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Revista Brasileira de Psicodrama
versão impressa ISSN 0104-5393versão On-line ISSN 2318-0498
Rev. bras. psicodrama vol.25 no.2 São Paulo dez. 2017
https://doi.org/10.15329/2318-0498.20170018
ARTIGOS INÉDITOS
Intervenção psicodramática em ato: ampliando as possibilidades
Psychodramatic act intervention: broadening the possibilities
Intervención psicodramática en acto: ampliando las posibilidades
Ana Luísa Silva IunesI; Maria Inês Gandolfo ConceiçãoII
IUniversidade de Brasília (UnB). E-mail: analuisaiunes@gmail.com
IIUniversidade de Brasília (UnB). E-mail: inesgandolfo@gmail.com
RESUMO
Considera-se a relevância do ato terapêutico como modalidade de intervenção, dada sua praticidade em oferecer suporte e empoderamento numa única intervenção para várias pessoas. Visa descrever como funciona um ato terapêutico, como ele pode beneficiar segmentos sociais de uma população, promovendo a criatividade-espontaneidade nos grupos, ativando redes sociais e propiciando o encontro. Moreno sempre acreditou no poder criador do homem e na capacidade de mudança de si e do mundo à sua volta. Ele nos deixou o Psicodrama como instrumento de intervenção social e a tarefa de continuar o seu trabalho, promovendo a ampliação da consciência em prol da qualidade de vida e da sustentabilidade, o que calha perfeitamente bem com as demandas da sociedade moderna.
Palavras-chave: psicodrama, terapia de grupos de encontro, psicoterapia breve
ABSTRACT
The relevance of therapeutic act is considered an intervention modality, given its practicality in offering support and empowerment in a single intervention for several people. It aims to describe how a therapeutic act works, how it can benefit the social segments of a population, promoting creativity-spontaneity in groups, activating social networks and facilitating the encounter. Moreno has always believed in the creative power of man and in the capacity to change himself and the world around him. He left us the psychodrama as an instrument of social intervention and the task of continuing his work, promoting the expansion of consciousness for the quality of life and sustainability, which fits perfectly with the demands of modern society.
Keywords: psychodrama, encounter group therapy, psychotherapy brief
RESUMEN
Se considera la relevancia del acto terapéutico como modalidad de intervención, dada su practicidad en ofrecer soporte y empoderamiento en una sola intervención para varias personas. El objetivo es describir cómo funciona un acto terapéutico, cómo ese acto puede beneficiar a segmentos sociales de una población, promoviendo la creatividad-espontaneidaden los grupos, activando redes sociales y propiciando el encuentro. Moreno ha siempre creído en el poder creador del hombre y en la capacidad de cambio de sí y del mundo a su alrededor. Él nos dejó el psicodrama como instrumento de intervención social y la tarea de continuar su trabajo, promoviendo la ampliación de la conciencia en pro de la calidad de vida y de la sostenibilidad, lo que riña perfectamente bien con las demandas de la sociedad moderna.
Palabras clave: psicodrama, terapia de grupo de encuentros, psicoterapia breve
Vivemos em um mundo em que os avanços tecnológicos acontecem de forma rápida, e a comunicação é instantânea e de abrangência mundial. Em seu artigo, Colombo (2012) chama a atenção para as mudanças que vêm ocorrendo na sociedade moderna, que se transforma com tanta rapidez e liquidez, que, impulsionada por compulsões consumistas pessoais, acaba gerando distanciamento e isolamento afetivo entre as pessoas. Ela afirma que "tudo ocorre com muito imediatismo, a vida caminha a galopes fazendo com que o novo pareça ter uma eternidade, se comparado ao novíssimo" (p. 27).
Campos, Sarda, Dias e Cunha (2009) também discutem as mudanças bruscas, no que tange a comunicação, exigências e rapidez na execução, que a sociedade vem sofrendo nos âmbitos tecnológico, social, ambiental e cultural. Os autores afirmam que as sociedades contemporâneas vêm perdendo sua identidade e, ao entrar em um modo robotizado de viver a vida, diminuindo sua espontaneidade e criatividade, gerando competições e descaso e, consequentemente, um individualismo que aumenta o afastamento entre as pessoas.
Jacob Levy Moreno (1889-1974) dedicou sua vida ao trabalho com grupos. Ele buscou um método que pudesse aumentar o envolvimento entre as pessoas da sociedade, ampliar a consciência, promovendo a inclusão social (Motta, Esteves, & Alves, 2011). Ele fez isso porque, já no início do século XX, previu a "robotização" do homem (Moreno, 1975 e, assim, dedicou toda a sua vida a encontrar uma maneira de desenvolver a espontaneidade das pessoas, melhorar sua expressão e sua comunicação e promover a aproximação das pessoas.
O sociodrama é um método de ação profundo que trata as relações intergrupais e as ideologias coletivas (Moreno, 1992). As palavras-chave que norteiam o trabalho psicodramático são espontaneidade, criatividade e encontro. A aprendizagem se dá por meio da vivência grupal, o que contribui com a conscientização e a reflexão dos participantes. Os métodos e as técnicas atuam para promover a mobilização dos sentimentos nos grupos, por meio da catarse de integração, experiência que possibilita a elaboração da vivência (Knobel, 2004). No compartilhamento das experiências, pela corresponsabilidade e preservação da autonomia do indivíduo, surge o sentimento de pertencimento e empoderamento (Fleury, Marra, & Knobel, 2009).
A Organização Mundial de Saúde (OMS) (2008) afirma, em seu manual de Integração da Saúde Mental nos Cuidados de Saúde Primários, que os grupos são uma estratégia importante para a promoção da saúde mental, tendo em vista que grupos terapêuticos e/ou psicossociais permitem oferecer serviços de apoio a um maior número de pessoas simultaneamente. Um dos principais objetivos que a OMS destaca é o de criar redes que garantam cuidados e atenção à comunidade. Assim, os grupos são apontados como um recurso importante que aumenta a abrangência da intervenção, permitindo que o atendimento e o apoio à comunidade sejam oferecidos para um número maior de pessoas.
A metodologia do ato terapêutico ou single session work utilizada por Costa, Guimarães, Pessina e Sudbrack (2007) consiste em "um único atendimento, que é realizado de forma intensa, potente, focal, sem compromisso com outros atendimentos e com o máximo de investimento técnico, pessoal ou metodológico, por parte dos profissionais" (p. 105). Os atos acontecem em um único encontro, e muitas vezes são temáticos ou atendem a uma população específica, como grupo de pessoas com diabetes ou grupo de mulheres. Um ótimo exemplo desse tipo de iniciativa é relatado no artigo de Almeida (2010), que conta sua experiência no Psicodrama no Centro Cultural, que são atos socionômicos, abertos para a comunidade, realizados semanalmente, aos sábados, no Centro Cultural de São Paulo. Esses grupos acontecem com regularidade há mais de doze anos, coordenado por uma equipe de psicodramatistas e têm como objetivo sensibilizar os participantes para questões globais e sociais, ampliando a consciência e o senso de responsabilidade individual e social.
Neste estudo, considera-se a relevância do ato terapêutico como método de intervenção, tendo em vista sua praticidade em oferecer suporte e empoderamento em uma única intervenção para várias pessoas trabalhadas de maneira conjunta. Diferentemente dos processos terapêuticos, o ato é realizado com foco na demanda presente, com intuito de provocar envolvimento e apresentar uma conclusão no mesmo dia. Os profissionais que desejam realizar um trabalho com single session devem se certificar de que possuem conhecimento metodológico e técnico para o manejo, sendo recomendável que se sintam seguros e capazes de diferenciar as demandas apresentadas das suas próprias, mantendo sua posição de mediador em relação ao grupo. Convém lembrar que Moreno foi o grande precursor dessa forma de atuação sociátrica, sendo os sociodramas público e temático, o jornal vivo e o axiodrama exemplos claros disso.
Acreditando ser possível em um só encontro trabalhar questões pessoais e aprofundá-las psicologicamente, este artigo visa descrever como funciona um ato terapêutico, como pode beneficiar segmentos sociais de uma população, promovendo a criatividade-espontaneidade nos grupos, ativando redes sociais e propiciando o encontro. Este trabalho poderá contribuir com orientações voltadas para esse manejo, a partir de análise e discussão crítica da literatura sobre o tema, para ampliar a reflexão sobre o potencial dessa ferramenta, no intuito de que se propague e beneficie a humanidade.
PSICODRAMA: UMA FERRAMENTA DE TRANSFORMAÇÃO
O Psicodrama tem se mostrado uma excelente ferramenta para trabalhar grupos em todos os contextos humanos (Costa, Guimarães, Pessina, & Sudbrack, 2007; Fleury et al., 2009; Liberali & Grosseman, 2015; Monteiro, 2014; Motta et al., 2011; Nery, 2010). É possível afirmar que o Psicodrama é um instrumento que viabiliza a construção da cidadania. O artigo de Nery, Costa e Conceição (2006) fala sobre a prática socionômica como metodologia de pesquisa-ação, um instrumento de investigação social e intervenções comunitárias, método que vem sendo cada vez mais utilizado entre os pesquisadores que buscam compreender os fenômenos sociais e contribuir com o sujeito no desenvolvimento de sua consciência de cidadania e empoderamento pessoal. A democratização do Psicodrama se faz com a abertura de espaços para a sociedade trabalhar, de forma grupal e psicodramática, os conflitos inerentes ao contexto atual, facilitando o acesso e expandindo a prática socionômica.
A espontaneidade é a força de atração e repulsão entre as pessoas, é um mecanismo adaptativo, catalisador da criatividade, de sobrevivência e de equilíbrio biopsicossocial do indivíduo (Nery, 2010). Na definição de Moreno (2001), a espontaneidade é a capacidade da pessoa de apresentar uma nova resposta para velhos problemas, de maneira adequada e nova.
Para Moreno, a espontaneidade é a questão central da saúde da sociedade (Perazzo, 2010): ele defendia que os organismos mais espontâneos são mais capazes de se adaptar e os mais propícios a prosperar. A conserva cultural é o resultado da espontaneidade congelada no tempo (Moreno, 2001). As conservas podem causar um bloqueio na espontaneidade, da mesma forma que podem ser um incentivo quando trabalhadas, portanto, a espontaneidade e a criatividade são essenciais para o devido equilíbrio e gestão das relações.
Encontro é o conceito central da teoria moreniana. Ele é existencial e vai além do encontro físico, implicando toda a existência no aqui-agora. A mudança social se dá por meio do potencial espontâneo do grupo, do superar ou abandonar valores, do experimentar valores que levam à realização, ou seja, é no encontro que nos reconhecemos e reconhecemos o outro. O encontro se dá pela manifestação da tele, que é a troca afetiva e é a unidade de medida da relação. Ela representa uma taxa de interação, determinando a posição afetiva da pessoa no grupo. Segundo Moreno, tele é o fator sociogravitacional entre indivíduos que promove agrupamentos de pessoas.
As intervenções socionômicas visam liberar a espontaneidade-criatividade que se traduz na capacidade de o indivíduo reinventar sua história pessoal (Nery, Costa, & Conceição, 2006). Moreno acreditava que era no encontro que acontecia a catarse de integração, portanto, suas práticas tinham por objetivo levar o grupo para esse lugar comum.
ATOS PSICODRAMÁTICOS
O ato psicodramático consiste em uma intervenção pontual temática ou não, com início, meio e fim, em que não existe continuidade para as pessoas presentes; portanto, o ato deve se encerrar em si mesmo. Esse procedimento permite que o atendimento seja realizado em maior escala para a sociedade (Costa et al., 2007). Motta, Esteves e Alves (2011) destacam algumas funções que uma prática psicodramática única possui, como o desenvolvimento da espontaneidade, catarses, compartilhamentos, diversão, aprendizagem e exercício de cidadania. O ato psicodramático pode ser feito para um público pequeno de quatro a 10 pessoas, ou grupos grandes de 30 a mais de 100 pessoas. Não é uma nova metodologia, e sim um modus operandi de funcionamento, que se utiliza de métodos e técnicas do Psicodrama.
Inicia-se com uma conversa sobre como será realizado o encontro, sua brevidade, os cuidados necessários entre os participantes e a possibilidade de apoio após o encontro. Os participantes então iniciam um aquecimento que os direciona para o tema em questão, ou um aquecimento que busque um tema protagônico para ser trabalhado. A sessão segue com um aprofundamento da demanda trazida, seja a demanda de um participante, seja a construção grupal de uma personagem coletiva. No final, os participantes compartilham como se sentiram e como aquela prática se relaciona com suas vidas.
O ato único (single session ou single act) tem sido amplamente aplicado pelo mundo, e tem se mostrado uma poderosa ferramenta para melhorar flexibilidade, criatividade, saúde mental e psicológica e respostas dinâmicas, como mostra a pesquisa de Paul e Ommeren (2013). Eles chamam a atenção para a necessidade de que cada ato único seja adaptado cuidadosamente, de modo que contemple as necessidades de cada cultura específica, em um contexto macro, como a sociedade, as civilizações -, ou de microgrupos, como a família.
Paul e Ommeren (2013) apresentam um artigo de revisão de literatura que aborda a metodologia da sessão única. Os autores assinalam que um ato terapêutico pode ser suficiente para trabalhar questões das pessoas, enquanto outras possam necessitar de um tratamento continuado e mais prolongado. Eles afirmam que não existe um modelo único para a realização do ato terapêutico: alguns possuem o foco nos recursos dos participantes, outros focalizam a crise ou o problema em questão. O aspecto comum refere-se a que se centram em temáticas do tempo presente da pessoa.
O artigo identifica recomendações para a realização de atos terapêuticos, como uma equipe de, no mínimo, dois profissionais, supervisionados por especialistas. Em relação ao contato inicial com os participantes do grupo, o profissional deve realizar um rápido rapport, manter postura investigadora, porém acolhedora, informar que o grupo será realizado em um encontro somente, trabalhar colaborativamente (coconstruir) com o participante para o desenvolvimento da sessão. Para tanto, torna-se necessário que o profissional tenha criatividade e flexibilidade para lidar com as singularidades de cada grupo, contando com um arsenal de métodos e técnicas para auxiliá-lo (Paul & Ommeren, 2013).
Ao falar de Psicodrama temático em encontros pontuais, Toloi e Souza (2015) ressaltam a importância da construção de um contexto protegido. Deve-se considerar o público-alvo para que a prática ofereça o máximo de benefícios e o mínimo de danos, respeitando-se as vulnerabilidades e as resistências dos participantes. O tema deve ter o cuidado de despertar curiosidade e sentimento de identificação nas pessoas, para que haja a expressão espontânea e um comprometimento com a proposta.
Em seu artigo, Paul e Ommeren (2013) afirmam que o modelo de single session tem se mostrado muito eficiente. Vários autores discutem o uso dessa modalidade e a boa percepção por parte dos participantes após uma sessão única (Bloom, 2001; Costa et al., 2007; Liberali & Grosseman, 2015). Essas pesquisas mostram que muitas pessoas têm recebido apoio psicológico satisfatório em uma única sessão. Segundo eles, o ato terapêutico é considerado apropriado para pessoas que possam se beneficiar de uma intervenção única, em que, em um único encontro pontual, o profissional provoque reflexões e mudanças em pensamentos e comportamentos futuros, reconhecendo que muitas mudanças significativas acontecem fora do processo terapêutico.
No sociodrama temático realizado por Toloi e Souza (2015), os autores chegaram à conclusão de que os encontros temáticos se mostraram eficientes na investigação qualitativa sobre os movimentos do grupo, incluindo a dinâmica, os conflitos e os relacionamentos, os participantes mostraram grande entusiasmo com o processo de coconstrução, o que possibilita uma consciência dos conteúdos apresentados, levando a uma transformação. Em suma, trabalhos dessa natureza representam um recurso potente na direção da transformação do tecido social que se apresenta carente de pertencimento e especialmente marcado pelo imediatismo, pelo individualismo extremo, pelas relações efêmeras e pelo vazio existencial.
PAPEL DO DIRETOR
Perazzo (2012) ressalta a importância da agilidade técnica do diretor. Ele afirma que, quanto maior a incorporação da técnica, maior será a capacidade do diretor de ser espontâneo e se adaptar ao que possa vir. A criatividade é imprescindível na realização de atos terapêuticos, contribuindo para que o diretor, atento às demandas dos participantes, se adapte ao que pode acontecer no grupo. O foco se mantém no problema presente e em sua investigação, e não na análise e correlação com outros assuntos. Para isso, é importante que o diretor mantenha uma atitude assertiva e direcionada e maior controle das atividades da sessão (Paul & Ommeren, 2013).
O diretor de um ato terapêutico deve buscar treinamento adequado e estar atento para a dinâmica grupal do momento do encontro, e ser capaz de se adaptar a qualquer intercorrência que possa haver. Seu objetivo principal é favorecer a independência entre os membros do grupo e intervir nos bloqueios emocionais e comunicativos que possam atrapalhar a proposta do coletivo. Ademais, deve sempre desenvolver sua habilidade de percepção e leitura dos movimentos, dinâmicas e afetividades grupais (Nery, 2010).
Por meio da escuta ativa e cuidadosa, o terapeuta visa estabelecer uma relação verdadeira, mesmo que breve, com os participantes. Ele deve estar pronto para acolher todas as dimensões, biopsicossociais e espirituais do sujeito, contribuindo com a elaboração das experiências e a integração de todas essas dimensões do ser humano, ajudando-o a elaborar suas experiências e integrando suas diferentes facetas. Essa integração só é possível no encontro com outra pessoa, sendo o terapeuta alguém que propõe um tipo de relação que abra as possibilidades de transformação inerentes à condição humana (Luczinski & Ancona-Lopez, 2010).
INVESTIGAÇÃO DE UM ATO PSICODRAMÁTICO
Apresentaremos aqui um exemplo sobre a potência de um ato psicodramático em que a primeira autora atuou como diretora. Trata-se de uma prática realizada no contexto de uma disciplina de pós-graduação de curso de artes cênicas, na qual, em uma das aulas, os alunos questionaram se havia diferença entre ato psicodramático e teatro do oprimido. Nesse dia, com o tempo de 20 minutos para demonstração de um ato terapêutico, foi necessário encurtar todos os processos para que fosse possível realizar todas as etapas de um Psicodrama, incluindo aquecimento, dramatização e compartilhamento.
O aquecimento foi breve e consistiu em perguntar para a plateia quem se voluntariava para a breve demonstração. Um aluno, que neste trabalho será chamado de Heitor, levantou a mão e se ofereceu. No mesmo instante em que Heitor se voluntariou, a diretora disse que ele não poderia ser o voluntário. A plateia se olhou estranhando a atitude da diretora, e o protagonista conformou-se em não ser o escolhido. A diretora, então, convidou Heitor ao espaço delimitado para a dramatização e pediu que ele relatasse para todos como se sentiu com a atitude dela. Heitor disse ter se sentido estranho e rejeitado. Com isso, a diretora pediu que ele se concentrasse no sentimento de rejeição, fechasse os olhos e procurasse, em suas lembranças, outro momento em que tinha se sentido da mesma forma.
Heitor contou que se sentiu assim quando se divorciou de sua primeira esposa. Na sequência, a diretora pediu que ele identificasse uma cena em que esse sentimento tenha ficado marcado, e ele retratou o momento em que o casal saiu do escritório do advogado, após assinar os papéis da separação. Uma pessoa da plateia foi convidada para representar a mulher de Heitor e a cena foi montada com os dois se despedindo. Na cena, Heitor falou para a esposa que não entendia porque ela queria se separar, pois estava disposto a mudar e tentar uma reconciliação. O ego auxiliar (proveniente da plateia), no lugar da esposa, respondeu dizendo que era uma decisão final. Heitor é tomado por uma tristeza, mostrando isso ao abaixar a cabeça e interromper o diálogo.
Outro integrante da plateia é convidado para participar e ocupar o lugar de Heitor, enquanto este, acompanhado da diretora, olhava a cena de fora. A diretora, então, pergunta o que ele gostaria de fazer por si mesmo, naquele momento. Ele, sem hesitar, vai para o ego auxiliar, que o representava no passado, e diz: "Agora parece muito ruim, muito difícil, mas, acredite, a sua vida será muito boa, você vai construir uma família maravilhosa e vai ser muito feliz". Nesse momento, ele abraça o seu eu do passado e a cena é encerrada.
Em círculo, Heitor compartilha que gostou muito de visitar esse momento de sua vida e ressignificar o abandono que ele havia sentido. O ego auxiliar, que desempenhou o papel de ex-mulher, compartilhou que estava passando por um momento similar e gostou de estar no papel complementar atuado, o que o fez compreender melhor o parceiro que o está deixando. A plateia, toda envolvida com a cena, compartilhou que sentiu as emoções dos personagens e perceberam o potencial que a cena tinha para revisitar e ressignificar sentimentos e experiências. Ainda no prazo de 20 minutos, as etapas e técnicas psicodramáticas foram apontadas e explicadas. Ao final da breve apresentação, os alunos relataram não ter mais dúvidas sobre as diferenças entre ato terapêutico e teatro do oprimido.
CONCLUSÃO
Moreno sempre acreditou no poder criador do homem e na capacidade de se modificar e modificar o mundo à sua volta. Ele nos deixou o Psicodrama como instrumento de intervenção social e a tarefa de continuar o seu trabalho. Rodrigues (2009) discute, em seu artigo sobre a utopia moreniana de salvar o mundo, a reafirmação de nossa tarefa como psicodramatistas, de levar essa metodologia para o mundo e proporcionar momentos de cocriação com a sociedade, com o objetivo de sensibilizar as pessoas para o espaço e para o tempo, e aponta também que "hoje se torna urgente que a sociedade se trate em conjunto, pois nossos problemas individuais, em sua maioria, derivam de consequências da falta de coletividade" (p. 10).
Almeida (2010) afirma sua confiança no grupo como lugar para ampliação da consciência em relação à qualidade de vida e à sustentabilidade. Como ativista, a autora coloca o ato socionômico como instrumento de sensibilização e atualizações de posturas, reafirmando o ato terapêutico como uma ferramenta que deve ser mais explorada e oferecida para a população.
O exemplo da prática trazido levanta a questão de quanto tempo é necessário para realizar uma intervenção em um grupo. O homem moderno tem pressa e continua sedento de atos. Atendendo ao convite que Moreno nos faz de experimentarmos ser Deus na cocriação, propomos atos psicodramáticos com o propósito de acolher o homem moderno em sua urgência de viver, de com-partilhar e de pertencer. Em suma, nosso intuito com o ato psicodramático é ajudar os indivíduos a superar as amarras impostas pelas conservas culturais e convidá-los a coconstruir embarcações psicodramáticas para navegar na modernidade líquida (Bauman, 2007).
REFERÊNCIAS
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Recebido: 10/07/2017
Aceito: 05/11/2017
Ana Luísa Silva Iunes. Psicodramatista pela Associação Brasiliense de Psicodrama (ABP/DF). Mestranda em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília (UnB). Psicóloga clínica em atendimentos individuais e em grupo.
Maria Inês Gandolfo Conceição. Psicodramatista Didata Supervisora (ABP/DF). Mestre e doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB). Tem experiência na área de Psicologia Clínica, com ênfase em Saúde, Prevenção, Métodos Qualitativos de Pesquisa e Processos Grupais.