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Temas em Psicologia
versão impressa ISSN 1413-389X
Temas psicol. vol.3 no.1 Ribeirão Preto abr. 1995
Papel do pesquisador como mediador no processo de construção de conhecimento do professor(1)
Nancy Vinagre Fonseca de Almeida
Universidade Federal de São Carlos. Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos
O incremento da pesquisa enfocando o pensar do professor torna-se mais freqüente hoje nos meios acadêmicos, dado o olhar novo dos educadores ao processo de ensino, o que determinou a proposta de um objetivo igualmente novo para a formação de professor, que deixa, então, de ser o professor-treinado e treinador, para ser o professor investigador e avaliador de sua própria práxis.
Foi esta perspectiva que deu sentido a uma pesquisa por nós realizada, cujos resultados serão em parte aqui apresentados e discutidos, e com a qual pretendíamos dar alguma contribuição a uma nova linha de investigação, denominada pensamento do professor, ao desenvolvermos estratégias metodológicas que possibilitassem ao investigador desvelar o pensar do professor.
O fato de considerarmos, contudo, que as investigações a respeito deste pensar não devem se limitar a um caráter descritivo mas servir, principalmente, à identificação de aspectos que possam incidir na melhoria da prática pedagógica e, em conseqüência, na própria qualidade do ensino, é que nos motiva a focalizar, neste texto, algumas das principais mudanças identificadas nos modos de pensar da professora, participante da referida pesquisa, sobre ensino-aprendizagem durante o processo interativo com a pesquisadora.
Resumidamente, o procedimento de coleta de dados envolveu um total de 18 encontros entre pesquisadora e professora, num período de 8 meses. Estes encontros eram previamente planejados pela pesquisadora a partir de registros elaborados diretamente pela professora, que continham informações sobre: conceitos ensinados, estratégias de ensino adotadas, dificuldades encontradas pelos alunos - fossem elas acadêmicas, fossem de relacionamento social - dificuldades pessoais para condução da aula, bem como soluções adotadas ou estratégias pensadas para resolução das dificuldades.
As questões que compunham os roteiros orientados das discussões entre as participantes visava, principalmente, levar a professora a refletir sobre os conteúdos de seus próprios registros, entendendo-se este refletir como estabelecer relações entre eventos, fatos ou situações, levantar hipóteses explicativas, propor soluções às dificuldades apresentadas, entre outros. As discussões entre as participantes eram gravadas.
Para dar suporte às explicações sobre as mudanças observadas nos modos de pensar da professora, e que aqui serão colocadas em destaque, adotaremos as contribuições dos teóricos do conflito sócio-cognitivo e do sócio-interacionismo.
A primeira destas mudanças diz respeito à modificação nas concepções sobre ensino-aprendizagem da professora. Isto evidenciou-se, principalmente, pelo aumento de proposições de implementação de formas de ensino alternativas, que sc caracterizavam por propiciar uma participação mais ativa dos alunos na construção do conhecimento.
Houve, ainda, uma nítida diminuição no número de queixas da professora sobre seus alunos, seja com relação a aspectos acadêmicos, seja com relação àquelas relacionadas à disciplina. Além disto, e talvez como decorrência disto, passou a identificar mais freqüentemente os avanços relacionados à aprendizagem dos alunos.
Duas alterações que merecem atenção especial estão relacionadas ao estabelecimento de relações entre eventos ou classes de eventos pela professora, no decorrer do processo de discussão com a pesquisadora.
Para efetuar a identificação destas relações, procuramos verificar, através da análise de suas falas, elementos de ligação (palavras) entre as frases que, em geral, são utilizados como indicadores de conclusão (portanto, daí, logo, assim, etc), ou para assinalar as premissas de um argumento (porque, desde que, pois, dado que, etc.) (Copi, 1978).
Verificamos que a professora não apenas aumentou o número de relações ao longo do processo interativo com a pesquisadora, como deixou de apresentar relações caracterizadas pela falta de consciência.
Podemos interpretar estes resultados como indicativos de uma evolução na capacidade analítica da professora, ao considerarmos, assim como o fez Vygotsky (1989), que o estabelecimento de relações é condição fundamental para o desenvolvimento do processo de sistematização do conhecimento. E a inserção de um conceito num sistema de relações que permite ao pensamento movimentar-se da experiência concreta-imediata às experiências lógico-verbais, características do pensamento científico.
Vimos, por outro lado, que a professora apresentou, durante todo o processo interativo, freqüências bem maiores e constantes para as relações que caracterizam um modo de pensar que se aproxima do que Luria (1988) denominou de consciência sensível, o que significa dizer que as relações estabelecidas foram preponderantemente baseadas em suas experiências concreto-imediatas.
Segundo o referido autor, este modo de pensar é característico de indivíduos que vivem em formações econômicas atrasadas e não passaram por aprendizagem escolar ou, como complementaríamos nós, por aprendizagens escolares que priorizam a aquisição mecânica de informações e não desenvolvem o pensamento teórico, como o faz a maioria das instituições de ensino em nosso país.
Como afirma Vygotsky
... um sistema de ensino baseado somente sobre o concreto... não apenas falha em ajudar a criança a superar suas desvantagens, mas também reforça tais desvantagens à medida em que acostuma o indivíduo a utilizar apenas o raciocínio concreto, suprimindo as possibilidades de utilização de qualquer pensamento abstrato, (em, Brown e Ferrara, 1985, p.299).
Assim sendo, não é de estranhar que a professora por nós estudada, também submetida a este sistema formativo, tenha demonstrado um modo de pensar baseado na experiência prática imediata.
A questão que nos colocamos frente às mudanças anteriormente apontadas é esta: quais aspectos do processo interativo teriam contribuído para a ocorrência destas mudanças?
Algumas reflexões sobre aspectos pontuais do processo interativo serão apresentadas, com base nos aportes teóricos do conflito sócio-cognitivo e do sócio-interacionismo, por acreditarmos que tais reflexões podem auxiliar-nos a levantar hipóteses explicativas para as mudanças observadas nos modos de pensar da professora sobre as situações de ensino-aprendizagem por ela vivenciadas.
Para os teóricos defensores do conflito sócio-cognitivo, a interação social não é automaticamente fonte de progresso cognitivo. Para que isto seja fato, a condição fundamental é que ma interação se evidencie a oposição entre as respostas divergentes dos parceiros, o que poderá ocorrer por razões diferentes e em situações diferentes.
Isto significa dizer que o conflito cognitivo tanto pode surgir em encontros entre indivíduos que possuem esquemas de respostas diferentes, quanto entre indivíduos que, apesar de possuírem o mesmo nível cognitivo e, portanto, os mesmos esquemas operacionais, fazem centrações opostas (Mugny, De Paolis e Carugati, 1984).
No estudo em questão detectamos situações que parecem ter sido provocadoras de conflito cognitivo na professora, situações estas que ocorreram principalmente relacionadas aos questionamentos feitos pela pesquisadora.
O fluxo de verbalização apresentado a seguir entre professora e pesquisadora pode ser ilustrativo destas situações:
Pe - Você falou que os alunos copiam os enunciados mas não fazem os exercícios. Você consegue perceber por quê?
P - Eles não lêem o enunciado, eles só copiam e ficam me perguntando toda hora: Tia, o que é pra fazer?
Pe - O que você chama de enunciado?
P - Enunciado é aquilo que estou pedindo. Por exemplo: eu escrevo "junte os pedacinhos ba + ba". Eu queria que eles lessem "junte os pedacinhos" e resolvessem. Mas não, eles copiam, mas não juntam.
Pe - Seus alunos já estão alfabetizados?
P - (risos) Não, eles ainda nem sabem direito as vogais e as sílabas do ba.
Pe - Se você diz que seus alunos ainda não sabem identificar adequadamente as vogais e sílabas, como é que podem ler os enunciados?
P - Talvez eu tenha que colocar enunciados que eles possam ler, não é?
Pe - Você já pensou que se seus alunos não estão alfabetizados isso impossibilita a leiturade qualquer enunciado?
P - (pausa) É, eu não tinha pensado nisso. Estou notando agora. Preciso rever isso, não é?
Como podemos notar pelo exemplo apresentado anteriormente, durante algum tempo a professora insistiu na perspectiva de que os alunos deveriam ler os enunciados dos exercícios, apesar de não estarem estes aptos a fazê-lo. A pausa após o último questionamento da pesquisadora e sua resposta subseqüente podem ser indicativos de uma mudança em seu esquema operacional para assimilar a informação recebida.
Ao analisarmos os questionamentos da pesquisadora, que certamente seriam aqueles que possibilitariam a geração de conflitos cognitivos na professora, verificamos que estas situações foram pouco freqüentes durante o processo interativo.
Embora a pesquisadora tenha utilizado freqüentemente formulações interrogativas em suas intervenções, não podemos afirmar que estas tenham se constituído em fontes geradoras de conflito.
O exemplo de outro fluxo verbal das participantes, apresentado a seguir, é ilustrativo destas formulações:
- No dia 6 você escreveu uma série de palavras novas no quadro e pediu aos alunos para copiarem.
P - É, escrevi ovelha, depois elefante, galinha...
Pe - O que você pretendia com esta atividade?
P - Era pra eles copiarem mesmo. Eu colocava afigura e escrevia do lado a palavra.
Pe - Você não acha que eles faziam uma cópia automática?
P - Mas eles copiam.
Pe - E por que você acha isso importante? Ou seja, em que isso ajuda as crianças?
P - A memorizar. Cada vez que eles virem a figura do elefante eles vão saber que se escreve daquele jeito.
Pe - Veja bem, J., se você faz atividades desse tipo para que as crianças tenham a possibilidade de comparar diferentes formas de escrita, quer dizer, que cada objeto é escrito de diferentes formas, tudo bem. Mas exigir que essas crianças memorizem um conjunto muito grande de palavras sem compreender como se estruturam, pode ser uma exigência muito grande. Entende o que quero dizer?
P - Agora tem uma coisa, eu não exijo não. Eu coloco lá no quadro e faz quem quer.
Pe - Mas eu acho que o problema não é você exigir ou não, mas sim o que você espera com a atividade que propõe. Se seu objetivo é que tenham acesso às variedades da escrita, ótimo. O problema é o que já coloquei, que você fique na expectativa que eles memorizem isso.
P - Porque tem um problema. Eles não querem usar o livro (cartilha). Eu já expliquei que é pra fazer o exercício na própria cartilha, mas alguns dizem que não querem sujar.
Pe - E como é que você tem resolvido essa questão?
Neste caso, podemos notar que apesar de a pesquisadora ter procurado apresentar novos pontos de vista sobre os objetivos colocados pela professora para o desenvolvimento da atividade executada, a professora parece não ter estabelecido coordenação entre os pontos de vista divergentes, condição que, segundo Mugny, De Paolis e Carugati (1984), seria necessária para o surgimento do conflito. Sua última afirmação, que indica um desvio das contraposições apresentadas, pode melhor exemplificar a ausência desta coordenação.
Vimos, além disto, que não houve continuidade, por parte da pesquisadora, do fluxo indagativo que talvez pudesse ter levado a professora a tomar consciência das divergências. A medida que a professora apresentou um novo problema, a pesquisadora incorporou-o desviando-se também do que vinha sendo objeto de discussão.
Embora admitamos que colocar o indivíduo diante de pontos de vista divergentes possa intensificar o desenvolvimento do raciocínio lógico, acreditamos, diferentemente dos defensores desta perspectiva teórica, que estas não são as únicas e as principais condições da interação que permitem tal desenvolvimento.
Os escritos de Vygotsky sobre a interação adulto-criança oferecem importantes contribuições para explicar o valor intelectual das interações entre pares.
Para ilustrar como as idéias de Vygotsky trazem luz sobre alguns dos processos envolvidos na colaboração entre pares, vamos apresentar alguns dos resultados do estudo de Formam (em, Formam e Cazden, 1985).
Este trabalho forneceu dois tipos de informações: como estratégias de raciocínio de solucionadores de problema em colaboração diferem daquelas de solucionadores de problema solitários e como os diferentes parceiros diferem uns dos outros, tanto no que diz respeito aos padrões de interação, quanto no que se refere às estratégias cognitivas utilizadas.
Neste estudo, as situações de solução de problemas parecem ter revelado dois tipos diferentes de processo interativo. Durante a fase de planejamento da tarefa, verificou-se que os parceiros tanto podiam trabalhar separadamente, quanto em cooperação coordenada. Cooperação durante esta fase consistiu de ajuda mútua, encorajamento e suporte. Posteriormente, quando as evidências experimentais estavam sendo examinadas pelos participantes, um segundo tipo de processo interativo ocorreu. Neste momento, cada criança apresentou conclusões independentes sobre a solução da tarefa que se referia a todas ou a apenas algumas das evidências experimentais avaliadas. Nestas circunstâncias, perspectivas conflitantes sobre os resultados experimentais foram observadas e eram expressas na forma de argumentos.
Um dos resultado mais intrigantes do estudo de Formam foi a discrepância entre como uma díade funciona como uma unidade e como os mesmos parceiros desta díade desempenham separadamente.
Nas medidas pós-teste, realizadas individualmente, os solucionadores de problema em colaboração não apresentaram melhores resultados que os solucionadores solitários. Entretanto, os parceiros mais colaborativos foram capazes de solucionar muito mais problemas do que solucionadores solitários durante o mesmo período de tempo.
Estes resultados permitiram a Formam e Cazden (1985) concluírem que a perspectiva piagetiana sobre o papel dos fatores sociais no desenvolvimento pode ser útil para compreender situações em que os indicadores de conflito cognitivo estão presentes e são detectáveis. Todavia, segundo os próprios autores, se desejamos compreender as conseqüências cognitivas para outros contextos de interação social, as idéias de Vygotsky poderão ser mais úteis.
As proposições de Vygotsky capacitam-nos a ver que tarefas colaborativas exigindo produção, planejamento e execução podem fornecer outro conjunto de experiências valiosas à criança. Nestas tarefas, um conjunto comum de suposições, procedimentos e informações precisam ser construídas e requerem que o indivíduo integre suas concepções num plano mútuo.
Uma maneira de adquirir uma perspectiva compartilhada da tarefa é assumir papéis complementares na solução de problemas. Desta forma, cada indivíduo aprende a usar a fala para guiar as ações de seu parceiro e, por sua vez, ser guiado pela fala do parceiro. A exposição a esta forma de regulação social pode capacitar um indivíduo a resolver problemas antes que possa ser capaz de solucionálo sozinho (Formam e Cazden, 1985).
Ao analisarmos vários fluxos de verbalização entre pesquisadora e professora, pudemos identificar regulações sociais similares àquelas apontadas por Vygotsky, na medida em que solucionar problemas em colaboração parece ter contribuído para as iniciativas individuais da professora em suas ações pedagógicas subseqüentes.
Citaremos, a seguir, três fluxos de interação verbal ocorridos em momentos distintos do processo interativo que, no nosso entender, ilustram a suposição apresentada anteriormente.
Pe - No dia 10 você mencionou novamente a dificuldade para lidar com os diferentes ritmos e níveis de aprendizagem de seus alunos. Dá pra você me falar um pouco mais sobre essa dificuldade?
P - É, fica difícil atender a todos. Tem alunos que já estão quase lendo, como é o caso da M.R., e aqueles que ainda têm dificuldade para diferenciar o ba do la. O J.C. é um caso. Se eu atendo uns, os outros ficam bagunçando, então fica difícil.
Pe - Nós já discutimos, em outras reuniões, se não seria o caso de você realizar mais atividades em grupo pois talvez esta seja uma maneira de te ajudar a resolver esse problema.
P - E, eu até pensei em fazer isto esta semana, mas com o problema das fichinhas acabou não dando tempo. Mas eu vou tentar sim.
Por este episódio podemos perceber que há um problema recorrente apontado pela professora, que se refere à sua dificuldade para lidar com os diferentes níveis e ritmos de aprendizagem dos alunos. Vimos também que a pesquisadora recolocou uma proposta, já apresentada anteriormente, para que a professora utilizasse mais atividades em grupo como possível solução para a dificuldade colocada. Vale salientar aqui que até então a professora não havia realizado qualquer tipo de atividade em grupo com as crianças, a não ser aquelas envolvendo competição, quando a classe era dividida em dois grupos e um deles seria o "vencedor".
O fluxo de verbalização apresentado a seguir, relacionado à mesma temática, ocorreu em sessão de discussão subseqüente.
Pe - Achei muito interessante a atividade que você realizou no dia 30. Parece que você decidiu, finalmente, adotar a estratégia de realizar atividades em grupo. Gostaria que você me contasse um pouco mais sobre ela.
P - Eu tentei, mas não foi muito bom não. Fiquei preocupada com a zuada. Porque você sabe, né? quando eles trabalham assim, o barulho é maior e já pensou se chega alguma coordenadora pedagógica ?
Pe - Mas o que você achou do rendimento dos alunos?
P - Bem, de alguns grupos foi bom, daqueles mais adiantados, né? Agora os mais fracos não fizeram nada, ficaram só bagunçando.
Pe - Como é que você dividiu os grupos?
P - Eu não dividi não, deixei que eles mesmos escolhessem com quem queriam trabalhar. Aí já viu, né? acabou que ficaram grupos só de fortes e outros só de fracos.
Pe - Você não acha que isso pode ter contribuído para que os mais fracos não se envolvessem na atividade?
P - É, acho que sim. Da próxima vez vou ver se misturo um pouco mais os grupos pra ver se funciona melhor. Eu percebi isso já no meio da atividade, aí não dava pra mudar.
Pe - Ótimo, acho que você deve continuar insistindo nesta direção. Há muitos estudos mostrando como as crianças que apresentam mais dificuldades de aprendizagem melhoram seu desempenho, quando são colocadas em situação de trabalho cooperativo com crianças mais adiantadas. Quanto à sua preocupação com o barulho, acho que não deve dar tanta importância assim à coordenadorapedagógica.Você pode muito bem argumentar com ela qual o objetivo e a relevância do trabalho que está fazendo.
Por este fluxo de verbalização podemos notar que, embora a professora tenha tomado a iniciativa de realizar atividades em grupo, ainda teve dificuldades para sua condução. Vimos também que houve, por parte da pesquisadora, um novo conjunto de sugestões e argumentações a fim de que o problema pudesse ser melhor solucionado pela professora.
Analisemos agora o último fluxo de falas das participantes, referente à 7a sessão analisada, que nos indica como a professora passou a utilizar, de forma mais adequada, esta estratégia pedagógica. Vale esclarecermos, contudo, que este tema foi objeto de análise em várias das sessões de discussão realizadas.
Pe - Parece que a atividade que você realizou com as crianças de construírem conjuntamente palavras utilizando as fichinhas foi bastante proveitosa, não é?
P - Ah! eu adorei. Precisa ver quantas palavras eles descobriram.
Pe - Depois você pediu que cada grupo escrevesse as palavrinhas numa folha de papel jornal, foi isso?
P - E. Eles iam trabalhando com as fichinhas e quando descobriam uma palavrinha me chamavam, perguntavam se estava certo e aí escreviam no papel jornal. Depois eu pendurei todas lá na classe.
Pe - Muito bom mesmo. E os alunos que têm mais dificuldades, como se saíram?
P - Ah! foram bem melhor. Precisa ver o J.C., até ele conseguiu formar uma ou outra palavrinha.
Pe - Quer dizer que você percebeu que colocar os alunos mais adiantados trabalhando com os mais lentos dá certo mesmo?
P - É, deu sim. Eu só tive problema com um grupo lá. Eles estavam em cinco, mas só três trabalhavam. O L. e o C, como sempre, fazendo bagunça. Mas aí eu fui me aproximando, me sentei com os outros três e comecei a elogiar e a ajudá-los. Também disse que quem não trabalhasse ficaria comigo na hora do recreio pra fazer o que os outros já tinham feito. Devagarinho eles começaram a puxar a cadeira e a mexer com as fichas.
Pe - Ótimo J., acho que você pegou muito bem como realizar atividades em grupo.
Para auxiliar-nos a explicar os três segmentos de fala apresentados anteriormente, recorremos aqui ao conceito de zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky, que se refere à capacidade dos indivíduos para solucionarem problemas com a assistência de parceiros mais competentes antes de poderem solucionálos sozinhos (Vygotsky, 1989).
Se, no início do processo interativo, a professora indicou incapacidade para realizar, de forma satisfatória, atividades em grupo, as regulações sociais estruturadas pela pesquisadora parecem tê-la auxiliado na aquisição de tal competência, o que fica evidente quando analisamos o último fluxo verbal apresentado.
Pudemos verificar, ainda, que durante o processo interativo ocorreram outros segmentos de fala similares aos anteriormente descritos, envolvendo temáticas diferentes, tais como utilização de materiais concretos para o ensino da matemática e desenvolvimento de atividades extra-classe. Isto nos faz supor que as regulações sociais utilizadas pela pesquisadora aproximaram-se mais do que Vygotsky denominou de zona de desenvolvimento proximal, do que daqueles envolvendo conflitos cognitivos.
Entretanto, uma análise mais cuidadosa destes segmentos faz-se necessária, o que deverá ser objeto de futuras investigações, não só para que possamos assegurar-nos da validade da utilização destes conceitos explicativos para os resultados por nós obtidos, mas também para que possamos melhor compreender as possibilidades do emprego destas estratégias e expandi-las para novas situações interativas com professores.
De todo modo, o novo olhar que hoje se volta ao professor e o novo objeto da pesquisa educacional que advém deste modo de olhá-lo fazem nascer igualmente um novo modo de interagir com o docente, a fim de captar-lhe o processo de construção do conhecimento e desvendar as possibilidades de seu crescimento como profissional que não só conhece, mas que dá vida e experiência a este conhecimento.
Referências Bibliográficas
Almeida, N.V.F. (1994) Os Modos de Pensar do Professor: Buscando Compreendê-los a Partir de Contextos Interativos. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas. [ Links ]
Brown, A.L. e Ferrara, J.S. (1985) Diagnosing zones of proximal development. Em, J.V Wertsch (Org.) Culture, Communication, and Cognition: Vygotskian Perspectivies. New York: Cambridge University Press. [ Links ]
Copi, I.M. (1978) Introdução à Lógica. São Paulo: Mestre Jou. [ Links ] Formam, E.A. e Cazden, CB. (1985) Explortng Vygotskian perspectives in education: the cognitive value of peer interaction. Em, J.V. Wertsch (Org.) Culture, Comunication, and Cognition: Vygotskian Perspectives. New York: Cambridge University Press. [ Links ]
Luria, A.R. (1987) Pensamento e Linguagem - As Últimas Conferências de Luria. Porto Alegre: Artes Médicas. [ Links ]
Mugny, G.; de Paolis, P. e Carugati, F. (1984) Social regulations in cognitive development. Em, W. Doise e A. Palmonari (Orgs.) Social Interaction in Individual Development. New York: Cambridge University Press. [ Links ]
Vygotsky, L.S. (1989) Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes. [ Links ]
(1) Versão condensada de parte do trabalho apresentado à Faculdade de Educação da UNICAMP como tese de doutorado, 1994. A autora agradece ao Professor Doutor Álvaro Pacheco Duran pela orientação