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Revista Brasileira de Psicanálise
versão impressa ISSN 0486-641X
Rev. bras. psicanál vol.53 no.2 São Paulo abr./jun. 2019
FEMININO, OUTRAS REFLEXÕES
Feminino plural1: histeria, masoquismo ou melancolia?
A plural feminism: hysteria, masochism, or melancoly?
Femenino plural: ¿histeria, masoquismo o melancolía?
Féminin pluriel: hystérie, masochisme ou mélancolie?
Catherine ChabertI; Tradução Marilei Jorge
IPsicanalista. Membro titular da Associação Psicanalítica da França. Professora emérita em psicopatologia clínica no Instituto de Psicologia da Universidade de Paris 5 - René Descartes
RESUMO
O feminino chama representações plurais entre o ideal maternal e a sexualidade que enfrentam destinos pulsionais singulares. Estes últimos põem em evidência as ligações entre identificações e perda, através dos fantasmas de sedução e das características das escolhas de objeto. Dois estudos clínicos demonstram, na dinâmica da transferência, as relações existentes entre histeria, masoquismo e melancolia.
Palavras-chave: psicanálise, feminino plural, histeria, masoquismo, melancolia
ABSTRACT
Feminism calls for plural representations between the maternal ideal and sexuality. It encounters singular drive destinations, which, in turn, evidence what are the associations between identifications and loss, through the traces of seduction and the characteristics of the object choices that are made. Two clinical case studies demonstrate, through the transference dynamics, the relationship between hysteria, masochism, and melancholy.
Keywords: psychoanalysis, plural feminine, hysteria, masochism, melancholy
RESUMEN
Lo femenino llama representaciones plurales entre el ideal maternal y la sexualidad que enfrentan destinos pulsionales singulares. Estos últimos ponen de manifiesto las conexiones entre identificación y pérdida, a través de los fantasmas de la seducción y de las características de las elecciones de objeto. Dos estudios clínicos demuestran, en la dinámica de la transferencia, las relaciones existentes entre histeria, masoquismo y melancolía.
Palabras clave: psicoanálisis, femenino plural, histeria, masoquismo, melancolía
RÉSUMÉ
Le féminin appelle des représentations plurielles entre l'idéal maternel et la sexualité aux prises avec des destins pulsionnels singuliers. Ceux-ci mettent en évidence les liaisons entre identifications et perte, à travers les fantasmes de séduction et les particularités des choix d'objet. Deux études cliniques montrent dans la dynamique du transfert les croisements entre hystérie, masochisme et mélancolie.
Mots-clés: psychanalyse, féminin pluriel, hystérie, masochisme, mélancolie
Hanna, uma figura do masoquismo
Ela tinha 30 anos, mas a aparência de uma mocinha, desajeitada, atrapalhada com um corpo sem formas, embrulhada em roupas soltas e sem cores. Ela se via sem futuro, sua vida profissional se atolava, seu casamento se consumia na violência das palavras e das pancadas. Ela era invadida por uma agonia perniciosa, que a obcecava e que ela afogava no álcool: o medo de não ser uma boa mãe.
Filha mais velha, ela pensava não ter satisfeito a mãe, que se alegrava ostensivamente do nascimento dos outros três filhos, sólidos rapagões, que ocupavam todo o espaço com a vitalidade de seus desejos e o brilho de seu sucesso. Perdida nessa tropa masculina, Hanna tinha se agarrado a um pai ausente e excitante, vigiado com ciúme pela esposa sedutora e sensual. Entretanto, quando Hanna estava desesperada ou ameaçada, ele estava sempre ali. Seu salvador era ele!
Hanna utilizava suas sessões como marcos intocáveis, como um espaço de queixas infinitas, colonizadas por uma autoacusação acirrada. Ela parecia de fato não abrir mão de sua miséria quotidiana, e seus próprios sonhos se revelavam uma imagem da realidade indigente de sua vida: sombrios, pegajosos, enlameados. A expressão, até mesmo a exibição, de um masoquismo onipresente constituía a trama da transferência.
Para além desse universo lúgubre, ela deixava escapar, como que sem querer, alguns clarões, que ela apagava muito rápido, mas que me faziam pensar que nela também se escondiam algumas joias, cujo brilho ela se obstinava em esconder. Ela evocava furtivamente a vida brilhante da família, em razão das altas funções ocupadas pelo pai, os lugares magníficos onde ela tinha passado a infância, algumas babás carinhosas e efêmeras. Princesa desconhecida ou mascarada, ela me fazia pensar em uma Cinderela sem sonhos. Mas ela não queria fada-madrinha: nem a magia do verbo, nem o impacto de minhas palavras, de minhas construções ou de minhas interpretações. Eu devia ficar imóvel, silenciosa, para que ela pudesse prosseguir seu monólogo, o longo desenrolar de seus sofrimentos, sem pausa, sem suspiro, sem ponto culminante. Em resumo, cuidar, no altar da transferência, do mausoléu de seu masoquismo e de sua melancolia. Uma "mãe morta",2 eis o que eu devia ser - uma mãe surda a suas queixas e reivindicações, uma mãe indisponível, muda, e sobretudo uma mãe que não a olhava.
Hanna afirmava que ela não existia para a família, que não tinha um lugar entre eles, acrescentando como prova o tratamento particular do qual ela se sentia paradoxalmente a vítima. Antigo oficial, o pai educava severamente os três filhos e não deixava de lhes infligir algumas lambadas quando seus destemperos passavam do ponto. Mas ele nunca tocava em Hanna, e ela ficava magoada, associando essa privação de agressões a seu estado de menina - sem pênis. Curiosamente, é o desejo de ser batida que aparecia como uma reivindicação fálica, em uma aparente inversão da atividade e da passividade.
Entre os pares de opostos que se enfrentam e se unem na dialética do pensamento freudiano, o masculino-feminino ocupa um lugar paradigmático. A distinção entre pulsões sexuais e pulsões de autoconservação sustenta, é claro, a diferenciação entre o ego e o objeto pela distribuição de seus investimentos (Freud, 1915/2005c), mas o outro, o estranho, é também aquele que é sexualmente diferente. Assim, se superpõem ou se condensam as representações sexuais da diferença e aquelas, indissociáveis das primeiras, da diferença entre o ego e o objeto. Então, a confusão masculino-feminino pode traduzir outra confusão, outra perda de limites: a que aniquila a diferença entre o ego e o objeto.
O método analítico traz à luz uma dupla corrente na demonstração do feminino: uma se apoia nas redes do complexo de Édipo completo (Freud, 1923/2003a), a outra mergulha nos arcanos da angústia de perder o amor que diz respeito ao objeto. As representações do feminino se dilaceram entre uma melancolia inerente aos destinos de uma feminilidade muitas vezes associada rápido demais ao masoquismo e à perda e uma poderosa reivindicação de reconhecimento no triunfo do maternal, sua onipresença ideal e inquietante; ou ainda entre a exibição de uma feminilidade excitante e voluptuosa, com a força de seus poderes sedutores - enganadores, até mesmo cruéis -, e a revolta desencadeada pela ausência do pênis e pelo recurso obrigatório a seus equivalentes simbólicos, entre uma analidade depreciada e vergonhosa e uma criança-vitória brandida na perenidade de sua glória absoluta.
Em seu vazio, à sombra da mãe, o feminino abriga o infantil pela atração de imagens de passividade, impotência e desarmamento; o feminino-maternal a que elas se referem convoca inevitavelmente fantasias e angústias de penetração e intrusão. É esse feminino que está presente nos dois sexos e que constitui o ponto de sedimentação essencial da bissexualidade e das identificações que dela decorrem. Ele é o núcleo infantil comum determinante no futuro de cada um, precisamente em seu vir a ser sexual, formado pelo caráter permanente das representações do maternal. Trata-se de uma separação impossível da mãe e da criança, que gravaria para sempre uma primeira impressão, base das construções que sustentam os processos de identificação? Um ponto de não retorno, uma indefinível alucinação da mãe sempre ali, indissociável de todos os pensamentos do infans, marcando para sempre a condição humana? O "feminino puro" de Winnicott? Um imemorial maternal, cuja eternidade cons-tituiria o fundamento da idealidade? Ou então um feminino ideal, atacado pela emergência da sexualidade e pela decepção que ela provoca, como Freud analisa a partir de 1910 (2009)? A descoberta da sexualidade da mãe causa, de fato, após a incredulidade, uma decepção viva e uma frustração resolvidas por uma forma de clivagem entre a mãe idealizada da infância e a mulher sexual, objeto do aviltamento que marca o intervalo entre "a mamãe e a puta".
Pivô da construção do ego,3 a identificação se baseia diretamente nos vínculos com o objeto do qual ela é inseparável, já que ela se origina de uma operação inconsciente de apropriação: o ego se apodera, contra a vontade, de um traço do objeto; reciprocamente, o objeto se apodera do ego impondo-lhe, contra a vontade, um traço ao qual ele deve passivamente aderir e que deve tornar seu. A dupla vertente da apropriação se manifesta claramente nas identificações sexuais, no sentido mais direto: identificar-se ao homem ou à mulher fica subentendido pela dialética da atividade e da passividade mobilizada pelo próprio processo.
Desde 1915 (2005a), debruçando-se sobre as modalidades de tratamento da perda do objeto, Freud consagra-se à diferenciação entre a identificação histérica e a identificação narcísica, presentes respectivamente no luto e na melancolia: na identificação histérica, o investimento do objeto persiste; na identificação narcísica, ele é abandonado. No entanto, se esses dois tipos de identificação são distintos, não deixam de ter uma raiz comum: a identificação narcísica é a mais originária, introduzida de certa forma na identificação histérica, da qual ela seria o alicerce. Se lembrarmos que Freud, em 1914 (2005b), consigna às escolhas de objeto das mulheres uma valência sobretudo narcísica, poderemos levantar a hipótese de uma identificação narcísica originária... feminina!
O elemento essencial aparece na consubstancialidade da identificação e da perda: analisando minuciosamente as diferentes etapas do luto e da melancolia, Freud insiste na ambivalência que articula os dois movimentos, fazendo aparecer no luto uma ligação possível da agressividade pela libido, enquanto na melancolia o ódio contra o objeto se volta e se obstina contra o ego. A decepção (ou prejuízo) infligida pela pessoa amada não provoca um deslocamento da libido em direção a um novo objeto; ela se engaja em uma "identificação do ego com o objeto perdido", e a perda do objeto se transforma em perda do ego (Freud, 1917[1915]/2005a, p. 270).
Em contrapartida, a identificação histérica concede a prevalência à identificação com o objeto do desejo do pai ou da mãe: com o pai para o filho, com a mãe para a filha. Em 1921 (2003b, pp. 44-45), Freud mostra como a identificação pode assumir várias formas quando da formação de um sintoma neurótico. Ou ainda, como a identificação realiza o desejo de substituir o pai ou a mãe rival, sob "a influência da consciência de culpabilidade". Assim, no caso de uma garotinha que contrai a tosse angustiante da mãe, a tosse realiza a identificação sob a forma de castigo. "Você quis ser sua mãe; agora pelo menos você está sofrendo." Ou então, como no caso Dora, o sintoma é o da pessoa amada - no exemplo, a tosse do pai. Nesse caso, a identificação veio no lugar da escolha do objeto; essa escolha "regrediu à identificação narcísica".
Na organização edipiana completa, a dupla orientação do conflito leva a uma dupla identificação, com o pai e com a mãe, segundo a face positiva ou inversa do complexo. Ora, a escolha do objeto exige renunciar a um ou a outro, o que provoca uma exclusão parcial, de um ou de outro, do campo de investimento preferencial e determina uma orientação concomitante "a um mais do que ao outro".
É também em um contexto de perda que o movimento de identificação histérica opera: a possibilidade de renunciar comprova, absolutamente, a solidez do vínculo com o objeto e a resistência desse investimento. Ao contrário, a identificação narcísica é determinada por um fraco investimento "originário" do objeto: em caso de deserção ou de decepção, o recuo do investimento segue um sistema "antiobjetal", traduzido pelo retrocesso narcísico. Encontram-se então essas figuras do feminino perseguidas pelo masoquismo moral e pela melancolia, cuja ação luta desesperadamente contra a marca do objeto e a dependência que ela provoca. Em tais situações, o encaminhamento ao analista constitui um ponto de ancoragem da transferência, mobilizando imediatamente a vida pulsional para lhe oferecer vias de penetração no seio do processo analítico.
Os traços da relação comigo começaram a impregnar Hanna singularmente: sentia meu perfume por toda parte, na sessão ouvia ruídos de tesouras - estava convencida de que eu me dedicava a trabalhos de costura -, era tomada por forte vontade de urinar, que retinha ao longo do caminho até sua casa, como se fosse preciso conservar, pelo maior tempo possível, o estado de excitação ligado à minha presença. Ela mudou: tornou-se mais fina, mais cuidada, elegante mesmo, podia mostrar seu corpo de mulher, parou de beber, encontrou um trabalho adequado a suas competências, deixou o marido bicho-papão e saiu do "buraco de ratos" no qual morava.
Os efeitos desses "êxitos" (da análise?) não se fizeram esperar: Hanna se precipitou em uma negatividade extrema, ampliou sua queixa autoacusadora com uma força impressionante, perceptível, para além das injúrias que ela se infligia, na agitação de seu corpo no divã. Ela batia freneticamente as pernas uma contra a outra, em um movimento quase compulsivo, que podia tomar significações transferenciais plurais: exibicionista, ele solicitava meu olhar para provocar uma sedução homossexual intensa; autoerótico, ele marcava o desejo de se bastar a si mesma; discordante, ele associava a litania de falas suicidas e melancólicas à excitação sexual; masoquista, ele oferecia a representação de uma fantasia em que eu ocupava o lugar de um carrasco implacável.
De maneira paradoxal, outra corrente visava essencialmente me desanimar: Hanna se recusava a se confrontar com as emoções de uma transferência homossexual empregando uma mortificação que negava nossa existência - a dela e a minha - como seres desejantes. Ao me atribuir repetidamente uma função de robô mecânico, frio e intercambiável, ela evitava também a transferência negativa: reconhecer seu ódio contra mim a teria conduzido, com certeza, a admitir sua ambivalência e, assim, seu amor de transferência.
Hanna insistia sem parar em seu fracasso, em sua nulidade, na repetição de suas derrotas. Depois surgiu outra queixa, mais libidinal: sua incapacidade de me satisfazer e a angústia de provocar minha raiva - ela não compreendia minha paciência.
"Portanto, seria necessário que eu batesse em você para puni-la", digo a ela. "Mas de que crime?" Então, a lembrança volta, incômoda. Ela brinca na beira de um rio com o irmãozinho. Eles brigam por um brinquedo. Tomada de um impulso incontrolável, ela o empurra brutalmente na água. Dessa vez, nessa única vez, ela tinha conseguido provocar a ira do pai, que bate nela com uma rara violência, sem comparação com a frieza indiferente de quando castigava os filhos. A mãe estava gritando, e ela acreditou que o irmão estivesse morto, que o tivesse matado. Era, então, essa cena de sedução, "um pai batendo na filha", que ela havia esperado tanto, que havia desejado tanto que se repetisse?
Na obra de Freud, desde a primeira teoria, a sedução implica inelutavel-mente a passividade da criança: o fato sofrido, o traumatismo determinante na etiologia da perturbação neurótica, instaura uma criança submetida ao desejo do outro. É o adulto "perverso", o pai, que ocupa o lugar ativo, poderoso, enquanto a filha permanece passiva. As particularidades da construção histérica das fantasias de sedução demonstram uma reviravolta reveladora: "Não sou eu que o deseja; é ele que me seduz". Essa versão sustenta o recalque dos desejos incestuosos da filha e preserva sua inocência. A ação sedutora "criminosa" cabe ao homem do qual ela é a vítima (Freud, 1950[1895]/1956).
No entanto, quando a passividade é intolerável, a reviravolta da atividade em passividade não é mais possível, e a sedução se inscreve em uma versão que eu chamo melancólica (Chabert, 2003), caracterizada pela convicção de ter ativamente seduzido o pai, e não de ter passivamente sido seduzida por ele. A culpabilidade e sobretudo a necessidade de punição são então alimentadas por imposições masoquistas e uma mortificação sacrificial compulsiva: a fantasia de sedução afunda em uma deriva melancólica, traduzida por uma autoacusação que reclama repetidamente medidas de represália humilhantes e mortíferas. Nessas configurações fantasmáticas, o masoquismo moral ancorase em uma convicção incestuosa, provocando uma angústia maior de perda de amor e uma reviravolta odiosa dos ataques destrutivos que visam o objeto contra o ego, de tal forma que ambos são confundidos pela violência deletéria que os atinge. O traumatismo continua ali, em sua fonte endógena, sentido pelo transbordamento de excitação, agindo no feminino melancólico, que provoca um tratamento particular da sexualidade: uma culpabilidade e uma necessidade de punição impostas por um superego cruel, que assegura à filha uma posição ativa na dupla função de criminoso e de carrasco.
A diferença flagrante entre meninos e meninas reside na dinâmica de sua escolha do objeto. Para o menino, não há mudanças: a mãe permanece o objeto de amor privilegiado, e a chegada do pai sela a interdição do incesto e alivia a culpabilidade separando e protegendo. Para a menina, a mudança do objeto, ditada pela decepção precoce do vínculo com a mãe, já pode constituir uma traição, agravada pelo desejo de tomar o lugar dela junto ao pai. O risco em que a menina incorre é grande: perder o amor da mãe, destruir essa afeição fundamental, que garante o investimento narcísico, primeiro sedimento das identificações, indispensável para atrair as forças pulsionais que mantêm o sentimento de existir e sua continuidade. No caso de Hanna, a condensação do masoquismo e da melancolia garante a perenidade de uma mãe apaixonadamente amada e odiada; só a via da transferência e a experiência dessa paixão na análise lhe permitiram progressivamente se liberar disso. Ela tinha me dado o lugar de uma mãe muda e imóvel, mas a passividade que ela me impunha (e que eu suportei) permitiu sem dúvida reavivar os traços libidinais apagados, via transferência homossexual, e depois a natureza fundamentalmente incestuosa de seus vínculos com o pai e com a mãe. A partir daí, a frustração pela analista na cura, a dupla experiência de satisfação e de insatisfação permitiram aos movimentos pulsionais reinvestir as cenas que eles tinham abandonado. O encaminhamento ao analista desperta a parte objetal do sofrimento e desfaz a reclusão no masoquismo moral e na melancolia, dominados pelo narcisismo e sua barbárie.
Athénaïs, histeria contra melancolia
É uma moça bela, alta, viva, alegre, direta e de uma desenvoltura extraordinária. Ela se apresenta como uma mulher, uma de verdade, assumindo suas formas voluptuosas e uma sensualidade acirrada pela plenitude de seu rosto e pelas cores de mel que harmonizam sua pele e seus cabelos. Ela tem 20 anos. A irmã mais velha morreu de uma longa doença um ano antes, logo após a paciente ter sido sexualmente forçada e depois abandonada por seu primeiro amor. Ela chora bastante, mas seca rápido as lágrimas e se deixa levar pela raiva com uma grande crueza de linguagem: fala alto e clama seu ódio contra os homens, tanto quanto contra a fraqueza das mulheres submissas, que se deixam depreciar por eles. O ataque sexual e também a morte da irmã tinham sido sofridos como uma depreciação da qual seu ego não podia sair sem prejuízos.
Em 1910 (2009), Freud oficializa a descoberta do complexo de Édipo no homem: é o amor, a paixão amorosa, pelas mulheres de pouca virtude, altamente estimadas, ferozmente defendidas, que domina o quadro. Mas atrás delas, atrás dessas "putas", é a mãe que está presente, uma mãe cujo mérito exalta a pureza e evita a parte sexual, sem dúvida pelo excesso de decepção que poderia surgir, sem dúvida também pelo risco de desvelar um ciúme, o que seria ainda mais insuportável, uma vez que conduziria ao pior dos castigos, não ser mais amado por ela. O primeiro amor se esconde atrás da representação da puta, o amor pela mãe, a mãe cujo filho não se recupera de ter sido decepcionado por ela.
Simetricamente, se podemos dizer assim, o que acontece com os tipos particulares de escolha do objeto na menina? Podemos encontrar aí as características descritas por Freud em relação aos homens? É possível que, ao abrigo da moral sexual do início do século XX, ele não tenha podido fazer a pergunta tão diretamente. Para ele, é o modelo da histeria que prevalece na sexualidade feminina, mesmo que desde 1914 esteja enfraquecido pela incidência do narcisismo.
Portanto, podemos procurar correspondências entre os tipos particulares de escolha de objetos na mulher a partir de três questões: que tipo de homem pode constituir o equivalente das mulheres de pouca virtude? Qual idealização? Que desejo de salvar o homem amado poderia se encontrar entre as mulheres?
A depreciação e seu componente sádico, mas mais ainda a parte destruidora, para o narcisismo, do objeto suscetível de estar ali engajado, podem orientar nossa conduta. Em "Luto e melancolia", Freud ressalta que a reviravolta narcísica da melancolia provoca uma poderosa fúria contra o ego, que ela bombardeia com todas as falhas, com todos os crimes, com uma força tão mais intensa que, na verdade, mais que o "pobre ego" acusado, é o objeto com o qual ele se confunde que é atacado. Portanto, a depreciação do ego que existe no movimento melancólico poderia nos levar a pensar que ele encontra um eco substancial na depreciação do objeto amado da paixão amorosa.
Por outro lado, Freud insiste na decepção pelo objeto, experiência determinante no início do movimento melancólico: é também com o risco de ser decepcionado pela mãe, desde o momento em que a sexualidade dela se desvela, que ele relata o tipo particular de escolha do objeto no homem e a coexistência surpreendente da idealização e da depreciação, uma vindo mascarar a outra. A decepção em relação ao pai poderia, da mesma forma, desencadear sua depreciação para a filha, ou essa decepção é inimaginável e deve continuar dizendo respeito à mãe?
Athénaïs recorda que, quando criança, era desajeitada e chorona, uma garotinha que caía o tempo todo, que errava tudo, imagem negativa da irmã (e da mãe?), tão bela, luminosa e ágil. Ela se lembra de seus vestidos rasgados, de seus joelhos marcados, dos piolhos que pegava na escola, da quarentena e da impossibilidade de se livrar desses parasitas. Ela se lembra ainda daquele momento doloroso em que, desanimada, a mãe decidiu cortar seus longos cabelos, bem como do momento em que, observando sua imagem no espelho, acreditou ver o rosto de um estranho garotinho. Ela se lembra de sua posição de aluna ruim, da lentidão de sua aprendizagem, de seus cadernos sujos de tinta, de sua escrita desagradável, de sua leitura hesitante, de sua nulidade em cálculos. Ela se lembra de a irmã, pouco mais velha que ela, ser sempre a primeira em tudo, sempre distribuindo generosamente sua luz e seus sorrisos. Chora: ontem foi ao túmulo falar com a irmã, levar-lhe seus doces preferidos e também o último romance de um escritor de que ambas gostavam apaixonadamente.
Athénaïs sofre de dores inexplicáveis nas costas. Seu corpo inteiro fica dolorido, como se ela tivesse sido moída de pancadas. No entanto, segundo o que diz, ela nunca apanha; é ela que bate em seus amantes, em momentos de raiva e decepção, em que a violência a domina. Não há palavras suficientemente duras para desestabilizá-los, para enfraquecê-los; não há fórmulas cruéis o bastante para mostrar-lhes seu desprezo, para reduzi-los à impotência. Mesmo aquele que ela procurou seduzir, que conquistou triunfalmente, é transformado em um pano de chão, em um dejeto abominável - o contrário absoluto da idealização, e portanto uma desidealização bastante suspeita.
Ela procura a causa de sua vergonha em suas características da infância, na garotinha pouco sedutora e ingrata que ela foi, uma gorda, uma burrona, um horror de criança que ela continuou a carregar, a arrastar consigo, sem nunca se livrar, mesmo quando mudou radicalmente. De fato, tudo mudou na adolescência. Em alguns meses, a puberdade transformou o patinho feio. Ela se tornou, como por mágica, uma bela jovem, cheia de vida e de projetos, uma aluna brilhante, seguindo a via criativa, que a atrai e a encanta. Acreditou poder atingir as alturas de seus ideais, gozar da felicidade de suas conquistas e êxitos. E eis que está ali, alquebrada pela dor, no fundo do buraco. Eu digo: "No fundo do buraco, com sua irmã?".
Fica furiosa comigo e grita que, para ela, não se trata de morrer e que, de fato, vou ver que ela não está morta. Sai a campo, em busca de um novo parceiro, o qual seduz com a mesma facilidade que os precedentes, de cujo grupo percebo que ele também faz parte: rapidamente ele se revela, como os outros, insuficiente para satisfazê-la no plano intelectual. Alguns meses mais tarde, ela o deixa e recomeça.
Do ponto de vista da questão feita antes, a respeito da escolha do objeto particular nas moças, não encontro em Athénaïs o desejo de salvar seus parceiros insuficientes: acontece de ela escolher rapazes "ruins", "galinhas", mas eles não a interessam. Com os outros, às vezes, ela tenta suprir suas falhas intelectuais ou culturais, mas ela se cansa muito rápido: eles não valem a pena, são nulos demais. Se alguém deve ser salvo, é ela! Contudo, salva de uma forma especial, por uma identificação com o sacrifício que a protege da rivalidade com a mãe. Talvez a depreciação do objeto se origine então de uma operação característica do complexo melancólico (Freud, 1915/2005c), como se o impacto da ferida "aberta" focalizasse um contrainvestimento narcísico massivo, atraindo tal quantidade de energia que o ego saísse disso esvaziado e empobrecido.
Em que Athénaïs é melancólica? Fora momentos de colapso, a posição que a caracteriza é, sobretudo, a inversa: a hiperatividade, o teatralismo e a exuberância de sua fala, o tom peremptório, a força de sua voz se ouvem por vezes bem além de um expressionismo histérico. Athénaïs pode mesmo se mostrar discretamente maníaca. Então é impossível, para mim, não ser sensível ao oposto dessa agitação alegre, impossível não perceber, além disso, a infinita depreciação de um ego submisso a uma culpabilidade torturante e à atração para a morte que ela acarreta. Que a sexualidade ocupe seu lugar nesses movimentos de humor diz respeito a uma evidência: nessa busca compulsiva, reconheço uma demanda de amor imensa e parcialmente desconhecida. Com frequência cada vez maior, acontece de Athénaïs se queixar de uma solidão que ela não mais atribui somente ao falecimento da irmã, e mais intimamente de ela deixar passar um desejo de amor tímido, mas suficientemente presente para que eu o entenda e perceba, além de suas encenações de conquistadora, fragmentos de seus sonhos de garotinha.
Ela evocou a paixão de sua vida desde nosso primeiro encontro:
Meu grande amor é meu pai. Sim, sim, eu sei, você vai me falar de Édipo, mas eu sou uma moça, então não tente me contar as mesmas bobagens que os outros. Meu pai me ama desde sempre, me amou como eu era, quando eu era feia e boba, então agora você pode imaginar. Ele me ama, e a isso eu nunca renunciarei! Os outros, estou pouco me lixando.
Encontramos aqui, é claro, por trás do amor pelo pai, o amor pela mãe, inextinguível, mas a passagem de um a outro, o deslocamento, oferece um desvio, dessa vez bastante atualizado no pedido de análise e na transferência.
No decorrer de um longo e intenso trabalho analítico, Athénaïs se casa com um homem mais velho, a quem ela ama e admira, que se divorciou por ela. Eles têm dois filhos, que ela adora. Happy end?
Após o fim da análise, ela vem me ver de tempos em tempos, e o roteiro é sempre o mesmo: ela encontrou um homem, sua vida está transtornada por essa paixão amorosa, ela está devorada pela culpa; depois, ela abandona o novo amante, sempre pelo mesmo motivo - ela está sexualmente muito envolvida, mas ele não está à altura de suas expectativas, do ponto de vista cultural ou intelectual. De maneira um tanto curiosa, a cada vez, os encontros comigo a acalmam.
A interpretação dessa repetição pode ser relativamente fácil sob a perspectiva da paixão edipiana, sempre em ação, sempre ativa na clivagem dos objetos, o bom e o mau, a mãe e a puta, o pai e o gigolô. Athénaïs não repete a mesma fantasia mudando a posição dos protagonistas, sendo aquela que trai e não a que é traída, provocando em seus parceiros um ciúme que ela não pôde até agora experimentar? Ela dá força ao ponto de vista freudiano quanto ao declínio do Édipo: destruído no menino, permaneceria inacabado na menina, demonstrando a fraqueza de seu superego.4 Que dizer, enfim, da transferência e da necessidade de Athénaïs de vir me mostrar repetidamente, já encerrada a análise, que ela pode me substituir, que suas potencialidades de amor permanecem sempre tão vivas que podem se fixar em novos objetos?
Curioso fim de análise, que traz à luz o que o amor de transferência drena, seus restos que pegam fogo novamente, não somente no tratamento, mas, para além dele, na vida, através do desfraldar do amor, quando ele contém a parte de violência pulsional que continua a habitá-lo. É essa parte que se transforma em impaciência de amar, na busca compulsiva por novos objetos: um amor maníaco - é assim que o chamo (Chabert, 2017) -, que vem pontualmente mascarar não apenas a perda, o abandono, a separação, mas os afetos que estão ligados a eles, afetos tristes cujo reconhecimento não é permitido, como se de fato não houvesse lugar nem direito de asilo para eles, como se não pudessem realmente ser acolhidos, como se permanecessem proscritos, inevitavelmente exilados, fora dos muros da psique. Em tais situações, a repetição em série da escolha do objeto vem, às vezes, tanto nas mulheres como nos homens, atualizar a tragédia edipiana, uma paixão que trai uma renúncia impossível aos objetos de amor, pois permanece a angústia sem fim de ser abandonado por eles.
Referências
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Chabert, C. (2017). Maintenant il faut se quitter. Paris: PUF. [ Links ]
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Green, A. (1983). Le complexe de la mère morte. In A. Green, Narcissisme de vie, narcissisme de mort (pp. 22-254). Paris: Gallimard. [ Links ]
Correspondência:
Catherine Chabert
76, rue Charlot
75003 Paris, França
catherine@chabert.org
Recebido em 25/2/2019
Aceito em 11/3/2019
1 A autora detém os direitos autorais deste artigo, que é de sua responsabilidade como palestrante do ipa London Congress, sob o título "The feminine", de 24 a 27 de julho de 2019, com registro disponível no site da ipa www.ipa.world/london.
2 No sentido usado por André Green (1983).
3 Ver Freud (1923/2003a).
4 Deixo de lado, de propósito, uma análise mais aprofundada do superego no feminino, cuja ação se reconhece na culpabilidade excessiva e no desejo de punição.