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Arquivos Brasileiros de Psicologia
versão On-line ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. vol.62 no.2 Rio de Janeiro 2010
RESENHA
Avaliação psicológica em questão
Psychological assessment in question
(HUTZ, Claudio Simon (Org.). Avanços e polêmicas em avaliação psicológica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2009, 318p.)
Jocemara Ferreira Mognon
Graduanda. Curso de Psicologia da Universidade São Francisco. Itatiba. São Paulo. Brasil. Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq
A avaliação psicológica tem sido um dos temas mais debatidos pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) em cursos de graduação e congressos científicos que visam discutir problemas e possíveis soluções para melhorar a qualidade de uma das atividades que dá identidade à psicologia. No bojo dessas questões, o livro "Avanços e polêmicas em avaliação psicológica" reúne textos que avaliam o que tem ocorrido com a avaliação psicológica no Brasil, ao longo dos anos.
No primeiro capítulo, "A tradição em avaliação psicológica no Rio Grande do Sul: a liderança e a referência de Jurema Alcides Cunha", de Willian B. Gomes, o autor traz a história da introdução da psicologia naquele estado e discorre sobre as pessoas que para ela contribuíram. Entre outras, José Joaquim de Campos da Costa Medeiros de Albuquerque, que revelou a importância da psicologia para a saúde e educação. Destacam-se também Maurício Campos de Medeiros, criador do laboratório de pesquisa e avaliação psicológica no hospital Nacional dos Alienados, Décio Soares de Souza, divulgador do teste de Rorschach e Oscar Machado da Silva, que trouxe testes da Europa e Estados Unidos para o Brasil. Igualmente, Nilo Maciel, que se tornou grande referência para a avaliação psicológica no Brasil. Esse capítulo também explica aos leitores os motivos de se homenagear Jurema Alcides Cunha, caracterizada em sua história como uma apaixonada, desde muito cedo, pela psicologia e posteriormente atraída para a avaliação psicológica. O autor do capítulo traz, ainda, uma entrevista feita com Cunha, a partir da qual podemos conhecer sua trajetória, seus anseios e realizações para o crescimento da psicologia no Brasil, assim como a busca pela ressignificação da avaliação psicológica.
No capítulo seguinte, Carlos Nunes e Ricardo Primi trazem um novo método surgido para auxiliar a avaliação psicológica, a Teoria de Resposta ao Item (TRI), que tem contribuído para melhoria das análises das qualidades psicométricas dos instrumentos de medida. Os autores apresentam, em paralelo com a teorização da TRI, comparações com a Teoria Clássica dos Testes (TCT), auxiliando o leitor a entender as vantagens de cada uma. O texto é subdivido em tópicos sobre os parâmetros dos itens, cálculo do nível de habilidade, equalização e interpretação dos resultados da TRI. Discorrem, ao mesmo tempo, sobre alguns contextos de aplicação prática e informações sobre uma estratégia de avaliação que usa várias propriedades da TRI, a "testagem adaptativa computadorizada". Segundo os autores, apesar da utilização dessa técnica por vários profissionais, seus modelos ainda estão sendo aperfeiçoados. Da mesma forma, a sua utilização, apesar de mostrar avanços, é ainda modesta quando considerado seu potencial de contribuição.
Ana Paula Porto Noronha traz, no terceiro capítulo, parte da sua vivência como professora e pesquisadora da área de avaliação psicológica. Com dados de pesquisa, a autora mostra os problemas na utilização dos instrumentos psicológicos e a crítica que os mesmos tem recebido. Isso ocorre porque muitos testes ainda utilizados não têm qualidades psicométricas adequadas. Outro fator preocupante, segundo a autora, é a falta de cuidado na utilização desses instrumentos pelos psicólogos, reflexo da deficiência no processo de formação profissional nos cursos de psicologia. O capítulo é concluído com a ressalva de que os testes psicológicos são recursos complementares de um processo de avaliação psicológica e podem oferecer informações úteis sobre os fenômenos observados, quando utilizados corretamente por profissionais cuja atuação baseia-se na ética e em práticas consistentes.
No quarto capítulo, Solange Wescler aborda a temática da criatividade respondendo a três questões fundamentais: sobre a cientificidade, a relevância de seus estudos, e as medidas e avaliação do construto. Apresenta, também, um panorama das formas de avaliações da criatividade, as pesquisas realizadas e os instrumentos sobre criatividade validados pela autora para a realidade brasileira. Na descrição sobre os instrumentos, são indicados seus referenciais teóricos, as características cognitivas e afetivas da criatividade e os dados sobre as normatizações. Valendo-se de dados de pesquisas, a autora finaliza afirmando que a criatividade pode ser mensurada. Mas, salienta que diversos tipos de variáveis podem influenciar diretamente a expressão da criatividade, cabendo aos pesquisadores e interessados na área identificar as outras formas em que a criatividade se apresenta.
"O uso da estatística na avaliação psicológica: comentários e considerações práticas" é o capítulo escrito por Valdiney Gouveia, Walberto Santos e Taciano Milfont. Nele, os autores salientam a importância que a estatística tem para a área da avaliação psicológica e para a psicologia em geral. Dessa forma, trazem conceitos iniciais sobre amostra e nível de significância, coeficiente de correlação, análise fatorial, consistência interna, escalonamento multidimensional. Lembram que a estatística não supre a necessidade que a pesquisa tem de estar pautada em teorias sólidas, mas constitui auxílio importante. Com valiosas explicações sobre a estatística, os autores mostram a necessidade de todos os psicólogos conhecerem conceitos elementares de modo a não cometerem erros, infelizmente freqüentes, na interpretação dos dados de avaliação.
No sexto capítulo, com o título "Métodos projetivos em avaliações compulsória: indicadores e perfis", Anna Elisa de Villemor-Amaral traz reflexões e aponta problemas em avaliações de seleção e perícia através dos Métodos de Autoexpressão. O ponto positivo desse tipo de avaliação é que os avaliados não conseguem distorcer os dados, já que não sabem o que os avaliadores esperam de suas respostas. Porém, o grande problema das avaliações nesses contextos é que a avaliação psicológica é posta em primeiro plano e os psicólogos aparecem como coadjuvantes, desempenhando um papel muito técnico. Dessa forma, a autora considera que a avaliação psicológica ultrapassa a qualidade psicométrica e o contexto de aplicação, mas tem sua qualidade prejudicada pela falta de qualificação que se reflete na atuação do psicólogo.
O sétimo capítulo, escrito por Clarissa Marceli Trentini e Denise Balem Yates, se propõe a discutir como a avaliação psicológica pode contribuir para a genética humana. Isso, no trabalho de aconselhamento genético, na participação da descoberta de algumas patologias mentais de ordem genética, como no Transtorno de Humor Bipolar, e na compreensão dos aspectos específicos do processamento cognitivo envolvidos. As autoras esperam que futuramente a avaliação psicológica ajude na identificação de pacientes vulneráveis à deteriorização cognitiva e que, em casos de pacientes já afetados, a avaliação possa investigar o nível em que o paciente se encontra e, após a reabilitação cognitiva, verificar seus níveis de melhora.
As psicólogas Irani de Lima Argimon e Margareth da Silva Oliveira escrevem o oitavo capítulo, sobre o tema "Avaliação em dependentes de substância psicoativas". Nele, tecem considerações sobre o processo de avaliação e suas implicações no tratamento de diagnósticos causados pelo uso contínuo das drogas. Trazem várias pesquisas que avaliaram os malefícios causados no organismo dos dependentes de substância psicoativas e os diversos instrumentos utilizados para estabelecer os prejuízos causados. Percebe-se que, para a avaliação, é necessário o conhecimento de instrumentos corretamente selecionados para avaliações específicas, o que requer, dos psicólogos, atualização científica e práticas constantes em avaliação psicológica.
No nono capítulo, Irai Cristina Boccato Alves traz reflexões sobre o ensino da avaliação psicológica na formação do psicólogo. Inicia o texto com um resgate histórico do surgimento da avaliação psicológica no Brasil, os instrumentos, a regulamentação da profissão e o papel da avaliação psicológica na sua constituição. A autora traz informações e pesquisas mostrando que as disciplinas de avaliação psicológica estão sendo praticamente extintas em algumas instituições e que o desconhecimento sobre os testes tem sido grande entre os estudantes, mas também, entre os profissionais. No entanto, medidas vêm sendo adotadas para que a avaliação psicológica seja vista como indispensável à formação dos psicólogos das mais diversas áreas de atuação. Apesar dos problemas, a avaliação psicológica parece estar sendo revalorizada devido ao número crescente de pesquisas e publicações na área.
Ricardo Primi, Monalisa Muniz e Carlos Nunes descrevem, no décimo capítulo, as novas definições de validade para os testes psicológicos. Os autores referem-se aos antigos tipos de validade, classificação ainda muito utilizada no Brasil, chamada de "santíssima trindade da validade", e divulgam as novas considerações sobre a validade baseada no Standards for Educacional and Psychological Testing. A comparação das definições antigas de validade de conteúdo, validade de critério e validade de construto com a proposta do Standards permite identificar não só uma reorganização, como também a renovação e até a criação de novos termos. Essas mudanças conceituais contribuem para o aumento do nível de cientificidade da avaliação psicológica.
No décimo primeiro capítulo, Latife Yazigi busca compreender o processo criativo através de uma contextualização ampla da teoria da especialização hemisférica cerebral do método de Rorschach, tomando como modelo um dos maiores gênios da história, Leonardo da Vinci. De modo a ilustrar as relações, a autora descreve a história de vida e as várias habilidades de invenção do artista influenciado pela forte presença das características do hemisfério direito, recursos esses essenciais para a instrospecção criadora. Para a autora, Leonardo da Vinci foi um dos primeiros "rorschachistas"porque fazia associações com as manchas de umidade nas paredes, as quais estimulavam a sua imaginação. Dessa forma, suas características de criador são a expressão de conciliação das distintas concepções sobre as respostas de movimento no Rorschach.
No último capítulo do livro, "Ética na avaliação psicológica", Claúdio Simon Hutz traz informações relevantes sobre o papel da ética profissional na área de psicologia. Pelo fato de o trabalho dos psicólogos ser voltado para os seres humanos, é necessário atentar para alguns princípios denominados respeito, beneficiência e justiça na aplicação da avaliação psicológica. Princípios que precisam ser seguidos para evitar danos que podem ser causados em pessoas que confiam no conhecimento do psicólogo. O autor finaliza acrescentando que a área de avaliação psicológica vem crescendo no Brasil com pesquisadores e profissionais preocupados com a qualidade técnica e ética da avaliação, o que tem contribuído para o aprimoramento dos instrumentos.
Em resumo, o livro expõe a importância e a utilização da avaliação psicológica em contextos diversos. Em cada texto, há referenciais teóricos e empíricos para certificar sua importância para a psicologia. Os capítulos possuem um caráter didático e utilizam uma linguagem acessível a leitores de diferentes níveis de conhecimento, sejam estudantes de graduação, de pós-graduação ou profissionais de psicologia. De forma geral, os autores salientam a necessidade da qualificação do psicólogo na utilização da avaliação psicológica, que deve ser feita com objetivos bem delineados e instrumentos confiáveis, com ética e respeito aos que estão sendo avaliados, sempre com muita cautela na interpretação dos dados. Vale destacar que a obra proporciona um panorama do estado da avaliação psicológica e, ao final de sua leitura, deixa a sensação de um conhecimento um pouco mais aprofundado e consistente em uma área que dá identidade à psicologia.
Endereço para correspondência
Jocemara Ferreira Mognon
E-mail:jocepsico@yahoo.com.br
Recebido em: 10/07/2010
Aprovado em: 30/08/2010
Revisado em: 03/09/2010