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Psicologia Ensino & Formação
versão impressa ISSN 2177-2061versão On-line ISSN 2179-5800
Psicol. Ensino & Form. vol.8 no.1 São Paulo jan./jun. 2017
https://doi.org/10.21826/2179-5800201781315
Ensaio
Formação em Psicologia no Brasil: Aspectos Históricos e Desafios Contemporâneos
Capacitation in Psychology in Brazil: Historical background and Current Challenges
Formación en Psicología en Brasil: Aspectos Históricos y Desafíos Contemporáneos
Irani Tomiatto de OliveiraI, Ângela SoligoII, Suenny Fonsêca de OliveiraIII, Biancha AngelucciI
I Associação Brasileira de Ensino de Psicologia.
II Associação Brasileira de Ensino de Psicologia. Universidade Estadual de Campinas.
III Associação Brasileira de Ensino de Psicologia. Universidade Federal da Paraíba.
IV Universidade de São Paulo.
Resumo
Este artigo objetiva realizar uma revisão acerca das orientações e diretrizes para a formação em Psicologia no Brasil desde sua primeira proposição, abordando conteúdos temáticos e disciplinas básicas, composição e integralização dos cursos, nomenclatura e habilitações, além dos aspectos históricos e da articulação das instituições formadoras às demais entidades da Psicologia brasileira que tiveram sua importância na discussão sobre a formação das(os) psicólogas(os) brasileiras(os). Aborda a discussão desde o currículo mínimo até a atual estrutura das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a graduação em Psicologia, resgatando o histórico da licenciatura e das especificidades da Psicologia como ciência e seu reconhecimento e inserção nas profissões da área de saúde, bem como suas implicações. Espera-se que os elementos e reflexões aqui levantadas contribuam para processos de discussão sobre que psicóloga(o) precisamos formar, tendo em vista princípios éticos, teórico-metodológicos, bem como orientadores voltados ao compromisso social da Psicologia.
Palavras-chave: psicologia; formação; ensino superior; ensino de Psicologia.
Abstract
This article intends to review recommendations and guidelines for educating Psychology students in Brazil since their first proposition, covering thematic contents and basic courses, composition of the majors, classifications and entitlements, besides historic aspects and the relationship between educating institutions and other Brazilian Psychology organizations that were relevant in the debate on the education of Brazilian Psychologists. This paper debates from the minimal curriculum to the current structure of Nacional Curriculum Guidelines for the graduation in Psychology, recalling the background of Licentiate courses and specificities of Psychology as a Science, its implications, and its recognition and insertion in professions in the field of Health Care. The elements and reflections here raised are hoped to contribute in the debate on what kind of psychologists should emerge from graduation, considering ethical, theoretical, and methodological principles, as well as guiding principles that lead to the social commitment of Psychology.
Keywords: psychology, education, academic studies, teaching of psychology
Resumen
Este artículo tiene como objetivo realizar una revisión de las orientaciones y directivas para la formación en Psicología en Brasil desde su primer proposición, abordando contenidos temáticos y asignaturas básicas, composición e integración de los cursos, nomenclaturas y habilitaciones, además de los aspectos históricos y de la articulación de las instituciones formadoras con relación a las demás entidades de Psicología brasileña que tuvieron su importancia en la discusión sobre la formación de las(los) psicólogas(os) brasileñas(os). Aborda el debate desde el currículum mínimo hasta la estructura actual de las Directivas Curriculares Nacionales para la graduación en Psicología, rescatando el histórico de la Licenciatura y de las especificidades de la Psicología como ciencia y su reconocimiento e inserción en las profesiones del área de la salud, además de sus implicaciones. Se espera que los elementos y reflexiones aquí levantados puedan contribuir para procesos de discusión sobre qué psicóloga(o) precisamos formar, teniendo en vista principios éticos, teórico-metodológicos, y también orientadores volcados hacia el compromiso social de la Psicología.
Palabras-clave: psicología, formación, educación superior, enseñanza de psicología.
Brasil hoje conta com mais de 304 mil psicólogas(os)[1], mais de setecentos cursos de graduação em Psicologia[2]. Desde a regulamentação da profissão no Brasil em 1962, a formação em Psicologia tem sido objeto de reflexão e debates envolvendo a categoria e suas entidades, o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde. Em 2004, foram aprovadas as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de graduação em Psicologia, que em 2011 passaram por reformulação visando regulamentar a licenciatura em Psicologia.
Desde 2017 e neste ano de 2018, por iniciativa do Conselho Nacional de Saúde (CNS), todas as profissões da área de saúde estão discutindo uma proposta de revisão e atualização das normas instituídas nas DCN. É neste contexto que se insere o presente artigo: apresentar aspectos históricos que embasaram a criação dos cursos de graduação em Psicologia no Brasil a fim de situar os desafios atuais da formação de psicólogas(os), à luz dos debates e das soluções historicamente engendrados em nosso país. Para reconstruir as raízes socioculturais que norteiam conhecimentos e práticas psicológicas, utiliza-se a retomada de marcos legais e da historiografia das instituições de ensino superior de Psicologia.
Espera-se, com isso, contribuir para a sistematização da história de nossa formação, considerando-a no âmbito das políticas de ensino superior, para o debate sobre a profissão de psicóloga(o) no Brasil e as características constitutivas dessa profissão, quais sejam a pluralidade de campos de atuação e os aportes epistemológicos e técnicos.
Início dos cursos de graduação em Psicologia
O primeiro projeto de domínio público para um curso de Psicologia brasileiro foi elaborado em 1932, no Rio de Janeiro, por Waclaw Radeki, diretor do Instituto de Psicologia do Ministério da Educação e Saúde Pública (Centofani, 1982), tinha duração de quatro anos e possuía as seguintes etapas e disciplinas (Jacó-Vilela, Rodrigues &Jabur, 1999):
I. Psicologia Geral: aspectos da Biologia, Anatomia, Fisiologia, Física, Química, Propedêutica Filosófica e Lógica;
II. Psicologia Diferencial e Coletiva: além de continuidade de temas das ciências biológicas e naturais, foi introduzido o estudo das Ciências Sociais Antropologia, Sociologia, Economia Política, História da Filosofia, Teoria do Conhecimento, Teoria das Ciências Naturais; Psicologia Aplicada à Educação: Psicologia Aplicada e cursos monográficos de especialidades psicológicas e ciências afins Psicologia da Criança, História da Psicologia, Ética e Estética.
Entretanto, após sete meses de funcionamento, o Instituto de Psicologia foi extinto, segundo Centofani (1982) e Jacó-Vilela, Rodrigues e Jabur (1999), por motivos orçamentários e por pressões corporativas, ideológicas e religiosas. Nessa primeira formulação, já se evidenciam as muitas interfaces que caracterizariam a formação em Psicologia, bem como se anunciavam questões de natureza política que se perpetuariam até os nossos dias.
No ano de 1946, duas leis referendaram a institucionalização da Psicologia (Soares, 2010), o Decreto-Lei nº 9.092, de 26/03/1946, que estabelecia a obrigatoriedade da disciplina Psicologia Aplicada à Educação para a obtenção do diploma de licenciado, e a Portaria nº 272, de 13/04/1946, do Ministério de Educação e Saúde, que regulamentava os diplomas de especialização, entre eles o de psicóloga(o). Assim, nasce a(o) psicóloga(o) especialista, com profissionais de Psicologia atuando na clínica, no trabalho e na educação. No início da década de 1950, foram criados os dois primeiros cursos de graduação em Psicologia, um no Rio de Janeiro e outro no Rio Grande do Sul, em universidades católicas; a partir daí, foram engendradas iniciativas visando à regulamentação da profissão e dos cursos.
Em 1954, a Associação Brasileira de Psicotécnica, atualmente Associação Brasileira de Psicologia Aplicada, enviou ao Ministro da Educação um memorial em que relatou a expressiva presença da Psicologia no cenário educacional e profissional brasileiro, solicitou a regulamentação da profissão e propôs um anteprojeto de currículo para curso superior de Psicologia. Em 1958, foi elaborado o Projeto de Lei dispondo sobre o curso de formação em Psicologia e a regulamentação da profissão de psicóloga(o), então chamada(o) de psicologista.
Em 1959, a Associação Brasileira de Psicólogos e a Sociedade de Psicologia de São Paulo apresentaram um substitutivo a esse anteprojeto que estabelecia:
· Formação de bacharelado em três séries anuais, composto por disciplinas que incluíam Ciências Biológicas, Ciências Humanas e áreas específicas da Psicologia geral, experimental, desenvolvimento, personalidade, aprendizagem, psicopatologia;
· Curso de licença, composto por três séries anuais as duas primeiras comuns e a terceira com três modalidades, Psicologia Aplicada ao Trabalho, Psicologia Clínica e Psicologia Aplicada à Escola; a proposta determinava quais disciplinas deveriam compor tanto os dois anos comuns como cada uma das modalidades da terceira etapa.
O curso de licença incluía a realização de trabalhos práticos, de observação e pesquisa, pelo menos 800 horas anuais de estágios supervisionados, e a apresentação e a defesa de tese original sobre trabalho em campo de estágio. Em qualquer das três modalidades, o curso de licença dava o direito de exercer a profissão de psicóloga(o), mas havia uma exigência a mais para obter a licença em Psicologia Clínica: ter concluído análise pessoal com profissional credenciado pela Sociedade Internacional de Psicanálise.
É importante observar que nessa proposta reafirma-se o caráter multidisciplinar da Psicologia, sua vinculação tanto com as Ciências Biológicas quanto com as Ciências Humanas, e também sua inserção nos três campos que se tornariam clássicos na formação e atuação em Psicologia: clínica, escolar e trabalho.
Na década seguinte, foi sancionada a Lei nº 4.119, de 27/08/62, que regulamentou a profissão de psicóloga(o) e o Parecer do Conselho Federal de Educação nº 403, aprovado em 19/12/1962, que estabeleceu o currículo mínimo e a duração do curso superior de Psicologia. Foram estabelecidas três terminalidades para o curso: licenciatura, centrada na docência; bacharelado, que formava a(o) pesquisadora(or), e formação de psicóloga(o), que habilitava para o exercício profissional os dois primeiros com a duração de quatro anos, e o último com cinco anos (cumulativos). Para o bacharelado e a licenciatura, o currículo mínimo era composto pelas seguintes matérias obrigatórias: Fisiologia, Estatística, Psicologia Geral e Experimental, Psicologia do Desenvolvimento, Psicologia da Personalidade, Psicologia Social e Psicopatologia Geral. Para a licenciatura, que habilitava para o exercício do magistério em cursos de nível médio, eram também obrigatórias as matérias pedagógicas fixadas em resolução especial.
Para a obtenção do diploma de psicóloga(o), era necessário cursar, além das disciplinas citadas, mais cinco: Técnicas de Exame Psicológico e Aconselhamento Psicológico, Ética Profissional, e pelo menos três entre as seguintes: Psicologia do Excepcional, Dinâmica de Grupo e Relações Humanas, Pedagogia Terapêutica, Psicologia Escolar e Problemas de Aprendizagem, Teorias e Técnicas Psicoterápicas, Seleção e Orientação Profissional, Psicologia da Indústria. Era previsto, ainda, um período de treinamento prático sob a forma de estágio supervisionado (Conselho Federal de Educação, 1962).
Segue-se à regulamentação da profissão um período de grande expansão de cursos de Psicologia, e consequentemente de profissionais formadas(os), em especial na década de 1970. É um período marcado pela forte presença do Estado, com a instalação da Ditadura Militar, e pela Reforma Universitária (Lei 5.540/1968), que desencadeou a privatização do ensino superior brasileiro; esse é um período de desmobilização e silenciamento das entidades em Psicologia (Bernardes, 2012). É preciso considerar também que o grande aumento do número de cursos de Psicologia guardava relação com o aumento da demanda por serviços psicológicos, que se tornavam mais conhecidos e valorizados pela população.
O Conselho Federal de Psicologia (CFP) e os Conselhos Regionais foram criados pela Lei nº 5.766, de 20/12/1971. As funções destas autarquias são fiscalizar e orientar o exercício profissional para garantir o compromisso ético na prestação de serviços psicológicos à sociedade; as duas entidades foram responsáveis pela construção do primeiro Código de Ética do Psicólogo, publicado em 1975.
No final da década de 1980, o CFP publicou o livro Quem é o Psicólogo Brasileiro? (Conselho Federal de Psicologia, 1988), primeiro grande diagnóstico da profissão e da formação da(o) psicóloga(o) no País. Em síntese, o livro aponta a prevalência de mulheres na profissão, bem como das práticas clínicas de atuação em Psicologia. Para maiores informações sobre esse período e a análise desta temática, é possível consultar o livro Escritos sobre a profissão de psicólogo no Brasil (Yamamoto & Costa, 2010).
A década de 1990 foi marcada por grandes preocupações, mobilizações e debates a respeito da formação profissional da(o) psicóloga(o), envolvendo o Sistema Conselhos, associações científicas e todos os atores da formação. Em 1992, o CFP e os Conselhos Regionais, por meio da Câmara e das Comissões de Educação e Formação Profissional, promoveram o I Encontro de Coordenadores de Curso de Formação de Psicólogos, com a presença de 98 das 103 agências formadoras do país. No encontro, foram tratados os seguintes temas: 1) princípios que poderiam ser norteadores para a formação acadêmica do psicólogo; 2) de que forma estes princípios podem ser contemplados no currículo; 3) de que forma estes princípios podem ser contemplados nos estágios.
O Encontro de Serra Negra, como ficou conhecido, teve como resultados a Carta de Serra Negra, importante documento sobre a formação profissional da(o) psicóloga(o) brasileira(o) (Conselho Federal de Psicologia, 1992a), e a aprovação, em plenária, dos seguintes princípios norteadores para a formação acadêmica:
· Desenvolver a consciência política de cidadania e o compromisso com a realidade social e a qualidade de vida;
· Desenvolver atitude de construção de conhecimentos, enfatizando uma postura crítica, investigadora e criativa, fomentando a pesquisa em um contexto de ação-reflexão-ação, bem como viabilizando a produção técnico-científica;
· Desenvolver o compromisso da ação profissional cotidiana, baseada em princípios éticos, estimulando a reflexão permanente desses fundamentos;
· Desenvolver o sentido da universidade, contemplando a interdisciplinaridade e a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão;
· Desenvolver a formação básica pluralista, fundamentada na discussão epistemológica, visando à consolidação de práticas profissionais, conforme a realidade sociocultural, adequando o currículo pleno de cada agência formadora ao contexto regional;
· Desenvolver uma concepção de homem compreendido em sua integralidade e na dinâmica de suas condições concretas de existência;
· Desenvolver práticas de interlocução entre os diversos segmentos acadêmicos, para avaliação permanente do processo de formação.
Pode-se depreender da Carta de Serra Negra que entre elementos importantes constam a subjetividade compreendida no entrelaçamento de suas múltiplas dimensões; o compromisso social e ético com a realidade brasileira; a pluralidade de aportes teóricos, campos e práticas; a interdisciplinaridade; a indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão; a postura reflexiva.
Nesse mesmo ano e em 1994, foram publicados respectivamente os livros Psicólogo Brasileiro: Construção de Novos Espaços (Conselho Federal de Psicologia, 1992b) e Psicólogo Brasileiro: Práticas Emergentes e Desafios para a Formação (Achcar, 1994). Em 1995, o Ministério da Educação instituiu uma comissão de especialistas em ensino de Psicologia com a finalidade de elaborar as diretrizes curriculares para a graduação em Psicologia, em substituição ao antigo currículo mínimo. O documento produzido organizou-se em dez diretrizes:
I. Garantir formação básica pluralista e sólida;
II. Garantir formação generalista;
III. Garantir formação interdisciplinar;
IV. Preparar o psicólogo para a atuação multiprofissional;
V. Assegurar formação científica, crítica, reflexiva;
VI. Permitir a efetiva integração teoria-prática;
VII. Atender às demandas sociais;
VIII. Compromisso ético deve permear todo o currículo;
IX. Romper com o modelo de atuação tecnicista;
X. Precisar as terminalidades dos cursos de Psicologia.
Em 1996, no II Congresso Nacional de Psicologia (CNP), ocorrido em Belo Horizonte, produziu-se um documento sobre formação, abordando os temas estágios, proliferação indiscriminada de novos cursos, avaliação psicológica, práticas alternativas, Lei 4.119/62 (regulamentação da profissão de psicólogo), Lei 5.766/71 (Texto substitutivo criação do Sistema Conselhos) e Fórum de Entidades. Nesse mesmo ano, foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Ldben, Lei n° 9.394, de 20/12/1996. Em Edital n° 04/97, o Ministério da Educação e do Desporto (MEC), por intermédio da Secretaria de Educação Superior Sesu, convocou as instituições de ensino superior (IES) a apresentarem propostas para as novas diretrizes curriculares dos cursos superiores, que seriam elaboradas pelas Comissões de Especialistas da Sesu/MEC. Para a elaboração das propostas, forneceu as seguintes orientações básicas:
· Perfil desejado do formando;
· Competências e habilidades desejadas;
· Conteúdos curriculares;
· Duração dos cursos;
· Estruturação modular dos cursos;
· Estágios e atividades complementares;
· Conexão com a avaliação institucional.
Além disso, orientou que as diretrizes curriculares deveriam conferir maior autonomia às IES na definição dos currículos de seus cursos. Dessa forma, em substituição ao sistema de currículos mínimos em que eram detalhadas as disciplinas que deveriam compor cada curso , esperava-se que fossem propostas linhas gerais capazes de definir quais competências e habilidades pretendia-se desenvolver. Para essa tarefa, foi nomeada uma segunda comissão de especialistas; porém, de acordo com Buettner (2000), essa comissão elaborou um documento que não levava em conta as diretrizes da primeira comissão, nem as deliberações que vinham sendo construídas pela categoria há mais de dez anos, inclusive pelo Fórum Nacional de Formação e Psicologia, realizado em 1997, envolvendo um processo de discussão amplo e democrático. Seguiu-se um período de intensas discussões entre as(os)a psicólogas(os), e entre seus representantes e o MEC. Havia diferenças também em relação à própria concepção da formação: se deveria ter caráter generalista, ou se deveria aprofundar os estudos em áreas específicas.
Após sete anos de discussão, o consenso foi alcançado por meio da proposta de formação generalista com ênfases curriculares que representariam concentração de estudos e estágios em pelo menos dois domínios da Psicologia, que seriam eleitos por cada curso, e que propiciariam à(ao) estudante a possibilidade de escolha. Também ficou estabelecido que os cursos teriam uma única terminalidade, a formação de psicóloga(o). As DCN para os cursos de graduação em Psicologia foram finalmente publicadas, por meio da Resolução CNE/CES nº 8, de 07/05/2004. A licenciatura, que será tratada a seguir, passou a compor um projeto complementar, só regulamentado em 2011, quando as DCN foram novamente publicadas.
Em 1997, o Ministério da Saúde promulgou a Resolução CNS nº 218, que reconheceu a Psicologia como uma das treze categorias profissionais de nível superior que compõem a área da saúde. Ficou assim formalizada essa inserção, a partir de uma compreensão ampliada de saúde e do compromisso da Psicologia com a promoção da dignidade e integridade humanas. Nesse mesmo ano, a Portaria Interministerial nº 880 MEC/MS criou a Comissão Interministerial para definir e propor critérios e parâmetros para autorização de cursos de graduação em Medicina, Odontologia e Psicologia. No ano seguinte, o CNS ampliou o número de profissões de saúde reconhecidas, reafirmando a presença da Psicologia entre elas na Resolução CNS nº 287 de 8 de outubro 1998.
Em 28 de maio de 1999, foi criada a Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (Abep), entidade de âmbito nacional, cujos objetivos são o desenvolvimento e o aprimoramento da formação em Psicologia no Brasil, em articulação com as entidades da profissão, da pesquisa, do mundo do trabalho e dos estudantes de Psicologia. Deve-se ressaltar a importância dessa entidade para propor e coordenar reflexões sobre experiências educacionais de formação em Psicologia, sobre aplicações do conhecimento da Psicologia que possam auxiliar na solução de problemas e no desenvolvimento das potencialidades humanas, sobre o campo de trabalho das(os) profissionais, além de outras informações e reflexões necessárias e importantes para a qualificação dos cursos de formação em Psicologia no país (Estatuto da Abep).
Em 2006, o MEC estabeleceu a unificação da nomenclatura das habilitações para todos os cursos de graduação, que ficaram assim definidas: bacharelado formação para o exercício profissional; licenciatura formação de professores; tecnólogo formação para atuar estritamente na dimensão tecnológica. A partir dessa unificação, o que até então era denominado formação da(o) psicóloga(o) passou a ser o bacharelado em Psicologia.
Em 2009, o Parecer CNE/CES nº 338, aprovado em 12/11/2009, admitiu a necessidade de alteração do artigo 13º das DCN, que tratava da formação de professoras(es). As DCN de 2004 foram reeditadas em 2011, com alteração apenas desse artigo, e aprovada assim a Resolução CNE/CESnº 5, de 15/03/2011, que instituiu as DCN para os cursos de graduação em Psicologia, e as normas para o Projeto Pedagógico Complementar para a formação de professoras(es) de Psicologia.
A Licenciatura em Psicologia
Historicamente, a licenciatura compõe a formação em Psicologia no Brasil desde a primeira proposta de curso, apresentada pelo MEC em 1932. A proposta não apenas abordava a atuação profissional, mas reconhecia a presença da Psicologia como componente curricular em vários campos do saber, a exemplo das faculdades de Medicina no Rio de Janeiro e na Bahia (Antunes, 2004; Pereira & Pereira Neto, 2003), dos Cursos de Pedagogia e particularmente na formação de professores nos cursos de Magistério.
Em 1962, quando foi regulamentada a profissão de psicólogo e foram previstas três habilitações para a formação bacharelado, licenciatura, formação da(o) psicóloga(o) a licenciatura, voltada à formação de professoras(es) para o ensino médio, englobava o ensino de Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2º Grau, Didática e Prática de Ensino de Psicologia. A(O) estudante podia, então, optar por cursar ou não a licenciatura, paralelamente ao bacharelado, e por cursar a formação de psicóloga(o) no quinto ano da formação, após os quatro anos iniciais. Cada uma dessas habilitações era certificada com um diploma.
Nas diretrizes de 2004, a dimensão da pesquisa foi incorporada à formação geral, sem a previsão de habilitação específica, e a licenciatura passou a ser um projeto complementar. Duas consequências resultaram dessa resolução: a primeira foi a drástica redução da oferta de licenciatura em Psicologia; a segunda foi o encolhimento do campo da Educação na formação em Psicologia, que se evidencia por meio da oferta reduzida de disciplinas voltadas à área e do número limitado das ênfases em Educação elencadas nos distintos cursos do país. Embora não se possa atribuir à alteração advinda das diretrizes o único fator associado a essa redução, as teses de Espinha (2017) e Tizzei (2014) evidenciam que esse foi um dos fortes fatores associados ao esvanecimento do campo da Educação na formação em Psicologia. Se na perspectiva da Educação os movimentos e alterações legais apontavam para uma ampliação de conteúdos necessários à formação de professora(es) e profissionais voltados à dimensão educativa como conhecimentos de Política Educacional, História da Educação, Cultura e Cotidiano Escolar , na Psicologia esses conteúdos foram sendo cada vez menos valorizados.
Em 2007, a Psicologia iniciou um grande movimento pelo retorno da disciplina de Psicologia ao ensino médio, à semelhança do que ocorreu com a Sociologia e a Filosofia quando se deu a aprovação da Ldben de 1996. Esse movimento foi desencadeado por decisão do Fórum das Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira (Fenpb), sendo amplamente discutido nos CNPs, e foi protagonizado pela Abep. Consideravam-se as muitas contribuições que a Psicologia poderia oferecer para a formação da juventude, por meio da mediação de seus conteúdos na análise das questões que afetam a constituição das(os) jovens na contemporaneidade.
Esse eixo de ação foi também profundamente discutido nos eventos relativos ao Ano da Psicologia na Educação, instituído pelo CFP em 2008, e gerou um texto orientador para o Seminário Nacional do Ano da Psicologia na Educação (Soligo & Azzi, 2008). No longo processo de reflexão sobre o ensino de Psicologia no ensino médio, em que foi intenso o debate com docentes e coordenadoras(es) do curso de Psicologia, um ponto recorrentemente levantado foi a necessidade de manter e ampliar os cursos de licenciatura no país, já que esses vinham sendo paulatinamente reduzidos (Soligo, 2010). Essas considerações levaram a Abep a estabelecer diálogos com representantes do Conselho Nacional de Educação (CNE), em particular aqueles vinculados à Psicologia.
Em 2011, a psicóloga Marília Ancona Lopes e o psicólogo Antônio Carlos Ronca, então conselheiros no CNE, apresentaram a proposta de nova redação à resolução que institui as DCN para os cursos de graduação em Psicologia, regulamentando a forma de oferta da licenciatura como componente complementar ao bacharelado, que deveria ser oferecida ao longo do processo de formação de forma obrigatória para os cursos de Psicologia, e eletiva para a(o) estudante. A proposta foi acatada pelo CNE, e resultou na Resolução nº 05 de 15 de março de 2011, que passou a ordenar a formação em Psicologia, e continua vigente até os dias de hoje.
As novas diretrizes causaram surpresa e estranhamento a várias instituições e coordenações de curso, e a Abep passou a realizar vários fóruns de coordenadoras(es) de curso em eventos da Psicologia, em todas as regiões do país, assim como um seminário nacional com o tema específico das DCN e as novas regras para a oferta da licenciatura. Nesses encontros, coordenadoras(es) recorrentemente apontavam dificuldades práticas e institucionais para a implantação das alterações instituídas pelas diretrizes, mas também discutiam a importância de sua implementação, não apenas como requisito para a oferta de Psicologia no ensino médio, que na prática não se efetivou, mas para a manutenção da Psicologia como disciplina em vários cursos técnicos e profissionalizantes de nível médio. Muitos cursos implantaram a licenciatura, e muitos ainda estão por fazê-lo. Princípios e dificuldades institucionais permanecem em tensão, agravados pela tendência contemporânea de ampliação das atividades e da formação inicial à distância e, nesse momento em que se propõe a revisão das diretrizes, esse é sem dúvida um dos temas que deverão fazer parte das discussões.
Do currículo mínimo às Diretrizes Curriculares Nacionais
O currículo mínimo para os cursos de Psicologia, estabelecido pelo Parecer nº 403 do Conselho Federal de Educação, aprovado em 19/12/1962, ficou vigente durante mais de quarenta anos. Baseava-se na transmissão de conhecimentos organizados em um conjunto específico de disciplinas, e praticamente não se referia ou não levava em conta ao contexto sociocultural em que o curso era ministrado. Fruto da preocupação inicial em garantir a identidade ao psicólogo brasileiro, buscou a uniformidade da formação em todo o território nacional. Com o tempo, muitos fatores fizeram com que esse modelo passasse a ser considerado insatisfatório, e foi-se acentuando cada vez mais a constatação da necessidade de mudanças nas orientações que regulavam a formação da(o) psicóloga(o): os constantes questionamentos ao elitismo da Psicologia (Gil, 1985), as mudanças sociais, o grande aumento do número de cursos e consequentemente de profissionais, a abertura democrática do país, a inserção de psicólogas(os) em novos campos de atuação em especial nas políticas públicas , o contato profissional com uma população mais heterogênea, a necessidade de que a profissão se comprometesse com as condições e as necessidades da população brasileira.
O processo de revisão nacional das orientações para a formação em todos os cursos de graduação instituídos pelo MEC a partir de 1995 que trazia como fundamento a concepção de competências e habilidades ,foi também um elemento orientador para a elaboração das novas diretrizes.
Todas essas mudanças refletem-se nas DCN publicadas em 2004 e republicadas em 2011: em vez de indicar disciplinas e conteúdos específicos, como fazia o currículo mínimo, a nova regulação, tomando como base o perfil da(o) profissional que se pretende formar, (1) estabelece princípios e fundamentos, conhecimentos, competências e habilidades gerais e específicas a serem desenvolvidos, articulados em torno de eixos estruturantes; (2) reconhece o fenômeno psicológico como multideterminado e histórica e culturalmente contextualizado, a diversidade de orientações teórico-metodológicas da Psicologia e a diversidade de práticas, de processos de trabalho e de contextos de inserção profissional; (3) integra a formação em um único perfil profissional, o de psicóloga(o), com a possibilidade de complementação com a licenciatura, de oferta obrigatória pela instituição de ensino e realização eletiva pela(o) estudante; (4) acentua a necessidade do desenvolvimento de uma postura crítica, reflexiva, investigativa, ética e socialmente comprometida; (5) valoriza a interdisciplinaridade, a multiprofissionalidade e a integração teórico-prática durante todo o processo de formação, e reforça a necessidade da formação continuada.
As DCN de 2004/2011 introduziram um novo paradigma de formação e novos conceitos, alguns dos quais permanecem como pontos de questionamentos e discussões: núcleo comum de formação e ênfases curriculares, estágios básicos, processos de trabalho. Elas representaram, sem dúvida, um salto qualitativo e de atualização do processo de formação da(o) psicóloga(o) brasileira(o). Passados mais de treze anos de sua primeira publicação, já foi possível testar na prática essas propostas, e acumular conhecimento e experiência suficientes para retomar essa discussão, reavaliar o processo e avançar no objetivo de construir uma formação profissional cada vez mais qualificada.
Em um momento de retração das políticas de direito e acessibilidade, de rupturas nas políticas públicas nos campos da saúde, educação, seguridade social, de precarização dos processos de trabalho, de redução de recursos à ciência e à tecnologia do país, bem como de ampliação das políticas de formação a distância, a revisão das diretrizes permitirá a toda a categoria docente, profissional e estudantil a discussão e o fortalecimento dos princípios fundantes e orientadores, a reflexão sobre possibilidades de articulação dos modelos e práticas de formação, a consolidação de um projeto de formação para a Psicologia que contemple a pluralidade, a competência acadêmica, e o compromisso com o aperfeiçoamento da sociedade pautada em uma perspectiva de direitos cidadãos plenos.
Tanto na academia quanto em diversos extratos da sociedade, uma pergunta frequente é A que área pertence a Psicologia: Ciências da Saúde ou Ciências Humanas e Sociais?. Essa parece ser uma questão não resolvida, que frequentemente surge nos debates entre docentes, profissionais e estudantes, e envolve argumentações acaloradas e fundamentadas a respeito de uma ou outra posição. Muitos estudantes questionam por que alguns cursos de Psicologia são alocados em escolas ou departamentos de Ciências Humanas e outros em Ciência da Saúde. Uma possível explicação, a partir do viés acadêmico, está disponível no livro Raízes da Psicologia Social Moderna (Farr, 2000), que aborda a característica híbrida da Psicologia desde sua origem. Ao considerar Wundt e seu laboratório de Psicologia Experimental em Leipzig como marco da Psicologia Científica, a universidade moderna alocou a Psicologia como originária de uma ciência natural que mais se aproximava da área da saúde.
No entanto, a história da Psicologia retratada por Boring em sua tese de doutorado History of Experimental Psychology publicada em 1929 (obra responsável pelo título de pai da Psicologia atribuído a Wundt) omitiu os dez volumes da Völkerpsychologie escritos pelo autor entre 1900 e 1920, sendo esta obra uma das bases da Psicologia Social, com grande reconhecimento especialmente nas Ciências Humanas e Sociais. A ênfase de Boring na perspectiva experimental da Psicologia pode ser compreendida levando-se em consideração o contexto cultural da época; naquele período histórico, só eram reconhecidos como ciência os saberes que seguissem os princípios das ciências naturais neutralidade, objetividade, sujeição a aportes quantitativos. Nesse sentido, o legado experimentalista da Psicologia impulsionou o surgimento de diversos Laboratórios de Psicologia Experimental pelo mundo.
Por conseguinte, em função de a Völkerpsychologie, não ter sido considerada um conhecimento científico na época, historiadores ingleses da Psicologia Social Moderna não tiveram acesso a essa obra, que sequer chegou a ser traduzida, pois trazia uma visão de mundo diferente da visão da nova ordem econômica dominante (representada pelo ideário estadunidense), e correspondia a uma Psicologia Social Sociológica.
Em contrapartida, essa obra influenciou grandemente outras ciências (Antropologia, Sociologia e Linguística) e autores reconhecidos no âmbito da Psicologia, como Freud, Durkheim e Moscovici. Para Wundt, a Psicologia Experimental e a Psicologia Social são dois projetos independentes embora relacionados, o que demonstra a característica híbrida da Psicologia desde sua origem, estando ela relacionada tanto à área de Ciências da Saúde como à área Humana e Social. Talvez essa explicação histórica facilite a compreensão sobre a diversidade de conteúdos e áreas que compõem as matrizes curriculares dos cursos de Psicologia no Brasil e no mundo.
No tocante ao fato de alguns cursos estarem vinculados aos centros, departamentos ou unidades acadêmicas de Ciências Humanas e Sociais, e outros aos de Ciências da Saúde, é pertinente abordar uma questão legal: as DCN para os cursos de graduação em Psicologia. Desde as orientações da DCN de 2004, cada curso deve ofertar pelo menos duas ênfases curriculares, e elas podem englobar uma diversidade de atuações profissionais para as(os) futuras(os) psicólogas(os). Diante disso, ampliou-se a autonomia das IES para elaborar Projetos Pedagógicos de Curso de Psicologia em consonância com as DCN, levando em conta a experiência profissional do corpo docente, a relevância e as necessidades sociais da população no contexto em que ele será inserido.
A característica híbrida e plural efetiva-se na formação generalista da(o) profissional de Psicologia, que contempla o caráter multifacetado da ciência psicológica, apontando a diversidade de possibilidades tanto no que se refere às suas bases epistemológicas e metodológicas, quanto às suas áreas de atuação. Nesse sentido, atualmente, uma(um) profissional egressa(o) do curso de Psicologia poderá especializar-se em qualquer uma das doze áreas da Psicologia descritas na Resolução CFP nº 03/2016: Psicologia Escolar/Educacional; Psicologia Organizacional e do Trabalho; Psicologia de Trânsito; Psicologia Jurídica; Psicologia do Esporte; Psicologia Clínica; Psicologia Hospitalar; Psicopedagogia; Psicomotricidade; Psicologia Social; Neuropsicologia e Psicologia da Saúde.
Do mesmo modo, compreendendo as múltiplas inserções da(o) psicóloga(o) no mercado de trabalho, o Catálogo Brasileiro de Ocupações (CBO) do Ministério do Trabalho (Brasil, 2002) descreve as atribuições profissionais da(o) psicóloga(o) no Brasil nas seguintes áreas: 0-74.15: Psicólogo do Trabalho; 0-74.25: Psicólogo Educacional; 0-74.35: Psicólogo Clínico; 0-74.45: Psicólogo de Trânsito; 0-74.50: Psicólogo Jurídico; 0-74.55: Psicólogo de Esporte; 0-74.60: Psicólogo Social; 0-74.90: outros psicólogos.
O Conselho Nacional de Saúde (CNS), orientador dos processos de autorização e de reconhecimento dos cursos de Psicologia, propõe que a formação seja generalista, humanista, crítica, reflexiva, ética e transformadora. No caso da Psicologia, uma formação com essas características significa necessariamente a inclusão de conhecimentos e contextos de práticas representativos da diversidade de campos de atuação em que esse profissional está inserido. Considerada essa diversidade de lócus institucional, campos e aportes e as demandas da sociedade brasileira, pode-se afirmar que, além da definição dos componentes teórico-metodológicos indispensáveis para a formação profissional da(o) psicóloga(o), é fundamental a inserção da(o) estudante nas políticas públicas vinculadas à saúde, à educação, ao trabalho, à assistência social, à justiça, aos esportes, à mobilidade urbana/trânsito, entre outras. E, para a dúvida apontada no início dessas considerações, o que se pode afirmar é que, considerando o hibridismo e a pluralidade da Psicologia, bem como as condições concretas e históricas de inserção do curso de Psicologia em cada uma das instituições de ensino superior, a localização em uma grande área ou outra Ciências da Saúde ou Ciências Humanas deixa de ser um ponto de questionamento, já que ambas estarão necessariamente imbricadas e reciprocamente orientadas.
Diretrizes Curriculares Nacionais comuns às profissões da saúde e revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Psicologia
Uma pesquisa lançada em 2013 pelo CFP (Lhullier, 2013) sobre o perfil da(o) psicóloga(o) brasileira(o) constatou que sua principal área de atuação continua sendo a clínica. No entanto, no âmbito das políticas públicas, os serviços que mais absorvem essas(es) profissionais são os de saúde, seguidos dos serviços de assistência social. Assim, a partir de uma concepção de saúde ampliada, essa é uma área de importante inserção das(os) profissionais da Psicologia, a exemplo das equipes dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf).
Nesse sentido, coloca-se a necessidade de a formação da(o) psicóloga(o) garantir a inclusão de conteúdos teóricos-metodológicos, práticas e estágios que estejam comprometidos com o fortalecimento e os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). Como abordado anteriormente, a Resolução nº 218, de 6 de março de 1997, reafirmada pela Resolução nº 287, de 8 de outubro de 1998, ambas do CNS, define a Psicologia como uma categoria profissional da área da saúde a profissão de psicóloga(a) está regulada pelo CNS no que se refere à abertura e ao reconhecimento de curso, e está inserida nas DCN comuns às áreas da saúde. As DCN comuns aos cursos da área da saúde foram aprovadas e estiveram em vigência entre 2001 e 2004; além disso, tinham como objetivo impulsionar o desenvolvimento de um perfil acadêmico e de futura(os) profissionais com competências, habilidades e conhecimentos que embasassem práticas em consonância com os princípios do SUS. Estabeleceram um conjunto de competências gerais para o graduado nos cursos vinculados à área da saúde, que constituem elementos comuns na formação, e são complementados pelas competências específicas necessárias para cada curso/profissão, implicando no desenvolvimento e na incorporação de qualidades técnicas e humanistas ao futuro profissional de saúde.
O Grupo de Trabalho sobre as DCN dos Cursos de Graduação da Área de Saúde (GT DCN) da Comissão Intersetorial de Recursos Humanos e Relações de Trabalho (CIRHRT) do CNS denominado GT DCN CIRHRT/CNS construiu colaborativamente um documento orientador, em conjunto com as Associações de Ensino, Conselhos Federais, Federações Profissionais e Executivas Estudantis da área da saúde, para atualizar as DCN comuns a esses cursos (Brasil, 2017). O objetivo desse documento é apresentar recomendações gerais para todos os cursos de saúde, visando ao compromisso com conhecimentos, habilidades e competências necessárias aos futuros profissionais de saúde. Esse documento foi construído coletivamente, pelas diversas entidades que atuam direta ou indiretamente na formação dos profissionais de saúde, e teve sua versão final apreciada e aprovada na reunião da CIRHRT/CNS de novembro de 2017.
Esse documento orientador foi transformado no Parecer Técnico CNS nº 300/2017, que acompanha a Resolução CNS nº 569, de 8 de dezembro de 2017, aprovada na 300ª RO/CNS, ocorrida em 7 e 8 de dezembro de 2017. Essa resolução trata dos princípios gerais a serem incorporados nas DCN de todos os cursos de graduação da área da saúde, como elementos norteadores para o desenvolvimento dos currículos e das atividades didático-pedagógicas, que deverão compor o perfil dos egressos dos cursos de saúde, construídos na perspectiva do controle/da participação social em saúde (Brasil, 2017). Além disso, afirma dimensões que já vêm sendo trabalhadas em grande parte dos cursos de saúde do país e que foram solicitadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) no Instrumento de Avaliação de Cursos do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), ressaltando pontos como ênfase em Educação em Saúde, responsabilidade social e integração do curso com comunidade locorregional, humanização e empoderamento da/o usuária/o do SUS, formação interprofissional e dentro dos serviços (integração teórico-prática), intersetorialidade, participação dos discentes no acompanhamento e na avaliação do Projeto Pedagógico de Curso (PPC), metodologias de ensino que considerem o estudante como construtor do seu saber de forma ativa, formação presencial, entre outros aspectos. Ressalta-se que não há intenção de se eliminar as DCN de cada curso vinculado à saúde, mas de possibilitar que todas elas sejam revistas e atualizadas.
O artigo 200 da Constituição Federal de 1988 afirma que compete ao SUS, entre outras atribuições, ordenar a formação dos trabalhadores da área de saúde, enfatizando que a qualificação e adequação do perfil dos trabalhadores às necessidades sociais em saúde devem ter como eixo a integração ensino-serviço-gestão-comunidade. Nesse sentido, o CNS enquanto órgão colegiado de caráter permanente e deliberativo, que atua na formulação e no controle da execução da Política Nacional de Saúde, bem como nas estratégias e na promoção do processo de controle social, em toda a sua amplitude, no âmbito dos setores público e privado consiste na entidade responsável por tais atribuições definidas no artigo citado. Diante do exposto, a pactuação entre o CNS e o CNE prevê que as diretrizes para os cursos de Saúde sejam consideradas pelo CNE nos processos que envolvam a revisão das diretrizes curriculares desses cursos.
Considerações finais
Discutir e construir diretrizes para a formação da(o) psicóloga(o) é um grande desafio. A complexidade do objeto de estudo da Psicologia contribui certamente para a diversidade epistemológica, metodológica e técnica, que caracteriza nossa ciência, e ao mesmo tempo cria inúmeras possibilidades e campos de atuação. Nesse contexto, chegar-se a um consenso sobre que psicóloga(o) se quer formar para que atenda às principais demandas de nossa população considerando-se a identidade profissional nacional e as inúmeras e diversas regionalidades deste país-continente, exige o envolvimento e a participação de todos os agentes envolvidos na formação profissional.
Resgatar a história desse processo localizando as diversas propostas já construídas e seus resultados quando colocados em prática, e contextualizando a formação no momento atual é a contribuição que este trabalho pretende oferecer para a construção coletiva de novas diretrizes para a formação da(o) psicóloga(o) brasileira(o).
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Submissão: 08/01/2018
Aceite: 20/01/2018
E-mail: I iranitomiatto@terra.com.br; II angelasoligo@gmail.com; III suennyfonseca@yahoo.com.br; IV b.angelucci@usp.br.
1 Ver Conselho Federal de Psicologia <http://www2.cfp.org.br/infografico/quantos-somos/>.
2 Ver portal do Ministério da Educação <http://emec.mec.gov.br/emec/nova#interativa>.