SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.15 número1Reflexões sobre a formação de professores de PsicologiaEnsino de Psicologia e seus fins na formação de professores: uma discussão mais que necessária índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. v.15 n.1 Ribeirão Preto jun. 2007

 

ARTIGOS

 

A psicologia da educação como um saber necessário para a formação de professores

 

Educational Psychology as necessary knowledge for teacher education

 

 

Patrícia Cristina Albieri de AlmeidaI; Roberta Gurgel AzziII

IUniversidade Presbiteriana Mackenzie
IIUniversidade Estadual de Campinas

 

 


RESUMO

O presente estudo inscreve-se nas discussões acerca das contribuições da Psicologia da Educação para a formação docente no contexto das atuais políticas educacionais para a formação de professores da educação básica. Objetivou-se investigar como a Psicologia da Educação integra os saberes tidos como necessários à formação profissional no contexto das reformas. Para proceder à investigação foi necessário ter como fonte de informação os professores formadores, tidos como sujeitos partícipes da formação docente, e os projetos que eles intentam realizar. Os resultados permitiram discutir a inserção da Psicologia da Educação nos Projetos de Formação, considerando-se a complexa relação entre os conhecimentos universitários, os saberes profissionais dos professores e as práticas formativas.

Palavras-chave: Psicologia da Educação, Formação de Professores, Saberes Docentes, Propostas de Formação, Reformas.


ABSTRACT

The present study is based on the discussion about the contribution that educational psychology has for professor preparation course in the context of the current educational policies for elementary education. The objective was to investigate how the educational psychology integrates the necessary knowledge to the professional education in the context of reform. In order to proceed the investigation, it was necessary to have, as information sources, professors who were considered active subjects of the teaching education and their intended projects. The results permitted to consider the insertion of educational psychology in the professor preparation course´s projects, having into account the complex relationship between undergraduate education knowledge, professional knowledge of the professor and the educational practices.

Keywords: Educational Psychology, Professor Preparation Course, Educational Proposals, Reforms.


 

 

Pretendemos neste artigo trazer alguns resultados de uma pesquisa de doutorado, com o intuito de contribuir para as discussões do ensino da Psicologia da Educação nos cursos de licenciatura, num momento em que as discussões acerca da profissionalidade docente e dos saberes necessários à formação do professor estão no centro das reformas.

O movimento reformista na formação inicial de professores da educação básica, iniciado com o advento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), demanda que sejam incorporadas, nas discussões acerca do papel que cumpre a Psicologia da Educação em cursos de formação docente, as questões relativas à concepção de formação presente nas reformas.

No Brasil, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores da Educação básica, instituída pela Resolução do Conselho Nacional de Educação 01/2002, apresentam-se coadunadas com a nova concepção de saberes e da docência, contemplando objetivos e princípios que estão no âmbito das tendências internacionais. São eles: conceber o ensino como uma atividade profissional que se apóia num sólido repertório de conhecimentos; considerar os professores como práticos reflexivos; ver a prática profissional como um lugar de formação e de produção de saberes pelos práticos; instaurar normas de acesso à profissão e estabelecer ligação entre as instituições universitárias de formação e as escolas da educação básica (Borges & Tardif, 2001).

Assim, nos documentos das Diretrizes Curriculares Nacionais, o conjunto de saberes e competências que devem qualificar o profissional da educação ocupam lugar central nos encaminhamentos das reformas e, conseqüentemente, das propostas de formação (Borges, 2004; Laranjeira, Abreu, Nogueira, & Soligo, 1999).

Os estudos acerca dos saberes docentes tiveram início na década de 80, quando os Estados Unidos e o Canadá, baseados na premissa de que existe uma "base de conhecimento" para o ensino, mobilizaram pesquisadores para investigar e sistematizar esses saberes, buscando compreender a genealogia da atividade docente e, assim, convalidar um corpus de saberes mobilizados pelo professor. Essas pesquisas foram desenvolvidas com a intenção de melhorar a formação de professores e iniciar um processo de profissionalização que favorecesse a legitimidade da profissão e, assim, transpusesse a concepção da docência ligada a um fazer vocacionado.

As produções na área compartilham a crença de que a base de conhecimento, entendido aqui como um corpo de compreensões, conhecimentos, habilidades e disposições de que um professor necessita para atuar efetivamente numa dada situação de ensino (Shulman, 2004), permitiria estruturar a educação do professor e instruir diretamente as práticas de formação.

Essa nova forma de compreender os saberes docentes e as propostas de formação decorrentes das investigações na área mobilizaram a investigação do lugar e do papel da Psicologia da Educação nas propostas de formação. O interesse pela investigação justifica-se por três razões: (1) porque existe uma trajetória histórica expressiva de relações entre a Psicologia e a Educação, e esta última, por muito tempo, foi disciplina obrigatória em cursos de formação de professores; (2) porque se busca a constituição da base de conhecimento para o ensino, e a Psicologia da Educação tem quadros teóricos disponíveis para analisar os fenômenos educativos; (3) porque, para delimitar o significado científico, social e político dessa disciplina, é preciso pensá-la no contexto das reformas e das propostas de formação, já que qualquer proposta para o ensino de Psicologia da Educação passa necessariamente pela proposta de ensino expressa nos cursos de formação, incluindo aí a definição do perfil do profissional a ser formado, os conhecimentos a serem priorizados e os encaminhamentos para o equilíbrio entre as finalidades teórica e prática, disciplinar e profissional.

É importante ressaltar, em relação às razões aqui apresentadas, que, nas atuais reformas, a proposta é superar as críticas relativas à organização curricular dos cursos de licenciatura que predominaram até o momento. Essa organização é criticada por não ter privilegiado a articulação entre teoria e prática, e nem entre os campos disciplinares. Desse modo, não considerando a lógica profissional, ou seja, os campos disciplinares se estruturaram à parte e desvinculados do próprio ensino.

É a partir dessa crítica que o papel dos conhecimentos universitários tem sido questionado, incluindo os conhecimentos específicos e os conhecimentos das Ciências Humanas e Sociais. Tardif (2002) problematiza as atuais reformas, indagando acerca das relações entre os conhecimentos universitários e a formação dos profissionais do ensino: Quais seriam as contribuições específicas desses conhecimentos para uma formação profissional universitária? Que função e que lugar devem ser atribuídos a eles, nos currículos de formação dos profissionais do ensino? As considerações do autor em relação a esses questionamentos caminham no sentido de discutir as possibilidades dessas disciplinas contribuírem de uma forma mais produtiva na formação do profissional da educação, o que implica, segundo ele, realizar uma integração concreta entre os conhecimentos e a ação, entre as disciplinas científicas e as práticas profissionais.

No caso da Psicologia da Educação, em relação a essas indagações decorrentes das propostas de formação que têm em seu bojo os saberes docentes, algumas questões podem ser levantadas: Como se concebe, no contexto das reformas, o papel da Psicologia da Educação nos cursos de formação de professores? Os fundamentos de que a Psicologia da Educação dispõe para compreender os fenômenos educativos constituem saberes necessários à docência? Quais são os lugares da Psicologia da Educação nos atuais projetos de formação? Como se configurará o ensino de Psicologia da Educação? Quais são as possibilidades de inserção da Psicologia da Educação nos currículos de formação? Como os conhecimentos psicológicos estarão articulados aos outros componentes formativos? Quais são os pontos de intersecção entre os conhecimentos psicológicos e os demais saberes mobilizados na ação docente? O conhecimento psicológico no contexto dos saberes e, conseqüentemente das reformas, vem sofrendo um desprestígio?

Tendo por base os questionamentos apresentados, e partindo do pressuposto de que a Psicologia da Educação se configura como uma das necessidades formativas do professor e é constitutiva da profissionalização docente, a presente pesquisa teve por objetivo investigar como a Psicologia da Educação integra os saberes tidos como necessários à formação profissional no contexto das reformas.

Considerando que nos últimos anos as instituições vivenciam um processo de adequação curricular decorrente das normalizações vigentes, pretendeu-se analisar propostas de cursos de formação de professores buscando problematizar o lugar e o sentido dos conhecimentos psicológicos na formação dos profissionais do ensino no contexto das reformas.

 

Uma breve descrição da pesquisa

Para proceder à investigação foi necessário ter como fonte de informação os professores formadores, tidos como sujeitos partícipes da formação docente, e os projetos que eles intentam realizar. As propostas de formação são aqui entendidas como documentos que expressam as experiências de conhecimento a serem desenvolvidas por formadores e licenciandos, bem como tudo que se faz para materializá-las nas práticas formativas. Os Projetos de Formação são tidos como espaços que retratam interesses de natureza epistemológica, política, social e cultural, no âmbito da formação de professores, e que congregam indícios de como a comunidade acadêmica, responsável pela formação docente, têm contribuído para o movimento histórico de reconfiguração dos cursos de licenciatura.

Recorreu-se à entrevista para complementar à análise dos Projetos de Formação devido à necessidade de se coletar dados que não são encontrados em registros e documentos, e que por isso só podem ser fornecidos pelas próprias pessoas. O uso da entrevista, nesse caso, foi relevante, pois se tornou um momento de organização de idéias e de construção de sentidos e significados, em relação aos projetos de formação, por parte daqueles que materializam o currículo.

O estudo foi desenvolvido em quatro cursos de Licenciatura em Matemática1 do Estado de São Paulo, sendo duas instituições públicas e duas privadas Para preservar a identidade das instituições, elas serão assim nomeadas: ALFA e BETA, as instituições públicas; GAMA e OMEGA, as instituições privadas.

A escolha das instituições deu-se a partir do critério de coletar dados em diferentes realidades, do ponto de vista do professor formador (formação, atividades que desenvolve, área de atuação, titulação, experiência docente, etc.) e da instituição (projeto pedagógico, organização, condições de trabalho, grade curricular, etc.).

Foram entrevistados quinze professores formadores, sendo quatro coordenadores de curso, quatro da área específica e sete da área de Psicologia da Educação.

A entrevista semi-estruturada foi encaminhada a partir de questões desencadeadoras. Para os professores coordenadores e professores da área específica, as questões desencadeadoras foram em relação à Psicologia da Educação: Como percebem a Psicologia da Educação como área de conhecimento na proposta do curso? Como essa área do conhecimento é pensada na proposta do curso?

Para os professores da área de Psicologia da Educação, acrescentaram-se às questões desencadeadoras: O que pensa da Psicologia como área de conhecimento na formação? Conte sobre o ensino de Psicologia da Educação no curso, relatando os critérios que utiliza na definição dos objetivos, na seleção de conteúdos/temas, autores e estratégias.

As propostas de formação foram analisadas com o intuito de apreender a concepção de formação presente e os saberes que estão na base da formação inicial, e, também, investigar como a Psicologia da Educação integra esses saberes. As entrevistas foram analisadas tendo em vista apreender a concepção dos professores em relação aos projetos de formação e à Psicologia da Educação na formação e nos projetos. Os resultados foram analisados em função das categorias que emergiram das respostas às entrevistas e da análise dos Projetos de Formação. Os dados, analisados sob a perspectiva do Knowledge base, permitiram discutir a inserção da Psicologia da Educação nos Projetos de Formação, considerando-se a complexa relação entre os conhecimentos universitários, os saberes profissionais dos professores e as práticas formativas.

 

Resultados

Apresentaremos os principais achados de nossa análise em relação à inserção da Psicologia da Educação na formação do professor. A intenção é colocar em evidência os pontos centrais extraídos da conclusão do estudo.

Como as propostas analisadas foram elaboradas no contexto das reformas e tiveram as Diretrizes Curriculares Nacionais para formação de professores da educação básica como documento norteador, é pertinente retratar, mesmo que sucintamente, como os saberes necessários à docência estão previstos no texto oficial das Diretrizes Curriculares.

Cabe reiterar que as reformas foram fortemente influenciadas pela produção de pesquisa desenvolvida em diversos países com a intenção de compreender a genealogia da atividade docente e convalidar um corpus de saberes mobilizados pelo professor.

A necessidade de reconhecer um repertório de conhecimentos próprios ao ensino incide sobre a especificidade deste trabalho, do saber específico indispensável ao desenvolvimento da atividade docente e sua natureza. Dito de outra forma, o trabalho docente requer um conjunto de saberes que não são aprendidos espontaneamente.

No texto das Diretrizes Curriculares, os saberes reconhecidos como necessários para exercer a profissão docente são nomeados como "conhecimentos para o desenvolvimento profissional", e tidos como requisitos impostos para a constituição das competências.

Nos documentos oficiais das reformas, a competência é compreendida como a capacidade de atuar mobilizando conhecimentos. Argumenta-se que, embora os conhecimentos/saberes estejam integrados às competências, eles não se confundem com elas, pois as competências são capacidades que se apóiam em conhecimentos. A capacidade de organizar e dirigir situações de aprendizagem, por exemplo, requer o conhecimento pedagógico, o conhecimento das teorias da aprendizagem, o conhecimento do conteúdo específico a ser ensinado, dentre outros.

É importante ressaltar que os documentos analisados não dispõem de informações suficientes para analisar a articulação entre conhecimentos e competências, apesar das propostas analisadas apresentarem uma organização tipológica dos conhecimentos necessários à docência bastante coerente com o disposto na Resolução 01/01.

 

Os conhecimentos necessários à docência nas propostas de formação

Nas propostas analisadas, os conhecimentos estão organizados de diferentes formas e foram agrupados em: conhecimentos sobre crianças, jovens e adultos; conhecimentos sobre a dimensão cultural, social e política da educação; conhecimentos matemáticos e de alguns fundamentos de outras ciências exatas; conhecimento pedagógico. No Quadro 1 tem representado uma síntese2 dos âmbitos de conhecimento privilegiados por cada uma das propostas de formação analisadas e suas respectivas descrições.

É necessário esclarecer que a organização curricular dos cursos analisados é disciplinar e são dos grupos de conhecimento descritos (Quadros 1 e 2) que procedem as disciplinas. No entanto, na proposta da instituição GAMA observa-se uma peculiaridade: as Licenciaturas estão organizadas por áreas do conhecimento, com ênfases em diferentes disciplinas que podem compor o currículo escolar nos segmentos do ensino aos quais se destinam os docentes por elas formados. Para este estudo analisamos a área denominada "Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias". Os conhecimentos estão organizados na matriz curricular em âmbitos de formação (Gestão Educacional; Gestão do Currículo e da Aprendizagem; Gestão do Desenvolvimento Pessoal e profissional) e eixos de ação (Sociedade e Cultura; Escola; Professor; Aluno; Currículo). Propõe-se um inventário de temas que ira perpassar as áreas horizontalmente e que deve ser compreendido em paralelo com os conteúdos disciplinares e as competências, cuja construção ou retomada pretendem desencadear. Está previsto uma articulação interna decorrente das características comuns às disciplinas que a compõem. E, provavelmente em decorrência dessas características, as disciplinas precedentes dos âmbitos de conhecimentos são organizadas, na sua maioria, por temas.

Nas demais propostas analisadas (ALFA, BETA e OMEGA) um aspecto merece destaque: pelo menos 70% das disciplinas provenientes dos grupos de conhecimento são correspondentes ao conhecimento matemático e áreas afins. Esse dado pode suscitar diferentes interpretações. Contudo, o que parece importante não é absolutamente discutir a carga horária que cabe a cada âmbito de conhecimento, ou se é mais importante o conhecimento pedagógico ou o conhecimento específico. Trata-se de discutir como promover a articulação entre esses âmbitos. Dito de outra forma, como articular e mobilizar diferentes conhecimentos envolvendo atividades de compreensão, transformação, avaliação e reflexão sobre a atividade de ensino.

É importante acrescentar que as dificuldades de articulação entre as áreas de conhecimento, assim como a de promover a interseção de conteúdos específicos e pedagógicos, também emergem na fala dos professores formadores entrevistados.

A articulação entre os âmbitos de formação é pouco explorada nos documentos analisados. Está prevista especialmente nas atividades de estágio e de prática profissional. Notadamente na proposta da instituição BETA, propõe-se que todas as disciplinas estejam direta ou indiretamente envolvidas com a formação prática. A proposta tem o diferencial, em relação às outras, de apresentar um itinerário formativo mais detalhado, com possibilidades de integração e de promover espaços, desde o início do curso, para o licenciando habituar-se à prática profissional. As disciplinas reconhecidas com potencial para promover esse conhecimento articulador são: Trabalho de Conclusão de Curso, Instrumentação para o Ensino da Matemática e Estágio Supervisionado em Matemática na Educação Básica. No entanto, todas as disciplinas poderão estar direta ou indiretamente envolvidas. Constam, ainda, as atividades complementares: participação em projetos de extensão, trabalho de conclusão de curso e outras atividades acadêmico-científico-culturais.

Nas demais propostas, a ênfase está em justificar e argumentar a importância do estágio e das atividades de prática profissional. Na proposta da instituição GAMA, no âmbito da Gestão do Desenvolvimento pessoal e profissional, destaca-se as atividades desenvolvidas sob a forma de: oficinas, fóruns e seminários; grupos de trabalho, de discussão e clubes; participação em eventos e atividades culturais. Os conhecimentos provenientes da Psicologia da Educação estão contemplados nas propostas especialmente no grupo de 'conhecimentos sobre crianças, jovens e adultos' e, também, no grupo de 'conhecimentos pedagógicos'. Nesses grupos de conhecimentos está previsto que o professor precisa conhecer aspectos psicológicos que lhe permitam atuar nos processos de aprendizagem e socialização, bem como ter conhecimento dos processos de crescimento e dos processos de aprendizagem dos diferentes conteúdos escolares em diferentes momentos do desenvolvimento cognitivo, considerando o universo cultural e social dos alunos. Destaca-se, ainda, o conhecimento de diferentes concepções sobre temas próprios da docência, por exemplo, transposição didática, contrato didático, planejamento, organização de tempo e espaço, currículo e desenvolvimento curricular, entre outros.

Os conhecimentos específicos ao desenvolvimento e aprendizagem de crianças, jovens e adultos são desenvolvidos por disciplinas que têm a Psicologia da Educação como área de conhecimento. As nomenclaturas são variáveis: na proposta da instituição ALFA, denomina-se 'Psicologia da Educação'; na proposta da instituição BETA constam duas disciplinas: 'Psicologia da Educação - Aprendizagem' e 'Psicologia da Educação - Desenvolvimento'; na proposta da instituição OMEGA, chama-se 'Psicologia do Ensino'; e, na proposta da instituição GAMA, 'Desenvolvimento e Aprendizagem'.

 

O que dizem os professores formadores em relação à Psicologia como área de conhecimento na formação do professor?

A concepção dos professores entrevistados em relação à Psicologia como área de conhecimento na formação do professor diverge sob alguns aspectos. As diferenças de enfoque na discussão ocorreram especialmente entre os professores da área específica e os professores de Psicologia da Educação.

 

Discutindo limites e possibilidades

As possibilidades de contribuição da Psicologia da Educação na formação de professores, para a maioria dos formadores entrevistados, especialmente de Psicologia da Educação, diz respeito aos fundamentos teóricos relativos à aprendizagem e ao desenvolvimento do aluno.

Evidencia-se, nas falas, que a prática docente precisa estar pautada no conhecimento do aluno como sujeito de aprendizagem. Os participantes fazem referência à necessidade de conhecer o desenvolvimento humano e compreender como o aluno do ensino fundamental e médio aprende.

Nesse caso, o conhecimento que provém da Psicologia sobre os níveis de desenvolvimento, os estilos cognitivos, os ritmos de aprendizagem, etc. são essenciais para precisar as referências que se devem levar em conta ao tomar as decisões didáticas. A esse respeito um participante assim se expressa:

[...] Então eu acho que a Psicologia é essencial, especialmente para aqueles que vão atuar na sala de aula [...] Se você entende que o conhecimento não é algo que vem pro sujeito através dos ouvidos, então você tem que entender como funciona o pensamento dele [...]. (Professor Psi3 3: GAMA).

Diz um outro professor:

[...] as Psicologias são fundamentos para as questões da educação, ou seja, fornecem diversas teorias que podem subsidiar, servir de pressupostos teóricos para as escolhas dos educadores, para ensinar melhor (Professor Psi 8: BETA).

Esses professores exploraram a idéia de que a Psicologia contribui com fundamentos teóricos para compreender como o aluno se desenvolve e que esse conhecimento subsidia as escolhas pedagógicas

Nesta mesma perspectiva, outros professores complementam a respeito das contribuições de natureza teórica da Psicologia em articulação com outros fundamentos. Nas palavras de um participante:

[...] as Psicologias servem como fundamento teórico, porém não esquecendo que não é a única área que serve de fundamento teórico para a educação, né, pois ganhamos muito quando as diferentes áreas estão articuladas. (Professor Psi 15: OMEGA).

Já para alguns dos professores entrevistados da área específica, a expectativa é de que o ensino de Psicologia prepare mais objetivamente o professor para ensinar e enfrentar as situações de sala de aula e, inclusive, para ser capaz de identificar o perfil psicológico e pedagógico dos alunos. Algumas questões do cotidiano da sala de aula são pensadas a partir de dados psicológicos, como se pode observar nas duas situações relatadas:

Eu vejo que a Psicologia é importante pra eles terem mais base [...] pra poder conhecer os vários tipos de personalidades, primeiramente, né, você entra numa sala de aula lá, com 40 alunos cada um de um jeito, e você tem que saber se relacionar, identificar cada, né... a S. é muita boa assim, nesse ponto de assim né, de personalidade, ela descreve, os tipos tal... e aí isso é bom pro manejo de sala né, pra essa relação professor-aluno. (Professor Coordenador 13: OMEGA).

Na outra, o professor diz:

...uma coisa que eu acho interessante, do ponto de vista da Psicologia, é que nas análises, assim, quando você faz uma análise porque que o aluno não aprende, gostaria que existissem ferramentas, não sei se é possível, não sei, fazer de uma forma mais cartesiana, né. Você ter técnicas da Psicologia para identificar, por exemplo, um perfil do aluno que é preguiçoso, alienado, do aluno que é... [pausa] a gente costuma, como que é que se diz, colocar um rótulo. É interessante você ter consciência desse tipo de rótulo, mas é interessante, uma grande contribuição da Psicologia, se ela pudesse dar um subsidio para o professor, é, assim, mais palpável [...]. (Professor Coordenador 1: GAMA).

Como contraponto a esse enfoque, tem a fala de um professor de psicologia que argumenta que os educadores não precisam de ajuda/auxílio. Para esse professor,

[...] as escolas, as práticas escolares, elas precisam estar capitaneadas pelo discurso pedagógico, e não por outros discursos [...] Porque senão fica esse ecletismo que ninguém sabe o que está fazendo. (Professor Psi 11: ALFA).

Essa fala revela que a idéia de auxílio/ajuda pode ser equivocada, que se perde de vista o enfoque pedagógico, ou seja, o discurso psicológico ganha mais relevância do que realmente tem.

O alerta para relativizar os limites e possibilidades da psicologia como área de conhecimento emerge nos próprios dados, quando alguns professores de psicologia desenvolvem uma reflexão historicamente contextualizada e de natureza epistemológica. Tais professores tratam a Psicologia como um campo de conhecimento instável, movente e não homogêneo, explicitando sua diversidade e pluralidade, bem como o psicologismo na educação e o seu papel político e social.

Quatro participantes da pesquisa argumentam que não temos uma psicologia, mas ciências psicológicas. A fala de um professor ilustra essa compreensão:

Eu sempre explico para os meus alunos que o objeto de estudo da Psicologia são os fenômenos psicológicos, né, e eu mostro, pelo menos procuro mostrar, que isso fez com que a Psicologia ficasse dividida em tendências. (Professor Psi 15: OMEGA).

Nessa mesma perspectiva, a fala de um outro professor, além de confirmar que as divisões na Psicologia são decorrentes da variedade de fenômenos psicológicos, acrescenta que a pluralidade também é resultante das necessidades da sociedade. Diz ele: "... as divisões na Psicologia derivam da grande variedade de fenômenos e, ainda, das diferentes necessidades de ordem social". (Professor Psi 12: ALFA).

Evidencia-se, nas verbalizações, que assumir a Psicologia como um campo de conhecimento instável, movente e não homogêneo é construtivo e saudável; porém, como afirma um dos professores, não livre de tensões:

[...] Então essa dispersão, no meu entendimento, ela é salutar, antes de mais nada, né. [...] tem que se debruçar um pouco sobre esse campo tenso. Eu não acho que é um campo de ressonância, pelo contrário, é um campo de tensão. (Professor Psi 11: ALFA).

No contexto dessa discussão, dois professores justificam que se tratamos de psicologias (e não de Psicologia) no ensino de Psicologia da Educação, nos cursos de formação, é para contemplar diferentes perspectivas teóricas. Nas palavras do participante:

[...] eu acho um equívoco, por exemplo, num departamento determinado, de qualquer universidade, você achar, acreditar que porque esse departamento de Psicologia tem um enfoque único, digamos na linha comportamental, eu acredito que você tenha que oferecer sim as diversas Psicologias. (Professor Psi 8: BETA).

Note-se que se tem, aqui, uma discussão relativa à episteme da Psicologia, que desencadeia reflexões relativas à pluralidade da Psicologia e suas possibilidades de contribuição para a formação de professores.

Apenas dois professores da instituição ALFA abordaram a temática psicologismo e o papel político e social da Psicologia. Ambos os professores, ao discorrerem sobre a Psicologia numa perspectiva crítica, fizeram um contraponto ao psicologismo na educação e suas implicações para as práticas escolares. O Professor Psi 12 argumenta que é necessário discutir a cientificidade da Psicologia, pois seu marco histórico tem como contexto "... a sociedade industrial, então comprometida com uma proposta de controle do comportamento, porque isso era necessário pra sociedade industrial". Explica que a essa área do conhecimento ganhou "um estatuto de ciência por conta de uma outra eficácia, que não é propriamente científica, mas é pragmática, tecnocrática".

Nesse sentido, para o entrevistado, o papel da Psicologia não é tecnocrático e, portanto, "... não tem que oferecer recursos técnicos, quando oferece recursos técnicos ela cumpre um papel ideologicamente contestável."

Comenta que considera necessário discutir com os licenciandos "... os problemas dessa idéia de aplicação que implica uma colonização de um campo sobre o outro", pois, nessa perspectiva, a Psicologia cumpre o papel de dar receitas, prescrições ao professor.

O Professor Psi 11 é mais enfático nas críticas ao psicologismo, pois compreende que

[...] esta Psicologia da Educação clássica, ela cumpre um papel sim, ela cumpre o papel de arregimentar a exclusão escolar. Ela cumpre o papel, digamos assim, avesso àquilo que a gente imagina que ela deveria cumprir, estou falando historicamente.

O entrevistado argumenta que a Psicologia serviu, e tem servido, para justificar a exclusão escolar, por meio da noção de sujeito psicológico, entendendo que existe uma justaposição de entidades conceituais que não são a mesma coisa:

...quando a gente imagina, por exemplo, que no sujeito pedagógico mora um sujeito psicológico, essa própria idéia, ela já é perigosa, [...] porque a gente começa a olhar o sujeito do inconsciente, o sujeito cognitivo, o sujeito social, o sujeito clínico, seja lá o que você quiser chamar, no aluno. Só que o aluno não é nada disso, o aluno é um sujeito pedagógico.

Assentados nessas críticas, os entrevistados argumentam que é preciso enfrentar uma discussão de natureza ética e política, "... pois o campo da Psicologia da Educação pode ser tão nefasto quanto benéfico [...] para o próprio campo pedagógico e para a ação pedagógica." (Professor Psi 11: ALFA).

Diante dessa dualidade da Psicologia da Educação, o Professor Psi 12 defende que, quando essa área do conhecimento "... oferece recursos críticos, no sentido de uma ampliação de visão de mundo pro professor [...] ela tem um papel fundamental, ou seja, ao lado das outras ciências da educação.".

Quando o entrevistado menciona a Psicologia ao lado de outras ciências, refere-se à necessidade de romper com o papel hegemônico adquirido historicamente, propondo que a Psicologia tenha

... uma fatia igual à das outras, no sentido de também cumprir um papel idêntico ao das outras, uma certa ampliação de consciência, de visão de mundo pro professor, a respeito dos determinantes da sua prática.

Essa consideração justifica a necessidade de superar o discurso psicológico na escola, pois, quando a leitura dos fenômenos educacionais é realizada apenas a partir de uma perspectiva psicológica, prevalece a noção de sujeito psicológico.

Shulman (2004) explica que as pesquisas sobre organização escolar, organização social, aprendizado humano, ensino e desenvolvimento, e outros fenômenos sociais e culturais que afetem o que os professores podem fazer, constituem uma fonte de conhecimento.

Os resultados das pesquisas sobre o aprendizado e desenvolvimento humano contribuem, por exemplo, para o entendimento de como o aluno aprende, das condições necessárias para a aprendizagem significativa, o significado das crenças, o que torna um aprendizado mais fácil ou mais difícil, e de tantos outros aspectos. Porém, Shulman (2004) ressalta que os aspectos normativos e teóricos do conhecimento escolar são importantes, mas representam apenas uma faceta da contribuição do conhecimento, pois é preciso considerar a complexidade da prática docente decorrente especialmente das variáveis que intervêm neste processo. Deve-se considerar que muitas das pesquisas sobre o aprendizado e o desenvolvimento são normalmente realizadas tendo como referência os indivíduos - produzindo princípios de pensamento ou comportamento individual que devem ser generalizados para grupos com muito cuidado. Corre-se o risco de esses conhecimentos não serem úteis para o ensino nas escolas e de serem erroneamente utilizados para justificar e explicar possíveis inadequações no processo pedagógico, especialmente em relação ao aprendizado.

 

O que dizem os professores formadores em relação à Psicologia na proposta de formação?

Os professores formadores da área específica, ao relatarem como percebem a Psicologia na proposta do curso, fazem-lhe referência como componente disciplinar. Mencionam a carga horária, refletindo sobre o "melhor" momento em que a disciplina deve ser inserida no currículo e, também, considerando-a como área de conhecimento mobilizada por outros componentes curriculares, especialmente em disciplinas específicas da área de conhecimento da qual é objeto de estudo do curso.

Existe a expectativa, por parte dos professores da área específica, de que o ensino da Psicologia também atenda às especificidades da área de conhecimento do curso, ou seja, que a proposta de ensino de Psicologia seja adaptada às necessidades do projeto de formação. Os professores verbalizam, por exemplo, sobre como o conhecimento de conceitos e pressupostos teóricos da Psicologia podem servir de fundamento para a educação matemática. Vejam o exemplo ilustrativo:

... eu já li muito também Constance Kamii, então, por exemplo, existe uma idade que o aluno se torna capaz de aprender números inteiros, né, é a simetria, né, é a reversão do pensamento, então não é adequado o professor ensinar números negativos antes disso. Agora o professor vai lá dar aula, será que ele tá sabendo isso, entendeu? E será que ele sabe detectar isso ai? Ele resolve ensinar números negativos, talvez porque esteja no livro [...]. (Professor coordenador 4: BETA).

Os processos cognitivos e o nível de desenvolvimento do aluno são tidos, por alguns participantes, especialmente da área específica, como necessário, pois serve de subsídio para direcionar a seleção e a organização dos conteúdos de ensino, bem como para a forma de apresentá-los. Emerge das falas uma discussão sobre a necessidade de superar o ensino convencional4 da matemática e as contribuições da Psicologia neste processo. Os professores da área específica relataram algumas situações em que exemplificam o uso de estratégias didáticas formuladas com base em conhecimentos da Psicologia

Um dos entrevistados, ao relatar sobre os materiais didáticos que tem produzido, argumenta que é a

psicologia que lança luz sobre isso, e até mais, ela te orienta como que você deve produzir os materiais, porque eu posso fazer a mesma atividade numa folha de papel, chega pra um aluno e mostra que a soma de dois pares sempre é par, que é uma coisa que fica sem significado, sabe uma coisa, né, é um problema dado, pronto, que não tem a construção do aluno. (Professor Especialista5 5: BETA).

Cabe ressaltar que o ensino da Matemática tem sido amplamente discutido e que as pesquisas em Educação Matemática têm contribuído muito para a produção de conhecimento na área. É um campo de conhecimento consolidado nacional e internacionalmente. Ele tem tratado das relações entre o desenvolvimento do pensamento matemático, a aprendizagem da Matemática, a avaliação desta aprendizagem, as relações entre a Matemática e as demais disciplinas e os aspectos relacionados ao ensino dela usando, dentre outros, o referencial da Psicologia.

Como já mencionado, as possibilidades de articulação entre os grupos de conhecimento, nas propostas analisadas, ainda são bastante tímidas. Os professores formadores entrevistados identificam estas dificuldades. Nota-se o exemplo:

... dentro do curso, dificuldades que eu vejo acontecer é, ainda, o aprendizado do diálogo entre as áreas e das próprias pessoas que trabalham juntas, tá, [...] nós não conseguimos ultrapassar, ainda, o limite do individualismo, ainda, por mais que a gente tenha certeza, conheça as propostas, reconheça a importância dela, eu ainda sinto solitário, né, por mais que vejo possibilidades eu ainda não vejo as coisas acontecerem nesse curso, especialmente nesse curso. Ele está estruturado pra acontecer, mas eu ainda não vejo acontecendo dessa forma, tá. (Professor Psi 14: OMEGA).

Nas verbalizações destacam-se as dificuldades em trabalhar de forma a promover e sistematizar a articulação entre a disciplinaridade e a interdisciplinaridade. Quando solicitado aos participantes que discorressem sobre as possibilidades de articulação e diálogo da Psicologia com os componentes curriculares, destacam-se as falas relativas à não sistematização da articulação da Psicologia com as outras áreas:

... Mas eu acho que ainda está faltando bastante conversa sobre isso, uma integração maior mesmo [...] Não tem articulação da Psicologia com as matérias específicas, de forma contínua, são as disciplinas mesmo, né, todos os licenciandos fazem várias disciplinas no Departamento de Psicologia. (Professor Especialista 5: BETA).

Essa verbalização retrata o pouco diálogo, especialmente entre as disciplinas específicas e pedagógicas. Observa-se, ainda, uma outra queixa dos professores da área específica:

... essa tradição de a licenciatura ser responsabilidade da Faculdade de Educação fez com que na verdade essas disciplinas pedagógicas nunca dialogassem com as unidades específicas sobre o que acha que é importante na formação do professor de Matemática ter de Psicologia, disso ou daquilo [...] Mas ainda tem aquela coisa de que essas disciplinas são eles que decidem, entendeu [...] ainda mais na área de Psicologia, que tem tantas coisas específicas da Matemática, que talvez não interesse tanto ao ensino de outras áreas [...]. (Professor-Coordenador 9: ALFA)

Essa argumentação retrata a importância de diálogo e parceria entre os Institutos de conteúdos específicos e as Faculdades de Educação, co-responsáveis pela formação dos licenciandos. É preciso considerar que o modelo de formação que tem sua origem na fórmula "3+1", em que as disciplinas pedagógicas, cuja duração prevista era de um ano, estavam justapostas às disciplinas de conteúdo, sem um mínimo de articulação entre elas. Assim, o modelo contribui para os desencontros entre os Institutos de conteúdos específicos e as Faculdades de Educação.

As dificuldades relatadas pelos professores formadores a respeito da articulação entre disciplinaridade e interdisciplinaridade retratam a tensão entre um projeto e uma prática que intenta realizá-lo. As propostas prevêem o desenvolvimento de práticas interdisciplinares e reconhecem sua importância. Todavia, as possibilidades de cooperação e articulação entre as disciplinas estão atreladas à organização curricular dos cursos de formação, ou seja, a prática interdisciplinar não depende simplesmente das ações dos sujeitos envolvidos nesse processo. É preciso considerar que o formato dado à proposta curricular definirá, de certa forma, as possibilidades ou não de construção de uma prática interdisciplinar.

Torna-se fundamental que as instituições formativas continuem investindo na articulação entre disciplinaridade e interdisciplinaridade e na mobilização de condições para a realização de uma prática ainda em construção. Destacamos que é um trabalho em construção, pois corroboramos com Pombo (2005), quando diz que a interdisciplinaridade não é uma proposta pedagógica, e sim uma proposta em aberto, já que dela não "... conhecemos antecipadamente senão os contornos, por agora ainda indefinidos [...]." (p. 10).

Desse modo, construir, nos cursos de formação, uma atuação que supere o ensino disciplinar pouco flexível, em que as disciplinas não mantêm articulação entre si e a relação entre as dimensões teórica e prática está restrita a momentos pontuais, exige que, não só os professores formadores, mas também as próprias instituições formativas estejam abertas às rupturas nas epistemologias científicas, nas relações, nas organizações curriculares e acadêmicas, o que implica

... implementação de desenhos curriculares que transformem o modelo disciplinar, seja possibilitando a integração de conteúdos, seja alterando a organização curricular para módulos, núcleos temáticos, assumindo um enfoque problematizador. (Batista, 2006, p. 44).

 

Considerações finais

Para concluir, gostaríamos de destacar que, em nosso estudo, os dados disponíveis para análise não foram suficientes para esgotar os aspectos que direcionaram as escolhas em relação à inserção da Psicologia na matriz curricular dos cursos estudados. Por conseguinte, a discussão do lugar e sentido dos conhecimentos psicológicos na formação dos profissionais do ensino continua sendo tema de investigação.

Ponderamos sobre a relevância de se considerar a Psicologia da Educação como uma das fontes que estão na base do conhecimento do ensino e, assim, sobre a necessidade de pensá-la a partir de suas intersecções com outras ciências e com a prática.

Contudo, se a Psicologia da Educação pode estar inserida no currículo dos cursos de licenciatura em Matemática a partir de demandas diferentes, ou seja, se dispõe de produções genéricas acerca do processo ensino-aprendizagem e de produções específicas ao ensino e aprendizagem da Matemática, pergunta-se: Quais critérios têm direcionado as escolhas em relação à inserção da Psicologia nas matrizes curriculares de cursos de formação docente? Como esses critérios não estão elucidados, nos dados fornecidos pelas propostas e pelas entrevistas, cabe apenas uma análise especulativa, não conclusiva e com algumas preocupações, indagações? Tornou-se convencional a presença da Psicologia da Educação nos cursos de formação docente? Os formadores têm refletido pouco a respeito das possibilidades e limitações desse campo de conhecimento, na constituição da docência?

Para elucidar os possíveis critérios que têm direcionado as escolhas em relação à inserção da Psicologia na matriz curricular, é fundamental criarmos mais oportunidades para os professores formadores discutirem sobre o significado científico, social e político dessa disciplina.

Exercitar essa aproximação, esse diálogo, bem como pensar essa área do conhecimento articulada ao projeto curricular dos cursos de formação, contribuiria para evitar expectativas que a Psicologia da Educação, como área de conhecimento na formação, não poderá atender. E favoreceria, também, o trabalho docente dos próprios formadores se as decisões sobre o que ensinar e como ensinar pudessem ocorrer num contexto de reflexão compartilhada.

Iniciativas dessa natureza favorecem práticas formativas em que o licenciando tem a oportunidade de mobilizar diferentes saberes, até mesmo aqueles provenientes de suas experiências anteriores, que expressam, inclusive, suas crenças e concepções. É cada vez mais desejado que o futuro professor possa adquirir, paulatinamente, consciência das suas crenças, teorias e saberes e, ao mesmo tempo, ressignificar conceitos, proposições e princípios sobre os saberes docentes. O importante é movimentar os saberes de várias formas: reunindo-os, sobrepondo-os, aproximando-os, separando-os, isolando-os e unindo-os novamente.

É emergencial criar dispositivos para promover a intersecção entre as disciplinas e das disciplinas com a prática e com os conhecimentos dos professores profissionais. Essa lógica é pertinente, pois os professores, profissionais em atividade docente, mobilizam saberes oriundos de fontes variadas. Borges (2004), em um estudo sobre os saberes profissionais de professores da educação básica, conclui que os saberes desses professores são marcados pela pluralidade em relação

... às fontes sociais das quais se originam, pela heterogeneidade, pela composição, pela hierarquia relativa, pelos aspectos relacionais, afetivos, temporais e assim por diante, que são, ao mesmo tempo, características dos seus saberes profissionais. (p. 287).

Assim, conclui-se que os dados da pesquisa foram reveladores de que a Psicologia da Educação representa uma das fontes do conhecimento que estão na base da profissão docente, integrando, assim, no contexto das reformas, os saberes tidos como necessários. Entretanto, sua inserção pode ocorrer de formas diferentes e, qualquer que seja o lugar dado a ela ou por ela conquistado6, nas propostas de formação, não se pode prescindir de um trabalho pautado pela responsabilidade social com a educação. Conseqüentemente, o seu olhar para os fenômenos educativos é proveniente de um lugar, e esse lugar constitui-se como um campo de conhecimento plural.

Nesta perspectiva, entende-se que o potencial de contribuições da Psicologia para a prática educativa se constitui de diferentes formas: a começar pela sua pluralidade de sistemas teóricos, perpassando pelas possibilidades de diálogo teórico dentro e fora do seu campo de conhecimento (Larocca, 2002) e, ainda, no diálogo com a prática educativa, que pode ser mediado pelo próprio professor, quando ele faz uso da Psicologia.

Portanto, não existe hegemonia nos saberes docentes que estão na base de sua profissão. Há, sim, uma luta por uma contra-hegemonia. A superação do psicologismo na educação não reside na negação da Psicologia na formação, mas no estímulo a mecanismos de formação que explorem novas formas de ensinar e de formar os profissionais de ensino.

Ainda são muitas as dúvidas sobre as possibilidades e limitações da psicologia na formação do professor. No entanto, temos a certeza que não se trata de conferir utilidade prática aos conhecimentos psicológicos, mas de redefinir o sentido e significado deles no contexto da prática educativa. Esses conhecimentos, quando dialeticamente articulados com a prática e com outros referenciais de análise, ultrapassam a concepção de que a ação profissional possa ser entendida como se apenas estabelecesse ações técnicas, à margem da decisão sobre as finalidades pretendidas.

Deve-se considerar que as dificuldades de superar essa perspectiva técnica encontram-se nas próprias práticas formativas que convencionalmente estiveram estruturadas numa concepção disciplinar com pouca flexibilidade e articulação. Tradicionalmente os conhecimentos da Psicologia da Educação, bem como de outras áreas do saber tidas como Ciências da Educação, foram desenvolvidos na formação numa perspectiva linear que concebe que os princípios, conceitos e teorias possam ser aprendidos num primeiro momento e num espaço distantes do contexto da prática e, depois, aplicados em um outro momento e espaço.

Dada a complexidade e multidimensionalidade do ato educativo, é natural que se questione como as Ciências da Educação podem contribuir nas tomadas de decisões no dia-a-dia da sala de aula e da escola. Como possibilitar que o seu ensino não fique restrito à dimensão teórica, deixando de abordar um conteúdo abstrato e distante da realidade dos futuros professores e de seus alunos, bem como seja desprovido de uma reflexão crítica sobre as implicações éticas e educacionais.

A mobilização de conhecimentos das Ciências da Educação pelo professor, para ensinar e favorecer tomadas de decisão, não está circunscrito em um saber constituído apenas pela assimilação de conceitos, princípios e teorias. Ao contrário, o ensino na formação docente deve promover vivências que permitam aos futuros professores perceberem, em situações do cotidiano escolar, as possibilidades de mobilização dos conhecimentos acadêmicos. Devem permeá-los por uma reflexão crítica que promova a articulação dialética entre conhecimento teórico e saber prático - a partir dos contextos concretos da prática, em que os problemas têm origem social e histórica.

Isso significa que os conhecimentos provenientes das Ciências da Educação serão potencialmente significativos quando articulados ao contexto das situações educativas presentes na prática, reconhecendo-se que os atos educativos são "[...] atos sociais, e, portanto, reflexivos, historicamente localizados, e abstraídos de contextos intelectuais e sociais concretos [...]." (Carr & Kemmis, 1988, citado por Fiorentini, 1998, p. 326).

Assim, os conhecimentos provenientes das Ciências da Educação só têm valor se mobilizados numa perspectiva socialmente transformadora que possibilite ao professor enfrentar situações complexas e refletir sobre problemas e possibilidades no contexto no qual ocorrem. A compreensão do ensino, nesta concepção, assume como premissa o papel social da educação e o caráter multidimensional do processo ensino-aprendizagem, pressupondo, assim, uma articulação entre as dimensões política, ética, humana, estética, técnica e cultural. Isso significa assumir que os problemas do cotidiano escolar não se resolvem por meio de um repertório técnico de soluções; antes, exigem do professor um entendimento do contexto específico e singular em que se apresentam, e as decisões são produto da consideração da complexidade, ambigüidade e conflituosidade das situações.

Finalizamos com a certeza de que a Psicologia da Educação precisa ser pensada, nos projetos de formação, como área de conhecimento que se estabelece e adquire sentido por meio das relações com outros saberes. Caso contrário, são muitos os riscos de incorrer-se no psicologismo e no ensino de uma Psicologia abstrata e sem interface com outras disciplinas e com a prática.

 

Referências

Batista, S. H. S. (2006). A interdisciplinaridade no ensino médico. Revista Brasileira de Educação Médica, 30(1), pp. 39-46.        [ Links ]

Borges, C. (2004). O professor da Educação Básica e seus saberes profissionais. Araraquara: JM.        [ Links ]

Borges, C. & Tardif, M. (2001). Apresentação. Educação e Sociedade, 22(74), pp. 11-26.        [ Links ]

Brasil. Conselho Nacional de Educação. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Parecer nº 009, de 8 de maio de 2001.        [ Links ]

Fiorentini, D., Souza , A. J. & Melo, G. F. A. (1998) Saberes docentes: um desafio para acadêmicos e práticos. In C. M. G. Geraldi, D. Fiorentini & E. M. Pereira (Org.). Cartografias do trabalho docente: professor(a)-pesquisador(a). Campinas: Mercado de Letras.        [ Links ]

Laranjeira, M. I., Abreu, A. R., Nogueira, N., & Soligo, R. (1999). Referências para a formação de professores. In M. A. V. Bicudo, & C. A. da Silva Junior (Orgs). Formação do educador e avaliação educacional (Vol 1). São Paulo: Unesp.        [ Links ]

Larocca, P. (2002). Psicologia e Prática pedagógica: o processo de reflexão de uma professora. Tese de Doutorado em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.        [ Links ]

Lei nº 9.394 (1996, 20 de dezembro). Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União. Brasília: Gráfica do Senado, ano CXXXIV, NL. 248, 23/12/96, PP27833 - 41.        [ Links ]

Pombo, O. Interdisciplinaridade: conceito, problemas e perspectivas. Recuperado em 30 de outubro, 2005, de http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/mathesis.        [ Links ]

Shulman, L. S. (2004) Knowledge and teaching: foundations of the new reform In L. S. Shulman (Org.). The wisdom of practice: essays on teaching and learning to teach (pp. 1-14). San Francisco: Jossey-Bass. (Originalmente publicado em 1987)        [ Links ]

Tardif, M. (2002). Lugar e sentido dos conhecimentos universitários na formação dos profissionais do ensino. In S. L. Garrido, M. I. Cunha & J. G. Martini (Org.). Os rumos da Educação Superior (pp. 75-112). São Leopoldo: UNISINOS.        [ Links ]

 

 

Enviado em Novembro/2007
Aceite em Abril/2008
Publicado em Junho/2009

 

 

1 Em levantamento realizado na web para a escolha dos cursos, as Licenciaturas em Matemática destacaram-se por disponibilizar informações abrangentes sobre o Projeto de Formação do curso.
2 Os conteúdos apresentados no quadro não serão analisados neste artigo.
3 Professor Psi é referente ao professor de Psicologia da Educação.
4 Por convencional, entende-se a matemática que é apresentada para o aluno como um produto pronto, em que o professor explica as fórmulas, axiomas, e os alunos resolvem os problemas e exercícios com o apoio do livro didático.
5 Professor Especialista refere-se ao professor da área específica de Matemática.
6 Conquistado no sentido de que a Psicologia da Educação se efetiva pelo trabalho que os professores formadores realizam. E no campo do currículo existe um movimento de forças, interesses, escolhas e lutas.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons