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Revista Brasileira de Psicologia do Esporte

versão On-line ISSN 1981-9145

Rev. bras. psicol. esporte v.1 n.1 São Paulo dez. 2007

 

 

Arbitragem no futebol de campo: estresse como produto desse controle coercitivo

 

Soccer's referee: stress and coercitive control

 

Arbitrage de futebol: stress y control coercitivo

 

 

Norma Fernandes Pereira1; Renata Grasielle Michielini Santos2; Eduardo Neves Pedrosa de Cillo3

Centro Universitário Newton Paiva - MG

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Pouco se tem publicado a respeito da arbitragem de futebol e deste contexto, quase não se encontram referências bibliográficas que tratem deste universo e suas adversidades. Os trabalhos existentes, geralmente, trazem descrições sobre atletas e ambiente esportivo. O presente trabalho pretende relacionar a literatura sobre coerção e seus subprodutos com a avaliação de possíveis fatores causadores de estresse na arbitragem de futebol de campo. Para tal, a metodologia utilizada foi a da pesquisa bibliográfica, realizada em bases de dados específicas, na busca da elaboração de uma síntese entre os temas relacionados. Um objetivo adicional é contribuir para produção de literatura específica em um campo tão escasso.

Palavras-chave: Coerção, Arbitragem, Desempenho esportivo.


ABSTRACT

A review about soccer´s referee in Sport Psychology's literature will show few papers. The existents articles show descriptions about teams, athletics and the sport's environment in general. This paper intends to do relationships between stress in soccer's referee and the concept of coercion and their sub products (SKINNER, 1953).

Keywords: Coercion, Soccer's referee, Sport's performance.


RESUMEN

Poco se ha publicado al respecto de el arbitraje de fútbol y sobre este contexto, casi no se encuentran referencias bibliográficas que traten sobre este universo y sus adversidades. Los trabajos existentes, generalmente, traen descripciones sobre atletas y ambiente deportivo. El presente trabajo pretende relacionar la literatura sobre coerción y sus subproductos con la evaluación de posibles factores causadores de estrés en el arbitraje de fútbol de campo. Para tal, la metodología utilizada fue la de investigación bibliográfica, realizada en bases de datos específicas, en la busca de la elaboración de una síntesis entre los temas relacionados. Un objetivo adicional es contribuir para la producción de literatura específica en un campo tan escaso.

Palabras-clave: Coerción, Arbitraje, Desempeño deportivo.


 

 

Introdução

O objetivo da presente pesquisa foi o de explorar a literatura sobre estresse no esporte, especificamente na arbitragem do futebol de campo. Buscou-se definir estresse, relacionando-o ao conceito de "Coerção" (SIDMAN, 1995), desempenho na arbitragem e sua relação. Deste modo esperava-se localizar na literatura indicadores acerca do surgimento do estresse, de suas fontes, e de sua relação com o desempenho em campo dos árbitros.

 

Caracterização geral da arbitragem

De acordo com Cruz (1997), os árbitros junto com os jogadores e treinadores são imprescindíveis em competições esportivas. A atuação deles em muitos esportes é o ponto chave para o espetáculo, mas para que tenham boa atuação necessitam não só de preparo técnico, como também de boa preparação psicológica; uma realidade que muitos profissionais da Psicologia do Esporte ainda não se deram conta, o que justifica a escassez de material bibliográfico.

Considerando-se que existem pouco material sobre arbitragem, em Psicologia do Esporte, os psicólogos não devem dispensar o assessoramento dos árbitros para conhecerem o contexto desta população específica. Este motivo, por si só, já justifica a necessidade de se pesquisar para conhecer mais sobre esta área, o que corrobora com a idéia desta pesquisa.

Em muitas áreas os árbitros são cobrados excessivamente e, apesar disso, eles devem ser precisos e objetivos, pois sua atuação pode definir o espetáculo esportivo. Para que o trabalho do árbitro se dê de forma imparcial e justa, existem alguns fatores que devem ser considerados como o estado emocional, que pode estar sendo influenciado pelo público, por treinadores ou ainda pelos jogadores. A tarefa do árbitro resulta em levar a partida até o final com competência, procurando não perder nenhum lance, mesmo que sua atuação esteja submetida a uma forte pressão. Para lidar com estas situações o árbitro necessita de autocontrole e adequada autoconfiança, para conseguir a imparcialidade.

Segundo Riera, citado por Cruz (1997), as estratégias utilizadas para obter informações sobre os árbitros são: estudo das regras, questionários e entrevistas, além de observação em campo. Segundo o mesmo autor estudos da sociologia do esporte, realizados a partir de questionários e entrevista, mostram o perfil motivacional típico dos árbitros: a razão principal para atuarem como árbitros é o interesse pelo esporte, seguidas pela emoção gerada por fazer parte do espetáculo, aspectos financeiros, poder, controle e prestígio. Ainda em relação a este assunto as razões que ajudam manter o árbitro na profissão são: competência, bom condicionamento físico, compromisso, interesse e entusiasmo pelo esporte.

Sobre a correlação entre características comportamentais e desempenho o autoritarismo é comum em árbitros mal sucedidos. Aqueles identificados como bem sucedidos geralmente são: seguros, autoconfiantes, com energia, espontaneidade e ajustados socialmente.

Sobre as exigências da função de árbitro é necessário um bom preparo tanto físico, quanto psicológico para que os mesmos possam tomar decisões importantes em pouco tempo e ainda sob pressão. Diante desta realidade pode-se assumir que a arbitragem é uma função estressante e, que ainda, é uma segunda ocupação, pois além de dirigir as partidas os árbitros convivem com uma organização semi-profissional já que precisam exercer outras funções para "ganhar a vida".

Este é um dos direcionamentos apontados por Riera (1989) para melhorar o contexto da arbitragem: a profissionalização da arbitragem, isto porque ela requer uma grande dedicação, o que não é possível se o árbitro tiver que se dividir com outras funções. Além disso, o autor sugere que ações devem estar voltadas para melhorar a formação e competência da arbitragem - a formação não se deve resumir a estudos de regras, mas também trabalhos psicológicos, e conhecimentos de mais aspectos que envolvem esta área. De maneira complementar Riera afirma, também, que é importante educar a sociedade para ter mais respeito com os árbitros.

Neste sentido os meios de comunicação exercem um importante papel já que se constituem em poderosas fontes formadoras de opinião. Segundo Borelli e Neto (2004)4, o jornalismo cria mecanismos para fazer julgamentos, avaliações de pessoas envolvidas no mundo esportivo. Ele tem regras próprias para narrar, apresentar, expor, enfim discorrer sobre o esporte, de forma singular; para tal é necessário que os jornalistas tenham conhecimentos tanto do campo jornalístico, como também das especificidades do mundo esportivo, como regras, funções, características, códigos, e outros.

Erbolato5 citado por Borelli e Neto (2004), defende que o jornalista deve conhecer as regras e regulamentos da maioria dos esportes para que, ao redigir sua matéria, possa aplicá-los convenientemente. Mas os árbitros de futebol, ao contrário, queixam-se do despreparo da imprensa esportiva, quanto aos conhecimentos das técnicas e regras da arbitragem de futebol, segundo eles, os jornalistas falam sem conhecimento de causa. Criticam muito, mas sem respaldo do conhecimento.

A mídia tem uma responsabilidade muito grande neste clima de desrespeito aos árbitros e estimulação de briga entre as torcidas, porque através deste veículo é construída uma rivalidade agressiva. Fazer circular nos jornais manchetes e notícias que estimulam o clima de guerra no esporte, com tanta rivalidade, faz deixar de existir o chamado "espírito esportivo". Acaba sobrando para o árbitro.

 

Estresse

De acordo com Samulski, Chagas e Nitsch (1996), de modo geral a investigação do estresse começou a partir da inter-relação do indivíduo e o meio ambiente. Uma concepção compartilhada sobre o que seria o estresse por diversos autores, refere-se à desestabilização psicofísica ou a perturbação do equilíbrio entre a pessoa e o meio ambiente.

Levando-se em conta a ligação de estresse, processos adaptativos e interação do organismo com ambiente, o estresse pode ser compreendido como conceito de relação, o qual descreve determinados problemas e processos de adaptação entre um sistema e seu meio ambiente. O estresse se apresenta em um desequilíbrio entre a condição da ação individual e a condição situacional; discrepâncias entre capacidades e exigências ou entre necessidades e possibilidades de satisfação. Nesta perspectiva o nível de estresse vai depender do grau de importância pessoal do respectivo desequilíbrio.

Há de se perceber, também, que de certa forma o estresse é necessário à vida para manutenção e aperfeiçoamento da capacidade funcional, auto-proteção e conhecimentos de seus próprios limites.

Há três pontos que devem ser considerados para se considerar o desenvolvimento do estresse: processos biológicos, psicológicos e sociais. Estes conceitos devem ser pensados numa dependência recíproca, pois existe uma inter-relação entre eles. Ainda de acordo com Samulski (2000), a concepção biológica iniciou-se com os trabalhos de Cannon em 1914, nos quais analisava o estresse sob a diferenciação da concepção do equilíbrio biológico (homeostase). Ele aceitava a hipótese de uma inespecífica reação de estresse, tanto de estímulos internos, como externos. Acreditava no estresse como, mobilização de energia para restauração da homeostase.

Convergente com este conceito está a idéia de que a relação fisiológica está ligada a dois sistemas: sistema nervoso e o sistema de glândulas endócrinas, sistemas esses ligados a reação fisiológica do estresse (Nitsch, 1981).

Já a concepção psicológica do estresse, enfatiza sintomas psíquicos do estresse, modificações do bem-estar, decursos das funções cognitivas e da execução da ação. O estresse se configura como uma forma especial de ativação, que pode aparecer como possível reação ao estresse, agindo como propulsor da ansiedade. São reconhecidas duas correntes na pesquisa sobre o estresse psicológico (Nitsch, 1981), uma na psicanálise, que destaca principalmente os trabalhos de Freud sobre ansiedade e teoria dos mecanismos de defesa. Outra corrente, a cognitivista, que se destacou principalmente pelos trabalhos de Lazarus, veio influenciar diretamente estudos sobre estresse. O ponto básico destas teorias se dá pela relação entre a pessoa e o meio ambiente, esta relação é compreendida como um mediador psíquico e um realizador ativo.

Retomando o conceito de estresse como uma perda de equilíbrio interno ou externo, ainda de acordo com Nitsch (1981), ele é característico nas seguintes situações: o estado atual diverge de um estado desejado, ou seja, há uma discrepância entre a situação que deveria ser e a realidade concreta, onde há perturbação de equilíbrio. O estado atual corresponde ao estado desejado, mas a situação mostra-se insegura e incerta e que poderá surgir o desequilíbrio. Estas circunstâncias podem aparecer tanto por exigências externas, como pelas próprias expectativas, estes acontecimentos corroboram o papel ativo da pessoa no estresse, ou seja, o estado de desequilíbrio varia com o aumento de exigência, quanto maior os níveis de exigência, maior a probabilidade de frustração.

Em uma perspectiva sócio-psicológica do estresse, de acordo com Nitsch (1981), o estresse pode ser determinado socialmente, manifestando-se no comportamento social, sendo o seu controle um acontecimento social. Para compreensão do estresse se faz necessária a seguinte afirmação: uma numerosa quantidade de estressores resulta de um determinado meio social e por conseqüência refletem as condições culturais e sócio-econômicas da vida e do trabalho; tais condições podem ser evidenciadas nos seguintes tópicos: massificação da sociedade, sociedade de rendimento, de concorrência, de consumo e industrializada, e outros. A influência dos fatores culturais, assim como mudança sócio-cultural tem indicado uma relação com os acontecimentos de estresse, o que significa que o modo de vida contemporâneo pode ser uma forte fonte de influência para o desencadeamento do fenômeno.

Em uma perspectiva cognitivo-comportamental Lipp & Novaes (1998), afirma que o estresse pode ser um dos maiores fatores de risco para a vida e para qualidade do viver de todos; a pessoa estressada não consegue produzir de acordo com seu potencial, não tem motivação necessária para atingir metas difíceis, correndo o risco de adoecimento. De acordo com a autora o primeiro cientista a estudar o estresse foi Hans Selye, um médico austríaco na década de 20, o qual chamou esse fenômeno de "síndrome de estar apenas doente" ou "síndrome de adaptação geral", termo mais tarde simplificado por "stress". Esta síndrome envolve uma série de sintomas que o indivíduo apresenta quando submetido a situações que exijam uma importante adaptação do organismo para enfrentá-las.

De acordo com Selye (1952) a síndrome de estresse se divide em três fases: primeira é chamada fase de alerta, na qual o indivíduo entra em contato com sua fonte de estresse. Nesta fase há algumas sensações típicas: sudorese excessiva, taquicardia, respiração ofegante, entre outras. Há neste momento uma perda do equilíbrio do organismo à medida que se prepara para enfrentar a situação à qual precisa se adapta. Na segunda fase, a de resistência, ocorre quando o organismo tenta se recuperar do desequilíbrio sofrido na primeira fase. A terceira fase é da exaustão, nela aparecem alguns sintomas da primeira só que mais agravados, havendo maior comprometimento físico em forma de doenças. Ainda de acordo com as autoras as fontes de estresse podem ser internas e externas: as pessoas com as quais convivemos no cotidiano podem se configurar agentes externos; os internos podem se características pessoais, valores, crenças e formas de interpretar situações.

Na área emocional o estresse pode produzir apatia, depressão, desânimo, sensação de desalento e hipersensibilidade emotiva, até a raiva, a ira, a irritabilidade e a ansiedade (Selye, 1976). O estresse surge quando a quantidade de exigências e de tensões é excessiva para resistência da pessoa. O estresse também apresenta relação com a resistência às pressões, com habilidade de lidar com demandas e mudanças do ambiente.

Comparando os autores citados (Samulski, Chagas e Nitsch, 1996; Nitsch, 1981; e Lipp & Novaes, 1998) percebe-se que os conceitos apresentados são complementares. Uma perspectiva meramente biológica, ou apenas psicológica, ou ainda simplesmente social não é suficiente para a compreensão do fenômeno do estresse. O estresse parece apresentar determinantes em cada uma das três perspectivas, de modo que a conjunção dos três fatores causais em níveis críticos pode gerar uma desadaptação do organismo em termos das exigências do ambiente. Em outras palavras aparentemente não é suficiente atribuir o surgimento do estresse a apenas uma das possíveis fontes para o seu desencadeamento. No nível biológico a constituição genética do indivíduo pode apresentar-se mais ou menos favorável para o surgimento do estresse. Porém somente este viés não é suficiente para explicá-lo. Torna-se necessário identificar o desenvolvimento das habilidades psicológicas, tanto no que se refere à percepção que o indivíduo tem do seu próprio organismo e de alterações neste, assim como das mudanças e exigências do ambiente no qual está inserido. O terceiro nível de compreensão do estresse refere-se ao ambiente no qual este indivíduo se encontra e o modo como ele está organizado. Parece ser inquestionável o fato de que um ambiente repleto de estímulos que mudam constantemente, e que sinalizam situações de ameaça, exigem uma rápida e constante adaptação por parte do organismo. Portanto uma análise do estresse apresentado por um organismo exige também o entendimento do ambiente à sua volta.

 

Coerção

Parte-se do ponto de que a composição e qualidade da estimulação presente em um ambiente se fazem necessária para compreender o surgimento do estresse. Para tal é útil o conceito de "coerção", apresentado por Sidman (1995). De acordo o autor, na linguagem cotidiana, ser coagido é ser compelido sob julgo ou ameaça a fazer algo "contra vontade". Analistas do comportamento afirmam que todo nosso comportamento é controlado e, levando-se em conta esta afirmação, tudo que fazemos é "contra nossa vontade". "Jugo" e "ameaça", se aproximam de uma definição de coerção, pois se referem a classes de estímulos que controlam nosso comportamento. Há três tipos de relações controladoras entre conduta e conseqüências: reforçamento positivo, reforçamento negativo e punição. O controle por reforçamento positivo é não-coercitivo, a coerção existe quando há reforçamento negativo ou punição.

Os reforçadores têm duas principais características, primeiro ele deve seguir uma ação e em segundo deve fazer com que a ação se repita que seja mais freqüente. Os reforçadores não são predefinidos, devem ser descobertos, o que significa que a princípio nenhum tipo de conseqüência pode ser considerada reforçadora. Apenas após observarmos os efeitos de uma conseqüência sobre o comportamento é que podemos tirar tal conclusão.

O reforçamento pode ser positivo e negativo. No reforçamento positivo a ação da pessoa é seguida de adição, produção de algo novo. No reforçamento negativo uma ação subtrai, algo desaparece, fazendo que uma condição presente antes do ato desapareça.

O reforçamento negativo é uma forma de controle coercitivo. Outra forma coercitiva de controle do comportamento é a punição. A punição ocorre quando uma ação seja seguida ou pela perda de reforçadores positivos ou ganhos de estímulos aversivos. Os punidores quando são contingentes às ações, fazem com que estas se tornem menos prováveis em situações futuras.

Em sua argumentação Sidman (1995), baseado em Skinner (1953), afirma que apesar de podermos ser controlados tanto por reforçamento positivo quanto pela coerção há diferenças significativas no que se refere à qualidade dos tipos de controle. O reforçamento positivo geralmente necessita de um período de tempo maior, se comparado à coerção, para estabelecer o controle do comportamento. A isto se soma o fato de que, em nossa cultura, geralmente dispomos de cada vez menos tempo para as tarefas do cotidiano. Dessa forma a opção pelo controle coercitivo se faz em função de questões práticas do dia-a-dia. Porém, como afirmam Skinner (1953), e Sidman (1995), o controle coercitivo gera subprodutos bastante nocivos aos indivíduos envolvidos. Medo, ansiedade, tensão, apatia (e depressão), contracontrole agressivo ou dissimulado são efeitos colaterais do uso contínuo de controle aversivo. Dessa forma, afirma os autores, o controle coercitivo, apesar dos resultados imediatos, vem envenenando nossas instituições e a sociedade de uma maneira geral.

Muito de nossa vida é dedicado a eliminar ou prevenir fontes de coerção atuais e futuros, impostos pela natureza e sociedade. Freqüentemente, existem poucas opções para prevenir ou evitar desprazer, de forma a fugir ou esquivar de pressões físicas e interpessoais. Ainda segundo Sidman (1995) o controle coercitivo é a forma mais comum de controle comportamental em nosso ambiente social. Deste modo podemos compreender porque a maioria de nossas ações destina-se a evitar a perda de reforçadores positivos ou o acréscimo de estímulos aversivos.

Torna-se plenamente compreensível a possibilidade do estresse como um dos subprodutos do controle coercitivo. Assim sendo, a perspectiva do estresse como fonte de três conjuntos de determinantes (biológico, psicológico e social) ganha uma nova conotação: devemos olhar para o ambiente social com um cuidado maior na medida em que boa parte da determinação do estresse parece estar relacionada a forma como desenvolvemos o nosso modo de vida. Um modo de vida repleto de controles coercitivos produz um aumento do aparecimento de casos de estresse.

 

Desempenho na arbitragem

Segundo Rech, Daronco e Paim (2002) o papel da arbitragem deve estar direcionado para quatro responsabilidades principais: assegurar que o jogo decorra de acordo com suas regras, interferir o menos possível, estabelecer e manter uma boa atmosfera para o jogo e mostrar preocupação com os jogadores. Neste sentido cabe refletir sobre o processo de desenvolvimento de habilidades coerentes com tais responsabilidades.

Segundo Cruz (1997), a maioria dos livros de árbitros consideram que para ser um bom árbitro é necessário apenas um bom entendimento das regras, boa forma física e bom posicionamento tático. Mas um grande número de árbitros ressalta a importância de boas condições psicológicas para boa atuação. De acordo com estes, o que diferencia um bom árbitro dos demais, são características como: ser consciente em suas decisões, estabelecimento de boa relação com os outros, atuar com rapidez e decisão, mostrar domínio e controle emocional, atuar com integridade, atuar com auto confiança, estar motivado durante as competições. Condições estas que poucos árbitros se dedicam à preparação necessária.

Numa observação de Anshel (1995), revelaram-se alguns fatores que contribuem para competência de árbitros. Dentre eles a habilidade de comunicação verbal parece ser muito importante: falar com o tom adequado; não depreciar jogadores, treinadores e colegas; não dizer palavrões; não utilizar sarcasmos; se relacionar com jogadores, técnicos e colegas de forma clara, concisa e positiva; e utilização de humor em momentos adequados.

Ainda de acordo com Cruz (1997) as competências necessárias para um bom árbitro são: domínio das regras; boa comunicação verbal; habilidade de comunicação não verbal; utilização adequadas das técnicas; boa forma física; profissionalismo; contribuição ativa na partida; melhora contínua de suas habilidades e atuações; autocrítica; bom relacionamento com os colegas; credibilidade; e realização adequada de preparação física e psicológica.

Sobre intervenções psicológicas, o autor afirma que poderiam auxiliar os árbitros a ter mais recursos para executar um papel educativo no esporte, evitando alguns conflitos; contribuindo também para que o árbitro enfrente de forma mais adequada a pressão que é inerente à sua função.

Weinberg e Richardson (1990), afirmam que é necessário para bom desempenho o estabelecimento de rotinas previas e preparação psicológica para competição. Os árbitros devem seguir um estilo de vida saudável, com descanso e atividade física; devem ficar concentrados nos jogos antes de começá-los, adaptando-se a possíveis imprevistos.

Um bom árbitro, segundo Rech, Daronco e Paim (2002), deve através de sua simples presença influenciar o jogo, levando os atletas a evitarem cometer violações às regras. Não existe um modelo de bom árbitro, pronto e definido; os árbitros como seres humanos que são, devem encontrar seus caminhos, recorrendo a caminhos distintos. Afirmam, ainda, que um árbitro, para ter uma boa atuação, deve manter certas características em campo: consistência, comunicação, capacidade de decisão, equilíbrio, integridade, capacidade de julgamento, confiança, prazer e motivação.

Comparando as características sugeridas por Cruz (1997) com as apresentadas por Rech, Daronco e Paim (2002), não se pode dizer que existe exatamente um consenso. Porém, o ponto mais relevante refere-se à possibilidade de aprendizagem e desenvolvimento de tais habilidades. Neste sentido o desenvolvimento destas habilidades poderia ficar a cargo de profissionais da psicologia do esporte.

Para Rech, Daronco e Paim (2002) é fundamental que se desenvolva um trabalho com os árbitros, promovendo a aquisição, por parte deles, de autocontrole e outras habilidades.

Em uma perspectiva comportamental poderíamos compreender a relação entre comportamentos encobertos, como o nervosismo e comportamentos públicos, como o erro em campo, ou seja, o mau desempenho da arbitragem. O mais importante, como já afirmado, é que tais características podem ser treinadas.

De acordo com Nitsch (apud Samulski, 2000) modificações no pensamento, motivação e percepção são alcançadas com a ajuda de procedimentos psicológicos, como treinamento mental e concentração. Mesmo diante desta necessidade de uma boa condição psicologia, a ênfase dada aos treinamentos é dada muito mais, a área física do que mental. O que seria realmente necessário é uma combinação entre competências mentais e capacidades físicas, para se ser um bom árbitro.

 

Relação entre estresse e desempenho

Para Rech, Daronco e Paim (2002), existe uma forte relação entre as capacidades psicológicas dos árbitros e o desempenho dos mesmos, deste modo o sucesso do árbitro depende de suas capacidades mentais, confiança, concentração e controle emocional. Os árbitros falam com freqüência da importância da capacidade mental, na realização de tarefas difíceis, tomar uma decisão polêmica, não perder controle em jogo, permanecer calmo e não se deixar se incomodar.

Segundo Reis (2002), vice-presidente da APAF (Associação Portuguesa de árbitros de futebol), ao analisar as razões dos erros de árbitros, a partir da observação baseada na análise de jogos, é que eles erram, porque tentam demais não errar. Ficam tão pressionados, tão tensos, ansiosos que acabam ficando nervosos e erram mesmo nas coisas mais simples. Deste modo podemos compreender que há uma alteração no foco de concentração, o qual deveria estar voltado para as situações presentes no momento do jogo, e que acaba sendo desviada para situações encobertas (ou mentais) prendendo sua atenção e utilizando sua energia de forma indevida às exigências do ambiente à sua volta.

Segundo Martin (2001), a ansiedade ou o nervosismo são causados pela apresentação de estímulos aversivos. Comentários negativos podem interferir diretamente no desempenho destes árbitros, desde que os mesmos não saibam ou não consigam manter o foco da atenção. O nervosismo interfere no desempenho, primeiro porque, a atenção fica tão concentrada, em um atleta nervoso, que ele tem menor probabilidade de perceber deixas externas importantes. O excesso de nervosismo pode consumir muita energia e diminuir a resistência. Um terceiro fator do nervosismo é que este aumenta a adrenalina, fazendo com que possam haver precipitações, durante uma rotina que domina bem e por último que o excesso de nervosismo, acrescenta estímulos adicionais ao ambiente competitivo, que interfere com a generalização de estímulos de uma habilidade. Para compreender a relação entre aspectos psicológicos e o desempenho na arbitragem basta traduzir o que foi descrito acima para um atleta.

Erbolato (apud Borelli & Neto, 2004), afirma que um grande problema existente na arbitragem é a questão da profissionalização; a maioria dos árbitros possui outros tipos de atividades profissionais. Daí decorre uma série de problemas que afetam diretamente o desenvolvimento das habilidades, psicológicas ou não, necessárias ao exercício da arbitragem. Quando um árbitro passa a atuar em muitos jogos, quase não sobra tempo para dedicação familiar. Também não sobra tempo para que os árbitros se preparem convenientemente em termos físicos, aspectos teórico-práticos e treino mental. Por causa do excesso de atividades, fica pendente também, o descanso físico e mental.

O autor reflete, também sobre possíveis melhorias na arbitragem. Claro que se os árbitros se tornarem profissionais, não vão se tornar imunes aos erros, mas poderão aumentar a qualidade do exercício de suas funções em um futuro próximo. Se os árbitros desempenharem a função o tempo todo, estarão mais bem preparados para lidar como os erros e com as pressões.

Em termos sociológicos, a própria história do futebol contribuiu para pressões sobre os árbitros. O futebol aceita violência demais, muitas polêmicas, discussões, conflitos, grandes interesses financeiros; aumentando-se assim as situações de risco para decisão dos árbitros. Nesta situação se faz necessário segundo a APAF, com urgência, que seja efetuado um estudo sobre os árbitros para se apurar com rigor científico o comportamento de cada um.

Outro fator complicador é a falta de coesão em grupos de arbitragem, que também contribui, e muito para aumentar a probabilidade de erros, em muitas equipes de árbitros não há espírito de grupo o que dificulta muito a comunicação e um desempenho satisfatório.

Dentro deste contexto se faz necessário um apoio psicológico aos árbitros, mas segundo APAF (2002), faltam ainda estruturas de apoio efetivo aos árbitros, a existência de profissionais como: psicólogos, médicos, massagistas, fisioterapeutas, nutricionistas, que poderiam ajudá-los nestas questões.

Segundo Silva (2002), o futebol se tornou uma atividade complexa que envolve grandes investimentos financeiros, planejamento, atualização de conhecimentos da medicina e psicologia, processo contínuo de aprimoramento. Neste ambiente que se forma, fica evidente a importância dos aspectos emocionais, por isso hoje se faz necessário a presença de psicólogos no meio esportivo. Um passo importante, e inicial, seria identificar as possíveis fontes de pressão e estresse, neste contexto.

Anshel e Weinberg (1995), analisaram 15 possíveis fontes de estresse em árbitros de basquetebol, nos Estados Unidos e na Austrália. Apontam com principais estressores: erro em apitar uma falta; ser insultado ou acusado por um treinador; sentir-se ameaçado fisicamente; estar mal posicionado ao apitar uma falta; sofrer uma lesão. Estes resultados coincidem parcialmente como os de outro estudo de Goldsmith e Williams (1992), com árbitros de futebol americano e voleibol. Como estes resultados coincidem de forma apenas parcial, é necessária a continuidade de investigação.

Segundo Cruz (1997), as fontes de estresse dos árbitros variam de acordo com o esporte, e nível de competição, às vezes até variam de acordo com a localidade. Estudos de Anshel e Weinberg (1995), Goldsmith e Williams (1992), Rayney (1995) e Taylor, Daniel, Leith & Burke (1990), podem ser assinaladas como principais investigações sobre fontes de estresse, das quais puderam ser obtidos os seguintes dados: medo de errar; conflitos interpessoais com técnicos e jogadores; medo de agressão física; medo de insulto verbal.

Zoller (1985), apresenta uma série de estudos que levam a pensar que a profissão de arbitragem é estressante. As características que corroboram com esta informação são: os árbitros trabalham com outras profissões, muitas vezes em horário integral. O árbitro tem que apitar várias partidas em uma semana, nas quais acabam se submetendo ao público, aos treinadores, além do desgaste das viagens.

Outro estudo realizado porSamulski, Noce e Costa (1998), aponta os seguintes fatores como principais fontes de estresse para árbitros de futebol: "Preparação física inadequada"; "Estar cansado fisicamente/psicologicamente"; "Cometer erros consecutivos"; "Errar em jogadas decisivas"; "Dormir mal na noite anterior a partida"; "Chegar atrasado".

Dentre os estudos citados percebe-se que há certa diversidade na identificação das possíveis fontes de estresse. Resumidamente os estudos apontam para fatores relacionados a conflitos interpessoais com possibilidade de agressão (Anshel, 1989; Goldsmith & Williams, 1992; Rayney, 1995; Taylor, 1990); erros de desempenho (Anshel & Weinberg, 1995; Goldsmith & Williams, 1992; Rayney, 1995; Taylor, 1990; Samulski, Noce, Costa, 1998); dificuldades relacionadas ao preparo físico (Anshel & Weinberg, 1995; Samulski, Noce, Costa, 1998). Um fato que chama atenção, e que dá convergência aos dados encontrados pelos autores refere-se ao fato de que em todos os estudos há evidências ou indícios de fatores considerados psicológicos interferindo no desempenho.

 

Conclusão

Assim sendo, os dados apontam para o fato de que há uma diversidade de fatores estressantes incidindo sobre a arbitragem. Em uma análise geral dos estudos é possível identificar muitos dos problemas de desempenho e/ ou psicológicos como fruto da relação constante com as fortes pressões, intra e extra-campo, a que estão submetidos. Neste sentido vale o entendimento das "pressões" a partir do conceito de coerção de Sidman (1995). Seria o estresse, então, um dos subprodutos do controle coercitivo. Desse modo as variáveis (pressões) que cercam os árbitros seriam parte importante do processo de formação do estresse. Estes fatos por si só, com destaque para a multiplicidade de fatores estressores, já justificam a necessidade de um estudo mais aprofundado acerca destas variáveis e dos seus efeitos sobre a saúde e o desempenho dos árbitros. Uma rigorosa definição acerca das variáveis mais relevantes neste processo seria um passo importante no planejamento e execução de programas de preparo psicológico para o enfrentamento de situações tão exigentes. De um modo complementar, e contraditório, vale ressaltar que a falta de estudos nesta área demonstra a pouca atenção que ainda é dada à preparação psicológica, tanto por parte dos próprios árbitros quanto dos dirigentes e profissionais do esporte.

Frente a tudo que foi apresentado na revisão de literatura parece válido e promissor produzir conhecimentos para fundamentar intervenções que levem a: reduzir comportamentos inadequados e substituí-los por outros mais adequados, promover a aquisição por parte dos árbitros de autocontrole e outras habilidades e desenvolver estabilidade emocional nos árbitros, durante as partidas de futebol e perante as críticas da imprensa.

Um objetivo adicional futuro é o da divulgação das possibilidades de investigação e fundamentação teórica relacionadas à psicologia do esporte, potencializando, assim, o envolvimento dos árbitros com este segmento da preparação esportiva, afim de melhorar o desempenho e a qualidade de vida dos mesmos.

 

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Endereço para correspondência
Eduardo Cillo, Rua Turfa, 1411, ap. 303 - Barroca
30430-380 Belo Horizonte - MG
E mail: edcillo@yahoo.com

 

 

1 Aluna bolsista FUNADESP/ Centro Universitário Newton Paiva
2 Aluna voluntária
3 Professor orientador bolsista FUNADESP
4 http://www.ufsm.br/cadernos de comunicacao/
5 http://www.ufsm.br/cadernos de comunicacao/

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