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Trivium - Estudos Interdisciplinares
versão On-line ISSN 2176-4891
Trivium vol.10 no.2 Rio de Janeiro jul./dez. 2018
https://doi.org/10.18379/2176-4891.2018v2p.167
ARTIGOS TEMÁTICOS
We are just bored teenagers: notas sobre o tédio na adolescência
We are just bored teenagers: notes on boredom in adolescence
We are just bored teenagers: notas sobre el aburrimiento en la adolescencia
Paula Melgaço da RochaI; Nádia Laguárdia de LimaII; Isadora Del VecchioIII; Junia Graziele de Almeida CoutoIV
IDoutoranda em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC Rio), Pesquisadora do Laboratório de Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social (LIPIS/PUC Rio). E-mail: paulamelgaco.psi@gmail.com
IIProfessora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais. Coordenadora do Laboratório de Psicologia e Educação do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais. Av. Presidente Antonio Carlos, 6627. 31270-901. Belo Horizonte. MG. E-mail: nadia.laguardia@gmail.com
IIIGraduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais / UFMG. E-mail: isadoradelvecchio@yahoo.com.br
IVPsicóloga. Mestranda em Psicologia pelo programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais / UFMG. Rua Dona Mariana, 121, casa 3/301. Botafogo. Rio de Janeiro/RJ. CEP: 22280-020. E-mail: juniacouto@yahoo.com.br
RESUMO
O presente trabalho propõe uma reflexão sobre o tédio na adolescência e sua relação com a cultura digital. Busca-se compreender se o tédio seria uma característica particular da contemporaneidade ou uma manifestação própria da adolescência. Discute-se a relação entre o tédio e a depressão na lógica capitalista do consumo e da produtividade na qual o vazio e a tristeza não são admitidos. Por fim, a partir do que os adolescentes apresentam nas conversações, conclui-se que o tédio é tanto uma resposta do sujeito ao confronto com o real do sexo quanto às condições da contemporaneidade.
Palavras-chave: ADOLESCÊNCIA; TÉDIO; PSICANÁLISE; TECNOLOGIA; REDES SOCIAIS VIRTUAIS.
ABSTRACT
This paper proposes a reflection on boredom in adolescence and its relation to the digital culture. The aim of this paper is to discuss the relationship between boredom and depression in the capitalist logic of consumption and productivity in which emptiness and sadness are not allowed. Finally, from what the adolescents present in their talks, it is concluded that boredom is both a response of the individual to the confrontation with the real of sex as well as to the conditions of contemporaneity.
Keywords: ADOLESCENCE; BOREDOM; PSYCHOANALYSIS; TECHNOLOGY; VIRTUAL SOCIAL NETWORKS.
RESUMEN
El presente trabajo propone una reflexión sobre el tedio en la adolescencia y su relación con la cultura digital. Se busca comprender si el aburrimiento sería una característica particular de la contemporaneidad o una manifestación propia de la adolescencia. Se busca discutir la relación entre el aburrimiento y la depresión en la lógica capitalista del consumo y de la productividad en la que el vacío y la tristeza no son admitidos. Por último, a partir de lo que los adolescentes presentan en las conversaciones, se concluye que el aburrimiento es tanto una respuesta del sujeto a la confrontación con el real del sexo en cuanto a las condiciones de la contemporaneidad.
Palabras clave: ADOLESCENCIA; ABURRIMIENTO; El psicoanálisis; TECNOLOGÍA; REDES SOCIALES VIRTUALES.
We're just bored teenagers. Looking for love, Or should I say emotional rages. Bored teenagers. Seeing ourselves as strangers" (1)
(The Adverts, 1977)
"Férias escolares podem deixar adolescentes entediados", "Entediados, adolescentes usam redes sociais até a cada dez minutos", "'Entediados', adolescentes matam australiano nos Estados Unidos", "Descubra por que os adolescentes ficam entediados". Essas são algumas das manchetes recentes que têm como tema central o tédio dos adolescentes que, além de ser visto como um enigma pelos adultos, se torna a explicação, veiculada pela mídia, para diversos atos e comportamentos desse público como, por exemplo, o uso de bebidas alcoólicas, a prática excessiva de jogos digitais e as condutas violentas. Desse modo, devido à relevância do assunto, o presente trabalho tem como finalidade propor algumas reflexões sobre o tédio na adolescência, buscando relacioná-lo com a cultura digital.
O adolescente de cada contexto social enfrenta os desafios inerentes à sua época e cultura. A própria noção de adolescência concebida como uma fase da vida é uma construção social. Ao se referir à adolescência, Miller (2015) comenta que esse é um conceito em construção, na medida em que abrange o espírito da época em que está inserido. Vivemos na sociedade da informação, também designada como sociedade da cibercultura ou da cultura digital, época marcada pela incidência das tecnologias ou comunicações digitais em todos os setores da vida humana. A cultura digital afeta todos os campos da vida dos jovens: escolar, familiar, social e amoroso. Assim, a adolescência, hoje, deve ser pensada em sua relação com a cultura digital.
Atualmente, o sujeito dispõe de uma ampla gama de opções e não mais de imposições de visões únicas. Nos relacionamentos, nas diversas atividades de lazer oferecidas, na sexualidade (cada vez mais fluida e plural), nas profissões e nos espaços físicos que frequenta é possível que o sujeito eleja preferências e caminhos a seguir, uma vez que não se tem mais uma bússola que orienta e impõe a sua direção. Assim, o sujeito deixa de seguir uma moral rigidamente imposta e passa a ter maior liberdade de escolha. Ele não encontra um sentido único que dirija a sua vida, mas se depara com múltiplos sentidos e orientações. A velocidade da informação, a busca pelo prazer, o estilo de vida capitalista pautado pelo consumo, as transformações da esfera privada, como o exibicionismo nas redes sociais, e a multiplicidade de identidades e ideologias são algumas das características notáveis da nossa sociedade.
Pode-se observar, na época atual, um movimento que parte de uma cristalização para uma flexibilidade e multiplicidade crescente de valores. Nesse movimento, caminham as instituições, os estilos de vida e os relacionamentos interpessoais. Que leitura pode-se fazer das mudanças subjetivas decorrentes do processo histórico em constante mutação?
Lipovetsky (2005) descreve a hipermodernidade considerando-a como o modo de organização das sociedades atuais, que rompem "com a fase inaugural das sociedades modernas, democráticas-disciplinares, universalistas-rigoristas, ideológicas-coercitivas" (Lipovetsky, 2005, p. XVI) que prevaleceu até a década de 1950. Se a sociedade moderna era pautada pelo processo disciplinar, pela revolução, pela crença no futuro e pelo progresso, a hipermodernidade define-se pela força da personalização, do hedonismo, do aqui e agora, da apatia e da mudança.
A "personalização" é um conceito que expressa tal modalidade de organização e orientação da sociedade contemporânea, baseada na individualidade, na busca pelo prazer, na possibilidade de escolhas e na valoração da subjetividade, visto que se vive com avidez por autorrealização e autoconhecimento. É uma lógica individualista diretamente relacionada à lógica capitalista, na qual o consumo ocupa o lugar de um dos pilares que sustenta tal coesão social, com a oferta tentadora e constantemente renovada de produtos, serviços, gadgets, imagens e prazeres. Tais ofertas, num à la carte sistemático, como descreve Lipovetsky (2005), contribuem para criar uma primazia de necessidades e exigências individuais diante de qualquer demanda coletiva. Trata-se de uma aparente heterogeneização perante a homogeneização, no que tange à pluralização de grupos sociais transformados em novos nichos de mercado (Mrech & Rahme, 2010). Esses grupos estão inseridos, assim, numa lógica cada vez mais personalizada e sedutora, compatível com a lógica de promoção do próprio indivíduo ao centro do universo. Soma-se a isso o discurso capitalista, marcado pelo imperativo de gozo, que, aliado à ciência, com o seu status de verdade, promete a cura do mal-estar e da insatisfação do sujeito, que é estruturalmente barrado e dividido (Mrech & Rahme, 2010).
Diversos autores (Lipovetsky, 2016; Bauman, 2016) das áreas da sociologia, da filosofia e da psicanálise descrevem a sociedade atual como narcísica ou autocentrada, que tem a sua expansão à medida que declinam os grandes ideais sociais:
A res pública se desvitalizou, as grandes questões filosóficas, econômicas, políticas ou militares despertam uma curiosidade semelhante àquela despertada por qualquer acontecimento comum, todas as 'superioridades' vão minguando aos poucos, arrebatadas pela vasta operação de neutralização e banalização sociais. Apenas a esfera privada parece sair vitoriosa dessa maré de apatia, tornou-se possível viver sem ideais, sem finalidades transcendentais sendo substituídas por cuidar da saúde, preservar a própria situação material, desembaraçar-se dos 'complexos' e esperar pelas férias. (Lipovetsky, 2005, p. 32)
Diante do enorme fluxo de informações sobre guerras em diferentes países, catástrofes, desastres ambientais, conflitos raciais, religiosos e violências de toda ordem, espetacularmente destacadas pela mídia, como pode um sujeito viver sem nenhum interesse pelo que acontece à sua volta?
A era dos prazeres, do luxo, do excesso de consumo e do "culto ao eu" é também a época de maior exposição pública dos problemas sociais e humanos de toda a história. Essas contradições da nossa época produzem as mais variadas respostas de caráter subjetivo, como a inveja, a depressão e a apatia. Para Lipovetsky (2005), a apatia seria um esvaziamento da esfera pública e o superinvestimento no "eu" que, por sua vez, se perde na busca pelo sentido de sua existência. Embora os dias atuais estimulem a sensação de autossuficiência, através, por exemplo, do consumismo, essa "sensação" não é capaz de responder às questões existenciais ou tamponar o vazio estrutural. Num momento de aparente liberdade e abundância, observa-se um crescente aumento da experiência do tédio, especialmente entre adolescentes. Seria o tédio uma característica particular da contemporaneidade ou uma manifestação própria da adolescência?
Com o intuito de propor uma reflexão sobre essa questão, partiremos, inicialmente, de algumas contribuições da psicanálise sobre a adolescência, chegando, mais especificamente, na relação que os adolescentes estabelecem com as novas tecnologias digitais.
A adolescência na psicanálise
Ainda que a adolescência não seja um conceito psicanalítico, diversos autores (Lacadée, 2007; Miller, 2015; Freud, 1905/2006; Miranda, 2001; Solano, 1997; Countinho,2005; Caligaris,2000; Stevens,2004; Rassial,2005) dessa área têm-se interessado pelo tema. Com os movimentos libertários da década de sessenta, que trouxeram profundas alterações no laço social e também nos ideais que o sustentavam, a adolescência apresenta-se como o retrato daquela cultura em que a liberdade e a autonomia se tornaram valores hegemônicos (Coutinho, 2005). Sobre isso, Calligaris aponta que a adolescência é:
[...] um mito, inventado no começo do século XX, que vingou sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial. A adolescência é o prisma pelo qual os adultos olham os adolescentes e pelo qual os próprios adolescentes se contemplam. Ela é uma das formações culturais mais poderosas de nossa época. Objeto de inveja e de medo, ela dá forma aos sonhos de liberdade ou de evasão dos adultos e, ao mesmo tempo, a seus pesadelos de violência e desordem. (Calligaris, 2000, p. 9)
Para a psicanálise, a adolescência pode ser pensada como um tempo lógico, e não cronológico, de elaboração de uma interpretação própria à puberdade - esta, por sua vez, referida às mudanças biológicas que ocorrem no corpo do sujeito adolescente. Nesse âmbito, a adolescência é um momento em que se faz necessário, ao sujeito, reconstruir seu lugar no mundo, longe da autoridade dos pais. Nas palavras de Freud (1905/2006): "consuma-se uma das realizações psíquicas mais significativas, também mais dolorosas, do período da puberdade: o desligamento da autoridade dos pais" (Freud, 1905/2006, p. 214). Trata-se de um despertar para novas formas de inserção social, para além do seio familiar, o que implica em certo rompimento com este, ou seja, estamos falando de "uma época da vida em que as condições de seu desenvolvimento os compelem a afrouxar seus vínculos com a casa dos pais e com a família" (Freud, 1910/2006, p. 243). Nesse sentido, na adolescência há uma "ruptura com os ideais que vêm abalar as bases simbólicas da relação do sujeito com as suas identificações" (Solano, 1997).
Em "O mal-estar na civilização", Freud (1930/2006) sinaliza três pontos como causas do sofrimento humano: "O sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de nosso próprio corpo [...], do mundo externo [...] e de nossos relacionamentos com os outros homens" (Freud, 1930/2006, p. 85); sendo que, para o autor, a relação com o outro é a principal fonte de mal-estar. Para Miranda (2001), no caso dos adolescentes, o estabelecimento do laço social é ainda mais delicado, uma vez que os três eixos apontados por Freud (1930/2006) atuam de forma simultânea. Desse modo, o adolescente encontra dificuldades para reconhecer o seu corpo, que não cessa de se transformar, além de ter que construir uma forma inédita, particular, para lidar com o Outro, com o indizível que diz respeito à sua sexualidade emergente, e com o mundo que o cerca.
A puberdade é marcada pelo confronto do sujeito com o real do sexo, com o excesso pulsional que transborda. A irrupção do real faz a imagem do corpo vacilar e aponta a fragilidade do simbólico ao nomear essa experiência (Lima, 2014). Assim, cada sujeito adolescente terá que construir uma resposta para esse encontro traumático com o real.
Para Lacadée (2007), a adolescência é a mais delicada das transições. Trata-se de uma transição atravessada por riscos, em que o jovem busca construir uma forma particular de se inserir no laço social, de provar que a sua existência não é insignificante e despropositada, como um sujeito autônomo e responsável por suas escolhas:
Ele testa a fronteira entre o fora e o dentro, joga com as interdições sociais, estuda o seu lugar no seio de um mundo onde não se reconhece muito bem. Inapreensível para os outros e para si mesmo, inscreve a sua experiência, frequentemente indizível, na ambivalência ou na provocação. (Lacadée, 2007, p. 55)
Ainda de acordo com o Lacadée (2007), "correr riscos" pode ser lido como uma demanda para que seu transbordamento pulsional seja barrado e, assim, marcado simbolicamente. Caso contrário, o próprio adolescente fará essa marca como um chamado ao Outro, isto é, um apelo para que seu sofrimento seja acolhido, por meio de atuações que podem colocá-lo em risco e expô-lo a situações embaraçosas.
Miller (2015) destaca alguns aspectos da adolescência contemporânea, como a "imiscuição do adulto na criança" (Miller, 2015, p. 4), que seria uma espécie de adiantamento da ordenação adulta na vida da criança. Um dos traços da adolescência apontados pelo autor está ligado à procrastinação dessa fase da vida, na qual o sujeito pode permanecer por tempo indeterminado, sem ter diretrizes e parâmetros que o ajudem a decidir entre as incontáveis saídas que se colocam como possibilidades para responder aos seus anseios. O psicanalista associa tal constatação, entre outros fatores, à incidência do mundo digital ou virtual, "que se traduz por uma singular extensão do universo dos possíveis, de mundos possíveis" (Miller, 2015, p. 4). Abre-se, assim, um infinito de possibilidades para o adolescente que, sem ter alguém a quem recorrer, tira do bolso o objeto que passou, desde meados do século XXI, a ser seu companheiro inseparável: seu smartphone, aparelho que acaba por funcionar como uma escora na busca por respostas. Desse modo, é possível dizer que "o saber está no bolso, não é mais o objeto do Outro. Antes, o saber era um objeto que era preciso buscar no campo do Outro" (Miller, 2015, p. 5).
A conversação psicanalítica: uma metodologia de pesquisa-intervenção
Em conversações psicanalíticas com adolescentes de escolas públicas, em um projeto de pesquisa e extensão voltado para o uso que os adolescentes fazem das redes sociais, destacamos, em um dos grupos acompanhados, o "tédio" como o significante mais prevalente no discurso dos jovens. As conversações supracitadas foram realizadas com um grupo de oito adolescentes de uma escola pública. A demanda, que partia da escola, à princípio, girava em torno do mal-estar envolvido nos usos que os alunos faziam das redes sociais, usos muitas vezes permeados pela violência e segregação. Ao longo de um semestre, sucederam-se encontros semanais (com duração média de 40 a 70 minutos) nos quais surgiram temas variados, tais como as amizades e os namoros no mundo virtual, o impacto da divulgação de fotos e de informações na internet no cotidiano dos adolescentes na escola, selfies, games, entre outros.
A conversação consiste em um dispositivo clínico e de pesquisa-intervenção de orientação psicanalítica lacaniana, elaborado por Miller nos anos 90, a partir do qual se oferta um lugar para a palavra em uma situação de associação livre coletivizada (Miranda, 2006). A conversação opera a partir da posição de não saber de quem a conduz, orientado pela ética do desejo e pela escuta do inconsciente. Dessa forma, os participantes são convocados a falar, e daí surgem os significantes privilegiados no discurso de cada sujeito. Dessa forma, as conversações, deslizando em associações livres, podem, por vezes, contribuir na construção de novos saberes e identificações (Lima, 2015). Esse dispositivo tem, portanto, na "associação livre coletivizada" ponto forte de sustentação, pois ela permite que o "objeto de estudo" seja analisado a partir de uma multiplicidade ou proliferação de significantes. Trata-se de uma tentativa de localizar os pontos de condensação do mal-estar na cultura atual e criar possibilidades de que as máximas impostas pela cultura sejam questionadas por cada um no grupo. Visa tocar o ponto de real do sujeito, indo além da ficção de cada um, buscando o sem sentido que provoca surpresa (Miranda; Santiago; Vasconcelos, 2006, s/p).
Desse modo, a psicanálise aposta na palavra, na escuta dos adolescentes, como instrumento de construção de saídas possíveis e inéditas para cada sujeito: "é pelo viés da palavra que se poderá abrir espaço para se 'destravar as identificações'" (Lacadée; Mounier, 1999 apud Miranda, 2011, s/p.). Ainda segundo as contribuições da psicanalista, trata-se de fazer uso daquilo que também cria os sintomas, como uma forma de desembolar aquilo que gera o mal-estar.
Outro ponto interessante sobre a conversação é sua orientação pelas diferenças, isto é, ela considera que "para cada um dos participantes, existe um real, que faz sentido de maneira singular e não pode ser recoberto por um sentido comum" (Santiago, 2011, p. 125). Busca-se não o sentido, que é imaginário, mas o "fora-do-sentido", que abre novas possibilidades para cada sujeito. Para Miranda, o que um participante diz pode "ressoar no outro participante, evocando o seu ser e convocando sua subjetividade. Nos interstícios, o sujeito poderá fazer sua enunciação, e surgir o novo imantado pelo desejo" (Miranda, 2001, p. 4).
"We are just bored teenagers": a adolescência conectada
Retomando o significante "tédio", este destacou-se na fala de vários adolescentes ao referirem-se às redes sociais e à dificuldade que têm de ficar sozinhos, isto é, sem ter outra pessoa com quem possam relacionar-se ("trocar ideia"). Sobre esse tema, houve uma discussão importante em que o grupo chegou a um consenso: muitas vezes, ao sentirem-se entediados, buscam uma saída conectando-se às redes sociais. Percebem, no entanto, que tal solução os deixa ainda mais entediados, pois não encontram nada novo naquele espaço, pelo contrário, a repetição e os posts estereotipados imperam nos feeds de notícias de seus amigos. Ao mesmo tempo, em algumas situações, sentem-se entediados e excluídos quando estão desconectados. Um dos adolescentes explica: "quando vou para o interior visitar os parentes, e meus primos estão lá, eu fico sem internet sem problema. Mas se eles não estiverem, fico entediado e acesso à internet. Mas, às vezes, o tédio não passa, aumenta ainda mais".
Encontramos no dicionário a seguinte definição de tédio: "sentimento de aborrecimento, nojo, desgosto: o tédio dos longos dias de isolamento; sentimento enfadado provocado pela demora no desenvolvimento de alguma coisa; sentimento de aversão, de desgosto sem causas aparentes" (Dicionário Online de Português, 2016). Nas conversações, os jovens dizem que se sentem entediados quando estão sozinhos, principalmente nas férias, momento em que recorrem às redes sociais, mas acabam ficando ainda mais tomados pelo tédio quando começam a ler e olhar as imagens e textos postados, pois, segundo eles, parece que não há nada inédito. Uma das adolescentes revela ter dificuldades para ficar desconectada, em suas próprias palavras "sinto como se o mundo estivesse acabando, como se tivessem dando uma festa e eu não estivesse participando dela". Assim, se as redes sociais têm a função de conexão com o outro, paradoxalmente, as imagens e mensagens que elas veiculam despertam angústia no sujeito, pois elas transmitem a imagem de um mundo em "festa", onde todos estão constantemente se divertindo, o que faz com que aquele que não compartilha dessa alegria se sinta "fora do mundo", excluído dele.
Mesmo considerando a fragilidade dos laços sociais na contemporaneidade, o laço com o Outro ainda é essencial. Um dos adolescentes afirma que dispensa a internet quando está na companhia de amigos ou de parentes e primos que costuma visitar no interior em períodos de férias. Ele ressalta que busca a internet somente se não tiver com quem contar para conversar ou "trocar ideias", ponto de vista que é corroborado por vários jovens do grupo.
O significante "tédio" surge, portanto, em vários momentos da conversação, não só quando os adolescentes abordam as experiências na internet, mas também quando se referem à escola e às suas casas. No que concerne àquela, apontam um vazio que sentem na escola, exceto quando estão com os amigos e/ou namorados(as), uma das únicas situações que parece fazer sentido dentre as várias disciplinas que lhes são impostas. Já em casa, descrevem um sentimento de solidão despertado, principalmente, pela incompreensão de seus pais que não se mostram muito abertos para o diálogo. Desse modo, parecem criar uma expectativa de que os contatos que estabelecem e as atividades que executam no mundo virtual irão auxiliados nos momentos de tédio.
É interessante ressaltar que os adolescentes do grupo descrevem o tédio como um afeto intenso e recorrente que emerge, principalmente, nos momentos em que estão sozinhos ou em que se sentem, de alguma forma, isolados, excluídos. Nas situações solitárias, sentem um vazio que tentam preencher de alguma forma, seja através dos games, do acesso as redes sociais, de desenhos animados (animes) ou dormindo. Assim, a internet tanto pode entediar quanto pode ser um recurso para "sair do tédio", segundo os adolescentes. Mas, o que seria esse "tédio" descrito pelos jovens e que relação ele teria com a época atual? Seria algo da ordem de uma depressão?
O adolescente contemporâneo e o tédio
Lacan (1970/2003) se refere ao "tédio" em alguns de seus textos que abordam temas referentes à atualidade. Em "Radiofonia", Lacan (1970/2003) descreve a época atual como marcada pela ascensão ao zênite social do objeto a. O autor esclarece que a queda do significante recai no signo. E, na ausência do significante, compra-se qualquer coisa, por exemplo, um carro, "com o qual se dá sinal [faire signe] de inteligência, digamos, do próprio tédio, ou seja, do afeto do desejo de Outra coisa" (Lacan, 1970/2003, p. 412). Assim, Lacan (1970/2003) designa o tédio como um afeto do desejo de Outra coisa.
Em "Televisão", Lacan (1974/2003) se refere ao tédio relacionando-o com o termo uniano [unien], pelo qual designa a identificação do Outro com o Um (Lacan, 1974/2003, p. 526). Comentando esse trecho, Quinet (2010) esclarece que a força para existir, o conatus, varia de intensidade, como se encontra manifesto nos três afetos fundamentais de Espinosa (1954): a alegria, a tristeza e o desejo. A alegria atesta o aumento da força para existir, a tristeza a sua diminuição, e o desejo nos leva a existir e a agir de forma determinada. A tristeza é correlativa à confrontação com a falta, quando há a queda de significantes ligados ao Ideal do eu. Na covardia moral não se lida com a falta estrutural, o sujeito põe-se a suspirar por Um Pai, pelo Um do Pai. Na nostalgia do Um, o sujeito pode se fixar no tédio, império do Um que faz curto-circuito do desejo do Outro (Quinet, 2010, p. 180).
Lacan (1974/2003), ainda em "Televisão", aproxima o tédio das relações dos jovens com a repressão: "Se falei de tédio ou mesmo de morosidade a propósito da abordagem 'divina' do amor, como desconhecer que esses dois afetos se denunciam - em palavras e até em atos - nos jovens que se entregam a relações sem repressão?" (Lacan, 1974/2003, p. 530).
No tempo da adolescência, o sujeito é confrontado com a tensão entre o Ideal e a pulsão (Lacadée, 2011). Assim, a queda da identificação fálica se faz sob o modo da tykhē e confronta o adolescente com a libido, isto é, com o corpo em sua dimensão pulsional, tomado como objeto a, que se torna indizível. Lacadée (2011) designa esse real de mancha do sujeito, a parte dele que faz mancha no quadro de sua existência e que corre o risco de devastar o seu ser, no caso de uma identificação excessiva. O autor comenta que alguns sujeitos identificam-se com o vazio descoberto sob o modo do nada ou do dejeto, enquanto outros preferem o desafio narcísico do corpo como lugar da sensação fora de sentido, lugar da força viva. Lacadée (2011) descreve a adolescência como o momento em que a angústia, a confusão, o tédio, a solidão, o afeto, a vergonha ou, ainda, a agressividade ocupam o primeiro plano. Esses momentos de exílio são vividos de forma mais aguda e real quando os adolescentes vivem em lugares de exclusão, onde já está em questão certa precariedade simbólica, e até mesmo uma rejeição, notadamente nos colégios de periferia.
Bidaud (2001) faz uma articulação do tédio com o desejo que nos parece interessante. Para pensar o desejo no sujeito imerso num estado de tédio, ele reflete sobre dois aspectos, a saber: "o fazer (vivido no tédio como impossível) e o tempo (experimentado como longo nesse mesmo afeto)" (Bidaud, 2001). O sofrimento experimentado no tédio inclui o "não querer fazer nada" diante de uma tarefa que deve realizar e também uma insatisfação constante, um desejo de fazer outra coisa, que também não se sabe o que é. O sujeito está, assim, no contexto do nada, onde nada quer ou pode fazer. Está solto, desconectado do seu desejo e dos objetos.
Para Bidaud (2001), o tédio também faz um apelo por algo que venha a preencher este vazio; objeto este capaz de entreter o sujeito por algum instante, uma cobertura que dura somente o "tempo da representação da distração" (Bidaud, 2001). Mas, logo se mostra dolorosamente inútil ao sujeito, e o tédio retorna no momento da elaboração da experiência. Não há o que fazer, não há engajamento psíquico, não ocorre laço na experiência do tédio. Não há sentido no fazer e este se torna impossível. O Outro não lhe apetece, é incapaz de completar esse sujeito, ao mesmo tempo em que este experimenta seu próprio vazio. É importante olhar para o tédio também em sua face ativa: o "não querer nada", em questão, às vezes se dirige ao Outro estabelecendo imobilização e a neutralização do desejo desse Outro (Bidaud, 2001).
A dimensão de tempo no tédio tem lógica de funcionamento diferente, uma vez que este é vivido como longo, como algo que se arrasta. É um tempo que não se move em nenhuma direção, é um presente constante. Apesar de trazer a sensação angustiante de que se espera algo, o tédio não constitui um tempo de espera: o tempo não é capaz de sustentar o desejo na busca de objetos. Assim, não há qualquer sentido no fazer, tornando o investimento na realidade extremamente limitado (Bidaud, 2001).
Dessa forma, o tédio assinala que o desejo do sujeito está em questão; já que este não sabe o que quer e nem quer saber, encontra-se num presente que só se repete em si. Não há espera, pois, se não há desejo, não há busca pelo Outro:
À semelhança da depressão e da melancolia, o tédio traz consigo manifestações comuns, como a apatia, o cansaço em relação à vida, o desinteresse e outra conduta de retração no que se refere ao mundo, mas se diferencia da depressão e da melancolia pelo vazio dos sentidos, pela ausência de qualquer mal ou se associada com a perda de um objeto amoroso ou de um ideal (Buchianeri, 2012, p. 42).
Depressão e tédio, por vezes, misturam-se e confundem-se, pois o contexto contemporâneo os aproxima. Se o viver atual exige rapidez e eficiência produtiva, a experiência da depressão e do tédio está situada em outro tempo, um tempo particular ao sujeito. Sua lentidão é tida como falta; não há espaço para a letargia. E tal situação leva à segregação, o que leva a mais sofrimentos, e assim a roda gira. O espaço proporcionado pela análise pode ser a saída para estes sujeitos; nele, como descreve Kehl (2009), o sujeito se afasta da experiência de um tempo "que não passa", tempo em suspenso em que o sujeito vive uma pobreza simbólica, e se aproxima de um tempo "que não conta". Nesse momento, é permitido ao sujeito afastar-se da demanda do Outro e construir, a partir desse tempo em branco que lhe é oferecido pela análise, seus próprios sentidos, no ritmo que lhe é próprio.
A depressão, vista por Lacan (1973/2003) e por Freud (1892/1893) como uma covardia moral, um não querer saber de si, do seu inconsciente, pode ser um dos reflexos da atualidade. Teixeira (2008) menciona no seu artigo o termo "lassidão do pensamento", isto é, a falta ética do bem dizer, a falta de vontade de compreender a sua estrutura, o desinteresse em esmiuçar seus sintomas para compreender seus motivos inconscientes que alimentam seus gozos destrutivos.
A sociedade contemporânea quer rechaçar tal condição que remete à depressão, uma vez que a máxima social atual está pautada na lógica do consumo, da eficiência e da felicidade. O sujeito, em seu retraimento subjetivo, faz cair os véus das razões e valores atribuídos ao viver e ao laço social. Desvela, assim, a ilusão que sustenta os discursos, fazendo emergir o vazio, inerente à condição humana, mas que se tenta tamponar a todo o tempo com as mais variadas estratégias. Refletindo acerca da subjetividade na contemporaneidade, os produtos oferecidos ao indivíduo propiciam, ainda que de forma ilusória, o apagamento da falta e do vazio; porém, é importante lembrar que nossa condição de abandono é estrutural. Além disso, diante do imperativo de consumo desenfreado e da ditadura da felicidade, a sociedade contemporânea caminha em direção à mania, com a repulsa da tristeza e da dor de existir. A felicidade, como única alternativa válida aliada à máxima "você é o que você produz" (e você produz para consumir), é um dos elementos que contribui para o temor frente ao vazio. Se a sociedade atual tenta escamotear o vazio estrutural através do culto aos objetos de consumo, da sociabilidade virtual e da rapidez tecnológica, o deprimido faz desvelar essa ilusão, como menciona Teixeira (2008):
[...] a civilização tem lá suas razões para desqualificar o deprimido. Pois o deprimido representa efetivamente uma ameaça ao laço social, na medida em que desvela, em seu retraimento subjetivo, uma verdade da qual a sociedade não quer saber. [...] A sociedade não tolera deprimidos porque sua experiência rompe essa rede ilusória de sentido e amparo da qual se constitui o laço social, deixando entrever o vazio que seu psiquismo não mais consegue dissimular (Teixeira, 2008, p. 27).
O deprimido, como uma figura que faz alusão ao vazio e à espera, é, portanto, rechaçado pela sociedade do consumo que preza pela rapidez e praticidade para que a roda da produtividade nunca pare de girar. Do mesmo modo, o adolescente como uma figura que remete ao tempo de compreender, à espera de algo que estar por vir é, às vezes, excluído do seio social, por causar incômodo aos demais, justamente porque o trabalho psíquico da adolescência vai na contramão da celeridade e da ausência de conflitos.
Diante do exposto, podemos afirmar que o tédio parece ser uma das características prevalentes da adolescência, momento de extrema angústia e confusão em que o sujeito, muitas vezes, se vê perdido nas relações que estabelece com seus pares e no lugar que ocupa no seio social e familiar. Além disso, o tédio é um afeto que pode estar relacionado com a depressão, mais precisamente, em sua acepção que destaca a covardia moral, a "lassidão do pensamento" (Teixeira, 2008) e as sensações de vazio e de que o tempo não passa. Cesar (2015) retoma o termo "spleen", utilizado pelo poeta Charles Baudelaire ao se referir à melancolia e ao sentimento de desânimo, para pensar no tédio dos adolescentes contemporâneos. É interessante notar que, segundo a autora, o termo supracitado refere-se tanto a características de uma época, quanto à subjetividade do adolescente que, na incessante luta para fazer a travessia entre a infância e o mundo adulto, sente-se vazio e perdido.
Destarte, para além da dimensão subjetiva, a depressão e o tédio, interligados pelas vias mencionadas, há o contexto em que esses sintomas surgem, ponto a ser discutido no próximo tópico.
A depressão como um sintoma social
O cenário contemporâneo é marcado pelo ritmo acelerado a vida. A lógica capitalista estimula o consumo intenso, o uso contínuo e descartável dos objetos; o mercado de trabalho valoriza o sujeito produtivo e eficiente e as tecnologias digitais imprimem a simultaneidade do tempo, que incrementa a aceleração contemporânea. Segundo Buchianeri (2012):
É o tempo do consumo, o tempo concreto, objeto, que determina o tempo internet - um tempo pulsional e de satisfação imediata de desejos - vivemos na era da instantaneidade, na qual não há aguardo, não há espera, tudo se realiza imediatamente, acontece em tempo real, possibilitado pela máquina - sobretudo pela tecnologia digital, que permite o funcionamento do mundo na velocidade da luz (Buchianeri, 2012, p. 12).
O filósofo Camus (1942/2014) denomina como "sentir o absurdo", na sua obra "O Mito de Sísifo", aquele momento em que, a caminho do trabalho, ao cumprimentar um conhecido ou em qualquer das repetidas cenas do cotidiano, alguém se depara com o nada, e percebe o repentino esvaziamento de tudo aquilo. A cena perde a sua naturalidade e entra na automaticidade. O indivíduo percebe que não há uma coesão do mundo, a priori. É o deserto paralisante, em que os significantes se distendem da cadeia que proporcionava sua coerência. É concreta a percepção da condição de abandono, que essencialmente faz parte do existir, e com ele vem a angústia. Estaria essa posição ganhando espaço na vida dos adolescentes? Seria o tédio uma manifestação importante da atualidade?
Svendsen (2006) descreve o tédio como um "fenômeno típico da modernidade que pode ter efeito em qualquer um" (Svendsen, 2006, p. 12). Temos notícias, contudo, de adolescentes entediados ao longo de outros períodos da história, como os jovens que cantavam a música que intitula este trabalho: "we are just bored teenagers".
De que forma é possível articular o tédio com a depressão e com a adolescência? Para Kehl (2009), a depressão pode ser vista como um sintoma contemporâneo, assim como foram as histéricas na época de Freud (Kehl, 2009), uma vez que se encontra em dissintonia com o que é considerado "normal": prazer, consumo, eficiência produtiva. Isso não quer dizer que a depressão tenha surgido na época atual, mas ela é potencializada na contemporaneidade.
A depressão é um estado muito presente na clínica contemporânea com adolescentes. Alguns sujeitos se queixam de falta de energia, desinteresse, apatia, tédio, lentidão, tristeza e angústia. Percebe-se um desinvestimento libidinal em objetos externos e, consequentemente, a vida das pessoas vai perdendo os pilares que as enlaçavam ao mundo. A realização de tarefas torna-se uma jornada desgastante e o seu desejo mostra-se empobrecido.
Após suas formulações em "Sobre a Transitoriedade" (Freud, 1916/2006), em "Além do Princípio do Prazer" (Freud, 1920/2006), em "Luto e Melancolia" (Freud, 1917/2011), dentre outros títulos de importância para a reflexão do afeto depressivo, Freud chegou, por fim, a estabelecer as diferenças entre os estados de melancolia, depressão e mudanças de humor, que, no início de seus estudos, ainda eram tratados com um quadro clínico único. A depressão passa a ser tratada como uma condição, um fenômeno que pode estar presente na vida de qualquer pessoa, com qualquer estrutura psíquica, e não como uma patologia. Assim, difere-se a condição depressiva da melancolia, que corresponderia a um quadro psicótico bem definido (Péret, 2003).
Após a realização de estudos e experiências clínicas com pacientes histéricas, Freud (1892/1893) teoriza que, em tais fenômenos, a pessoa, na tentativa de eliminar a ideia incompatível, rechaça o que ela não quer saber para o inconsciente, através do mecanismo de recalque. Esse "não querer saber de si mesmo" é também referido por Freud (1892/1893) pela expressão "falta moral" (Péret, 2003). Posteriormente, o termo será retomado por Lacan (1973/2003) como "covardia moral" em sua obra "Télévision", nas suas reflexões acerca da depressão e da tristeza.
Lacan (1973/2003) também não trata da depressão como uma nosologia determinada, mas tenta entendê-la de um ponto de vista ético, levando em conta o sujeito como desejante. A depressão, como um estado de alma ou como dor de existir, é uma condição de fuga de si mesmo, de não querer saber sobre o seu desejo. O desejo é algo composto essencialmente por uma tensão, pois une algo que se busca com algo que não se tem ao alcance, e é essa tensão que traz ao mundo a possibilidade dos sentidos que cada um atribui a ele.
A depressão como um valor social não corresponde à época atual, como afirma Teixeira (2008):
[...] já se foi o tempo em que se podia estilizar a depressão, em que se podia dar à tristeza a dimensão de valor estetizada, por exemplo, no gesto do poeta romântico do século XIX. Nosso momento é definitivamente outro e o discurso contemporâneo não quer mais saber da depressão enquanto valor (Teixeira, 2008, p. 27).
O momento vigente é o de culto à felicidade, à satisfação dos prazeres; momento de idolatria à juventude, como divulgado amplamente na televisão e outras mídias. No espaço midiático, somente há lugar para corpos esculturais, em que não se registram a passagem do tempo e as falhas humanas.
Na contramão do culto à felicidade, os diagnósticos de depressão crescem a cada dia e apontam para um futuro cujo retrato não corresponde ao que se busca na sociedade de consumo. Segundo previsão da Organização Mundial de Saúde (OMS, 2009), a depressão será a segunda maior causa de incapacitação no mundo em 2020, sendo que, nos países considerados desenvolvidos, ela aparece em primeiro lugar. Interessante que o próprio termo escolhido para a OMS, a "incapacitação", aponta para o mal do qual o homem contemporâneo não pode sofrer: o da improdutividade.
O aumento significativo das depressões no século XXI sinaliza que algo não caminha bem na atual sociedade maníaca em que vivemos, e uma solução para isso é incluir a depressão na lógica do consumo, seja aumentando a oferta de antidepressivos no mercado, seja medicalizando o luto, o desânimo e a simples tristeza, insuportáveis na era da felicidade eufórica. A depressão apresenta-se como uma deformidade quimicamente tratável. Kehl (2009) afirma que, "Ao patologizar a tristeza, perde-se um importante saber sobre a dor de viver" (Kehl, 2009, p. 31). A medicalização que visa anestesiar o mal-estar do sujeito o impede, também, de construir novas soluções e referências para seu modo de viver.
Se na Antiguidade a melancolia apontava ser o mal-estar de sua época, a depressão cumpre hoje esse papel, nomeando os sofrimentos advindos da perda do lugar dos sujeitos junto à versão imaginária do Outro. A perda desse lugar abala as certezas imaginárias que sustentam o sentimento de ser do sujeito (Kehl, 2009).
A depressão incomoda justamente por apontar a discrepância entre o que a lógica da eficácia exalta e o efeito que isso provoca no homem contemporâneo. Conforme afirma Kehl (2009), "A depressão é a expressão de mal-estar que faz água e ameaça afundar a nau dos bem-adaptados ao século da velocidade, da euforia prêt-à-porter, da saúde, do exibicionismo e, como já se tornou chavão, do consumo generalizado" (Kehl, 2009, p. 22). A autora utiliza-se de uma hipótese lacaniana acerca da depressão para destacar os aspectos subjetivos que a envolvem:
Demissão subjetiva foi como Lacan designou a posição do sujeito que se deprime: aquele que sofre da única culpa justificável, em psicanálise, a culpa por ceder em seu desejo [...]. Mas o depressivo é aquele que se deixa cair ou - tomo de empréstimo aqui a expressão de Mauro Mendes Dias - aquele que "cai antes da queda". Há uma covardia nesse deixar-se cair, no que toca ao enfrentamento com a castração. Não que o depressivo se saiba covarde; o que ele percebe são os efeitos dessa covardia originária e inconsciente sobre todos os aspectos de sua vida subjetiva (Kehl, 2009, p. 58).
Kehl (2009), ao analisar as depressões na adolescência, as nomeia "sintoma social", e afirma que tais depressões podem ser interpretadas como um indício de que a lógica de produção na contemporaneidade é falha. O que a depressão tem a nos dizer como sintoma das formas contemporâneas do mal-estar? A depressão apresenta-se como aquilo que resiste ao imperativo de gozo, à fé na felicidade consumista, a aceleração e a alta performance produtiva. O depressivo é aquele que sofre do único sentimento de culpa legítimo, o de ter traído sua via desejante; culpa-se diante do supereu por não tirar proveito de sua traição (Kehl, 2009). Quando a depressão se apresenta na adolescência, os efeitos tendem a ter proporções ainda maiores. O isolamento, a perda de autoestima e os sentimentos de incompreensão são potencializados na cultura atual, levando, em alguns casos, a tentativas de suicídio, que podem ser fatais.
Considerações finais
Em conversações com adolescentes acerca do uso que estes fazem das redes sociais, fomos surpreendidos com a frequência com que o significante "tédio" surge em seus discursos, ao abordarem as experiências na internet, a vida escolar e familiar. Eles relacionam o surgimento do tédio com o sentimento de solidão. Para lidar com o tédio, os adolescentes procuram incontáveis saídas como, por exemplo, conectar-se a jogos virtuais, assistir aos desenhos animados japoneses (chamados de animes), dormir e acessar as redes sociais.
O tédio, a morosidade e a depressão são alguns nomes do mal-estar contemporâneo, são respostas subjetivas ao contexto atual muito presentes na adolescência, momento em que sujeito se vê perdido e às voltas com inúmeras questões sobre sua identidade, sexualidade e relações sociais. Vivemos o culto à felicidade, à satisfação dos prazeres, à juventude, atrelados à cultura do consumo. Nas imagens ideais, veiculadas pela mídia, não se registram a passagem do tempo e as falhas humanas.
Na contramão do culto à felicidade, os diagnósticos de depressão crescem a cada dia. Na cultura dos excessos, vive-se o vazio de sentidos; a sociedade em rede esconde a solidão dos corpos, a comunicação frenética denuncia a dificuldade de se escutar o Outro, a sociedade maníaca produz o tédio. A sociedade contemporânea quer rechaçar a depressão, que se contrapõe à lógica do consumo, da eficiência e da felicidade. Como resposta ao tédio, à depressão e ao desinteresse crescentes, as indústrias farmacêuticas produzem os medicamentos que visam curar tais patologias, prometendo restaurar a felicidade, a eficiência e a agilidade.
A sociedade maníaca atual não aceita a falta, a solidão e o fracasso. Os sujeitos usam os dispositivos tecnológicos na tentativa de preencher qualquer espaço vazio em suas vidas ou, diante de toda manifestação de tristeza ou desânimo; contudo, como apontado pelos adolescentes nas conversações, a aposta nas redes sociais nem sempre é bem-sucedida, podendo potencializar a sensação de vazio que, por sua vez, torna-se insuportável numa sociedade que valoriza a felicidade e a completude a qualquer preço. O tédio, portanto, contraria o chamado à aceleração como uma recusa ao imperativo de felicidade e produtividade de nossa época.
O tédio pode surgir no confronto do sujeito com o real da puberdade. O declínio do Ideal e a ascensão do objeto a é algo próprio do tempo lógico da adolescência. Mas vivemos exatamente a época do declínio do Ideal e da ascensão do objeto a. Assim, o tempo lógico da adolescência, traumático por excelência, é dilatado no tempo contemporâneo, que o faz reverberar. Desse modo, alguns adolescentes de nosso tempo identificam-se com o vazio descoberto sob o modo do nada ou do dejeto. A falta de referenciais simbólicos norteadores do sujeito na cultura expõe os adolescentes à dispersão, que é reforçada pela cultura digital. Portanto, consideramos que o tédio é tanto uma resposta do sujeito adolescente ao confronto com o real do sexo, quanto às condições de nossa época.
Notas:
(1) "Nós somos somente adolescentes entediados. Em busca de amor ou, devo dizer, de desejos intensos. Adolescentes entediados vendo a si mesmos como estranhos." (Música We are just bored teenagers da banda The Adverts, 1977, tradução nossa).
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Recebido em: 14/11/2016
Aprovado em: 03/02/2017