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Temas em Psicologia
versão impressa ISSN 1413-389X
Temas psicol. vol.2 no.1 Ribeirão Preto abr. 1994
Preditores do comprometimento organizacional na EMATER-MG1
José Mauro Gonçalves DiasI,2; Lúcio Flávio Renault de MoraesII,3
IEMATER-MG
IIUniversidade Federal de Minas Gerais
INTRODUÇÃO
Nas instituições públicas brasileiras, o estudo deste novo constructo se faz pertinente e necessário. Tais organizações são normalmente estigmatizadas pela opinião pública em geral como ineficientes e, geralmente, questionadas quanto ao seu desempenho e o seu.papel dentro da realidade social e econômica do país.
Neste sentido, toma-se clara a necessidade de aprofundar nossa compreensão sobre a questão do comprometimento nesta organização, ampliando nossa percepção desta relação e estabelecendo condições efetivas para uma maior reflexão sobre o assunto e o surgimento de novos modelos de gestão apoiados nesse novo constructo.
Sendo assim, o objetivo principal deste estudo foi identificar na EMATER-MG - Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais - quais são as variáveis preditoras do comprometimento de seus empregados para com a organização.
Para a consecução deste objetivo, constituímos um modelo de análise do comprometimento organizacional apoiado em achados que a literatura sobre o assunto vem apontando.
Esse modelo é um desenvolvimento daquele proposto por Borges-Andrade et al. (1990) que buscou diagnosticar o comprometimento organizacional entre os servidores da EMBRAPA, Instituição de pesquisa agropecuária federal.
Foram incorporadas ao modelo as variáveis de conteúdo do trabalho e de contexto do trabalho (nível de satisfação), extraídas do modelo de características da tarefa de Hackman e Oldham (1975), originalmente utilizado para determinar o nível motivacional das tarefas e, recentemente, o nível de qualidade de vida no trabalho. Na figura 1 apresentamos o modelo teórico utilizado na condução da pesquisa, sumarizado em cinco grupos de variáveis que podem estar relacionadas ao comprometimento organizacional.
METODOLOGIA
CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA
O presente estudo pode ser caracterizado como quantitativo-descritivo. Seu propósito principal é descrever as relações quantitativas entre as variáveis especificadas, a fim de responder a questões propostas pelas pesquisa:
Dos cinco grupos de variáveis, quais deles possuem relações significativas com o comprometimento organizacional? Quais relações são positivas? Quais são negativas? Como esses resultados se comparam com os já obtidos no Brasil e exterior?
Existem diferenças significativas entre os perfis técnico e administrativo no que se refere às variáveis relacionadas com o comprometimento organizacional? E entre os escritórios central, regionais e locais da instituição estudada?
POPULAÇÃO
A população-alvo deste estudo constituiu-se de todos os empregados técnico-administrativos da empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais - EMATER-MG, que possuíssem escolaridade mínima de 2º grau completo, distribuídos nos três níveis estruturais da empresa: Escritório Central, Escritórios Regionais e Escritórios Locais. A opção por se trabalhar com os empregados com escolaridade mínima de 2º grau justifica-se pelo fato de estarem nesta categoria cerca de 85% dos empregados da empresa e do questionário ser auto-aplicável.
DEFINIÇÃO DA AMOSTRA
A técnica de amostragem utilizada foi a da estratificação que se constitui de 624 empregados. Foram selecionadas intencionalmente três coordenadorias do Escritório Central e oito Escritórios Regionais com todos os seus respectivos Escritórios Locais, fundamentados no fato de que a organização pesquisada está estruturada em três níveis: Escritórios Central, Escritórios Regionais e Escritórios Locais.
INSTRUMENTOS
O questionário utilizado para collier os dados era composto de cinco partes, de múltipla escolha, sendo que nas partes 2, 3, 4 e 5 utilizamos escalas de respostas tipo Likert, de 1 a 7 pontos.
Na 1ª parte foram agrupados os dados referentes às variáveis pessoais e funcionais, a saber: variáveis pessoais (escolaridade, idade, sexo) e variáveis funcionais (tempo de serviço, unidade de lotação, mobilidade interna, natureza das atividades profissionais e remuneração).
Na 2ª e 3ª partes foram agrupados os dados referentes às variáveis de conteúdo do trabalho, resultantes do JOB DIAGNOSTIC SURVEYQDS), elaborado por Hackman e Oldham (1975), traduzido e adaptado por Moraes et. ai. (1989) para o contexto brasileiro. Estas variáveis foram citadas por vários autores como fortes preditoras de comprometimento e são intrínsecas à tarefa do indivíduo na organização (Mowday et ai. 1982; Mottaz 1988): variedade de habilidade, identidade da tarefa, significado da tarefa, autonomia, interrelacionamento, feedback do trabalho e feedback dos colegas.
Na 4ª parte do questionário, encontra-se a escala de comprometimento organizacional. A escala foi adaptada é traduzida para seu uso no Brasil por Borges-Andrade et al.(1990). Ainda nesta parte foram incluídas as variáveis organizacionais a saber: crescimento na carreira, sistema de promoção justo, oferta de treinamento e sistema de benefícios.
A 5ª e última parte do questionário agrupa as variáveis relativas ao contexto do trabalho, extraídas também do "JEDS", consideradas neste estudo como correlatos do comprometimento: satisfação com segurança, satisfação com compensação, satisfação com colegas de trabalho, satisfação com as possibilidades de crescimento, satisfação com supervisão, satisfação com eqüidade salarial interna e satisfação com eqüidade salarial externa.
PROCEDIMENTO PARA A COLETA DE DADOS
Os dados foram coletados em junho de 1992 através de um questionário, conforme mencionado, e distribuídos da seguinte forma:. Escritórios Central: foram entregues diretamente às secretarias das coordenadorias, que distribuíram e receberam os questionários dos respondentes.. Escritórios Regionais e Locais: foram aplicados questionários em 158 escritórios locais e 8 escritórios regionais em todo o Estado de Minas Cerais. Para esses extratos, utilizamos o malote da empresa para remeter os questionários. Estes foram enviados para os Escritórios Regionais, incumbidos da distribuição e recepção aos seus respectivos Escritórios Locais.
Dos 736 questionários enviados, obtivemos a devolução de 626, o que representa um retorno de 85%, acima do que tem sido obtido no Brasil, em pesquisas desta natureza.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para atingir o objetivo deste estudo foi utilizada a análise de regressão múltipla, resultando em seis modelos para os extratos pesquisados e que estabelecem os efeitos das variáveis hipotetizadas que melhor podem explicar o comprometimento.
AMOSTRA GLOBAL
O primeiro modelo considerou a amostra global dos empregados da empresa pesquisada.
A atuação conjunta de 7 variáveis explica 41% do grau de comprometimento organizacional.
O grupo categorizado como contexto do trabalho, através de 5 variáveis, explicou conjuntamente 40% do grau de comprometimento. Somente a variável "Satisfação com as possibilidades de crescimento" responde, isoladamente, for 29,02% desta variação (ver figura 2).
Os empregados que percebem a organização oferecendo oportunidades de crescimento na carreira, treinamentos e que demonstram satisfação com a sua segurança, compensação e eqüidade salarial no trabalho são os mais comprometidos.
Os dados da pesquisa sugerem que os grupos de empregados com melhores salários não estão associados a um maior compromisso, confirmando as pesquisas de Rhods e Steers citados por Mowday et ai (1982).
PERFIS TÉCNICO E ADMINISTRATIVO
Quando se analisa o perfil técnico da organização melhora o modelo. A atuação conjunta de 9 variáveis explica 44% do comprometimento neste perfil. Os dados revelam que existe uma relação inversa entre escolaridade e comprometimento. Assim, os empregados com maior escolaridade são os menos comprometidos. Talvez, uma das explicações para o fato seja a de que indivíduos com maior escolaridade tenham, também, maiores expectativas que nem sempre podem ser atendidas pelas organizações. A variável de maior destaque nesse perfil é o "nível de satisfação com compensação" que, sozinha, explica 28,38% da variância do comprometimento. Cabe aqui esclarecer que a compensação refere-se ao grau de satisfação dos empregados com pagamentos, benefícios e o convívio com pessoas de talento na organização (ver Figura 3).
No perfil administrativo aparece um dos modelos menos complexos: somente três variáveis de apenas um grupo (contexto do trabalho) explicam 40% do comprometimento, com destaque para a variável "nível de satisfação com as possibilidades de crescimento", respondendo 33,81% desta variância.
As outras duas variáveis são "Satisfação com compensação" e "Satisfação com segurança". Neste extrato, as recompensas extrínsecas respondem pela explicação total do comprometimento, contrariando alguns achados da literatura. A explicação pode estar relacionada ao perfil do grupo, que possui tarefas menos complexas. De acordo com Etzioni (1961), apresentam um "envolvimento calculista" com a organização, ou seja, estes empregados possuem um relacionamento menos intenso com a mesma. Tal relacionamento baseia-se em um sistema de trocas, isto é, os empregados tornam-se comprometidos por terem uma relação benéfica entre suas contribuições para com a empresa e as recompensas que recebem dos seus serviços (ver fig. 4).
NÍVEIS HIERÁRQUICOS
No Escritório Central concentram-se os empregados que dão suporte à toda a empresa. Neste nível aparece o modelo mais complexo e de maior poder explicativo, respondendo por 69% da variância do comprometimento. Aqui, também, a explicação do comprometimento está melhor distribuída entre os grupos e as variáveis.
Duas variáveis pessoais integram o modelo, em uma relação inversa. A "escolaridade" aparece explicando 15,58% do comprometimento e, a "idade" 4,95%. As pesquisas revelam que a idade sempre aparece em uma relação direta, ou seja, quanto mais velho mais comprometido. Os resultados, apesar de contrariar estes achados, são consistentes pois existe uma estreita relação entre idade e escolaridade na empresa. Quanto maior a idade, maior a escolaridade, que é inversamente relacionada. Dentre as variáveis funcionais apenas a "remuneração "aparece com uma relação direta com o comprometimento, respondendo por 2,15% (ver figura 5).
Entre as variáveis organizacionais, aparecem duas que, agrupadas, respondem pela metade da variação do comprometimento neste extrato. 0 destaque é para a "oferta de treinamento" que contribui com 28,62% desta explicação, e "crescimento na carreira" que aparece com 6,91%. Por ser o último nível da estrutura, pressupõe-se que estejam aqui os empregados que mais receberam treinamento na empresa. De acordo com este resultado, confirma-se a importância desta variável no desenvolvimento do compromisso. Com base neste achado, pode-se aferir um alto retorno dos investimentos feitos em treinamento, sugerindo um maior empenho das organizações neste sentido.
Nos Escritórios Regionais estão lotados os empregados responsáveis pela coordenação dos trabalhos ao nível do Escritório Local.
Neste extrato, 53% do comprometimento é explicado pela atuação conjunta de seis variáveis distribuídas em 4 grupos. Apenas o grupo de variáveis pessoais foi excluído. Neste nível estrutural aparecem3 variáveis inéditas integrando o modelo. 'Sistema justo de promoção" explicando 3,15% do grau de comprometimento, "mobilidade interna" com 2,54% e "identidade da tarefa" com 3,51%, sendo que as duas últimas aparecem com relação inversa, (ver figura 6).
Os empregados que percebem a existência de critérios justos nos sistemas de promoção são mais comprometidos. Já a relação inversa de identidade da tarefa pode estar relacionada a um processo de coordenação pouco eficiente, ou seja, os empregados podem não perceber resultados concretos de seu trabalho, acarretando menor comprometimento. Das 3 variáveis de contexto do trabalho, o "nível" de "satisfação com compensação" explica a maior parcela de variação do comprometimento (34,51%), dado este bastante coerente, uma vez que neste nível hierárquico estão concentrados, na sua maioria, elementos do perfil técnico (cuja variável mais importante também foi esta.
As variáveis "satisfação com possibilidades de crescimento" e com "eqüidade salarial interna", aparecem com percentuais de explicação de 6,79% e 2,12%, respectivamente.
Os Escritórios Locais são responsáveis pela execução do trabalho junto aos clientes, estando concentrados neste extrato cerca de 80% dos técnicos da organização. Quanto aos empregados nos escritórios Locais a explicação é da ordem de 44%, sendo 8 variáveis responsáveis por sua variação, (ver figura 7).
A variável "escolaridade aparece com uma relação inversa da ordem de 1,29%. Neste extrato aparecem duas variáveis relacionadas ao conteúdo do trabalho, diferindo-o dos demais: "feedback do trabalho" e "feedback dos colegas".
Este achado reforça as afirmações de Salancik (1977) de que altos níveis de compromisso devem estar associados a supervisões mais flexíveis. O supervisor que permite a seus empregados discernir como melhor desempenhar suas funções, aumenta a responsabilidade sentida por eles.
No caso especifico da extensão rural, existe uma maior autonomia na execução das tarefas. Os colegas e em menor grau os supervisores dão retorno esperado aos empregados.
No que se refere às variáveis do contexto do trabalho, o comprometimento aumenta à medida que aumentam: o nível de satisfação com as possibilidades de crescimento, compensação, segurança e eqüidade salarial interna.
O maior destaque é para o "nível de satisfação com as possibilidades de crescimento" que, isoladamente, explica 29,87% da variação de comprometimento.
CONCLUSÕES
Os resultados obtidos neste trabalho indicaram impactos significativos dos fatores organizacionais no desenvolvimento do compromisso. Procurou-se analisar tanto os fatores intrínsecos como os extrínsecos, constatando serem os últimos os mais poderosos na determinação do comprometimento.
Algumas variáveis, ao invés de distinguirem os extratos pesquisados, os unem, conforme constatado em outras pesquisas (Borges-Andrade et ai, 1990). Merecem menção as variáveis "crescimento na carreira e progresso profissional", "satisfação com compensação" e "satisfação com as possibilidades de crescimento", que se destacaram como as de maior poder explicativo do comprometimento na empresa.
Quando se confrontam os perfis técnico e administrativo, percebe-se que no perfil administrativo a determinação do comprometimento ocorre exclusivamente em função das recompensas extrínsecas, provavelmente refletindo as características deste grupo. A pouca complexidade das funções direcionam o grupo para um envolvimento "calculista" com a organização, baseado num relacionamento de trocas.
No perfil técnico o comprometimento é desenvolvido de forma mais complexa, com o surgimento de outros aspectos relevantes na sua determinação, tais como: carreira, relacionamento com grupos, tipo de supervisão e independência na execução do trabalho.
Ao se analisarem os níveis hierárquicos percebem-se diferenças significativas quando o último nível da estrutura (Escritório Central) é levado em consideração. Neste nível, a explicação do comprometimento se desloca para as variáveis organizacionais, sendo o mesmo desenvolvido em função da percepção de oportunidades de treinamento, possibilidades de crescimento na carreira e relacionamento com grupos.
Embora apresentando alguma relação, as variáveis demográficas (pessoais/funcionais) tiveram pouco peso na determinação do comprometimento, sugerindo uma relação indireta, mediada pela ação de outras variáveis.
Os resultados desta pesquisa são consistentes com os principais achados das pesquisas similares realizadas no Brasil e no exterior e contribuem para uma visão mais compreensiva do fenômeno do comprometimento nas organizações.
Referências Bibliográficas
Borges-Andrade, J. E.; Camoschi, C. E. e Xavier, O. S. (1990) Comprometimento organizacional em instituição de pesquisa: diferenças entre meio e fim. Revista de Administração, 25(4), 29-43. [ Links ]
Etzioni, A. (1961) A comparative Analysis of Complex Organizations. New York: Free Press. [ Links ]
Hackman, J. e Oldhan, G. (1975) Development of the job diagnostic survey. Journal of Applied Psychology, 60(2), 159-170. [ Links ]
Moraes, L. F. R. e Kilimnik, Z. M. (1989) A evolução do papel do administrador, a utilização do computador e os reflexos em sua qualidade de vida no trabalho. Anais do 13º Encontro Anual da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração - ANPAD (Belo Horizonte), 7, 305-325. [ Links ]
Mottaz, C. J. (1988) Determinants of organizational commitment. Human Review. 42(6), 467-482. [ Links ]
Howdaw, R. T.; Porter, L. W. e Steers, R. M. (1982) Employee Organizational Linkages: the Psychology of commitiment and turniver. New York: Academic Press. [ Links ]
Salancik, G. R. (1971). Commitment is too easy? Organizational Dynamics, Summer 67-80. [ Links ]
(1) Este artigo é uma síntese da Dissertação de Mestrado de DIAS, J.M.G. (1993) e faz parte de um conjunto de cinco textos sobre Comprometimento Organizacional, todos incluídos na presente publicação. Uma introdução geral, aplicável a estes textos, é apresentada no primeiro deles, de autoria de BO RG ES- AN D RA DE, J.E. Portanto, para uma visão geral sobre a relevância do problema e sobre a conceituação e mensuração do Comprometimento Organizacional, utilizadas no conjunto dos artigos, sugere-se ao leitor que consulte o primeiro deles.
(2) Divisão de Recursos Humanos.
(3) Centro de Pós-Craduação e Pesquisas em Administração - FACE