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Interamerican Journal of Psychology

versão impressa ISSN 0034-9690

Interam. j. psychol. v.41 n.3 Porto Alegre dez. 2007

 

RECENSIÓN

 

Ferramenta útil na pesquisa e clínica de neuropsicologia: "um compêndio de testes neuropsicológicos"

 

 

Rochele Paz Fonseca1; Jerusa Fumagalli de Salles; Maria Alice de Mattos Pimenta Parente

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil

 

 

A avaliação neuropsicológica é uma área da neuropsicologia que vem crescendo consideravelmente. Sua expansão foi marcante nos anos 90, época conhecida como a década do cérebro, em que ocorreram muitos avanços teórico-metodológicos nos campos de neurociências, neurologia, psicologia cognitiva e psicolingüística (Baddeley, Bueno, Cahill, Fuster, Izquierdo, McGaugh, & cols., 2000; Côté, Payer, Giroux, & Joanette, 2007).

Além do interesse pelo processo mental examinado, por influência da psicologia cognitiva e da psicolingüística, observa-se um aumento do interesse pelo produto nas pesquisas em avaliação neuropsicológica, por influência da psicometria (Mäder, 2002). Assim, muitos estudos com instrumentos neuropsicológicos passaram a enfocar a busca por critérios psicométricos (por exemplo, Lu, Boone, Cozolino, & Mitchell, 2003; Ostrosky-Solís, Dávila, Ortiz, Vega, Ramos, Celis, & cols., 1999; Wilkie, Goodkin, Ardila, Concha, Lee, Lecusay, & cols., 2004).

Na América Latina, há uma tradição dos neuropsicólogos clínicos e/ou pesquisadores de usarem instrumentos traduzidos, sendo o diagnóstico baseado em normas de populações estrangeiras (Ostrosky-Solís, Ardila, & Rosselli, 1999). No Brasil, essa tradição é bastante freqüente em função da falta de ferramentas clínicas nacionais ou de testes neuropsicológicos adaptados de outras línguas para a realidade social, cultural e lingüística brasileira. Nesse contexto, a consulta a guias com informações psicométricas e normas de aplicação e pontuação de instrumentos neuropsicológicos utilizados internacionalmente tem sido muito importante para nortear o processo de avaliação nos âmbitos clínico e de pesquisa, especialmente em países onde há escassez de ferramentas adequadamente padronizadas.

A obra "A Compendium of Neuropsychological Tests", em português "Um Compêndio de Instrumentos Neuropsicológicos", vem sendo uma espécie de "bíblia" para clínicos e pesquisadores da área de avaliação neuropsicológica (por exemplo, Balsimelli, Mendes, Bertolucci, & Tilbery, 2007), desde sua primeira edição (Spreen & Strauss, 1991). Esse guia foi ampliado e revisado na sua segunda edição (Spreen & Strauss, 1998). A terceira edição do Compêndio de Instrumentos Neuropsicológicos (Strauss, Sherman, & Spreen, 2006), totalmente expandida e revisada, traz modificações importantes para a atualização dos profissionais que atuam em avaliação neuropsicológica.

Além de uma linguagem clara, concisa, organizada e atraente, convidando o leitor a dissecar essa obra, a praticidade parece ter sido a palavra-chave eleita pelos autores na redação do Compêndio. A questão que norteou a construção dos 16 capítulos desse livro, distribuídos em 1216 páginas, foi "Quão bem você conhece suas ferramentas de avaliação?" O principal objetivo dos autores dessa obra foi redigir um texto que fornecesse informações relevantes e atuais sobre os testes neuropsicológicos mais usados, norteadas por uma neuropsicologia baseada em evidências. Os autores visaram a guiar o leitor quanto aos procedimentos, publicados ou não, e quanto às propriedades psicométricas dos instrumentos de sua prática. São apresentadas, também, orientações sobre seleção dos instrumentos e interpretação dos dados obtidos.

Nos capítulos 1 e 2 do Compêndio, dois temas importantes no processo de avaliação neuropsicológica são discutidos: psicometria no exame neuropsicológico e seleção de normas. O terceiro capítulo trata da entrevista clínica neuropsicológica, definida como um dos quatro pilares do processo de avaliação, juntamente com testes formais, procedimentos de testagem informal e observação clínica. Os autores incluem uma sugestão de questionário completo e preciso para o exame de adultos e de uma versão para a avaliação infantil. No quarto capítulo, são abordadas três etapas importantes para um processo diagnóstico acurado: seleção de testes, administração dos instrumentos e preparação do paciente. Dentre outros tópicos, são salientados a importância do registro completo das informações, as particularidades das tarefas computadorizadas e o uso do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O quinto capítulo é destinado a orientações quanto ao laudo e às sessões de retorno ao paciente e à sua família. No sexto capítulo, os modelos de inteligência são discutidos e são descritas algumas baterias neuropsicológicas e testes de avaliação da inteligência pré-mórbida, tais como os conhecidos instrumentos Mini-Exame do Estado Mental, WAIS-III e WISC-IV.

Os instrumentos de avaliação de desempenho são analisados no sétimo capítulo, em que são caracterizados como ferramentas importantes no diagnóstico dos transtornos de aprendizagem. Em geral, esses testes mensuram habilidades de linguagem oral, leitura, escrita e aritmética e, quando utilizados com outros testes, servem para determinar se o indivíduo necessita de intervenção. Do capítulo 8 ao 14, são apresentados os instrumentos mais utilizados na avaliação das diferentes funções neuropsicológicas, tais como, funções executivas (fluência verbal, Hayling Test, etc), atenção (PASAT, Trail Making Test, entre outros), memória (Rey verbal e visual, Buschke Selective Reminding Test, etc), linguagem (Teste de Nomeação de Boston, Token Test, etc). Por fim, nos capítulos 15 e 16, os autores revisam instrumentos de avaliação do humor, da personalidade e de funções adaptativas (Geriatric Depression Scale - GDS, por exemplo) e particularidades da avaliação de respostas simuladas.

Em busca de praticidade para o leitor, os autores preocuparam-se em criar uma estrutura fixa para os 11 capítulos (do 6 ao 16) em que trazem uma revisão rica e simultaneamente sucinta de testes neuropsicológicos, agrupados por função neuropsicológica predominantemente examinada. Dessa maneira, em cada capítulo, há uma breve introdução com o panorama geral da avaliação da função abordada, uma tabela muito bem organizada, que sintetiza informações de cada teste descrito (nome do teste, faixa etária em que pode ser utilizado, tarefas incluídas, tempo de administração, alguns processos que o teste se propõe a avaliar, fidedignidade, sensibilidade e validade) e a seqüência de testes revisados. Na revisão de cada instrumento neuropsicológico, há dados sobre os seguintes aspectos: objetivo, fonte onde pode ser encontrado e adquirido, faixa etária que abrange, descrição, administração (materiais e estímulos; normas de aplicação e pontuação, incluindo instruções e tempo de aplicação), efeitos de fatores sócio-demográficos como idade, escolaridade e sexo, dados normativos com tabelas, estudos de confiabilidade, evidências de validade, comentários (subseção onde os autores fazem uma análise crítico-reflexiva breve do uso do teste e das informações sobre ele apresentadas) e as referências citadas.

Os neuropsicólogos que conheciam e utilizavam em sua prática a segunda edição do Compêndio podem notar que houve importantes mudanças entre a obra de 1998 e a de 2006. Os dois primeiros capítulos foram acrescentados, instrumentando clínicos e pesquisadores a refletirem sobre e aplicar em relação entre avaliação neuropsicológica e psicometria, podendo auxiliá-los, inclusive, em estudos de adaptação de instrumentos. Houve melhorias na formatação e títulos dos capítulos, o que facilita ainda mais a busca rápida por informações. Alguns capítulos foram retirados, tal como aquele referente aos testes cognitivos para crianças. No entanto, observa-se que informações sobre a administração de versões infantis de vários instrumentos foram distribuídas ao longo dos capítulos. A principal modificação foi, indubitavelmente, a retirada de testes pouco utilizados, a inserção de outros freqüentemente usados e a atualização das edições e das características psicométricas dos testes que foram mantidos.

A partir dessa síntese dos tópicos abordados no Compêndio, observam-se mais pontos fortes do que fracos na obra. Dentre os fortes, destaca-se o fato dos autores terem partido de sua experiência clínica e trazido dados da literatura científica, com pesquisas atuais de aplicabilidade de cada teste no estudo com populações neurológicas e com indivíduos saudáveis em uma perspectiva desenvolvimental, com dados da infância à terceira idade. Assim, unem as principais informações de cada ferramenta, poupando clínicos e pesquisadores de lerem na íntegra ou minuciosamente o manual de cada instrumento frente a um grave, mas real problema de limite de tempo e excesso de informações que todos vivenciam hoje. Outro ponto forte diz respeito à inclusão de tarefas experimentais utilizadas em pesquisas de avaliação das diferentes funções neuropsicológicas. A importância do paradigma da psicologia experimental para o processo de avaliação neuropsicológica foi precisamente ilustrada.

No que concerne às limitações ou pontos fracos da obra, ressaltam-se falhas na revisão de algumas ferramentas importantes, por exemplo, na avaliação neuropsicológica da linguagem. Dentre os testes descritos no capítulo dedicado a essa função, não foram abordados instrumentos de avaliação de habilidades comunicativas relacionadas à especialização do hemisfério cerebral direito, como a Right Hemisphere Language Battery (Bryan, 2004). Ainda, estão insuficientes os testes que incluem linguagem escrita. Esses instrumentos avaliam as habilidades de leitura e escrita no nível de palavras, sentenças e pequenos parágrafos e não no nível de complexidade textual.

Frente aos aspectos abordados nessa resenha fica clara a imensa e relevante utilidade do Compêndio na prática neuropsicológica. Uma ressalva quanto ao uso mais co mum dessa obra deve, no entanto, ser feita. Segundo os próprios autores, o uso de normas estrangeiras como referências diagnósticas deve ser muito cauteloso. Isso porque, principalmente no caso dos testes com estímulos verbais, a influência de fatores sócio-demográficos e psicolingüísticos característicos de cada população e de cada língua impossibilita que dados normativos de um país sejam generalizados para outros países. Esse risco diminui apenas um pouco no caso dos instrumentos com estímulos predominantemente não-verbais, como números em ordem ascendente e letras em ordem alfabética, presentes no Trail Making Test (Teste das Trilhas).

Convidam-se os leitores dessa resenha a passarem a usar a terceira edição do Compêndio de Instrumentos Neuropsicológicos, sem, no entanto, esquecerem de que o processo de avaliação neuropsicológica não se resume à aplicação de um conjunto de testes. Seus pressupostos, métodos e objetivos extrapolam esse limite. Os testes são apenas uma das ferramentas que podem enriquecer a avaliação, composta por anamnese, observação clínica, contato com familiares, cuidadores e equipe que atende o paciente e tarefas neuropsicológicas desenvolvidas para melhor investigar cada caso. Os próprios autores do Compêndio fazem questão de deixar claros esses aspectos.

 

Referências

Baddeley, A., Bueno, O.F.A., Cahill, L., Fuster, J.M., Izquierdo, I., McGaugh, J.L., Morris, R.G.M., Nadel, L., Routtenberg, A., Xavier, G., & Cunha, C. (2000). The brain decade in debate: I. Neurobiology of learning and memory. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, 33, 993-1002.

Balsimelli, S., Mendes, M.F., Bertolucci, P.H.F., & Tilbery, C.P. (2007). Attention impairment associated with relapsing-remitting multiple sclerosis patients with mild incapacity. Arquivos de Neuropsiquiatria, 65(2-A), 262-267.

Bryan, K.L. (2004). The Right Hemisphere Language Battery (2nd edition). England: Whurr.

Côté, H., Payer, M., Giroux, F., & Joanette, Y. (2007). Towards a description of clinical communication impairment profiles following right-hemisphere damage. Aphasiology, 21 (6,7,8), 739-749.

Lu, P. H., Boone, K. B., Cozolino, L., & Mitchell, C. (2003). Effectivenes of Rey-Osterrieth Complex Figure Test and the Meyers and Meyers recognition trial: The detection of suspect effort. Clinical Neuropsychology, 17, 426-440.

Mäder, M.J. (2002). Avaliação neuropsicológica: da pesquisa à prática clínica com adultos. In: R.M. Cruz, J.C. Alchieri, & J.J. Sarda Jr. Avaliação e medidas psicológicas (pp. 47-68). São Paulo: Casa do Psicólogo.

Ostrosky-Solís, F., Ardila, A., & Rosselli, M. (1999). NEUROPSI: a brief neuropsychological test battery in Spanish with norms by age and educational level. Journal of the International Neuropsychological Society, 5, 413-433.

Ostrosky-Solís, F., Dávila, G., Ortiz, X., Vega, F., Ramos, G.G., Celis, M., Davila, L., Gómez, C., Jiménez, S., Juaréz, S., Corte, G., & Molina, B. (1999). Determination of normative criteria and validation of the SKT for use in Spanish-Speaking populations. International Psychogeriatrics, 11(2), 171-180.

Spreen, O. & Strauss, E. (1991). A Compendium of Neuropsychological Tests: Administration, Norms and Commentary (1st ed.). New York: Oxford University Press.

Spreen, O. & Strauss, E. (1998). A Compendium of Neuropsychological Tests: Administration, Norms and Commentary (2nd ed.). New York: Oxford University Press.

Strauss, E., Sherman, E.M.S., & Spreen, O. (2006). A Compendium of Neuropsychological Tests: Administration, Norms and Commentary (3rd ed.). New York: Oxford University Press.

Wilkie, F.L., Goodkin, K., Ardila, A., Concha, M., Lee, D., Lecusay, R., Suarez, P., Zuilen, M.H.V., Molina, R., & O´Mellan, S. (2004). HUMANS: An English and Spanish neuropsychological test battery for assessing HIV-1-infected individuals—initial report. Applied Neuropsychology, 11(3), 121-133.

 

 

Rochele Paz Fonseca. Doutora e Mestre em Psicologia do Desenvolvimento (UFRGS/Universidade de Montreal). Pesquisadora convidada do Laboratório de Neuropsicolingüística, Instituto de Psicologia, UFRGS, Brasil. Docente da Faculdade de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia universidade católica do Rio Grande do Sul - PUCRS.
Jerusa Fumagalli de Salles. Doutora em Psicologia do Desenvolvimento, Profa. Adjunto do Instituto de Psicologia, Departamento de Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade e PPG em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, Brasil.
Maria Alice de Mattos Pimenta Parente. Doutora em Psicologia, Profa. Adjunto do Instituto de Psicologia, Departamento de Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade e PPG em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, Brasil.
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