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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
versão impressa ISSN 1808-5687
Rev. bras.ter. cogn. vol.9 no.1 Rio de Janeiro jun. 2013
https://doi.org/10.5935/1808-5687.20130008
ARTIGOS DE REVISÃO
São os terapeutas construtivistas idealistas?
Are the constructivist therapists idealistic?
Matheus Caiano Simões AmorimI; Gustavo Arja CastañonII
IMestre em Psicologia - (Psicólogo clínico) - Juiz de Fora - MG - Brasil
IIDoutor em Psicologia - (Professor adjunto do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Juiz de Fora e professor do Programa de Pós-graduação em Psicologia da mesma instituição)
RESUMO
Este artigo aborda o tema do arcabouço conceitual da terapia construtivista e, mais especificamente, de suas afiliações epistemológicas. Inicialmente, parte-se de um breve histórico do construtivismo como posição filosófica, seguido da sua definição que defende o sujeito como ativo na construção das suas representações da realidade. Depois, são descritas as características e os fundamentos conceituais da psicoterapia construtivista. Tal enfoque constituiu-se em um marco na psicoterapia e concebe processos psicológicos como sendo primariamente afetivos, devendo seu nome à concepção acerca do ser humano como ativo, e não passivo, na construção do conhecimento e dos significados na experiência vivida. Em seguida, são apresentados os pressupostos epistemológicos declarados como base por alguns dos principais terapeutas construtivistas (Mahoney, Greenberg, Gonçalves, Neimeyer e Guidano). Conclui-se que a psicoterapia construtivista apresenta importantes diferenças em suas bases epistemológicas, principalmente no que diz respeito à relação sujeito e objeto do conhecimento. No entanto, pode-se estabelecer que, apesar da falta de clareza ontológica de seus principais autores, a maior parte da abordagem rejeita o idealismo de que muitas vezes é acusada.
Palavras-chave: construtivismo, epistemologia, terapia construtivista.
ABSTRACT
This article addresses the issue of the conceptual framework of Constructivist Therapy, and more specifically, of its epistemological affiliations. Initially, we start from a brief history of constructivism as a philosophical position, followed by its definition that defends the subject as active in the construction of its representations of reality. The article then describes the characteristics and conceptual foundations of constructivist psychotherapy. This approach constituted a milestone in psychotherapy and conceives psychological processes as primarily affective, having its name begotten by the conception of the human being as active, not passive, in the construction of knowledge and meaning in livelihood experience. Then the epistemological assumptions as stated by some of the constructivist therapists (Mahoney, Greenberg, Gonçalves, Neimeyer and Guidano) are presented. We conclude that constructivist psychotherapy presents important differences in its epistemological basis, especially regarding the relationship between subject and object of knowledge. However, we can establish that despite the lack of ontological clarity of its major proponents, the majority of this approach rejects the idealism of which it is commonly accused.
Keywords: constructivism, constructivist therapy, epistemology.
O enfoque construtivista nas terapias cognitivas se constituiu em um marco da revolução em psicoterapia. No entanto, ainda existem algumas lacunas na terapia construtivista em relação a seus fundamentos epistemológicos. Logo, tornase importante esclarecer essas dificuldades teóricas a fim de um entendimento tanto da teoria quanto da prática dessa abordagem. O problema discutido neste artigo se refere às posições epistemológicas assumidas pela abordagem da terapia construtivista em psicoterapia, visto que, desde o seu surgimento, as publicações e as discussões acerca das bases epistemológicas dessa abordagem psicoterápica são poucas e confusas. Logo, o problema específico deste trabalho é delimitar quais as semelhanças e as diferenças nos pressupostos epistemológicos assumidos pelos principais autores da terapia cognitiva construtivista.Assim, seu objetivo geral é esclarecer as posições epistemológicas assumidas explícita ou implicitamente pelos principais autores da terapia construtivista.
A psicoterapia construtivista apresenta importantes diferenças em suas bases epistemológicas, de maneira que os pressupostos que dizem respeito à relação observador/observado e sujeito/objeto, à noção de realidade, conhecimento e verdade e aos aspectos da interação entre organismo e ambiente apresentam grandes variações. Dessa forma, acredita-se que existem diferenças entre os alicerces epistemológicos da terapia construtivista.
O construtivismo, como enfoque terapêutico, é recente, de forma que sua produção teórica tem crescido significativamente. No entanto, embora ainda esteja em expansão, prevalece uma grande obscuridade em relação a suas posições epistemológicas, havendo poucas publicações a seu respeito e a necessidade de um entendimento filosófico mais consistente em relação à vinculação aos pressupostos epistemológicos assumidos pelos autores da terapia construtivista, uma vez que a própria prática psicoterápica não tem sentido sem um entendimento epistemológico acerca de qual concepção da realidade e das formas de obter conhecimento encontra-se, de modo implícito, na técnica. Além disso, o respaldo e o embasamento teóricos contribuirão para um futuro exame de eficácia da abordagem construtivista em terapias cognitivas, objetivando o exercício de novas pesquisas.
CONSTRUTIVISMO: BREVE HISTÓRICO
Para Mahoney (2005), entre os defensores mais antigos de alguma forma de construtivismo se encontram Lao Tse (século VI a.C.), Buda (560-477 a.C.) e o filósofo Heráclito (540-475 a.C.). Os escritos do filósofo Lao Tse enfatizavam a estrutura receptiva e flexível da mente, e ele, seguro de um ritmo inerente em todas as coisas, recomendava viver em harmonia com o fluir. Tal como Heráclito, também considerava que os opostos coexistiam; essa ideia é expressada no símbolo visual do Tao, que representa dois opostos entrelaçados entre si (yin e yang).
O construtivismo é uma vertente filosófica que apareceu no Ocidente com os escritos de Giambattista Vico e se define como uma família de teorias que dão ênfase a pressupostos inter-relacionados acerca da experiência humana. Esses pressupostos defendem que o ser humano é participante ativo na elaboração do sistema de conhecimento individual, na estruturação e no direcionamento de suas próprias atividades, e não passivo reativo na sua própria experiência. Ademais, a experiência e o desenvolvimento psicológico individual refletem um curso de processos auto-organizadores que tendem a padronizar o que é vivido e, claro, são influenciados pelos sistemas sociais (Mahoney, 1997b, 1998).
Outro filósofo fundamental para a compreensão do construtivismo contemporâneo é Immanuel Kant (Castañon, 2006, 2009;VonGlasersfeld, 1984; Mahoney, 2004). Kant (2001) sustenta o processo de conhecimento como a organização ativa por parte do sujeito do material que é captado pelos sentidos, impondo a este as formas da sensibilidade e as categorias do entendimento. Ou seja, para o construtivismo, o sujeito constrói suas representações dos objetos, e não recebe passivamente impressões causadas por eles. O sujeito, então, é entendido como proativo, e não como um recipiente passivo de estímulos do ambiente.
Talvez o pensador mais importante para a definição do construtivismo de nossos dias seja o criador do termo, Jean Piaget (1967), que, em sua obra Logique et Connaissance Scientifique, introduziu o termo "construtivismo" a partir da sua epistemologia genética (Von Glasersfeld, 1998). A epistemologia genética (Piaget, 1973) aborda algumas questões da teoria do conhecimento por meio da investigação da gênese das estruturas cognitivas do sujeito. Para ele, a construção do conhecimento ocorre por meio da interação necessária entre o sujeito que conhece e o objeto conhecido, sendo o primeiro, ativo e a partir da ação, que constrói suas representações de mundo interagindo com o objeto do conhecimento. Isso implica que, além das representações do objeto, o sujeito constrói as próprias estruturas mentais, por meio das quais posteriormente construirá as representações do objeto. Mas a ideia de sujeito ativo na construção de suas representações da realidade generalizou-se na filosofia a partir da Crítica da razão pura, de Kant (2001). A inversão do sentido na relação entre sujeito e objeto presente em Kant é, de forma geral, considerada a raiz do construtivismo contemporâneo (Mahoney, 2004; Von Glasersfeld, 1984).
O desenvolvimento das visões construtivistas em psicologia ocorreu de forma independente daquele que tiveram nas ciências cognitivas até as duas últimas décadas. Antes de 1955, os trabalhos acerca do construtivismo estavam sob o domínio de teóricos cognitivos e da psicobiologia até que George Kelly publicou sua obra The Psychology of Personal Constructs, ganhando popularidade no mundo todo (Mahoney, 1997b). Kelly destacava tanto as opções como os padrões na auto-organização da personalidade, os constructos (processos de ordenamento) mostravam aspectos dinâmicos em contínua mudança; e converteu sua teoria em um enfoque psicoterapêutico no qual o papel do terapeuta consiste em desafiar habilmente a forma como o cliente constrói a si mesmo, aos outros, ao mundo e suas possíveis relações (Mahoney, 2005).
O construtivismo continuou a crescer durante a segunda metade do século XX. Em 1996, foi fundada a Society for Constructivism in the Human Sciences para promover as evoluções teórica, empírica e prática que corroboram a concepção de um ser humano ativamente complexo, socialmente enraizado e dinâmico que auto-organiza seus sistemas.Vários foram os que contribuíram para essa Sociedade, como Walter Truett Anderson, Albert Bandura, Jerome S.Bruner, James F.T. Bugental, Donald H. Ford, Viktor E. Frankl, Kenneth J. Gergen, Vittorio F. Guidano, Hermann Haken, Yutaka Haruki, Humberto R. Maturana, Joseph F. Rychlak, Francisco J.Varela, Heinz Von Foerster, Ernst Von Glasersfeld e Walter B. Weimer (Mahoney, 2004, 2005).
CONSTRUTIVISMO: DEFINIÇÕES
Um problema fundamental para esclarecer o conceito de construtivismo é o da posição acerca da natureza da realidade, sendo esta a raiz da desavença epistemológica entre o objetivismo e o construtivismo. Segundo as posições objetivistas, a realidade é externa, independente do sujeito, e seus aspectos são passiveis de serem conhecidos pela ciência. Para o construtivismo, a ciência cria a realidade no decorrer de sua prática (Watzlawick, 1984;Von Glasersfeld, 1998). O construtivismo filosófico oferece uma resposta para a questão da origem do conhecimento e da natureza da realidade. Seguindo a concepção de construtivismo da obra de Piaget (1973), as pessoas criam hipóteses sobre a realidade, e mesmo que a nossa relação com ela se dê por meio dessas hipóteses, a realidade se revela independente destas, mas elas influenciam as nossas sensações.A definição de construtivismo diz respeito a uma tese epistemológica e não ontológica, uma vez que o que está em questão é o processo de obtenção de conhecimento e não a posição acerca da natureza do objeto do conhecimento.Tais teses dizem que as representações da realidade são construídas e condicionadas pela mente. As hipóteses acerca de como o objeto funciona podem ser substituídas e alteradas uma vez que sejam percebidas como inadaptadas, e o objeto não determina suas representações no sujeito - o que de forma complementar define o construtivismo a partir de sua oposição conceitual ao objetivismo, pois o objeto não determina completamente as representações que o sujeito (passivo) tem dele (Castañon, 2009).
Portanto, podemos concluir que o construtivismo, por se tratar de uma tese epistemológica, se divide em vertentes ontológicas realistas e idealistas sobre a natureza do objeto do conhecimento. Em suma, a ideia básica do que chamamos de construtivismo é a de um sujeito ativo, que constrói, organiza e dá forma às suas representações de mundo, as quais, por sua vez, se adaptam a sua estrutura cognitiva.
Uma vez abordado o assunto da relação sujeito-objeto do conhecimento e a possibilidade ou não desse conhecimento acerca dos objetos, torna-se necessário definir alguns conceitos ontológicos quanto à natureza do objeto (realismo e idealismo), à origem do conhecimento (racionalismo e empirismo) e à possibilidade do conhecimento (criticismo e relativismo), a fim de melhor respaldar a definição do construtivismo como tradição epistemológica e filosófica. Tais conceitos representam um ponto-chave, pois se relacionam diretamente com a problemática deste trabalho, além de ser a luz desses conceitos, à qual será norteada a análise epistemológica da terapia cognitiva construtivista. Para isso, no entanto, não se faz necessário nada além de definições.
Realismo e Idealismo
Realismo é entendido como o ponto de vista epistemológico que defende a existência de coisas reais independentes da consciência (Hessen, 2000). Então, percebe-se que a tese fundamental do realismo é a independência de objetos reais com respeito às percepções, a propriedade do objeto independe de uma consciência. Em resumo, conforme Mora (2001), o realismo se refere às posições que admitem que haja uma realidade objetiva, independente da consciência do sujeito - exterior, determinada e autônoma.
No que se refere ao idealismo, este equivale à concepção de que não existem coisas reais, independentes da consciência. Toda a realidade aqui está na consciência do sujeito, de maneira que as coisas são os conteúdos da consciência, ou seja, o ser das coisas refere-se ao conteúdo da consciência do sujeito (não há como ser independente da consciência) (Hessen, 2000). A tese mais central do idealismo consiste em adotar não o mundo ou as coisas exteriores, mas o ser, o sujeito, a consciência, o "eu representativo".Assim, o idealismo começa no sujeito.As coisas que se declaram como reais serão aquelas cognoscíveis, pois, para o idealismo, "ser" significa basicamente ser dado à consciência no sujeito, ser conteúdo dela e estar contido nela (Mora, 2001; Japiassú & Marcondes, 2001). Concluindo, realismo e idealismo, na relação do sujeito com o objeto do conhecimento, defendem teses contrárias sobre a natureza do objeto (real ou ideal).
Racionalismo e Empirismo
Define-se como racionalismo a concepção de que o pensamento e a razão são as principais fontes de conhecimento. Então, um conhecimento é autêntico se a razão julga dessa forma, possuindo necessidade lógica e validade universal. O conteúdo do conhecimento é deduzido por princípios lógicos, e é mérito e característica do racionalismo a importância dos fatores racionais no conhecimento humano (Hessen, 2000; Japiassú & Marcondes, 2001).
O empirismo se contrapõe à tese racionalista afirmando que a única fonte do conhecimento humano, direta ou indiretamente, é a experiência sensível (interna ou externa), as sensações e as percepções (Japiassú & Marcondes, 2001; Mora, 2001). Sendo assim, em antítese, o pensamento não tem nenhum privilégio, uma vez que a consciência não retira seus conteúdos da razão. Todos os conceitos (universais e abstratos) e os conteúdos são provenientes exclusivamente da experiência. Abbagnano (2007) expõe que o racionalismo defende a tese da necessidade da razão; já para o empirismo, essa necessidade não existe e, portanto, toda e qualquer concatenação de verdades deve ser posta à prova.
Criticismo e Relativismo
O criticismo procura instaurar um uso justo da razão após fazer uma triagem do que lhe é possível e, ao colocar a questão do que é o conhecer, afirma que o sujeito não apreende as coisas como são em si, mas as submete à sua lei, às formas a priori da sensibilidade e às categorias do seu entendimento (Japiassú & Marcondes, 2001; Abbagnano, 2007). Nesse sentido, o criticismo defende que nossas representações se referem a objetos que existem independentes de nossa mente e que, de alguma forma, influenciam nossas teorias sobre eles (Castañon, 2009).
O relativismo é definido por Japiassú e Marcondes (2001) e Mora (2001) como a doutrina que considera todo conhecimento relativo como sendo dependente do contexto e variando de acordo com as circunstâncias, a cultura e a época. Assim, é impossível estabelecer um conhecimento absoluto e uma certeza definitiva de caráter universal. O sujeito tem ação condicionante sobre os objetos do conhecimento, ou seja, todos os objetos existem e podem ser conhecidos apenas em relação com as faculdades humanas. Em outras palavras, os fenômenos só subsistem em relação com o sujeito cognoscente. Desse ponto de vista, são negadas as verdades absolutas de modo que essas são sempre relativas ao homem (Abbagnano, 2007).
Enquanto o ceticismo ensina que não há verdade alguma, o subjetivismo e o relativismo consideram que ela existe, porém é limitada por não pressupor alguma que seja universalmente válida (Hessen, 2000). O subjetivismo restringe a validade da verdade ao sujeito que conhece e é definido como a doutrina que reduz a realidade ou os valores a estados do sujeito. Então, considera as coisas segundo um ponto de vista subjetivo e pessoal, privilegiando o sujeito na relação de conhecimento em detrimento do objeto - oposto ao que é defendido pelo objetivismo. Nesse sentido, o subjetivismo é uma forma de idealismo porque reduz a realidade das coisas às ideias, às representações e às percepções do sujeito, sendo impossível à consciência alcançar a objetividade (Japiassú & Marcondes, 2001; Abbagnano, 2007). O subjetivismo ancora o conhecimento humano no sujeito e desloca o mundo das ideias para ele, sendo que não é do objeto, mas desse sujeito que a consciência cognoscente recebe seus conteúdos. Então, não há objetos independentes da consciência, tampouco nenhum ser real independente do pensamento; ao contrário, todos os objetos são produtos da consciência (Hessen, 2000).
CARACTERÍSTICAS E FUNDAMENTOS CONCEITUAIS DA TERAPIA CONSTRUTIVISTA
Existem muitas expressões diferentes da psicoterapia construtiva. Algumas delas refletem o legado das tradições cognitivo-comportamentais, outras descansam nos enfoques humanístico-existenciais. Ademais, a prática psicoterápica desse ponto de vista supõe aceitar a legitimidade da sua diversidade.A terapia cognitiva construtivista inclui uma variedade de técnicas dirigidas aos processos de mudança dos padrões de experiência, mas não se define por alguma técnica específica, e sim pela maneira como as diferentes técnicas se adaptam ao indivíduo e ao ritmo do desenvolvimento. Em suma, o objetivo principal dessa abordagem psicoterapêutica é proporcionar estímulo compassivo e apoio profissional enquanto os indivíduos trabalham para organizar a si mesmos e as suas vidas. Ainda mais importante, o enfoque cognitivo-construtivista em psicoterapia reconhece a relevância das relações humanas no bem-estar global (Mahoney, 2005).
Como já mencionado, a perspectiva construtivista retrata o sujeito como um complexo ativo de sistemas dentro de sistemas que buscam preservar e elaborar sua viabilidade e coerência diante dos desafios da vida. Isso significa que cada sujeito é entendido a partir da singularidade dos contínuos processos auto-organizadores que implicam uma visão acerca dos problemas com respeito e compaixão e da pessoa como expert em relação às suas próprias vivências. Isso não implica uma compreensão total em si mesmo ou do paciente, mas proporciona o acesso às informações e às experiências importantes para o projeto de terapia.A aliança terapêutica como um relacionamento ativo de confiança, respeito mútuo e cuidado é fundamental para a mudança psicológica (Mahoney, 1998). Logo, do ponto de vista construtivista, a psicoterapia pode ser entendida como a criação intencional de um sentido narrativo que pode transformar a construção de experiências por meio do diálogo colaborativo (Feixas & Botella, 2004).
Neimeyer (1997b, 2002) propõe que, para conhecer o construtivismo, é útil questionar o que é a psicoterapia sob a lente construtivista. Ela pode ser definida como uma sutil troca e negociação de significados (inter)pessoais que é feita a partir da articulação, da elaboração e da revisão das construções do cliente usadas para organizar sua experiência. Essa definição enfatiza a sensibilidade com a qual o terapeuta abarca o mundo experiencial, as bases discursivas e dialógicas da interação e as indagações entre terapeuta e cliente. Apesar das singularidades, essas ênfases na psicoterapia refletem uma busca humana por correlações, conexões e mutualidade, as quais têm a linguagem como base comum. Embora o trabalho psicoterápico concebido nesses padrões possa ter diferentes objetivos concretos, isso envolve unir-se ao cliente para o desenvolvimento de um mapa refinado das construções que não estão articuladas a fim de definir os cursos viáveis de ação e ampliar tais construções para aumentar o número de mundos possíveis.
No enfoque cognitivo pós-racionalista, conforme Guidano (1987, 1995, 2001), a mudança terapêutica se dá pela construção de um equilíbrio progressivo como resultado de uma reorganização do significado pessoal, ou seja, na reorganização das categorias emocionais que resultam críticas para a pessoa. Por isso, uma das principais tarefas da psicoterapia é simbolizar a experiência emocional subjetiva de modo a produzir uma experiência emocional de tal maneira que favoreça a consciência da emoção e, em seguida, a integração à razão. Tal integração é a chave para a mudança terapêutica, que é produzida na medida em que, estando os esquemas emocionais em funcionamento, se tornam acessíveis para que as novas experiências sejam acomodadas por eles (Greenberg, 1998, 2006, 2008).
TERAPIA CONSTRUTIVISTA E EPISTEMOLOGIA
Agora ofereceremos uma avaliação dos pressupostos e das teses epistemológicas aceitas pelos terapeutas construtivistas. Para isso, serão abordadas a seguir a definição de epistemologia e a questão dos fundamentos das duas grandes correntes centrais da terapia construtivista, o construtivismo radical e o construtivismo crítico. Então, a partir dessas, será realizada uma análise epistemológica dos autores em termos da aderência ou não a essas teses.
Epistemologia: Definição
Mora (2001) propõe que os termos epistemologia e gnosiologia são frequentemente considerados sinônimos e se referem à teoria do conhecimento. O problema, cujo tratamento é o tema específico da teoria do conhecimento apontado por Abbagnano (2007), é a realidade das coisas, ou, em geral, o mundo externo. O conceito de epistemologia serve para designar seja uma teoria geral do conhecimento de natureza filosófica, sejam estudos restritos sobre a gênese e a estruturação das ciências. No pensamento anglo-saxão, a epistemologia é conhecida pelo nome filosofia da ciência. Em outras palavras, ela se interessa pelo problema do conhecimento científico. Logo, podemos defini-la como a disciplina que toma por objeto não mais a ciência verdadeira que estabelece as condições de legitimidade, mas as ciências em seu processo de gênese, formação e estruturação progressiva (Japiassú & Marcondes, 2001).
Ao referir-se à teoria do conhecimento, a epistemologia questiona a natureza do conhecimento, as suas origens e as formas de validação, e pode ser concebida como uma explicação e interpretação filosófica do conhecimento humano que estuda a organização do processo de conhecer e do conhecimento acerca dos fenômenos (Opazo & Suárez, 1998).
Construtivismo Radical
Podemos definir construtivismo radical como uma tese filosófica sobre o conhecimento que rompe com as posições da epistemologia ao defender novos significados para os conceitos de verdade, realidade e conhecimento.Assim, o construtivismo radical pode ser resumido por duas proposições, como aponta Glasersfeld (1989, 1996).A primeira é a de que o conhecimento não é passivamente recebido pelos sentidos; e a segunda afirma a cognição como adaptativa e com a finalidade de organizar o mundo experiencial do sujeito, e não de descobrir uma realidade objetiva. Essa proposição confere o caráter de radicalidade do construtivismo radical, uma vez que o conhecimento deixa de resultar na correspondência entre pensamento e realidade e passa a ser encarado como uma forma de adaptação cognitiva.
Dessa forma, podemos sintetizar o construtivismo radical de Von Glasersfeld (1984) em quatro teses: 1 - o ceticismo ontológico e a denúncia do realismo acrítico defendido pela ciência moderna; 2 - só acessamos o mundo experiencial das nossas construções e sensações; 3 - a troca do conceito de verdade pelo de viabilidade na relação de conhecimento, pois não buscaríamos a verdade, mas a adaptabilidade de nossas crenças; e 4 - essa adaptabilidade não ocorre em função da correspondência com o mundo externo, mas pela consistência interna com nossas crenças (Mazzoni & Castañon, no prelo).
O princípio básico do construtivismo radical baseia-se em que qualquer tipo de conhecimento depende das estruturas daquele que conhece (Arendt, 2003). Isso é compartilhado por Efran e Fauber (1997) ao dizerem que o construtivismo radical insiste em uma batalha epistemológica extrema e ao sustentarem que é idealista por não se preocupar com a natureza em si da realidade.
O construtivismo radical, portanto, é radical porque rompe e desenvolve uma teoria do conhecimento em que ele não reflete uma realidade ontológica "objetiva" (Von Glasersfeld, 1984). Ou seja, os construtivistas radicais não acreditam em uma teoria representacional do conhecimento na qual os indivíduos constroem cópias ou representações de uma realidade externa. Os conceitos não têm ligação representacional com nada que exista fora do sistema do conhecedor. Dessa forma, se não acessamos a realidade, mas apenas nossas representações, então se trata de uma posição solipsista, na qual o sujeito está isolado do mundo e dos outros.
Construtivismo Crítico
Como postulado central, o construtivismo crítico assume a existência de um mundo real além do sujeito cognoscente, todavia esse mundo real nunca pode ser conhecido diretamente. Assim, cada unidade de conhecimento, antes de ser uma cópia do mundo real deve ser considerada como um produto da interação entre o sujeito conhecedor e o objeto conhecido, ambos igualmente reais. Dessa forma, segundo a conceituação do construtivismo crítico, os seres humanos conhecem por meio de unidades de conhecimento que envolvem a biologia e o ambiente, muito embora não possamos conhecer as coisas em si. Sendo assim, os construtivistas críticos não são inventores radicais nem idealistas subjetivos no processo do conhecimento. Ou seja, as leis são maneiras de descobrir elementos para operar a realidade, e não invenções subjetivas (Opazo & Suárez, 1998).
Em termos precedentes, o construtivismo crítico se situa em algum ponto entre os polos do continuum entre o realismo ingênuo e o construtivismo radical. Portanto, não adere a proposições rígidas, dogmáticas, otimistas ou ingênuas de um acesso à realidade nem a posturas idealistas ou radicais. Nesse contexto, o conhecimento passa a ser menos do que uma cópia rigorosa da realidade e mais do que uma mera invenção subjetiva (Opazo & Suárez, 1998).
ANÁLISE DOS PRESSUPOSTOS EPISTEMOLÓGICOS DOS TERAPEUTAS CONSTRUTIVISTAS
Michael Mahoney
Esse autor defende que a construção da realidade pessoal ocorre em uma inter-relação com o ambiente, assim, argumenta que a identidade não é isolada da coerência histórica nem dos sistemas sociais, de forma que as autoconcepções e as autoconceituações dos indivíduos estão inseridas, são expressas e emergem socialmente por meio da linguagem, de certo modo limitada, e dos símbolos (Mahoney, 1998, 2004, 2005). Logo, para Mahoney, sociabilidade, capacidade simbólica e identidade são inseparáveis. Em outras palavras, os processos de ordenamento nucleares dizem respeito à realidade, além das emoções e do sentido de continuidade pessoal. Além disso, ao usar o termo "cocriar" (Mahoney, 1989), o autor sustenta que ambiente e organismo constroem um ao outro - pessoas e realidades são criadas reciprocamente -, adotando a perspectiva de um indivíduo que é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto de construção (Mahoney, 1998, 2004, 2005; Mahoney & Granvold, 2005).
Se os seres humanos constroem teorias e hipóteses sobre a realidade e a identidade é indissociável do ambiente e do meio social, então Mahoney (1998, 2004, 2005), acerca da natureza do objeto na relação do conhecimento, adere declaradamente ao realismo. Ele ainda afirma que a validade do conhecimento, na metateoria construtivista, representa a demarcação entre o construtivismo crítico, que adota um realismo crítico, e o radical, que não reivindica sobre a realidade. Este último, para o autor, é um tipo de idealismo porque nega a existência da realidade, e se opõe a isso explicitamente ao declarar que se adere ao construtivismo crítico que não rejeita um mundo real (Mahoney, 1988, 1989). Se os construtivistas críticos são realistas e ele assume o construtivismo crítico, então Mahoney é realista.
No entanto, afirma que o conhecimento da realidade é limitado, ou seja, considera uma realidade independente do sujeito, que julga hipóteses sobre ela a partir das propriedades dos conteúdos perceptivos (Mahoney, 1988). Dito de outra forma, as crenças e as teorias não são cópias da realidade, e sim modelos que são falsificados, exigindo do sujeito uma nova construção. Daí resulta que, se o sujeito submete as coisas à sua lei, ao entendimento, às teorias e às formas de sensibilidade que são influenciadas por objetos que existem fora da sua consciência, então, implicitamente, Mahoney é criticista acerca da possibilidade do conhecimento. Como criticista, não é cético (desconfia da razão sem crítica) nem dogmático (confia cegamente na razão), supõe que o conhecimento é possível e não acredita em qualquer conhecimento absoluto.
Mahoney (1997a) diz que é ambígua a distinção sobre as questões do conhecimento, assim como os limites entre o externo e o interno. Ao citar e notoriamente ressaltar a importância da obra de Friedrich Hayek The Sensory Order, especificamente no que diz respeito ao programa empirista no que tange aos resultados das categorizações que criam uma ordem sensorial por meio da experiência (Mahoney, 1997b), ele estaria aderido a um tipo de construtivismo mais próximo de um empirismo moderado ou crítico, no qual o conhecimento precisa ser examinado por algum esquema ou conceito. Enfim, Mahoney é realista, criticista, construtivista crítico, mas parece pouco consistente sobre a sua tese da origem do conhecimento.
Leslie Geeenberg
Na ótica desse autor, as pessoas orientam sua complexidade interna por meio de interações com o meio. A perspectiva de Greenberg e Pascual-Leone (1997) se diferencia das demais, segundo ele, ao conferir maior importância ao mundo externo e ao contato com ele, e ao dar mais relevância à experiência na construção dos significados. Além disso, é explícita a sua crítica ao idealismo na medida em que não assume categorias ideais a priori na mente para determinar a realidade e a experiência (Greenberg & Pascual-Leone, 1997). Vemos aqui, explicitamente, uma adesão ao realismo ontológico por conceber a existência das coisas independente do sujeito, isso e consequentemente a sua crítica ao idealismo classificam que Greenberg é um construtivista crítico. Vamos a mais argumentos.
Segundo ele, certas ações da realidade são experienciadas na construção da experiência de forma que os processos psicológicos são resultantes dela. Vemos aqui novamente o realismo no que se refere à natureza do objeto. Greenberg defende um construtivismo mais dependente dos sentidos que seus colegas de terapia construtivista. Para ele, indiretamente, a fonte de conhecimento é a experiência, interna ou externa, as sensações e as percepções na medida em que ativam o repertório esquemático, organizam a realidade e sintetizam os fatos. A experiência, para o autor, serve para construir os objetos e os esquemas mais complexos com as resistências da realidade, ou seja, a experiência é modificada, corrigida ou abandonada (Greenberg & Pascual-Leone, 1997). Em tese, ele é claramente construtivista crítico, uma vez que as representações são construídas pelo sujeito com base nos sentidos.
Por fim, Greenberg e Pascual-Leone (1997) afirmam que sua visão construtivista vai além das perspectivas radicais, pois reconhece as imposições da realidade nas construções mentais. Isto é, as pessoas têm representações de objetos que existem independentemente da mente que, com as imposições da realidade, são submetidas às categorias do seu entendimento. Logo, esse pressuposto refere-se ao criticismo quanto à possibilidade de conhecer. Em tese, Greenberg é realista e, por isso, construtivista crítico e criticista.
Óscar Gonçalves
Para esse autor, o conhecimento é de origem hermenêutica pelo fato de a construção de significados remeter a uma realidade, mesmo que caracterizada pela diversidade. O conhecimento, então, é uma construção constante entre conhecedor e conhecido e limitada por espaço, tempo e cultura (Gonçalves, 1998).Assim, adere ao construtivismo no problema da origem do conhecimento. Nota-se que, na concepção de Gonçalves, não há uma verdade universalmente válida e absoluta e todo conhecimento é relativo, depende das circunstâncias e varia de acordo com a cultura, logo, ele é relativista sobre a possibilidade de conhecer.
Gonçalves (1997) também critica os construtivistas radicais ao chamá-los de solipsistas e aponta a visão dialética dos construtivistas críticos, que são fundamentalmente realistas, pois não negam que exista um mundo real. Ele se contrapõe à visão que denomina de "constrangimento unirrealista", defendida pelo realismo e pelo objetivismo, e argumenta serem formas extremas de idealismo e subjetivismo. Ora, uma coisa é afirmar que é o objeto que determina as representações no sujeito, como no objetivismo, outra é considerar o ponto de vista subjetivo e pessoal na relação de conhecimento, como no subjetivismo e, de forma geral, no idealismo, e ainda outra é afirmar que existem coisas reais independentemente da mente, como no realismo. Isso aponta uma confusão conceitual, pois, uma vez que realismo e idealismo são teses ontológicas sobre a natureza do objeto, o subjetivismo é uma forma de idealismo e o objetivismo é uma tese epistemológica sobre a obtenção do conhecimento, oposta ao construtivismo. No entanto, ao criticar o construtivismo radical e aderir à tese de que existe uma realidade independente do sujeito, Gonçalves é realista.
Analisemos a consistência do autor a respeito da origem do conhecimento. Gonçalves (1998) propõe uma aproximação do conhecimento à existência sustentada pela visão experiencialista da cognição, ou seja, se o conhecimento é construído em interação e limitado pela experiência sensível, temos uma posição construtivista crítica.
Por fim, Gonçalves é relativista, realista (mas confuso teoricamente sobre realismo, idealismo, subjetivismo e objetivismo), e, por isso, um construtivista crítico.
Robert Neimeyer
Neimeyer (1997a) também defende a existência de uma realidade externa definida por expressões e ações propiciadas pela cultura, de modo que há diversas realidades nos contextos social e individual, e se opõe a versões construtivistas do tipo solipsistas/idealistas (Neimeyer, 1993). Para ele, não é possível um conhecimento válido e universal e devemos recorrer aos recursos de nosso tempo e espaço para negociar os significados com o mundo social, ou seja, a construção do conhecimento é influenciada pelo papel do meio ambiente, que pode desconfirmar as construções do sujeito (Neimeyer, 1998). Se Neimeyer defende a existência de coisas reais que independem da mente do sujeito cognoscente, logo, é um realista, e também aderido ao construtivismo crítico. Todo conhecimento na visão de Neimeyer (1997a) é relativo, não há certezas de caráter universal, e depende do contexto, variando conforme as circunstâncias e os valores de determinada cultura, época, espaço e tempo, sendo assim, implicitamente, é relativista, mas não subjetivista.
Para o autor, as pessoas percebem padrões originários no mundo da experiência e, conferindo sentido a ela a partir da atribuição de significado, categorizam dados e fazem distinções provenientes da experiência que estruturam o sistema em uma auto-organização maior. De forma explícita, a fonte do conhecimento, diretamente ou não, é a experiência interna ou externa, sendo inútil formar conceitos independentes da experiência, que pode ser verificada e modificada conforme a atribuição de sentido (Neimeyer, 1997a).
Neimeyer é aderido ao realismo ontológico, ao construtivismo crítico e ao relativismo como possibilidade de conhecer.
Vittorio Guidano
A experiência humana se caracteriza pelo modo de recepcionar e reordenar certos aspectos da realidade, dando significados específicos e tonalidade emotiva estreitamente relacionada com o sentido de si e as expectativas relacionadas, ou seja, um mesmo evento ou circunstância pode ser visto e vivido de maneiras profundamente distintas e dar lugar a reações emotivas particulares e diferenciadas, segundo o sujeito que o vive. Embora o ser humano viva em uma realidade social compartilhada, ele constrói ativamente, em um nível superior à sua percepção, uma visão própria, única e individual (Lagomarsino & Perfetti, 2002).
Nota-se que, para Guidano, a organização da realidade é autorreferente, ou seja, um sistema cria sua ordem interior que estrutura sua realidade própria, disso resulta que, para ele, os organismos são teorias de seu ambiente e a percepção de um objeto e a experiência não se referem às qualidades intrínsecas do objeto percebido, mas refletem o mundo de significados próprios (Guidano, 1990, 1991b, 1998, 2001). O conhecimento, então, consiste na capacidade de auto-organização, de maneira que ordenar o mundo é inseparável de experienciá-lo. Assim, a maneira de conhecer e experimentar o mundo depende de quem o conhece, pois é sempre considerado do ponto de vista do sujeito. Em outros dizeres, para Guidano, conhecer é existir. A realidade é constituída pelo sujeito conhecedor (Guidano, 1990, 2001).
Dito isso, o que se fundamenta é que Guidano é, explícita e declaradamente, um idealista acerca da natureza do objeto, pois toda a realidade para ele está na consciência do sujeito, sendo a consciência independente de coisas reais. Se a realidade é formada pela consciência do sujeito e conhecer é existir, então "ser", como na tese idealista, é estar contido na e ser dado à consciência do sujeito.
As representações do mundo externo são definidas por uma autoimagem particular, assim, a ordem externa é determinada pela estrutura do organismo que observa a realidade externa em si mesmo. Portanto, a atitude para a realidade depende, como defendido por Guidano, fundamental e essencialmente, da atitude para e da forma como o sujeito concebe a si mesmo (Guidano, 1987, 1991a, 1991b, 1998, 1995, 2001).Aqui, é clara a tese central do idealismo ao adotar não o mundo ou as coisas externas, que devem ser colocadas "entre parênteses", mas o sujeito, o "eu representativo" e os fenômenos como representações sem pressupor nenhuma tese acerca da estrutura da realidade. Dito mais, se a realidade é regulada por estruturas da identidade pessoal, ela até pode existir, mas não tem muita influência na construção das representações do mundo externo (Guidano, 1990, 1991b). Por fim, podemos dizer que Guidano adota uma forma de solipsismo ao conceber certo isolamento da consciência.
Na tese acerca da possibilidade do conhecimento, Guidano (1987, 1991b, 1995, 2001) defende que este depende da estrutura do sujeito e não da realidade (crítica ao realismo). Isso implica que todo conhecimento é verdadeiro em si mesmo. Não pode ser concebido como uma aproximação à verdade. É clara também a adesão ao relativismo porque 1) é impossível um conhecimento absoluto, definitivo e universal, então são negadas verdades absolutas, sendo sempre relativas ao homem; 2) o sujeito tem ação condicionante, são concebidos em relação às faculdades humanas (também um tipo de idealismo); 3) os fenômenos só existem em relação ao sujeito cognoscente; e 4) assume a forma extrema de subjetivismo, pois a validade e a verdade estão restritas ao sujeito que conhece, a realidade e as coisas são reduzidas a valores do sujeito, os fenômenos são considerados do ponto de vista subjetivo e pessoal e a consciência recebe os conteúdos do sujeito.
Guidano (2001) defende arbitrariamente que o empirismo é uma forma de racionalismo e de necessidade de abandonar teorias empíricas sensoriais para adotar teorias motoras da mente. Portanto, nega a origem sensorial do conhecimento, o empirismo. Ora, se a construção da realidade não é proveniente da atividade do pensamento lógico e racional, Guidano não é racionalista. Em tese, acerca da origem do conhecimento, o autor é construtivista, mas também postula que a origem do conhecimento é o sujeito e a sua capacidade de se auto-organizar, então, na verdade, ele é antirrealista. Ou seja, Guidano é claramente idealista e solipsista, e, por isso, um construtivista radical e relativista (sob uma forma extrema de subjetivismo).
Exemplificando práticas influenciadas pelo idealismo defendido pelo autor, podemos citar a técnica da Moviola e o método da Auto-observação. Esses constituem dois dos principais elementos de sua técnica terapêutica e trabalham sempre na interface experiênci imediata/explicação, ou seja, na reordenação do que o sujeito sente e de como explica esse sentido. Esse método é utilizado em todo momento, tanto da avaliação como da intervenção (Guidano, 1987, 1995, 2001).
A psicoterapia pós-racionalista não tem por objetivo persuadir o paciente a adotar outros critérios de verdade, mas ajudá-lo a reconhecer, compreender e definir de forma viável sua própria coerência de significado pessoal, reconstruindo, a partir de uma coerência autorreferencial, o que implica entender a maneira como a pessoa experimenta seu modo de ser. Dito de outra forma, nesse ponto de vista, o que se busca é que o sujeito expanda sua trama narrativa e assim possa se autorreferir reconhecendo e ajustando as discrepâncias entre sua imagem consciente, linguagem temática e experiência emocional imediata. O foco sobre a conceituação, a mudança e a metodologia psicoterapêutica na abordagem cognitiva pós-racionalista toma a emoção como ordem a priori da práxis da vida. Na verdade, se os sintomas são resultado de uma "organização de significado pessoal" desintegrada por meio de emoções discrepantes, a estrutura da mudança será orientada para essa integração. Em outras palavras, a reorganização do significado pessoal é o objetivo da intervenção terapêutica (Guidano, 1987, 1995, 2001).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De forma geral, todos os autores analisados defendem e concebem a perspectiva de um sujeito (agente) ativo que constrói, organiza e dá forma na relação de conhecimento as suas representações e hipóteses da realidade, do mundo e do objeto. A mente, para todos os autores, é ativa. Sendo assim, é o objeto que se adapta à mente do sujeito, ou seja, o sujeito não parte do objeto, mas vai a ele - tese central do construtivismo.A crítica conceitual à epistemologia objetivista, partilhada pelos autores da psicoterapia cognitiva construtivista, reside na oposição do objeto em detrimento do sujeito, bem como de verdades que existem independentemente dele. Ou seja, rejeitam que o objeto é algo dado que determina as representações que o indivíduo tem dele.
A diferença, além daquelas já apontadas na análise, reside no valor que cada autor confere à realidade. O construtivismo, tese epistemológica, se divide em vertentes realistas e idealistas sobre a natureza do objeto (Efran & Fauber, 1997). Os radicais rejeitam o realismo ontológico, então não se preocupam com a natureza última da realidade, que, mesmo existindo, não influencia as representações do mundo.As representações não se referem a nada que exista fora do conhecedor (solipsismo e idealismo). Dentre os principais terapeutas investigados, Guidano, como idealista e solipsista, é o único construtivista radical. Portanto, conforme já descrito, Mahoney, Greenberg, Gonçalves e Neimeyer, ao admitirem o realismo, adotam o postulado central do construtivismo crítico que assume um mundo real, independente do sujeito que conhece e influencia na construção do conhecimento.
As terapias cognitivas construtivistas se caracterizam distintamente por uma adesão a um conjunto de pressupostos epistemológicos que se relacionam com o método em que a terapia é realizada, mesmo diante da dispersão dos modelos terapêuticos atribuídos a essa escola de psicoterapia. Não é frequente que um psicoterapeuta investigue os fundamentos epistemológicos das teorias, dos métodos e das técnicas com as quais resolve os problemas que enfrenta diariamente e, apesar de não negar que sua práxis seja determinada por certas premissas filosóficas, seus procedimentos metodológicos tendem, muitas vezes, para a descoberta de técnicas que servem para aplacar o sofrimento de seus pacientes. Essa inclinação prática ocorre com frequência, em vez de uma reflexão crítica sobre os princípios explicativos que suportam o trabalho clínico.
Certamente, a compreensão profunda do processo terapêutico não pode ser isolada das bases que dizem respeito às relações no processo do conhecimento, de modo que a especialização técnica exclusiva fracassa, não somente por não satisfazer as aspirações científicas da compreensão do fenômeno da psicoterapia, mas também por não proporcionar ao clínico critérios próprios, necessários para desenvolver um pensamento crítico acerca da diversidade que se observa na prática clínica.
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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 02 de maio de 2014. cod. 249.
Artigo aceito em 08 de janeiro de 2015.