar-lhe a conduta, ou pelo menos reduzi-las a uma única para poder tomar uma atitude. Essas, porém, disputavam a primazia, e ele não tinha um discernimento próprio.
Verificando-se inúteis seus esforços para "curar-se" ou livrar-se das visões e comandos contraditórios, que o deixavam cada vez mais desesperado, propus que fizéssemos o contrário. Que as olhássemos de perto e procurássemos perceber o que eles seriam, em vez de os tratarmos como coisas erradas, que não deveriam existir.
Com o tempo, a despeito do terror com que fazia essa aproximação junto comigo (e, a meu ver, podendo paulatinamente fazer isso por contar comigo), verificamos que entre essas "loucuras" havia muitas fantasias sexuais que julgava inaceitáveis, e também muitas percepções que me pareciam perspicazes, porém potencialmente incômodas para pessoas que pudessem estar com ele, por conta daquilo que elas revelavam. Percebi-o como alguém extremamente sensível e capaz de captar coisas importantes "no ar".
O analisando começou a sentir-se mais à vontade e passou a assimilar aquilo que antes tentava ejetar. Seu maior conforto, entretanto, parece que perturbou seu grupo familiar, que se mobilizou para inviabilizar a análise. A meu ver, a família preferia tê-lo louco a sagaz (Manoni, 1964). Sendo sagaz, poderia evidenciar uma provável precariedade e falsidade de uma organização familiar baseada em mentiras e na imitação rudimentar de sofisticação de algo que não corresponderia aos fatos. O analisando, assim capacitado, seria percebido como um potencial demônio, que poderia desencadear a implosão dessa fachada. Esse também seria um temor dele próprio caso preservasse sua capacidade intuitiva e sua perspicácia. O grupo precisaria mantê-lo desagregado e incapaz para não correr risco.
Ao despedir-se de mim com o encerramento do trabalho, ele o fez de forma muito afetiva e emocionada, indagando-me se poderia voltar a ver-me assim que estivesse em condições de retornar.
IX
Uma analisanda de muitos anos em análise, bem sucedida na profissão em área empresarial, manifesta o desejo de aprender a cantar. Não consegue tomar a iniciativa para tal.
Com a conversa, proponho-lhe que o que a estaria impedindo de ir atrás de seu intento seria temer ouvir a própria voz, e aquilo que perceberia ao escutá-la. Ela diz temer efetivamente ouvir sua voz. Digo que tem o receio de, se o fizer, que a brecha que abrir para isso rompa uma espécie de dique protetor, e o que irrompesse levaria tudo de enxurrada, deixando-a sem ter como sobreviver. O que emergiria seria, segundo sua expectativa, inaceitável e arrasaria tudo o que estivesse no caminho. Ela confirma ser esse o seu sentimento. A contrapartida que vivia (queixa-se de não saber se o que faz é o que realmente gostaria de fazer na vida) era a de não poder se ouvir e de acabar seus dias sem ter efetivamente vivido a própria vida, de acordo com algo realmente seu, de nunca atender suas necessidades verdadeiras. Por um lado, um esquema estruturado e rígido permitia-lhe sobreviver, mas não propriamente viver. Por outro, ouvir a vida dentro de si e o terror de que aquela vida, a sua voz, pudesse ser uma explosão que devastaria tudo em volta. Ela diz que aquilo fazia sentido.
Em sessão posterior, diz ter passado o fim de semana dormindo de tão exausta que se encontrava, o que a impediu de dar conta de muitas atividades de interesse pessoal. Seus familiares comentam que nunca busca atender outros anseios seus. Ao contrário, enterra-se cada vez mais no trabalho, do qual não sabe se realmente gosta.
Indago-lhe, ao ouvir que havia dormido todo o fim de semana, o que havia sonhado. Responde, displicente, que havia sonhado, mas não se lembrava. Em seguida diz que naquele instante acabara de se lembrar de um fragmento de sonho que descreve em quatro ou cinco palavras. Diz com desdém que era só isso. Assinalo o "só isso" e o desdém que teve para com o seu sonho, e a rapidez com que o enterrou. Vinculo o seu ressentimento de não poder levar adiante os seus "sonhos" e o rápido enterro que fez de seu sonho, do qual parecia querer se livrar, como de uma assombração. Ela tenta lidar com a situação apresentada por mim de forma racional, apelando para seu cansaço etc. Evidencio o rápido recurso que fez do racional, "objetivo", para descartar aquilo que não seria racional, que está na dimensão do sonho, do sonhar. Ela reconhece que faz isso mesmo.
Apresento-lhe a ideia de que se ressente de não poder levar seus sonhos adiante e, ao mesmo tempo, teme que se levar essa dimensão em conta, se veria como a menininha do filme Polstergeist, que se aproxima de uma interferência que vem da tv e é engolida pela dimensão/coisa que está dentro da imagem, sendo sugada para dentro dela, não mais escapando. Ela diz sentir-se assim mesmo. Fica um tempo em silêncio, e quando indago o que se passa, diz que quase adormeceu. Pergunto se havia sonhado e, com pouco caso, menciona uma situação de trabalho em que havia perdido uma reunião importante em que se decidiu algo que era de seu interesse. Sentia-se mal por isso e percebia que vivia sempre a sensação de haver algo errado, algo que lhe escapava. Digo-lhe que seu dilema seria: não se aproximar do que não seria racional, "objetivo", lógico, por medo de perder o discernimento e a própria consciência de si, de enlouquecer e, em contrapartida, ficar sentindo que a vida poderia acabar, chegar ao fim, sem nunca considerar seus sonhos e aspirações reais. Ela reconhece-se nesse impasse.
Ofereço-me para acompanhá-la na aproximação dessa dimensão, que vê como assustadora, se quiser e sentir-me com capacidade para acompanhá-la nesse contato, sem perder o discernimento, podendo pensá-la, para que possa ser percebida, considerada e até usada de forma criativa.
X
Em "Attention and interpretation", Bion (1977, pp. 35-36) escreve:
Receptividade alcançada pelo despojamento de memória e desejo (o que é essencial para a operação de "atos de fé") é essencial para a operação da psicanálise e outros procedimentos científicos. É essencial para que se experimente alucinação ou o estado de alucinose.
Não percebo este estado como sendo um exagero de uma condição patológica e tampouco natural: considero que seja mais um estado sempre presente, mas sobreposto por outros fenômenos que o obscurecem. Se estes outros elementos puderem ser moderados ou suspensos, a alucinose torna-se demonstrável; sua completa profundidade e riqueza são acessíveis apenas por meio de "atos de fé". Os elementos da alucinose para os quais se pode ser sensíveis são as manifestações mais grosseiras e de importância secundária; para apreciar a alucinação o analista deve participar no estado de alucinose... Antes que interpretações de alucinações possam ser dadas, que por sua vez são elas próprias transformações O→K, é necessário que o analista sofra em sua própria personalidade a transformação O→K. Usando o meio de afastar memórias, desejos, e operações da memória, ele pode aproximar-se do domínio da alucinose e dos "atos de fé", e somente por meio destes últimos, pode tornar-se uno (become a tone) com as alucinações de seus pacientes para então efetuar transformações O→K5.
Sendo assim, fica ressaltada a importância do desconhecido em psicanálise (e nas demais ciências e atividades criativas). O afastamento de memórias e desejos permite o espaço para a irrupção do desconhecido, cuja evolução pode ser captada por meio da capacidade de "visualizar" proporcionada pela manutenção dessa disciplina e pelo foco naquilo que não se sabe. As teorias e conhecimentos prévios que possam "explicar", em uma situação de causa e efeito, a situação ou narração do presente devem ser esquecidos durante os atendimentos, pois impediriam as transformações em O e as captações do que possa evoluir. As teorias e conhecimentos prévios esquecidos podem, quando muito, funcionar como pre-concepções, e caso encontrem uma realização na experiência também podem "evoluir", e os seus próprios sentidos terão sido alterados por essa evolução quando isso ocorrer. É outra maneira de considerar o adágio que diz que a teoria na prática é outra. Para que isso possa ser mesmo constatado, só afastando-as e esquecendo-as durante a prática. De qualquer modo, o importante não é a manutenção das teorias. Se elas forem preconcepções (não conscientes) à espera de realizações, podem ser importantes instrumentos de sondagem e investigação para aquilo que não é sabido e que pode vir a evidenciar as incongruências ou inutilidades delas mesmas; caso contrário, são apenas entulho diante dos olhos do observador.
Em reflexão posterior à sessão da primeira situação clínica, dei-me conta de que a imagem condensava as ideias "Corisco o diabo louro", "Saci Pererê" (personagens históricos e folclóricos), do texto sociológico "A aparição do demônio na fábrica, no meio da produção" (Martins, 1994), do personagem "Louco" dos quadrinhos da turma da Mônica, de Maurício de Souza, que tem os cabelos louros desarrumados, e da aparição do fantasma revelador em Hamlet. No texto de Martins, a mudança do processo de produção em uma fábrica de cerâmica, do artesanal para o industrial nos anos 1950, em que os operários deixaram de ter o conhecimento completo do processo de fabricação das peças para saberem apenas o da etapa específica em que passaram a atuar, juntamente com a grande quantidade de perdas com peças quebradas ocorridas durante o ajuste de um modo de produzir para outro, além da instalação de vigilância policialesca na linha de produção, teria levado essa população a enxergar o diabo rondando pelos corredores da fábrica, que, por sua vez, só desapareceu depois de um sacerdote comparecer para benzê-la. O diabo, na minha leitura, teria materializado a situação mental dos trabalhadores. Meu conhecimento prévio desses personagens e do texto teórico, completamente esquecido e inconsciente durante o atendimento, teria servido de preconcepção para a situação que se desenrolou na sessão. Ele evoluiu e teria se apresentado na forma da aparição que vi. De certa forma, correspondem à ideia dos restos diurnos de Freud, que se organizam plasticamente em um sonho ou em uma imagem-sonho equivalente a um fato selecionado para permitir a visualização de um insight alcançado, conforme a atualização dessa teoria de Freud feita por Bion (1992, p. 233). Sem essa visualização e a amarração dela por meio de uma nomeação da conjunção constante que ela expressa, o insight se perderia. O sonho não tem um conteúdo latente inconsciente. É o próprio sonhar que faz surgir o latente e o manifesto, o inconsciente e o consciente. Aquilo que seria o discurso racional latente deformado pelo processo onírico seria, de fato, criado posteriormente ao próprio sonhar (visualizar), e procuraria amarrar, por meio de nomeação, a conjunção constante percebida (imagem[ns]) e expressá-la por meios racionais - transformação de O para K.
Por outro lado, a abertura para o desconhecido e para a captação de evoluções é uma situação que mobiliza intensas vivências emocionais. Além do terror diante do desconhecido, que seria comum a todos os seres humanos, há o medo de que aquilo que surja possa romper com todos os parâmetros conhecidos, revelando dimensões e universos nunca vistos, o que torna o próprio universo supostamente conhecido também estranho pela reviravolta que as novas percepções podem trazer, como a Terra que se move e é esférica em contraponto à estática e plana da Idade Média; o chão sob os pés da humanidade não era mais o mesmo depois dessas verificações (e dá para entender perfeitamente o terror e o ódio experimentados pelos contemporâneos de Copérnico, Galileu e Colombo diante do que propunham).
Essas captações são experiências emocionais e não racionais, feitas a partir da observação dos fenômenos que se apresentam aos sentidos e demandam um continente capaz de se expandir quando em contato com elas. Se o continente (ou mente) não tiver suficiente elasticidade ou for pouco desenvolvido, poderá romper-se e fragmentar-se com a vivência. O analista precisa ser alguém com uma capacidade para tolerar as experiências emocionais para as quais o analisando não se sente capaz. O contato com o desconhecido e com a vivência da alucinose impacta o analista com intensos choques emocionais que ele precisa ser capaz de assimilar e transformar em conhecimento que possa comunicar (()<). Para isso, precisa ter desenvolvida sua elasticidade mental e a possibilidade de acolher e assimilar as intensas mobilizações emocionais que essa atividade instiga. Isto só seria possível com uma longa e profunda análise do próprio analista. Conforme a ideia de rêverie, de Bion, seria essa condição que permi-tiria ao analisando, ao constatá-la no analista (ou o bebê na mãe), expandir seu continente mental, permitindo com que faça contato com o que desconhece e o assombra. O contato com a realidade é sempre assombroso, e quem não pode se assombrar não poderia entrar em contato com a vida como ela é e com tudo de espantoso que ela tem para apresentar. Como o bardo dizia: há mais coisas entre o céu e a terra...
XI
Bion, em sua terceira conferência de São Paulo, em 1973, refere-se a uma situação em que Freud teria dito que um paciente tinha fobia de meias que o impossibilitava de usá-las. Ele sugere:
... que o paciente não tinha fobia de meias, mas que podia ver que aquilo que Freud pensava serem meias era um conjunto de buracos tricotados juntos. Se isso está certo, termos como "fobia", em análise clássica, não fazem justiça à extrema capacidade de observação, natural, em certos pacientes. Assim como, para mim, é natural, em meu sentido lato, microscópico de ver classica-mente um par de meias, esse tipo de paciente apresenta uma capacidade visual diferente que o torna capaz de ver aquilo que não consigo ver. O que à luz de minha inteligência, capacidades, conhecimento, experiência, eu penso que seja um par de meias, ele pode ver que não é (Bion, 1975, p. 47).
O trabalho do analista incluiria a tarefa de conseguir enxergar aquilo que o analisando vê, está sendo capaz de ver, e ele, analista, não.
Em "Como tornar proveitoso um mau negócio" (Bion, 1979), ele retoma a conhecida citação do analisando de Hannah Segal, que não podia tocar violino porque estaria se masturbando em público. A visão dita correta e superior seria a de que o analisando não percebe a realidade de que tocar violino não é se masturbar. Bion considera que esta também é uma visão enganosa. Se o problema do analisando é não poder reconhecer um homem tocando violino em público, o das demais pessoas seria não poder perceber a pessoa se masturbando em público. Considero ser esta uma maneira de considerar a visão binocular. A tentativa de extirpar um vértice ou o outro seria aquilo que desenvolveria uma perturbação mental e uma impossibilidade de desenvolvimento e crescimento criativo, tal como o relato da atriz Fernanda Montenegro coloca em evidência.
Citando-o no mesmo texto:
Se o sono ("S-state") é considerado digno de respeito, assim como a vigila ("W-state") - se o árbitro for imparcial - então onde estivermos, o que se vê e experimenta deve ser considerado como tendo um valor que é igualmente válido. Isto está implícito quando Freud, como muitos antecessores, considera que os sonhos são dignos de respeito. Assim poderemos dizer que a elaboração da vigilia deverá ser considerada tão digna de respeito quanto a elaboração onírica. Mas, por que o estar acordado, consciente e lógico é considerado como tendo "dominio das faculdades mentais", se ele tem apenas metade destas faculdades? Quão desagradável é encontrarmos uma larva numa maçã! Não é tão desagradável quando encontramos metade da larva na maçã. Assim, vemos que ter apenas metade das faculdades sob dominio é uma descoberta muito perturbadora (Bion, 1979, pp. 473-474).
XII
Permitir-se entrar em contato com essa visão binocular costuma ser uma experiência assustadora (e paradoxalmente, pode ser igualmente muito prazerosa e estimulante - o prazer também associado à expansão e ao alcance de novas percepções que possa trazer, o que pode torná-la extremamente atraente, como atuar deve ser para alguns atores), tal como mencionou a atriz Fernanda Torres ao se referir à zona de trabalho em que sua mãe costuma estar em cena6. Sem uma análise longa e extensa do analista, que o habilite a familiarizar-se com essa zona de trabalho que também é a sua, o que ele pode acabar fazendo é uma imitação de psicanálise, ficando restrito a uma ou outra percepção, o que prejudicaria o desenvolvimento de "Pensamento", situação em que ele não seria prudente, capaz de antecipar situações, ou de agir em conformidade com aquilo que só esta visão complementar poderia habilitá-lo.
Referências
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Correspondência:
Claudio Castelo Filho
Rua Carlos Sampaio, 304 / 72
01333-020 São Paulo, SP
Tel.: (11) 3284-0424
claudio.castelo@uol.com.br
Recebido em 26.9.2012
Aceito em 15.03.2012
1 No & Epilogue... Fugue... Dona Es Requiem... Many, de A memoir of the future, Bion escreve (tradução livre minha): "Por toda minha vida senti-me aprisionado, frustrado, obstinado pelo senso comum (bom senso - common sense no original), razão, memórias, desejos e - pela maior de todas assombrações - compreensão e ser compreendido. Esta é uma tentativa de expressar minha rebelião, de dizer 'Adeus' a tudo isso. É meu desejo, que agora dou-me conta de estar condenado ao fracasso, escrever um livro que não seja estragado por qualquer tintura de bom senso (common sense), razão etc (ver acima). Portanto, apesar de que viesse a escrever 'Abandonai qualquer Esperança todos vós que esperais encontrar quaisquer fatos - científicos, estéticos ou religiosos - neste livro', não posso clamar ter sido bem sucedido. Todos eles, temo, serão vistos como tendo deixado seus traços, vestígios, fantasmas escondidos em meio a estas palavras; até mesmo a sanidade, como 'felicidade', irá imiscuir-se nele. Não obstante quão bem sucedida tenha sido minha tentativa, sempre haverá o risco de que o livro 'torne-se' aceitável, respeitável, honorável e não lido. 'Por que escrever então?' podem indagar-me. Para evitar que alguém que saiba preencha o espaço vazio - mas temo que esteja sendo 'razoável', aquele grande Macaco. Desejo a todos vocês uma Feliz Loucura (Lunacy) e uma Fissão Relativista. (1991, p. 578).
2 Didatas falecidos da SBPSP. Philips analisou-se com Klein e Bion.
3 Junqueira agradece a Antônio Ferro pela referência a este ensaio.
4 Stevenson utiliza indiferentemente os termos Brownies (Duendes Benfazejos) e Little Men (que eu prefiro traduzir por homúnculos, em função da sua ressonância com a entidade alquímica medieval que Goethe transformou em importante personagem no Fausto). [Esta nota de rodapé faz parte do trabalho de Junqueira].
5 Por fé Bion quer dizer fé de que há uma realidade última e verdadeira - o desconhecido, incognoscível, o "infinito sem forma". Deve-se acreditar nisso em cada objeto de que a personalidade possa estar ciente: a evolução da realidade última representada por O resulta em objetos dos quais o indivíduo pode estar ciente. (1977, p. 31).
6 Estive presente a uma apresentação de Rei Lear, de Shakespeare, no teatro Sérgio Cardoso de São Paulo, com Raul Cortez no papel título. Durante a encenação começou-se a ouvir um intenso barulho de água correndo, como se fosse uma chuva forte. Após uns instantes, parte do urdimento e da iluminação despencou e ficou pendurada sobre o palco. A apresentação foi interrompida e o ator Raul Cortez deixou de ser Lear e dirigiu-se para a plateia informando que estava havendo um problema que precisaria ser verificado, e que a peça estaria suspensa por alguns minutos até que se tivesse um diagnóstico da situação. Até então, considero que ele estava em uma dimensão em que ele "acreditava" e era o rei Lear. Por outro lado, penso que sempre esteve presente, apesar de que momentaneamente escanteada, a percepção de que se tratava de uma encenação em um teatro. Todavia, se na hora de atuar não acreditar - de certa forma, alucinar - que é o rei Lear, e se a plateia não acreditar-alucinar, como nos sonhos, de que está vendo mesmo o drama de Lear e suas filhas, o fenômeno teatral não acontece. A questão surge quando espectadores não têm essa visão binocular e atacam na rua atores que fazem papel de vilão, ou quando o espectador não pode acreditar/alucinar, como nos sonhos, mesmo em vigilia, ficando excluido do fenômeno teatral e de toda a expansão e enriquecimento de que quem pode vivê-lo pode alcançar. Na encenação referida, por graves problemas técnicos, a plateia acabou sendo dispensada e os ingressos devolvidos, depois de uns trinta minutos de investigação do problema.