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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia
versão On-line ISSN 1983-8220
Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.4 no.spe Juiz de fora dez. 2011
ARTIGOS
Aspectos críticos da transição para um modelo de regulação ambiental voltado à sustentabilidade: proposta taxonômica
Critical aspects of the transition to a sustainability driven environmental regulatory model: a taxonomy proposition
Flávio de Miranda Ribeiro1; Isak Kruglianskas
Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil
RESUMO
Dentre os pesquisadores da área socioambiental, é reconhecido que a solução dos problemas ambientais passa pelas políticas de governo, que devem corrigir distorções do mercado e promover avanços rumo à sustentabilidade por meio de uma reforma regulatória. Esta, no entanto, não tem sido estudada e implantada de modo sistemático, principalmente nos países em desenvolvimento. O presente artigo visa a contribuir para esta discussão, estabelecendo uma taxonomia dos principais aspectos dessa mudança apontados pela literatura internacional. Utilizando a metodologia de revisão bibliográfica, os principais argumentos foram selecionados e ordenados segundo uma taxonomia criada para esse fim, composta de 33 categorias de ação ("objetivos" de regulação), agrupadas em seis "aspectos" da transição de modelos. Ao final, é realizada uma breve discussão e conclusões, que não pretendem encerrar o assunto, mas, sim, estabelecer uma contribuição a futuros estudos que verifiquem como esses aspectos têm sido praticados no caso brasileiro.
Palavras-chave: Regulação Ambiental, Políticas Públicas Ambientais, Transição para a Sustentabilidade
ABSTRACT
Among the socioenvironmental researchers, it is recognized that the solution to environmental problems relies on government policies, which should correct market distortions and promote progress towards sustainability by means of a regulatory reform. This, however, has not been studied and implemented in a systematic way, especially in developing countries. The present article aims to contribute to this discussion, establishing a taxonomy of the main aspects of this transition as described by the international literature. Using literature review as methodology, the main arguments have been selected and arranged in a taxonomy consisting of 33 categories of action (regulation "objectives"), which were grouped into six transition "aspects". In the end, a brief discussion is held, and conclusions are made in order to contribute to future studies on how these aspects have been practiced in Brazil.
Keywords: Environmental Regulation, Environmental Public Policies, Transition to sustainable Development
Desde pesquisadores da área socioambiental, como Sachs (2007), até instituições governamentais de peso, como o Congresso Norte-americano (US Congress, 1995), é amplamente reconhecido que a solução dos problemas ambientais reside em grande parte nas orientações das políticas de governo. Em função disso, diversos autores (Fiorino, 2006; OECD, 2003; World Bank, 2000; Knopman & Fleschner, 1999; Knopman, 1996, 2001; Russel & Powell, 1997; US Congress, 1995; Porter & Van der Linde, 1995; Muzundo, Miranda, & Bovenberg, 1990) têm se dedicado a discutir e especificar os aspectos da necessidade de uma reforma no modo de se proporem e aplicarem as políticas púbicas ambientais. O presente artigo aborda a questão com base na hipótese de Fiorino (2006), para quem "os tempos estão mudando, e a regulação deve mudar com ele" (p. ix), com vistas a subsidiar a elaboração de critérios para futuras análises e debates sobre a transição dos modelos dessa atuação governamental.
Para os fins deste trabalho, será utilizada a definição de Política Pública adotada por Souza (2006), como "campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, 'colocar o governo em ação' e/ou analisar essa ação [...] e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações" (p. 26). Por sua vez, a definição de Política Pública Ambiental será aquela apresentada por Barbieri (2007), como "o conjunto de objetivos, diretrizes e instrumentos de ação de que o Poder Público dispõe para produzir efeitos desejáveis sobre o Meio Ambiente" (p. 71). Dentro desse contexto, bastante amplo e abrangente (e que inclui desde marcos referenciais de políticas - como as de recursos hídricos, resíduos etc. - até instrumentos - como o licenciamento ambiental ou os padrões de emissão, por exemplo), cabe destacar o foco desta pesquisa no que se entende como Regulação Ambiental, como sendo qualquer atuação pública com vistas a controlar ou reduzir os efeitos negativos da interação humana com o meio ambiente (USEPA, 1992).
A base da argumentação de Fiorino (2006), que será adotada como referência central neste trabalho, reside na afirmação de que o modelo de regulação ambiental em uso pela maior parte dos governos tem como base o princípio de que os interesses das empresas e da sociedade são antagônicos, cabendo ao Estado a função de corrigir essas distorções. Além de defender uma forte intervenção, essa hipótese reflete a crença em uma suposta capacidade e habilidade dos órgãos de governo em resolver problemas complexos mediante aplicação de conhecimento científico e procedimentos burocráticos, principalmente aqueles que estabeleçam o controle das fontes de poluição - base do modelo denominado como de "comando e controle" - e que dependem de ações calcadas no uso do poder coercitivo do Estado.
Não obstante Fiorino (2006) reconhecer que "apenas o Estado possui a legitimidade para estabelecer objetivos coletivos e balancear as demandas dos interesses conflitantes da sociedade" (p. 89), ele destaca que atualmente a regulação é apenas uma das forças atuantes para motivar empresas rumo à ação sustentável. Mesmo que haja exageros no otimismo de algumas análises, o autor considera que a evolução da postura empresarial tem profundos impactos no desenho regulatório.
Apesar de aparentemente lógica, essa reforma regulatória não tem sido estudada e implantada de modo sistemático, principalmente nos países em desenvolvimento. Fiorino (2006) destaca que, embora existam outros trabalhos que trazem elementos de uma nova regulação, a maior parte destes se restringe a análises no campo das Ciências Sociais, pouco acessíveis aos não-iniciados, além de serem de caráter mais teórico do que aplicados a oferecer alternativas e direcionamento aos governos.
Metodologia
Com vistas a contribuir à reflexão sobre os modelos de regulação ambiental em uso, o presente artigo visa a estabelecer um conjunto ordenado de aspectos da transição para um modelo regulatório ambiental adequado aos desafios contemporâneos da sustentabilidade.
De caráter eminentemente exploratório, esta pesquisa se fundamenta nas recomendações da literatura internacional, usando o instrumental da pesquisa bibliográfica. Partindo da leitura de trabalhos sobre novas formas de regulação, foram identificadas as referências mais citadas como base referencial e, dessa forma, além de Fiorino (2006), decidiu-se trabalhar na consolidação das recomendações dos trabalhos da Organization for Economic Cooperation and Development (OECD) (2003), Banco Mundial (World Bank, 2000), Progressive Policy Institute (PPI) (Knopman, 1996, 2001; Knopman & Fleschner, 1999), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) (Russel & Powell, 1997), Congresso dos Estados Unidos da América (US Congress, 1995), Porter and Van der Linde (1995) e Fundo Monetário Internacional (FMI) (Muzundo et al., 1990). Cada uma dessas referências originou uma ficha bibliográfica detalhada, de onde se extraiu uma lista de aspectos críticos de um novo modelo regulatório para cada referência.
Além dessas referências centrais, outros trabalhos foram consultados e tiveram aspectos pontuais inseridos na revisão, tais como os de Johson (2009), Vilela Jr., Ribeiro e Pereira (2007), Rejeski (2004), Guimarães y Barcena (2002), Andrade, Marinho e Kiperstok (2001), Swift (2000), Ekins (1997), Gladwin, Kennelly and Krause (1995), Philippi Jr. e Marcovitch (1993), USEPA (1992) e Betts (1991), bem como um trabalho anterior dos próprios autores (Ribeiro & Kruglianskas, 2009).
Os aspectos críticos de uma "reforma regulatória" apontados por cada trabalho foram selecionados e ordenados segundo uma taxonomia criada pelos autores (Ribeiro & Kruglianskas, 2011). Essa estrutura é composta de 33 categorias de ação (que denominaremos como "objetivos" de regulação), que pretendem resumir todas as recomendações encontradas na literatura. Essas categorias, por sua vez, foram agrupadas em seis "aspectos" dessa transição de modelos, tentativas de resumir ações a serem conduzidas para que a transição de modelos se dê como apontado nas referências - e que neste trabalho são apresentadas com redação na forma de uma "ação", seguida de uma apresentação do tipo "de X para Y", em que X aponta um aspecto do modelo atual a ser melhorado e Y, seu equivalente na nova concepção.
Resultados
A seguir, apresentam-se os resultados da pesquisa realizada, de modo bastante sucinto. Primeiramente, apresentam-se as posições e opiniões das principais referências utilizadas, de modo a situar o leitor no que aqui se denominou como "base referencial das principais referências". Em seguida, são relacionados os "objetivos" separados por cada "aspecto", resultado do trabalho de consolidação das referências consultadas.
Em nome da concisão deste texto, decidiu-se não apresentar a articulação das referências utilizadas com cada "objetivo" ou "aspecto" relacionado - embora de modo geral possamos afirmar que, de alguma forma, cada uma delas cita todos os "aspectos". Adicionalmente, uma vez que a preocupação deste trabalho reside na contribuição taxonômica, não se procedeu à apresentação dos aspectos de cada aspecto ou objetivo, conforme feito pela grande parte das referências, ainda que se reconheça a importância desta discussão.
-Base referencial das principais referências
Na opinião do Banco Mundial (World Bank, 2000), a estruturação de novas políticas públicas ambientais deve buscar uma lógica inovadora, que parta do pressuposto de que os entes regulados agem de acordo com uma racionalidade econômica e, portanto, devem considerar o uso de abordagens, como os instrumentos econômicos. Adicionalmente, reforçam a necessidade de transparência e uso inteligente da informação. Sobre as agências ambientais, defende que estas devem rever seu papel e atuar mais como mediadoras de conflito do que como reguladoras das atividades produtivas.
Por sua vez, o US Congress (1995) propõe focar as ações coercitivas, deixando à comunidade um papel de vigilância nos casos pontuais e locais. Defende o uso do poder do mercado e aponta a necessidade de melhorar os dados disponíveis, para que os governos possam usar a distribuição da informação como instrumento de gestão ambiental.
Por outro lado, Betts (1991) defende a adoção de abordagens preventivas, no que algumas experiências inovadoras já têm obtido sucesso, mas afirma que é preciso passar da escala piloto para soluções mais amplas. Favorável à maior desregulamentação e ao uso de taxas, afirma que isso traria soluções mais custo-efetivas e financiaria ações de governo.
Já o artigo de Porter and Van der Linde (1995) defende que uma "boa regulação" é vantajosa para as empresas, principalmente por incentivar a inovação e a melhoria contínua, mas apontam que, para isso, é necessária uma série de mudanças nas agências ambientais e seus procedimentos, tais como: ampliar a discricionalidade, fazer uso de incentivos de mercado, envolver os regulados nas discussões e facilitar processos administrativos, entre outros.
Uma instituição que tem se dedicado à análise das políticas públicas ambientais nos USA recentemente é o PPI. Por meio de artigos, diversos autores dessa instituição (Knopman, 1996, 2001; Knopman & Fleschner, 1999; Swift, 2000) apresentam propostas de uma nova regulação, baseada na chamada "governança progressiva", que incluem a definição clara dos objetivos ambientais, o envolvimento dos atores, o reconhecimento e diferenciação das empresas pelo seu desempenho, o uso de instrumentos econômicos e a divulgação (disclosure) das informações. Defendem a adoção da produção mais limpa e sugerem a criação de mercados de emissão.
Por sua vez, Fiorino (2006) faz uma análise de três fontes de ideia: a literatura de Ciências Sociais, que trata da complexidade e de uma nova racionalidade na governança sociopolítica; as inovações regulatórias já testadas nos USA, principalmente nos Estados; e a experiência da Holanda. Como resultado, percebe que os três casos ilustram reações a deficiências no modelo atual, que são apresentadas não como substitutas, mas como complementares à ação tradicional. Reconhece-se, inclusive, o importante papel da imposição regulatória (enforcement) junto às empresas relutantes, recalcitrantes ou mesmo incompetentes na conformidade ambiental. Além disso, reforçam a tese de que a transição necessária reflete mudanças mais profundas na economia e na sociedade, não sendo apenas um problema ambiental.
Segundo Fiorino (2006), a pergunta-chave é saber: "como desenhamos e implantamos políticas que influenciem suficientemente o comportamento dos negócios para obter os objetivos ambientais?" (p. 21), assumindo que a resposta não é simples nem absoluta e que a transição dos modelos trata-se mais de um processo de aprendizagem e menos de um esforço político - sempre visando à melhoria da eficiência dentro do conceito da produção mais limpa. Para tanto, o autor defende que a transição entre os marcos regulatórios deva focar na mudança de questões conceituais, a começar por rejeitar alguns dos preceitos que estão na base do modelo atual. Para o autor, é necessário: ampliar o escopo das políticas ambientais, incorporando as questões sociais e econômicas à discussão ambiental; tornar a regulamentação um processo de aprendizagem contínua; ir além da função reguladora do Estado, fornecendo estímulos às empresas e reconhecendo diferenças em seu desempenho; melhorar as informações e disponibilizá-las ao público; e mudar as relações entre governo e empresas, entre outras medidas. Essas diferenças entre os modelos atual e proposto de regulação ambiental, segundo Fiorino (2006), são apresentadas na Tabela 1.
-Consolidação das recomendações apresentadas pelas referências
Com base na análise das referências consultadas, a seguir são apresentados os "objetivos" principais da transição para uma nova regulação que supere os limites do modelo atual, separados por "aspecto" dessa transição. É importante ressaltar que a divisão dos argumentos a ser apresentada foi proposta neste trabalho como forma de organizar em diferentes níveis os aspectos da mudança, com vistas a facilitar a compreensão e consecução das medidas necessárias, não tendo, portanto, a pretensão de esgotar o assunto ou servir de guia para projetos específicos.
-Do isolamento político à transversalidade das políticas (criar condições de contexto para o sucesso das políticas)
Para que as políticas ambientais promovam a transição ao desenvolvimento sustentável, é necessário ampliar seu escopo de influência, tanto para promover transformações econômicas e sociais em diversas escalas além da agenda ambiental quanto para influenciar outras políticas. Nessa linha de ação, encaixam-se objetivos como:
promover mudanças de longo prazo no modelo de desenvolvimento;
articular as políticas ambiental e econômica;
dividir as responsabilidades entre os níveis de governo ;
obter apoio político para as mudanças necessárias;
criar capacidade institucional no governo; e
assegurar recursos financeiros às agências ambientais;
-Do conflito à colaboração (rever o papel e a operação das agências ambientais)
Outro aspecto fundamental da transição de modelo é a mudança no papel que as agências ambientais desempenham, de uma postura "ditadora de normas" para outra de "mediadora de conflitos". Para tanto, propõem-se algumas medidas fundamentais, como:
mudar a visão que o governo tem das empresas;
estabelecer marcos legais que permitam a flexibilidade regulatória;
envolver os regulados no processo de estabelecimento da regulação;
reconhecer os esforços das empresas; e
reestruturar as agências ambientais para a colaboração.
-Da prescrição à discricionalidade (colocar o foco nos resultados ambientais)
Uma recorrente queixa em relação às políticas tradicionais é que, uma vez estabelecida a regulamentação, o foco das ações de governo se volta mais à obtenção da plena conformidade do que para a obtenção de resultados efetivos. Além disso, autores com Fiorino (2006), Gladwin, Kennelly and Krause (1995) e Russel y Powell (1997) apontam para limites na própria capacidade de se solucionarem os problemas, que deveriam, ao invés disso, ser gerenciados. Nesse aspecto, autores como Betts (1991) e o US Congress (1995) defendem uma desregulamentação maior em favor de soluções negociadas, recomendando aos governos irem além da confiança em regras prescritivas e corretivas. Os principais objetivos neste debate podem ser apresentados como:
reconhecer os limites em lidar com a complexidade dos problemas;
estabelecer objetivos e metas ambientais claros e mensuráveis;
usar instrumentos que garantam a flexibilidade na busca de soluções;
garantir a eficiência econômica nas soluções ambientais;
adotar políticas baseadas em avaliação de desempenho;
priorizar o enfoque preventivo e de gestão ambiental; e
estimular a inovação tecnológica.
-Da coerção ao estímulo (fazer uso de instrumentos alternativos)
Dentro da transição para um novo modelo regulatório, outra importante mudança diz respeito ao papel que se atribui ao Estado. Nesse sentido, é essencial para os órgãos de governo irem além de seu papel como meros reguladores da atividade econômica, ampliando sua influência junto a outros agentes de mudança nas empresas de modo a estimular a inovação. Esse estímulo pode ocorrer tanto pelo uso de instrumentos econômicos, que, por exemplo, reduzam os custos de abatimento da poluição, como por mudanças nos marcos legais, facilitando, por exemplo, os trâmites para aprovar o uso de determinado resíduo como matéria-prima, entre outras possibilidades, cujos fatores centrais se resumem em:
manter o rigor das ações de enforcement;
ampliar as opções de instrumentos em uso;
eliminar as barreiras à inovação (subsídios equivocados, legislação restritiva etc.);
recompensar o bom desempenho ambiental das empresas; e
testar novas abordagens e aprender com essas experiências.
-Do controle burocrático à governança sociopolítica ("empoderar" os atores)
Como reflexo institucional da recomendação de se assumirem as limitações em lidar com as complexidades dos problemas ambientais, propõese rejeitar a ideia de controle burocrático como a abordagem dominante em favor de um modelo de governança sociopolítica que seja baseado na aplicação de leis reflexivas, que privilegiem a responsabilidade compartilhada e que promovam arranjos institucionais democráticos e propensos ao diálogo.
No que diz respeito a essa sugestão, é preciso definir claramente as políticas públicas e cobrar melhor o trabalho dos governantes, bem como conduzir um processo de integração entre os Estados federativos, já que há uma tendência da fragmentação e compartimento dos Estados na tomada de decisão, que, consequentemente, leva a uma desorganização e desarticulação das formulações e implementação das políticas públicas. Essas inciativas, por sua vez, devem considerar os seguintes objetivos:
reconhecer os limites do governo de sozinho realizar todo o processo de compreensão e solução dos problemas;
descentralizar as decisões;
criar meios para participação da população na tomada de decisão;
distribuir poderes e responsabilidades entre os atores; e
criar um ambiente de aprendizagem social e construção contínua das políticas.
-De intenso em tecnologia para intenso em informação (melhorar a gestão do conhecimento)
Um último aspecto relevante percebido nas referências estudadas neste trabalho diz respeito à base de qualquer tomada de decisão - a disponibilidade de informação em quantidade e qualidade suficientes. Conforme defendido pelo Banco Mundial (World Bank, 2000), o novo modelo regulatório deve ser intensivo em informação, e as novas tendências apontadas anteriormente, como o papel do capital social complementar às leis sociais e normas jurídicas, só poderão ser efetivadas com base em intenso uso de informação - é preciso passar para a aplicação de conhecimento e inteligência, que solucionem os problemas além da mera especificação de tecnologia. Essas características dependem do desenvolvimento de fortes capacidades técnicas entre os reguladores, o que nem sempre é reconhecido. Nesse caso, os objetivos da nova regulação são:
aumentar a quantidade e qualidade da informação sobre as fontes impactantes;
]gerar metainformação (dados sobre as próprias informações);
dar publicidade (disclosure) para a informação;
fazer uso das tecnologias de informação (TI); e
fornecer informação como instrumento de indução ao desempenho nas empresas.
Discussão e conclusões
Após apresentar as principais vertentes da mudança para um novo modelo, é importante destacar que não há pretensão de obter uma "receita" para a mudança, mesmo porque um dos principais pontos criticados no modelo tradicional é a crença na existência dessas "fórmulas" gerais. Nesse sentido, ressalta-se a colocação da USEPA (1992), para quem "mudanças no comportamento têm sempre sido difíceis de realizar, tanto em nível pessoal como social. Não há uma fórmula mágica para se obter a conformidade [...]. No entanto, um arcabouço confiável para projetar programas tem surgido com base na experiência" (pp. 1-2).
Conforme Fiorino (2006), o Congresso Americano (US Congress, 1995) e a USEPA (1992), embora se exija um contexto político favorável, a grande responsabilidade pela transição de modelo regulatório é das agências ambientais. Segundo o Banco Mundial (World Bank, 2000), os reguladores têm um papel muito importante, que inclui o exercício das estratégias tradicionais de comando e controle, mas que não deve se restringir à aplicação de padrões legais ou taxas, promovendo, pelo contrário, o aumento do nível das discussões e a especificação de novas tarefas, como: o foco recursos na coleta e divulgação de informações, o apoio às negociações, a garantia da educação ambiental (principalmente à população mais pobre) e a criação de coalizões para a mudança.
Uma interessante comparação pode ser feita entre as recomendações do US Congress (1995) e as do World Bank (2000) sobre a atuação das agências ambientais. Tendo em ambos os casos como hipótese de que a base da regulação é sua credibilidade, essencial para a sustentação política e orçamentária, ambas as referências citam três pilares fundamentais para a atuação das agências em um novo modelo:
foco nas ações, que é função do estabelecimento de prioridades, em geral estabelecendo um grupo de poluidores mais graves e limitando a regulação a poluentes críticos, destacando a importância de atenção na coleta, tratamento e divulgação da informação ao público;
transparência, que previne corrupção e permite à comunidade ver o que está sendo feito e qual o resultado. Cabe, portanto, às agências ambientais ordenar a informação, educar o público sobre os trade-offs das decisões e encorajar a participação na tomada de decisão; e
participação da comunidade, considerando que "reguladores efetivos devem entender e atuar sobre as preocupações ambientais da comunidade" (World Bank, 2000, p. 133), as agências devem atuar na mediação das negociações entre as comunidades e os entes regulados. De fato, são as comunidades participantes do processo regulatório que dão suporte político e garantem credibilidade à agência. Boas relações com os líderes empresariais também são essenciais, mesmo porque em muitos casos estes têm vínculos políticos e podem influenciar a regulação tanto em uma direção como em outra.
Para que a transição seja bem-sucedida nesses aspectos, o Banco Mundial (World Bank, 2000) ressalta que pode haver resistência dos próprios funcionários das agências, mas que cabe ao governo permitir aos cidadãos monitorar as respostas às suas demandas ambientais. Nesse sentido, o Banco recomenda que se atue com uma regulação mais transparente e intensiva em informação, com as agências atuando como mediadoras, oferecendo às empresas várias opções para melhorar seu desempenho. Nesse novo modelo, ressaltam, surgem novas responsabilidades e a necessidade de habilidades ao gestor público: pensamento estratégico, comprometimento com educação e participação pública, uso inteligente e focado da informação e vontade política de aplicar abordagens inovadoras. Adquire, também, especial importância a atuação do governo sobre os aspectos econômicos da poluição, como: aumentar o custo marginal dos danos - mantendo as ações de enforcement tradicional e fortalecendo os mecanismos de regulação informal (como a participação pública ou mesmo aplicando taxas), ao mesmo tempo em que reduzem o custo marginal de abatimento, alavancando ações empresariais por meio de incentivos (oferecimento de suporte técnico, subsídios etc.). A efetividade desses instrumentos, porém, depende muito do contexto e se sugere que sejam testados projetos-piloto, principalmente em países em desenvolvimento, onde há poucas evidências sobre alguns dos instrumentos, como o comércio de emissões, por exemplo.
Como conclusão do estudo do Banco Mundial (World Bank, 2000), recomenda-se cautela com reformas econômicas, que nem sempre beneficiam a questão ambiental. Principalmente para países em desenvolvimento, o Banco sugere que se estabeleça um foco para as ações de regulação tradicional, por exemplo, com a definição de prioridades de ação, e que se amplie o disclosure da informação, que é tão mais importante quando mais fraca a regulação. Nesses países, ressalta, o aspecto fundamental a ser observado é o combate à pobreza, pois é a parcela da população que mais sofre com os efeitos da poluição - e mesmo as pessoas mais pobres não agem passivamente se informadas sobre efeitos, fontes e impactos.
Desde um ponto mais operacional, Fiorino (2006) sugere mudanças em regras e leis, que permitam às agências desenvolver novas habilidades e estruturas adaptativas, para atuarem com novas estratégias, como negociação, gerenciamento de networking, mensuração de desempenho e colaboração, entre outras que permitam as necessárias mudanças estruturais (diferenciação das fontes por porte, setor ou desempenho; criar metas setoriais e degraus de desempenho; ações sobre fontes difusas; apoiar ONGs; etc.). Segundo o autor, "o futuro da gestão ambiental é gerenciar materiais, e não controlar poluição" (p. 210), para o que se faz necessário: ampliar mecanismos de promoção da eficiência (de matérias, energia e água), como a produção mais limpa; incentivar os critérios de sustentabilidade nos projetos, no uso e na disposição final dos produtos; mudar a definição do que seja um problema ambiental; e, principalmente, autorizar as agências a criarem exceções às regras quando devidamente justificado.
Essas mudanças, ressalta Fiorino (2006), exigem que se superem várias outras dificuldades: o desafio de graduar "quanto" de melhoria merece benefícios, criar espaço dentre as atividades de rotina das agências para inovar, superar as diversas curvas de aprendizagem e arcar com alguns altos custos iniciais (que são ampliados pela falta de integração e alinhamento das políticas). Porém, afirma, a nova regulação traz muitas oportunidades de redução de custos de transação e de simplificações administrativas. Embora a mudança traga uma nova divisão de responsabilidades, esse processo deve diminuir a carga de trabalho nas agências.
Em conclusão, pode-se dizer que a evolução das políticas públicas ambientais não é apenas um caso de evolução técnica, mas principalmente uma questão de rever o papel dos atores, especialmente o Estado, no contexto da sustentabilidade. No caso brasileiro, há muito ainda por fazer. As referências consultadas demonstram que diversos países e organismos internacionais já têm se dedicado a reformar sua regulação ambiental, preparando-se para uma nova era de políticas públicas. Espera-se que, com este trabalho, surjam novas pesquisas, que apoiem o poder público na discussão, revisão e renovação do modo como temos tratado a questão ambiental - não apenas para assegurar sua eficiência, mas também para aproveitar as oportunidades de criar um país mais sustentável para as futuras gerações.
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Recebido em: 17/08/11
Aceito em: 02/12/11
1 Contato: flv.ribeiro@gmail.com