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Psicologia Clínica
versão impressa ISSN 0103-5665versão On-line ISSN 1980-5438
Psicol. clin. vol.28 no.3 Rio de Janeiro 2016
SEÇÃO LIVRE
Trajetórias de desenvolvimento e marcos de vida em jovens do Rio de Janeiro
Development paths and milestones in Rio de Janeiro youngsters
Trayectoria del desarrollo y marcos de vida en jóvenes del Rio de Janeiro
Natasha Silva SantosI; Maria Lucia Seidl-de-MouraII; Tânia Abreu da Silva VictorIII; Dandara de Oliveira RamosIV
IUniversidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IIUniversidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IIIUniversidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IVUniversidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Rio de Janeiro, RJ, Brasil
RESUMO
A transição para a idade adulta é uma fase do desenvolvimento caracterizada diferentemente dependendo do contexto e época analisados. Em contextos industrializados, tornar-se adulto é marcado pela valorização da escolarização e especialização profissional, enquanto em contextos tradicionais há valorização do casamento e em formar uma família. O estudo buscou investigar a relação desses marcadores característicos da entrada na vida adulta, sua relação com as trajetórias de desenvolvimento e escolaridade. Participaram deste 40 jovens, criados no Estado do Rio de Janeiro (RJ), com idade entre 18 e 25 anos, de níveis alto e baixo de escolaridade. Os resultados mostraram que a diferença de escolaridade não interfere na escolha dos marcadores desta amostra. Houve associações da escolha de marcadores e as trajetórias de desenvolvimento. Conclui-se que, embora não tenha havido influência da escolaridade em contextos em que há valorização da autonomia, há tendência por escolhas individualistas de marcadores, enquanto nos em que há maior valorização de interdependência há tendência por escolhas de marcadores relacionais. Apesar de limitações, como número reduzido de participantes, acredita-se que houve contribuição para a literatura, já que existem poucos estudos que incluam jovens brasileiros.
Palavras-chave: trajetórias de desenvolvimento; marcos de vida; jovens.
ABSTRACT
The transition to adulthood is a developmental stage differently characterized depending on context and time. In industrialized contexts, becoming an adult is marked by the appreciation of education and professional expertise, while in traditional contexts, getting married and starting a family are appreciated instead. The study aimed to investigate the relation between these markers of entry into adulthood and their relation to the participants’ development paths and education levels. Forty youngsters raised in the State of Rio de Janeiro (RJ), aged between 18 and 25 years old, of high and low levels of education, took part in this study. The results showed that the difference in education levels does not interfere in the choice of markers in this sample. There were associations between the choice of markers and development paths. Although there was no influence of education in contexts where there is appreciation of autonomy, there is a tendency for individualistic markers’ choices, while where there is appreciation of interdependence, there is a tendency for relational markers’ choices. Despite limitations, such as small number of participants, it is believed that there was a contribution to the literature, as nowadays there are few studies that include Young Brazilians as participants.
Keywords: development paths; milestones; youngsters.
RESUMEN
La transición a la edad adulta es una etapa del desarrollo caracterizada de manera diferente dependiendo del contexto y de la época analizada. En contextos industrializados, volverse adulto está marcado por la apreciación de la educación y especialización profesional, mientras que en los contextos tradicionales, la boda y formar una familia son apreciados. El estudio tuvo como objetivo investigar la relación entre estos marcadores característicos de la entrada en la edad adulta, su relación con las trayectorias de desarrollo y escolaridad. Participan de esto, 40 jóvenes, criados en el Estado del Río de Janeiro (RJ), con edades entre 18 y 25 años, de altos y bajos niveles de escolaridad. Los resultados mostraron que la escolaridad no interfiere en la elección de marcadores. Hubo asociación de la elección de marcadores y las trayectorias. Hemos concluido que aunque no hubo influencia de la escolaridad en contextos donde hay apreciación de autonomía, hay una tendencia por opciones individualistas, mientras que en los que hay apreciación de interdependencia hay una tendencia por opciones de marcadores relacionales. A pesar de limitaciones, como pequeño número de participantes, se cree que ha habido contribución a la literatura, ya que hay pocos estudios que incluyen la juventud brasileña.
Palabras clave: trayectorias de desarrollo; marcos de la vida; juventud.
Introdução
A transição para a idade adulta é um momento do desenvolvimento humano diferentemente conceituado dependendo da época e contexto tomados para análise. O plano sociocultural, no qual se dá o processo de desenvolvimento, passa por constantes transformações, afetando, dessa forma, a caracterização e disposição desta e de outras fases (Seidl-de-Moura et al., 2004).
Segundo Ariès (1981), até o século XVIII a idade adulta seguia imediatamente a infância, não havendo um período transitório. A separação clara entre infância e adolescência ocorrerá apenas na metade do século XVIII e início do século XIX. Com isso, esta se tornava oficialmente o período de transição para a idade adulta. O conceito de adolescência foi consolidado por avanços na pedagogia, filosofia e medicina (Del Priore, 2007) e Jean-Jacques Rousseau foi um dos primeiros a conceituá-la como um período entre a infância e a idade adulta que é inerente ao desenvolvimento. A partir dessa visão naturalista da adolescência, esta é entendida como etapa com características específicas e estáveis e que nada se modifica de acordo com o contexto (Ozella, 2002).
Nos dias atuais, a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece a adolescência como um período compreendido entre 10 e 19 anos. Porém, para a Organização das Nações Unidas (ONU), esse período estaria entre 15 e 24 anos, mostrando, assim, que há divergência com relação ao início e fim, ao menos cronológico, dessa fase.
Para a Psicologia Evolucionista do Desenvolvimento, uma abordagem baseada em conceitos da Psicologia Cognitiva e Teoria da Evolução (Vieira & Prado, 2004), a adolescência humana é fortemente definida pela interação dos traços comuns à espécie com os contextos físicos, culturais e sociais. O desenvolvimento biológico típico como a menarca, adrenarca e aparecimento dos caracteres sexuais secundários apresentará variações individuais e populacionais ajustados por características muito específicas do ambiente de vida do adolescente. Há evidências, por exemplo, de uma associação negativa entre o risco de mortalidade juvenil e índices de violência com a média de idade da menarca e da iniciação sexual (Brumbach, Figueredo, & Ellis, 2009; Ellis, Figueredo, Brumbach, & Schlomer, 2009). Nessa perspectiva teórica, a adolescência é pensada como um período crucial para a maturação de competências sociocognitivas e reprodutivas. O desenvolvimento de tais características, no entanto, é mediado pelo contexto sempre visando maximizar as chances de sobrevivência e reprodução do individuo adolescente.
Se estendermos essa linha de raciocínio ao estudo da adolescência em contextos industrializados, marcados por uma maior valorização da autonomia, incentivo à escolarização, competitividade e um período cada vez mais longo de preparação para a vida social e econômica de um adulto (Arnett, 2003), podemos esperar transformações específicas no desenvolvimento da adolescência, com pressões sociais que modificam aquilo que é esperado das estratégias comportamentais das pessoas. Nesses contextos, as pessoas tenderão a postergar o casamento e ter filhos a fim de especializar-se educacional e profissionalmente. As capacidades sociocognitivas necessárias para que um adolescente se torne um adulto socialmente competente em contextos como esses são estimuladoras de um período de desenvolvimento ainda mais longo e com mais exigências a serem cumpridas. Essa ênfase nos desafios sociais está presente na perspectiva sócio-histórica do estudo da adolescência, em que esta é compreendida como um período construído pelas condições sociais. A partir desse viés, a construção da adolescência teria se dado devido à demanda da sociedade capitalista de maior especialização profissional, exigindo mais tempo de escolarização (Ozella, 2002).
A necessidade de um maior tempo de escolarização visando à especialização profissional é característica de culturas ocidentais e industrializadas (Arnett, 2007). Essa se tornou uma das marcas da transição para a idade adulta nesses contextos. Devido à importância dada à escolarização, os planos de formar uma família acabam sendo postergados.
O tempo reservado a uma maior escolarização acaba por adiar a entrada na vida adulta nas culturas ocidentais e industrializadas até os 25 anos e, em alguns casos, até os 29 (Arnett, 2003). Por conta dessa extensão, Arnett (2007) propõe que esse momento seja uma fase do desenvolvimento, ao invés de apenas uma passagem. A esse novo período ele deu o nome de "adultez emergente", caracterizado como um momento de exploração de identidades, instabilidade, etc. nas vidas pessoais e profissionais dos jovens oriundos dessas culturas.
Arnett (2001) defende que estudos realizados nos EUA comprovam a existência dessa fase. Porém em outras culturas é possível que não haja espaço e/ou tempo para a exploração de identidades e a idade adulta acaba ocorrendo imediatamente após a adolescência. Isso pode ocorrer devido a valores específicos daquela cultura ou a uma condição socioeconômica que não permita essas explorações.
Na cultura italiana, a adultez emergente ocorre de maneira distinta à de outras culturas ocidentais. Esse período de exploração e experimentação acontece, mas dentro da família, já que o contexto não favorece a autonomia individual (Lanz & Tagliabue, 2007). Os jovens italianos não costumam trabalhar até o fim da escola, sendo assim sustentados pelos familiares, precisando permanecer na casa dos pais. Porém, segundo esses autores, isso ocorreria não somente pela necessidade financeira, mas pela sensação de bem-estar trazida nessa convivência. Por conta desses fatores, casar-se torna-se a principal razão para deixar o lar de origem, pois os italianos raramente experimentam outras formas de moradia.
Casar-se é, então, um importante marcador social de transição para a idade adulta na cultura italiana, assim como em culturas ditas "tradicionais". O casamento envolve o desenvolvimento prévio de uma série de responsabilidades e o cultivo de determinadas capacidades que variam de acordo com o gênero. Ou seja, enquanto os homens desenvolveriam capacidades de prover e proteger a prole; as mulheres desenvolveriam as de cuidar do lar e dos filhos (Schlegel & Barry, 1991).
Percebe-se que a transição para a idade adulta ocorrerá de determinada forma a depender do contexto e valores que são nele enfatizados mais autônomos ou relacionais, como propôs Kagitcibasi (2005). Formar uma família, investir por mais tempo na escolarização, buscar maior especialização profissional, dentre outros, poderão então funcionar como marcadores sociais característicos dessa transição.
Diferentemente de Ariès (1981), que acreditava não haver um período de transição para a idade adulta antes da diferenciação entre e infância e adolescência, Del Priore (2007) dá ênfase aos ritos de passagem, que devem ser vistos como essenciais nesse processo. Da mesma forma, Van Gennep (1978) afirma que, em algumas culturas, os ritos que transformam os jovens em homens ou mulheres marcam a passagem de um mundo assexuado para o sexuado. Em outras, eventos distintos cumprirão esse papel.
Algumas religiões também possuem rituais fixos de entrada na idade adulta. Na judaica, há o bar e o bat mitzvah. O primeiro é realizado para meninos quando estes completam treze anos e o segundo para meninas quando completam doze. Para os judeus, nessas idades os adolescentes atingiriam um nível de maturidade em que poderiam contribuir para a comunidade (El Far, 2007). O autor salienta a dificuldade de se estabelecer um rito de passagem em uma sociedade mais individualista em que cada um tende a considerar um marco simbólico particular da entrada na vida adulta. Dentre esses marcos a autora destaca como possíveis: o vestibular, a maternidade, o trote, a entrada no serviço militar, etc.
Devido à falta de ritos de passagem demarcados nas culturas ocidentais, Arnett (2007) também aponta para a dificuldade de estabelecer marcadores de transição, apesar de, segundo ele, existir um padrão de eventos em cada sociedade. Na norte-americana e nas outras ocidentais industrializadas, por exemplo, os marcos estariam relacionados a uma atmosfera individualista que ganhou espaço nas últimas décadas.
A pobreza também pode ter um impacto significativo na escolha dos marcadores, pois favorece um menor investimento na escolarização. Assim, sair de casa, o casamento e a parentalidade são eventos que teriam maiores chances de se destacar entre jovens de baixa classe social, agindo como marcadores dessa passagem para a vida adulta (Berzin & Marco, 2010). A escolha desses marcadores dá-se devido a estratégias utilizadas pelos indivíduos apropriadas ao contexto em que estão inseridos. A partir de um viés evolucionista, Daly e Wilson (2005) afirmaram que, durante o desenvolvimento humano, nossa mente evolui a fim de nos permitir tomar decisões estratégicas acerca do futuro. Tendemos a fazer escolhas que tragam resultados imediatos para que não haja o risco de as possibilidades se perderem. Considerando um contexto de baixo poder aquisitivo, em que não há oportunidades para um investimento imediato na educação e especialização profissional, outros aspectos tenderão a ser valorizados.
De acordo com Sánchez, Esparza, Colón e Davis (2010), pessoas de baixa classe social podem viver menos intensamente as oportunidades e possibilidades no período de transição para a vida adulta. Esses autores citaram estudo com colombianos, equatorianos, peruanos e dominicanos em que se constatou que jovens trabalhavam enquanto estudavam para ajudar as famílias, que dependiam desse dinheiro.
Ressalta-se que, apesar da postergação de planos de escolarização, também observada em estudo realizado por Thomé (2013) com 547 jovens do Rio Grande do Sul, no Brasil existem políticas públicas federais que visam dar acesso ao Ensino Superior para jovens de classe baixa. Uma delas é o Programa Universidade Para Todos (PROUNI), implantado em 2005, que, através de bolsas, auxilia na permanência de estudantes de baixo poder aquisitivo nas universidades (Aprile & Barone, 2008). Essas questões mostram que são muitas as variáveis que influenciam o contexto desses jovens e as estratégias que venham a adotar acabam sendo intimamente ligadas a esse contexto (Ellis et al., 2012; Del Guidice & Belsky, 2011).
O estudo de Thomé (2013) foi realizado com jovens de ambos os sexos, com idades variando de 18 a 29 anos e de diferentes níveis socioeconômicos. Os resultados também comprovaram que os jovens oriundos de classes mais baixas costumavam se sentir mais adultos por terem assumido papéis que julgavam adultos, como casar-se, ter filhos ou morar sozinho. "Tornar-se capaz de cuidar dos próprios pais" ganhou maior importância entre os jovens de classe baixa, quando comparados aos de classe alta, comprovando a afirmação de Arnett (2003) e estudos brasileiros (Seidl-de-Moura et al., 2008b; Seidl-de-Moura, Fioravanti-Bastos, Vera Cruz de Carvalho, & Ziviani, 2009; Vieira et al., 2010a; Vieira et al., 2010b) que mostram que há uma tendência para a valorização da autonomia, mas também da relação com outros.
Nota-se que as diferenças de escolhas com relação aos marcadores sociais característicos da transição para a idade adulta podem ocorrer devidas às diferenças de níveis socioeconômicos e diferenças contextuais. Dentro de cada cultura, a ênfase dada mais à relação ou à autonomia influenciará o indivíduo e sua consequente transição. Os valores da sociedade em que indivíduos são criados oferecem uma moldura que dá forma aos comportamentos e interações com crianças, resultando em consequências nas trajetórias de desenvolvimento. Os valores enfatizados se diferenciarão de acordo com o contexto (Phinney, Ong, & Madden, 2000). Assim, a escolha dos marcadores sociais que representam a entrada na idade adulta será guiada a partir da trajetória de construção do self em questão. Por conta disso, é de extrema importância o estudo das trajetórias de desenvolvimento.
Kagitcibasi (2005) propôs que autonomia e relação são necessidades humanas básicas e, apesar de, aparentemente, se contraporem, elas devem ser vistas como complementares. Todos os seres teriam as duas capacidades, porém o fato de uma se expressar mais que a outra dependerá da cultura. Atualmente, a independência individual é um valor cultivado e é refletido na educação familiar em algumas culturas, consideradas como "evoluídas" e que acabam servindo de modelo para o resto do mundo. No entanto, outras perspectivas, como a sociocultural, dão ênfase à cooperação e à relação entre os indivíduos, já que se acredita que esses valores foram e são de grande importância para a manutenção das próximas gerações (Kagitcibasi, 2005).
Kagitcibasi (2005) apontou críticas e problemas empíricos com o modelo individualismo x coletivismo ou independência x interdependência, afirmando que nesses casos o individualismo sempre se vê atrelado à separação, enquanto a interdependência se encontra ao lado da relação. Porém nem sempre isto se mostra verdadeiro e, por diversas vezes, esses opostos podem estar igualmente presentes nos contextos.
Em estudo comparativo entre grupos de jovens norte-americanos brancos, residentes da região metropolitana de São Francisco (EUA), e étnicos (afro-americanos, latino-americanos e asiático-americanos) entre 18 e 29 anos, período em que a maioria dos americanos acredita estar passando pela transição para a vida adulta, Arnett (2003) concluiu que em todos eles os participantes optaram por critérios que refletem independência como necessários para tornar-se adulto. Porém ele observou uma importante diferença: nos grupos étnicos, também foi dada importância a critérios relacionados à relação e à família, mostrando que estes pareciam combinar valores individualistas e relacionais quando se refere ao processo de tornar-se adulto.
Kagitcibasi (1996) constatou, a partir de estudos que sociedades de base coletivista, como as de origem dos grupos étnicos analisados por Arnett (2003) tendem a continuar valorizando aspectos coletivistas, mesmo quando sofrem a influência de aspectos individualistas. O self autônomo-relacionado reflete esse novo padrão encontrado em populações latinas (Sánchez et al., 2010; Phinney, Ong, & Madden, 2000). Além disso, estudos brasileiros com mães da cidade do Rio de Janeiro (Seidl-de-Moura et al., 2008a; Seidl-de-Moura, et al., 2009), com mães de crianças de até três anos de sete estados (Vieira et al., 2010b) e com mães de crianças de até seis anos, de seis capitais e seis cidades pequenas (Vieira et al., 2010a) também comprovaram a tendência a esse modelo de self.
Percebe-se que a transição para a idade adulta em contextos latinos, incluindo o brasileiro, é marcada pela valorização de aspectos de independência e relacionais, que traduzem o tipo de trajetória de desenvolvimento definida por Kagitcibasi (2005) como autônoma-relacionada. Ou seja, ser independente financeiramente assim como cuidar da família são aspectos valorados de forma maior ou menor a depender do contexto (Thomé, 2013) que tomarmos para análise, traduzindo a dificuldade apontada por alguns autores (Arnett, 2007; Brêtas et al., 2008; El Far, 2007) em estabelecer marcadores sociais específicos da transição para a vida adulta em contextos atuais.
Este estudo focaliza a transição para a vida adulta levando em conta a trajetória de socialização do contexto em que estão inseridos e ampliando a investigação de Thomé (2013). Espera-se, a partir do estudo de um grupo de participantes criados no contexto brasileiro do Rio de Janeiro, que a trajetória de desenvolvimento autônoma-relacionada seja identificada (Seidl-de-Moura et al., 2008b; Seidl-de-Moura et al., 2009; Vieira et al., 2010a; Vieira et al., 2010b). No entanto, acredita-se que os jovens da amostra apresentem diferenças nos escores das escalas de autonomia e interdependência de acordo com o nível de escolaridade: jovens de baixa escolaridade tenderão a apresentar maiores escores de interdependência que de autonomia, enquanto os de alta, maiores escores de autonomia que de interdependência. Isso porque jovens que investem em um maior tempo de escolarização tendem a valorar aspectos mais individualistas, enquanto outros que não fazem esse investimento tendem a valorar aspectos mais relacionais (Arnett, 2003).
Espera-se que essa possível diferença de escores de autonomia e interdependência, encontrada entre os grupos de escolaridade baixa e alta tenha relação com a escolha dos marcadores sociais característicos da entrada na vida adulta, havendo uma associação entre os escores das escalas com o privilégio de marcadores. Dessa forma, jovens com maiores escores na escala de autonomia tenderão a optar por marcadores mais característicos da autonomia, como "entrar na faculdade" e "ter um emprego fixo", enquanto jovens com maiores escores na escala de interdependência tenderão a optar por aqueles mais característicos da relação, como "encontrar a pessoa com quem vou me casar ou morar junto" e "ter o primeiro filho".
Enfim, o trabalho tem como objetivo verificar se há uma associação entre um maior ou menor escore de autonomia e interdependência, a depender possivelmente da escolaridade, e o privilégio de marcadores sociais mais característicos da entrada na vida adulta. Além disso, hipotetiza-se que os participantes, sendo brasileiros e criados no Rio de Janeiro, tenderão a desenvolver um self autônomo-relacionado.
Método
Participantes
O presente estudo se origina em dados de um projeto mais amplo coordenado por uma das autoras, aprovado pelo comitê de ética da UERJ (parecer COEP 017/2010). Participaram jovens (N=40), criados e residentes no Estado do Rio de Janeiro (RJ), entre 18 e 25 anos (M=19,45; DP=1,74), de ambos os sexos, 18 (45%) do sexo masculino e 22 (55%) do sexo feminino. Sua escolaridade distribuiu-se em ensino básico completo e ensino fundamental incompleto (2,5%), ensino fundamental incompleto e ensino médio incompleto (17,5%), ensino médio completo (30%), ensino superior incompleto (45%) e ensino superior completo (5%). Todos assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.
Instrumentos
Além de formulário de informações sociodemográficas foram usados:
Duas escalas: as Escalas de Autonomia, Interdependência e Autonomia-Relacionada desenvolvidas por Kagitcibasi (2007) para analisar tendências de desenvolvimento do self (de autonomia, de relação e de autonomia relacionada). No Brasil, foram adaptadas e validadas por Seidl-de-Moura et al. (2013) a partir da aplicação em 207 participantes adultos de ambos os sexos. São do tipo Likert (escala "nem um pouco" "completamente") e compostas por 27 afirmações.
Questionário de "Marcos de Vida Futuros" (Milestones) Adaptado de Wilson e Daly (2006). Inclui treze eventos que podem caracterizar a entrada na vida adulta: "Ter um emprego fixo", "Terminar o ensino médio", "Ter uma casa", "Ter o primeiro filho", "Encontrar a pessoa com quem vou me casar ou morar junto", "Entrar na faculdade", "Ter um carro", "Ter meu segundo filho", "Meu primeiro filho sair de casa", "Ter um diploma universitário", "Ter meu último filho", "Aposentar-me" e "Ter minha primeira experiência sexual".
Os participantes indicaram quais dos eventos aconteceram, virão a acontecer (estimando em quanto tempo: em 1, 2, 5, 10 ou 15 anos) ou nunca acontecerão. Em seguida, responderam a questão se consideram a si próprios adultos ou não e, independentemente da resposta, optaram, dentre os mesmos eventos listados acima, quais, em sua opinião, caracterizariam a entrada na vida adulta.
Procedimentos
A aplicação dos instrumentos ocorreu conforme disponibilidade do participante em dia, horário e locais previamente optados por ele. Para análise dos dados, o teste não paramétrico Mood (Gibbons & Chakraborti, 2011) foi utilizado para verificar uma possível associação entre os perfis de autonomia e interdependência dos jovens e a valorização de marcadores sociais. Os escores das escalas foram transformados em quartis e considerados como variáveis independentes (VI), enquanto as importâncias atribuídas aos marcadores (valores de ordenação de um a 13) foram consideradas como variáveis dependentes (VD).
Para verificar diferenças nos escores das escalas de autonomia, interdependência e autonomia relacionadas entre os níveis de escolaridade, estes foram dicotomizados em nível alto (de ensino superior incompleto e acima) e baixo (até o ensino médio completo). Para testar essa hipótese foi utilizado o teste Mann Whitney (Teste t não paramétrico). A escolaridade em dois níveis (baixo e alto) foi considerada como variável independente (VI) e os escores das escalas, como variáveis dependentes (VD). Por fim, para a comparação dos escores de autonomia, autonomia relacionada e interdependência dos participantes, foi utilizado o teste de postos sinalizados de Wilcoxon. Os escores foram comparados em pares para se identificar o mais elevado.
Resultados e discussão
Esperava-se uma associação entre o perfil de autonomia e a escolha de marcadores sociais característicos desta, sendo que entre os jovens com perfil de maior valorização da autonomia esperava-se maior tendência a escolher marcadores como "entrar na faculdade" e "ter um emprego fixo". Na análise dessa hipótese através do teste não paramétrico Mood foi encontrada diferença significativa entre os jovens do segundo e terceiro quartis de autonomia (x²3= 8,36; p<0,05) na valorização do marcador "entrar na faculdade". Quando comparados com os jovens do segundo quartil, os jovens do terceiro quartil (maior valorização da autonomia) relataram maior valorização desse marcador. Para o marcador "ter um emprego fixo", assim como para todos os demais marcadores, não foram encontradas diferenças significativas entre os perfis de autonomia dos jovens.
A associação com o marcador "entrar na faculdade" era esperada e corrobora a literatura. Segundo Arnett (2000), marcadores de entrada na vida adulta mais autônomos são considerados por indivíduos inseridos em contextos que valorizam maior investimento em educação e independência profissional e que tendem a privilegiar a autonomia, pois estão inseridos em contextos que valorizam mais esses aspectos. Apesar de não haver comprovação de que esses jovens com maiores escores de autonomia estão inseridos em contextos tais quais descritos por Arnett (2000, 2003, 2007), as características destes podem ser estendidas ao Brasil, que pode ser incluído na classificação das sociedades ocidentais e industrializadas das últimas décadas, e ao Rio de Janeiro, descrito por Keller (2011) como um contexto urbano, tipicamente ocidental e pós-industrializado. Além disso, Kagiticibasi (2007) afirmou que autonomia e interdependência não são conceitos opostos, podem coexistir, mas que variam de acordo com o meio. Logo, os participantes que obtiveram altos escores na escala de autonomia também podem ser interdependentes, mas em menor proporção. O fato de serem mais autônomos explica a escolha de um marcador mais individualista, do tipo "entrar na faculdade", como característico da entrada na vida adulta.
O teste Mood não revelou associação significativa entre o perfil de interdependência do jovem e a escolha de marcadores sociais característicos desta, como "encontrar a pessoa com quem vou me casar ou morar junto" e "ter o primeiro filho". Esperava-se que quanto maior a valorização da interdependência, maior tendência de privilegiar esses marcadores, no entanto o marcador "ter um diploma universitário" apresentou diferenças estatisticamente significativas na comparação entre os diferentes perfis. Jovens do primeiro quartil (menor valorização da interdependência) atribuíram maior importância a ter um diploma universitário do que os jovens do quartil seguinte (x²3= 8,96; p<0,05).
A associação entre o marcador "ter um diploma universitário" e o perfil de interdependência não era esperada. No entanto, o fato de os jovens com uma menor valorização de interdependência atribuírem maior importância a ter um diploma universitário parece aproximar-se ao encontrado na literatura. Por tratar-se de uma amostra de perfil autônomo-relacionado, como se verá abaixo, há tendência de os jovens do primeiro quartil a valorizar mais a autonomia que os dos demais quartis, o que explicaria a associação a um marcador mais individualista.
A análise da associação do nível de escolaridade com os escores das escalas de autonomia, a partir do teste Mann Whitney (dada a não normalidade dos dados), demonstrou não haver diferenças entre os escores das escalas de autonomia (U= 168; p>0,05) e interdependência (U= 258; p>0,05) para participantes de diferentes níveis de escolaridade.
O fato de os jovens da amostra serem criados no Estado do Rio de Janeiro (RJ) explica a expectativa de que a diferença de valorização de autonomia ou interdependência fosse explicada por uma alta ou baixa escolaridade, respectivamente já que contextos mais desenvolvidos são marcados por um maior investimento em educação e jovens que valorizam aspectos mais individualistas (Arnett, 2003) e contextos menos desenvolvidos sejam marcados pela falta de recursos que impede o investimento em educação e faz com que outros marcadores sejam considerados como característicos da idade adulta. Berzin e Marco (2010) chegaram a essa conclusão em estudo no qual jovens de baixo nível socioeconômico que, consequentemente, não tinham oportunidades para investimento na escolarização, consideravam outros marcadores, como sair de casa, o casamento e a parentalidade como de passagem para a vida adulta. No entanto, já que não houve diferença entre os escores e os níveis de escolaridade, considera-se, então, que outros fatores não analisados, tais como nível socioeconômico e expectativas de vida e futuro em função da vulnerabilidade dos contextos de vida dos jovens, possam ter interferido nos escores, provocando a diferença na escolha de marcadores.
Não foi observada diferença entre escores das escalas de autonomia e interdependência na comparação dos diferentes níveis de escolaridade. É possível que isso tenha se dado pela distribuição irregular dos participantes por níveis de escolaridade. Houve uma predominância de jovens com pelo menos o ensino médio completo (80%). Não se pode considerar a aparente tendência dos resultados, tendo em vista a ausência de resultados significativos.
A análise do perfil de autonomia da amostra, pelo teste Wilcoxon (dada a não normalidade dos dados), demonstrou que os escores de autonomia relacionada são mais elevados que os de autonomia (W= 770; p<0,05) e de interdependência (W= 35,50; p<0,05), conforme apresentado na Figura 1. Outros estudos com populações brasileiras (Seidl-de-Moura et al., 2008b; Seidl-de-Moura et al., 2009; Vieira et al., 2010a; Vieira et al., 2010b) já haviam mostrado haver uma tendência dos indivíduos a valorizar a autonomia, mas também a relação com outros.
Considerações finais
O estudo buscou investigar as trajetórias de desenvolvimento e marcadores característicos da entrada na vida adulta em diferentes jovens criados no Estado do Rio de Janeiro (RJ). Partindo-se do pressuposto de que o contexto é de extrema importância para a formação e as fases do desenvolvimento do indivíduo, acreditou-se que ele seria essencial na valorização de autonomia ou interdependência, conceitos conforme propostos por Kagiticibasi (2005), para os jovens e consequentemente no privilégio de certos acontecimentos que marcariam, na opinião desses jovens, a entrada na vida adulta.
A partir de amostra diversificada pela escolaridade baixa e alta procurou-se ver as diferenças em "tornar-se adulto" para jovens que, apesar de residentes do mesmo estado, tiveram diferentes oportunidades ac-erca do investimento em educação. Pesquisas em outros países, conforme já expostas ao decorrer deste estudo, mostraram que jovens que têm acesso a maior tempo de escolarização tendem a valorizar aspectos individualistas da entrada na vida adulta (Arnett, 2003), enquanto jovens que têm menor acesso tendem a privilegiar outros aspectos como o casamento e a parentalidade em relação com o outro dessa passagem para a idade adulta (Berzin & Marco, 2010). No entanto, uma vez testada a hipótese, chegou-se à conclusão de que a diferença de escolaridade não interfere na escolha dos marcadores desta amostra.
Apesar disso, houve associações da escolha de marcadores e as trajetórias de desenvolvimento, que corroboraram a literatura. Conclui-se que, embora não tenha havido influência do nível de escolaridade, em contextos em que há valorização da autonomia há uma tendência por escolhas mais individualistas de marcadores, enquanto em contextos em que há maior valorização de interdependência, há uma tendência por escolhas de marcadores mais relacionais.
Acredita-se que este estudo tenha contribuído para a literatura, já que existem poucos estudos atualmente que incluam jovens brasileiros entre seus participantes, destacando-se o de Thomé (2013). No entanto, houve algumas limitações, como o número reduzido de participantes e a não inclusão de variáveis que poderiam contribuir para um melhor entendimento de alguns resultados que não eram esperados. Dentre elas características socioeconômicas referentes a renda familiar e local de moradia a partir do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que, conforme a literatura (Ramos & Victor, 2009), demonstram trajetórias de desenvolvimento mais orientadas para o aqui e agora em detrimento de um investimento para o futuro.
Estudos posteriores com o aumento da amostra e a coleta de mais variáveis relacionadas ao contexto e participantes podem auxiliar na produção de novos resultados que contribuirão para a literatura acerca do tema.
Referências
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Recebido em 28 de julho de 2015
Aceito para publicação em 08 de julho de 2016