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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.53 no.4 São Paulo oct./dez. 2019

 

HISTÓRIA DA PSICANÁLISE

 

Minutas da Sociedade Psicanalítica de Viena1: sobre o suicídio (1910)

 

 

Tradução de Marta Raquel Colabone e Luiz Eduardo Prado

 

 

1042

Sessão de 20 de abril de 1910

Presentes: Adler, Federn, Freud, Friedjung, Furtmüller, Heller, Hitschmann, Oppenheim, Rank, Reitler, Sadger, Steiner, Stekel, Tausk, Wittels
Convidado: Philipp Frey

Conferência: Resenha do livro do Dr. A. Baer O suicídio na infância (Leipzig, 1901), seguida de uma discussão sobre o suicídio em geral
Orador: Prof. Oppenheim3

 

 

O problema do suicídio de crianças não é mais que uma parte do grande problema do suicídio em geral, mas é um problema parcialmente independente, que pode portanto ser tratado em separado.

Na medida em que nega a mais forte das pulsões humanas, a da autoconservação, todo ato de suicídio é sentido como contrário à norma. Tal sentimento é bem mais forte quando se trata do suicídio de criança. Esse julgamento emocional é plenamente confirmado pelos resultados dos estudos estatísticos sobre suicídios, que mostram que a esmagadora maioria deles é cometida por pessoas com mais de 15 anos de idade. Assim, entre aqueles que, desprezando a vida, fogem à norma, os jovens apresentam uma anomalia de segundo grau. Uma explicação satisfatória para o suicídio de adultos não soluciona o enigma que constitui o suicídio infantil. Se considerarmos que o aumento do número de suicídios entre crianças não é paralelo ao aumento da frequência de suicídios entre adultos, nos convenceremos de que existe uma causalidade particular responsável por eles, a qual requer um estudo particular.

Baer acredita poder delimitar o problema ainda mais. Entre os suicídios cometidos por menores de 15 anos, o número dos que estão abaixo de 10 anos é ínfimo. Por isso, não podem ser objeto de pesquisa, devendo-se concentrarse nos casos mais frequentes, no grupo entre 10 e 15 anos.

Nessa idade, em que a escola é o centro da vida da criança, a questão é saber se ela tem influência sobre o suicídio dos escolares.

Mas podemos nos perguntar se essa limitação é justificada à luz da descoberta feita pelo Prof. Freud, a de que os primeiros anos de vida são de vital importância para todo o desenvolvimento subsequente, em particular aquele que se desvia da norma. Podemos nos perguntar se não seriam exatamente os raros casos de suicídio, cometidos na mais tenra idade, que nos dariam mais informações. Essa é uma questão que só posso levantar; devo deixar a solução para quem é mais qualificado do que eu.

Em todo caso, a determinação da extensão espacial e temporal desse fenômeno, que constitui parte importante da pesquisa de Baer, é uma contribuição fundamental à solução do problema.

No que se refere à extensão espacial, o suicídio infantil é um fenômeno frequente não somente em nosso país, mas também na Alemanha, na Suíça, na Itália, na França e na Inglaterra. Logo, é objeto de observação estatística.

Julgamos nossos jornalistas vienenses que, por ocasião dos mais recentes suicídios escolares, agiram como se os professores dos liceus [Gymnasium] austríacos tivessem o privilégio nacional de causá-los.

Baer deixou sem resposta uma questão importante: saber se o suicídio infantil é mais prevalente em alguns países que em outros. Por outro lado, ele discute as diferenças entre campo e cidade e, com base nas estatísticas prussianas, conclui não ter fundamento a afirmação frequente de que o suicídio é mais comum entre crianças de regiões industriais e de grandes cidades.

A organização cronológica dos fatos parece ser mais esclarecedora, uma vez que a visão geográfica do suicídio infantil deixa muitas questões abertas.

Não se pode dizer que o suicídio infantil seja de aparição recente. No século XVI, o filósofo Montaigne já o mencionava como um triste sinal dos tempos. Na Prússia, as estatísticas sobre suicídio infantil datam de 1780. Mas foi somente no século XIX que se tornaram mais frequentes. É evidente que seus números aumentaram ano a ano. Na Prússia, por exemplo, de 1869 a 1898, a média anual de suicídio aumentou de 38 para 65. Se calcularmos quantas entre 100 mil crianças com menos de 15 anos de idade morrem por suicídio em um ano, obteremos o valor 1,2 para 1871 e 2 para 1898.

Há, portanto, um aumento na frequência de suicídios, tanto entre crianças quanto entre adultos, sem que o paralelismo possa ser demonstrado, como mencionamos antes.

Mas existe uma correspondência entre os dois grupos etários em termos da proporção dos sexos.

Entre os adultos, 80,05% dos suicídios são cometidos por homens e 19,95% por mulheres. Entre os jovens, 78,91% são meninos e 21,09% são meninas.

Uma mudança nessa proporção, que se aplica a todos os grupos etários, ocorre apenas para o período de 15 a 20 anos, quando a proporção de suicídio de meninas se eleva para 32%. Mesmo Baer, que geralmente é cego à importância do fator sexual, não poderia deixar de notar que esse fato se deve ao desenvolvimento puberal das meninas.

Isso nos leva ao problema central, à questão da razão do suicídio de crianças.

Sobre esse ponto, as estatísticas, baseadas em pesquisas oficiais a partir de cada suicídio, apresentam dados constantes.

Baer, antes de tudo, deduz que, no reino da Prússia, das 979 pessoas que se suicidaram antes dos 15 anos entre 1884 e 1898, 79 (8,07%) eram doentes mentais. Essa proporção aumenta consideravelmente se deduzirmos o número de suicídios com causa indeterminada. Eles somam 351, isto é, 36% dos casos. Dos restantes 628 casos com causas conhecidas, 79 são doentes mentais, ou seja, 12,57%. De fato, o número de doentes mentais entre os jovens suicidas é ainda maior, pois é provável que muitos sofram de problemas psíquicos difíceis de detectar.

Baer especifica os critérios de reconhecimento da doença mental segundo as circunstâncias do ato. O uso de meios incomuns ou cruéis - como fogo de um forno ou gasolina, em tentativas repetidas, por duradoura vagabundagem - confere ao suicídio o selo de patologia.

Outra proporção de jovens suicidas é a dos psicologicamente inferiores ou degenerados, classificação apoiada num exame aprofundado de seu comportamento geral. Esse parece ser um grupo misto. De fato, segundo Baer, é necessário incluir "todas as gamas de debilidades, congênitas ou adquiridas, do sistema nervoso", os diferentes graus de disposição psicopática congênita que Koch reúne sob a noção de inferioridades psicopáticas, e Magnan, Mobius, Strumpell e outros sob o conceito de degeneração congênita. Como leigo, não posso deixar de me surpreender com o fato de a debilidade nervosa adquirida ser colocada no mesmo nível - ou até atrás - da debilidade nervosa congênita. Porque Baer insiste sobre a inferioridade devida aos pais também inferiores, especialmente os alcoólatras. Mas o que parece essencial para o orador é a própria existência de uma inferioridade.

Com efeito, adquirida ou congênita, a debilidade terá como consequência, diante de qualquer discórdia, de qualquer vicissitude na vida da criança, não encontrar uma força de resistência adequada. O resultado imediato será o desgosto pela vida. Sem saber, Baer, em minha opinião, limita consideravelmente a importância da inferioridade quando admite que, mesmo em crianças normais, um motivo bastante trivial, como medo do castigo, pode levar ao suicídio, pois, em sua maneira de pensar, essas mesmas crianças, com sua pobre capacidade de diferenciação e suas associações insuficientes, facilmente superestimam a importância e o alcance dos fenômenos.

Mas o suicídio nem sempre ocorre numa ocasião determinada, de maneira súbita e explosiva. Ele também ocorre, muitas vezes, como resultado de uma depressão melancólica crônica, durante a qual pensamentos de suicídio são constantes. Tais depressões podem ser, no fundo, patológicas. Baer relata o caso de uma menina de 14 anos. Filha de um sapateiro com tendência a se exaltar, sofria de ansiedade persistente, o que a levava às tentativas de suicídio. Às vezes, jogar-se de um lugar alto; outras vezes, esfaquear seu coração; outras ainda, pular na água. Após quatro semanas de luta contra essas ideias, curou-se, ao menos temporariamente. Envelhecendo, o impulso de autodestruição reapareceu e, gradualmente, se transformou em doença mental. Quando a melancolia é causada por tristeza, privações, maus-tratos contínuos, o suicídio, fruto desse estado emocional, parece mais uma cura heroica do que uma manifestação patológica.

Assim, em relação ao suicida com tendência a devaneios melancólicos, Baer também não conseguiu distinguir entre a manifestação de um estado de espírito patológico e o que podemos compreender como um psiquismo normal.

Quando Baer distingue, no material estatístico, os suicídios precedidos por longa depressão daqueles que sobrevêm por afeto agudo, utiliza um critério puramente externo, e não sua especificidade psíquica.

No entanto, devo ir mais longe e dizer que não é possível obter informações sobre as razões do suicídio a partir de dados estatísticos. Posso evitar uma crítica detalhada deixando o assunto falar por si, ou seja, lendo os títulos em parte desprovidos de significado, em parte ambíguos, em parte sinônimos. A estatística prussiana dos anos 1884-1894 apresenta os seguintes títulos: arrependimento, vergonha e remorso, raiva e desordem, doença mental, paixão, desgosto com a vida, sofrimento físico, dor, vício, causas desconhecidas.

A compreensão real de alguns casos vale mais do que mil casos classificados. Isso é o que o Dr. Baer também percebeu, e é por isso que ele enriquece os dados das estatísticas oficiais com uma compilação de 25 casos próprios. Mas, quando os relata, o faz de maneira jornalística: "Por medo de castigo, a pequena R, de 10 anos, saltou da janela da cozinha do apartamento dos pais, no quarto andar, tendo sofrido várias lesões graves". Isso não é uma contribuição real; é só uma paráfrase dos dados estatísticos.

O Dr. Baer se detém onde, para o psicólogo, apenas começa o problema.

Por que é que essa criança tinha tamanho medo de castigo, parte das vicissitudes normais da vida, e fugiu para a morte?

Com base nas considerações sobre a influência da família no jovem suicida, podemos, evidentemente, pensar que o abuso do qual foi vítima por parte dos pais aumentou de tal forma seu medo que decidiu pôr fim à vida. Podemos pensar em inferioridade psicológica, mas não podemos concluir nada, porque o autor não nos fornece material suficiente.

A inconsciência do autor passa ao largo do real problema já mencionado, que trata da influência da família sobre o suicídio infantil. Ele escreve que a morte de um pai amado pode levar a criança a decidir, de repente, acabar com a própria vida. Para sustentar essa tese, cita o caso de um menino de 15 anos que se tornou melancólico após a morte da mãe, tendo sucumbido a ideias obsessivas de suicídio. Em seguida, menciona uma menina de 13 anos que se jogou no Sena porque não queria mais viver sem o pai, que havia morrido um ano antes.

Um defensor da psicologia freudiana suspeitará da existência de um conflito erótico nesse amor suicida da menina pelo pai e do menino pela mãe, e compreenderá como a pulsão de vida é superada pela pulsão sexual biologicamente equivalente.

Por outro lado, Baer acredita que o aumento do suicídio infantil se relaciona com a crescente precocidade de nossa juventude hipersofisticada, blasé ao gozo e a toda sorte de prazeres.

Acho essas considerações pouco convincentes. Se realmente não há mais crianças, mas apenas jovens adultos, também não há suicídio infantil como um fenômeno particular ao lado do suicídio adulto. Contudo, o próprio Baer mostrou que as estatísticas de suicídio provam a existência desse grupo independente [de suicidas].

Seus firmes princípios morais e religiosos não o impedem de reconhecer que são as próprias promessas religiosas de existência feliz após a morte, pregadas com demasiada insistência por mães e governantas sentimentais, que podem, em algumas circunstâncias, encorajar o abandono da vida terrena.

Nesse contexto, o autor introduz uma segunda ideia importante, ideia essa já demonstrada pelo Prof. Freud sobre outros problemas da psicologia infantil. Baer afirma, em referência a outros pesquisadores, que os jovens suicidas não sentem desproporção entre a trivialidade de seus motivos e a seriedade de sua decisão, pois imaginam a morte de forma muito diferente que os adultos. Todavia, ele não me parece excluir que essa concepção inofensiva da morte, suficiente para despertar nos filhos o desejo de morte dos pais, possa prevalecer sobre a pulsão de autoconservação, que é completamente desprovida de reflexo.

No entanto, as considerações de Baer sobre o papel da imitação e da sugestão, na determinação do suicídio, merecem total aprovação. Uma vez que a vida mental da criança carece de independência, qualquer impressão que a atinja terá um efeito irresistível sobre ela. Assim, a história do suicídio de um conhecido, um pai ou um colega da mesma idade a influencia a imitar o ato. Mesmo entre adultos, o suicídio pode ser epidêmico, como observado nas prisões. Esse fenômeno é ainda mais frequente entre crianças. Conhecemos casos bastante convincentes por experiência. Um menino de 14 anos, segundo o relato de Voisin, se enforcou depois de pintar três cruzes na parede e pôr um vaso de água benta a seus pés. Seu tio, que muitas vezes se embebedava, se enforcou exatamente da mesma forma depois do café da manhã, quatro semanas antes. No funeral de um rapaz que tinha se enforcado por motivos desconhecidos, um dos rapazes presentes, que seguiu o caixão, disse a seus camaradas que também se enforcaria, e o fez quatro dias depois (Durand-Fardel, 1855).

A imprensa moderna é um dos mais poderosos meios de sugestão já produzidos pela civilização. Só a Igreja católica tinha, em seu auge, um poder de sugestão comparável e foi odiada com o mesmo ardor pelos ateus que aspiravam dela se livrar. "Esmaguemos o infame",4 a terrível blasfêmia de Voltaire, poderia exercer uma justiça compensatória se fosse dirigida, hoje, contra esse novo déspota do reino do espírito, que é a imprensa.

Meus senhores, vocês se surpreenderão com essa súbita manifestação de profundo rancor, mas logo reconhecerão o quanto ela é fundada.

A imprensa relata e lamenta cada novo suicídio de um estudante, busca os "assassinos" da criança com fortes gritos de raiva e, invariavelmente, os encontra entre os mestres, provocando, com essa agitação barulhenta, novas vítimas, que sucumbem e dão material para novas denúncias e acusações.

Isso me leva ao problema que creio ser o ponto essencial do suicídio, por afetar com tanta dor minha própria vida: o suicídio de estudantes.

É a escola - com seu sistema e suas medidas disciplinares, suas matérias e métodos de ensino, seus exames e certificados - responsável pelo suicídio de tantos estudantes?

A maligna magia das palavras, exercendo seu imenso poder não só em contos de fadas e em práticas obscuras de superstição, mas também à luz do dia, na vida cotidiana - essa velha magia, que Sócrates já combatia com coragem e dialética, nem sempre com sucesso -, quer impor um sim a nossos lábios. A escola é, afinal de contas, composta de seus estudantes. E se eles se suicidam, quem mais, senão a escola, é responsável?

Para quem vive e escreve dia a dia, é provável que a questão se resolva por essa fórmula encantadora. Felizmente, Baer não pertence a essa categoria. Ele examinou o problema com seriedade e profundidade. O primeiro resultado a que chega é, a meu ver, o mais válido: denunciar o ensino secundário devido ao suicídio de estudantes não data de hoje e não é uma "especialidade austríaca". Essa acusação foi feita nos anos 1880 na Prússia, que é incomparavelmente mais disciplinada. Para examinar sua validade, o então ministro prussiano da Educação, Von Gossler, ordenou que se fizesse um relatório em 1883. Entre seus autores estava ninguém menos que Virchow. Com base nas estatísticas de 1869-1881, os especialistas afirmaram não conseguir encontrar provas de que o suicídio de estudantes aumentava nas escolas secundárias.

É lamentável que Baer não diga mais sobre esse levantamento estatístico e não o tenha atualizado.

O caminho para alcançar um resultado irrefutável é claro. Ao lado dos suicídios de secundaristas, todos os suicídios de jovens da mesma faixa etária, tanto dos que frequentavam outras escolas quanto dos que já trabalhavam, devem ser levados em conta. Determinaríamos, assim, a porcentagem de secundaristas que se suicidaram em relação ao número total de seus colegas de mesma idade, e também sua proporção em relação a outras categorias. Se for verificado que, proporcionalmente, não existem mais suicídios entre estudantes do ensino secundário do que entre jovens trabalhadores da mesma idade, estará provado que a escola secundária não dá a seus alunos razões específicas para se suicidarem.

Infelizmente, Baer não pesquisou usando esse método. A absolvição da escola secundária da responsabilidade pelos suicídios não é muito convincente. Entretanto, nosso Ministério da Educação declarou, informalmente, por ocasião de suicídios escolares recentes, que o percentual de suicídio entre alunos da escola secundária não é maior do que entre alunos de outras escolas e entre jovens trabalhadores. Infelizmente, uma breve declaração, que nem sequer é oficial, aparecendo na imprensa, apresentando apenas resultados e não dados, não é o equivalente de uma pesquisa do Serviço Central de Estatística. Seria desejável não esperarmos muito tempo por informações completas! Por enquanto, acredito ter provas suficientes, baseadas nos dados de Baer e na declaração concordante do Ministério, para negar uma preponderância, mesmo que relativa, de estudantes do ensino secundário entre os jovens suicidas.

A escola secundária não é, portanto, uma causa específica de suicídio. Ela não leva seus estudantes a pôr fim à vida. Mas falharia em seu objetivo supremo, prepará-los para a vida, se não incluísse uma parte dela, dessa vida dura, com lutas constantes, derrotas sérias e vitórias amargas. Quem vê a escola sob essa luz - e não há necessidade de acusá-lo de malabarismos com as palavras, se assim qualificar sua concepção - pode exigir que não se culpe o microcosmo da escola pelo suicídio de jovens mais do que o macrocosmo da sociedade pelo suicídio de adultos.

Só a Weltanschauung do juiz determina a avaliação dessa culpa. Os partidários do simpático Schopenhauer certamente a considerarão infinita.

Deveria a escola - e com ela a vida negada - consolar-se com a doutrina do super-homem de Nietzsche, doutrina em que sopra o fogo? Não sei. Só posso aconselhar a escola a esperar que os reformadores do mundo lhe tragam a perfeição absoluta.

 

Discussão

O presidente (Adler) observou que, destacando pontos importantes, o orador abriu caminho para uma discussão em que as experiências pessoais sobre esse interessante tema serão, certamente, apresentadas por cada participante.

 

 

Em resumo, Adler gostaria de mencionar os seguintes pontos como particularmente significativos:

• A "disposição" precisa ser discutida.

• A psicologia do suicídio deve ser elucidada.

• A questão dos motivos é muito importante.

• O problema da influência da sugestão (imprensa, escola etc.).

HITSCHMANN menciona, como contraste especialmente marcante com nossa maneira de pensar, o trabalho recentemente publicado por um anatomopatologista que encontrou certas condições anatômicas no suicídio. Hitschmann gostaria de mostrar com isso que, mesmo de forma tão paradoxal, podem-se estabelecer relações entre as características congênitas e o fato do suicídio.

 

 

Além de motivos individuais, a hereditariedade sem dúvida desempenha um papel relevante no suicídio. Em algumas famílias, o suicídio é hereditário. O orador relatou um caso particularmente marcante nesse sentido.

O tema da morte, da sexualidade e da estreita relação que mantêm entre si já foi mencionado muitas vezes. Note-se também que a compulsão pode, de fato, levar ao suicídio. Além disso, há que chamar a atenção para estados depressivos que a família muitas vezes ignora. Ser negligenciado (filho de outro leito) certamente muito contribui para a decisão de cometer suicídio.

Poderíamos aprofundar a psicologia do problema [do suicídio] partindo de certos sonhos que representam uma queda, um suicídio.

No suicídio infantil, a vingança contra os pais desempenha, muitas vezes, um papel: trata-se de magoá-los.

Apenas um pequeno número de casos se deve a uma razão de longo prazo. Na maioria das vezes, é uma decisão impulsiva, que seria revertida, se possível, de bom grado.

Finalmente, Hitschmann relata o suicídio de uma professora, uma "solteirona". Podia compreender em parte seus motivos, embora razões complexas tenham sido decisivas. Durante 15 anos, ela teve um caso platônico com um professor. Ao saber de seu noivado, suicidou-se, enforcando-se. Algum tempo antes, sua mãe havia morrido, e ela ficou responsável pelo lar, algo sem sentido para ela. Além disso, motivos relacionados à vaidade e à saúde desempenharam um papel importante.

SADGER vê duas partes na conferência: uma geral e outra mais pessoal.

 

 

No que concerne à primeira, acha, com toda a razão, que as considerações de Baer são muito superficiais.

A causa mais importante, tanto em crianças como em adultos, é a sexualidade. Quem não abandonou a esperança do amor não desiste da vida. Não se pode negar o fator hereditário, mas o que desencadeia [o suicídio] é sempre a falta de amor.

A psicose do suicídio, por excelência, é a melancolia, doença que ocorre em especial nos idosos. Por um lado, percebem diminuir sua capacidade natural de amar e, por outro, não esperam muito amor dos outros (o caso de Hitschmann). Em relação à mania suicida de algumas famílias, a hereditariedade pode desempenhar um papel, mas o fator essencial é a identificação com membros da família.

Quanto ao suicídio de estudantes, deve-se notar primeiro que ocorre durante a puberdade, caracterizada por enorme aumento da necessidade de amor. E é precisamente nessa fase que se afastam dos pais. Há sempre um tempo em que o jovem abre o coração aos pais, mesmo que não seja diretamente. No entanto, a maioria dos pais não o compreende. Desapontado, o jovem afasta-se e busca compreensão e amor noutro lugar. Sorte dele se o encontrar.

Na puberdade, a necessidade de ser amado pelo pai (homossexual) também aumenta. Sabemos que esse amor é transferido do pai para o mestre. Se a criança, decepcionada com sua esperança de amor, também não o receber do mestre, pode desesperar de encontrá-lo e, logo, se suicidar.

Em suma, Sadger salienta que, embora a acusação feita pela imprensa contra os professores - de que são diretamente responsáveis pelo suicídio de seus alunos - seja infundada, ela tem um grão de verdade. A escola deve levar mais em conta que os jovens atravessam um período de grande necessidade de amor e ter com eles certa benevolência, pelo menos externa. Assim, mais de um suicídio de estudante seria evitado. Seria injusto considerar malvados os educadores. Por ignorância, não são amáveis e bondosos. A melhor maneira de evitar o suicídio de jovens escolares seria esclarecer pais e educadores.

O PROF. FREUD diz o quanto apreciou a conferência e só pode concordar com as críticas feitas pelo orador ao livro de Baer. Em particular, Freud partilha a opinião de que não se pode julgar essa questão com base em estatísticas atuais e que um exame cuidadoso dos casos individuais contribuirá para a compreensão desse difícil problema. É claro que são as tentativas de suicídio que fornecerão material para tal estudo, mesmo que certo número delas estivesse, desde o início, destinado a falhar.

 

 

É difícil dizer qual é o papel da escola nas tentativas de suicídio de estudantes. Ainda não dispomos de pesquisas suficientes para avaliar a questão.

Apenas algumas observações isoladas podem ser feitas sobre o assunto.

Em primeiro lugar, alguns casos mais raros de tentativas de suicídio: entre eles, o caso psicologicamente mais significativo é aquele - já mencionado por Sadger - de identificação com pessoas queridas (imitação com base no mesmo requisito etiológico).

Duas outras condições mais raras:

• Parece que, em muitos casos, é o medo do incesto que provoca o suicídio [de crianças]. Esse foi o caso de uma criança que lutou terrivelmente contra castigos em casa. Esse menino era um masoquista, para quem o castigo equivalia à união sexual. A ideia de levar palmadas da mãe tinha o mesmo efeito sobre ele que uma sedução.

• Outro caso mostrou como pode ser difícil examinar a etiologia. Era um jovem estudante que tinha tentado suicidar-se com um tiro e se machucara gravemente. Esse menino, mentalmente saudável e muito inteligente, não podia explicar as razões de seu ato: dizia não saber. Quando, mais tarde, contou a história de sua família, apareceu que sua irmã, casada e grávida, visitara os pais, e que ele tentou se suicidar logo após a partida dela. Tentou se matar por não suportar ver a irmã grávida, mas não tinha ideia de suas razões. Posteriormente, a justeza dessa solução foi estranhamente confirmada. O jovem estudante, começando a se interessar pela psicanálise, descobriu nas passagens mais inesperadas de obras poéticas fantasmas relativos ao ventre materno. Tinha talento particular para detectá-las.

No que se refere à formulação psicológica das condições do suicídio, estamos apenas no início. Por enquanto, podemos aceitar sem hesitação a tese do orador de que, no suicídio, a pulsão de vida é superada pela libido. Que essa não seja uma fórmula vazia é o que demonstra nossa definição psicológica mais geral de neurose, que consideramos ser um conflito entre as pulsões do eu e as pulsões sexuais. A questão é saber em que condições essa vitória é possível e quando leva ao suicídio, em vez de produzir uma neurose. De acordo com essa concepção, o suicídio não é tanto uma consequência como um substituto da psicose, embora as duas formas possam, naturalmente, se combinar de diversas maneiras.

Essas definições, tanto a da neurose como a do suicídio, levam mais em conta a dualidade da psique humana do que tomar a sexualidade como base e afirmar que uma é seu aspecto masculino e outra seu aspecto feminino.

Sobre o segundo ponto - o suicídio de crianças em idade escolar -, Sadger já disse muita coisa certa. Seria interessante estabelecer se o desespero de nunca ser amado é sempre, de fato, a condição do suicídio. A fórmula é algo atraente.

O orador defendeu a escola na base de que ela deve ser reflexo da vida, com dificuldades e lutas. A resposta é que a escola não deve ser isso; não deve se esquecer de que trata de indivíduos ainda imaturos; deve apenas representar a transição da casa dos pais para a vida. Mas os mestres levam a coisa muito a sério, quando deveriam manter certa superioridade benevolente com seus alunos.

Podemos subscrever inteiramente as palavras de Sadger e, talvez, acrescentar alguns comentários. Os mestres se preocupam pouco com a questão da sexualidade da criança. Sua tarefa não é apenas não levar a criança a se suicidar. Há mais a fazer: também têm de trabalhar a favor da vida. [A função da] escola é dar à criança, nessa fase em que se desliga dos pais, novos apoios num contexto mais amplo. A razão pela qual tão poucos mestres estão à altura dessa tarefa e tantos cometem erros que condenamos (tomar as coisas de maneira trágica, ignorar o fator sexual) está ligada à crescente proscrição da homossexualidade hoje. Reprimindo a homossexualidade, reprimimos simplesmente a tendência homossexual dos sentimentos humanos, tão necessária à sociedade. Os melhores mestres são os verdadeiros homossexuais que realmente têm essa atitude de amável benevolência para com seus alunos. Mas se o mestre, de homossexualidade reprimida, é confrontado com essa exigência, torna-se sádico com seus alunos. Esses mestres odeiam e perseguem os jovens porque eles têm essas "exigências sexuais", que irritam a sexualidade dos mestres. Tanto quanto homossexuais são melhores mestres, homossexuais recalcados são piores e mais severos.

No entanto, os mestres têm uma tarefa ainda mais difícil. A análise nos ensina que a transferência dos homens não é de modo algum unívoca, mas que apresenta moções hostis ao lado de moções de ternura. O mestre também deve saber e compreender isso; deve realizar a complexa tarefa de não perder sua autoridade, mesmo quando sabe que é objeto de escárnio e desprezo por seus alunos. Essa tarefa será mais bem realizada por aqueles que também estão à altura da primeira exigência pedagógica.

FRIEDJUNG também ressalta a insuficiência das estatísticas e do material clínico sobre o assunto em todos os aspectos. As coisas nunca são tão simples como parecem com tais dados. Para apoiar esse argumento, apresenta o caso de uma jovem de família com forte carga hereditária, mas para quem as condições mencionadas por Freud e Sadger também são válidas. Em particular, o caso demonstra claramente a falta de qualquer esperança de amor.

 

 

Talvez possamos encontrar condições semelhantes no suicídio de melancólicos.

Friedjung recorda, de seus anos de liceu, um exemplo perfeito de professor homossexual com quem todos os alunos estudaram bem e com prazer.

FURTMÜLLER acredita que, tratando-se de suicídio, é preciso perguntar primeiro se um grande número de casos não deve ser excluído, quando se pode falar de vitória das pulsões de vida. De fato, tentativas de suicídio fracassadas não são raras.

Quanto à psicologia do suicídio, deve-se lembrar que a disposição psicológica do homem é tal que ele é incapaz de imaginar o oposto da vida.

O suicídio de estudantes não pode ser tratado sob a ótica puramente psicológica; também deve ser considerado do ponto de vista social. Não é tanto por seus mestres que a escola é culpada, mas sim como instituição em si.

O orador gostaria de acentuar ainda mais a comparação da escola com a vida, que o Prof. Freud contestou. A escola não é apenas como a vida; é mais difícil. Nenhum de nós toleraria calmamente que sua atividade e todo o seu trabalho fossem julgados a cada seis meses.

A tarefa essencial continua sendo, portanto, remodelar toda a instituição escolar. Mas não se quer fazê-lo, devido aos privilégios que a escola traz. Enquanto for assim, pouco progresso haverá na formação psicológica dos mestres. Além disso, as escolas modernas são instituições de massa e não podem contar com pedagogos de nascença.

ADLER, dada a hora tardia, propõe adiar a discussão para o próximo encontro e dar a palavra apenas ao orador. Adler também gostaria de levantar a questão de saber se as valiosas sugestões e conclusões desta discussão não deveriam ser publicadas à parte sob a direção de um comitê.

STEKEL propõe introduzir a próxima discussão por uma coapresentação.

As propostas de Adler são aceitas.

O PROF. OPPENHEIM, depois de fazer certas correções, gostaria de continuar a discussão a partir de uma observação e postular duas categorias de suicídio: aquele em que o motivo manifesto parece ser totalmente suficiente (suicídio heroico, abundante na história e na literatura) e aquele que exige um estudo psicológico mais profundo. É possível estabelecer duas categorias assim?

 

 

105

Sessão de 27 de abril de 1910

Presentes: Adler, Federn, Freud, Friedjung, Furtmüller, Hitschmann, Oppenheim, Rank, Reitler, Rie, Sadger, Steiner, Stekel, Tausk
Convidado: Dr. Frischauf

 

 

FEDERN assinala que é raro encontrar neurótico que não tenha pensado em suicídio e que os psicanalistas sabem que, para o neurótico, o perigo reside no suicídio. Perguntado sobre por que os neuróticos raramente cometem suicídio, Federn responde: por não serem suficientemente normais. Na opinião de Federn, o suicídio é uma reação normal às experiências negativas na vida. Essa ideia é consistente com a do Prof. Oppenheim em sua conclusão, quando falou a respeito de duas categorias de suicídio.

Os neuróticos provavelmente pensam muito em suicídio, mas à execução opõem-se 1) a pulsão de autoconservação e 2) o medo (do ato). Podemos pensar que dá no mesmo e que o medo é apenas a manifestação da pulsão de autoconservação. Mas também sabemos que a ansiedade neurótica tem origem na repressão da sexualidade e que, por conseguinte, é mais provável que o neurótico se suicide quando curado.

À fórmula segundo a qual o suicídio é vitória da libido sobre a pulsão de autoconservação, deve-se acrescentar que a libido também se encontra ao lado da pulsão de vida. Quanto mais livre for a libido, maior será a alegria de viver. Um indivíduo que tenha ficado desapontado com sua libido não terá dificuldade em encontrar um substituto para a sublimação. É aqui que o suicídio de estudantes deve ser levado em conta. Os pais e mestres são hostis à libido e dificultam a transferência. Os mestres são, portanto, pelo menos em parte, responsáveis pelo suicídio dos alunos. Mas não é essa a causa essencial, e sim a antipatia geral pela vida. Trata-se de casos em que o suicídio não é um ato sintomático neurótico, tendo a alegria de viver, em sua totalidade, cessado de contrabalançar os tormentos da vida, bastando um pequeno incidente no cotidiano (da escola) para dar o último impulso.

Além da homossexualidade sublimada, o sadismo dos mestres desempenha um importante papel.

Finalmente, Federn menciona novamente um estudo estatístico de Masaryk, segundo o qual a frequência de suicídios está relacionada com o declínio da religiosidade, e chama a atenção para o fato de que no congresso Freud disse a mesma coisa sobre a neurose.

STEKEL não pode confirmar a experiência de Federn de que o suicídio é reação de um indivíduo normal. Também não é certo que devamos temer suicídios durante o tratamento. Enquanto o paciente tiver esperança de recuperação, ele pode, é verdade, brincar com a ideia de suicídio ou mesmo ameaçar cometer suicídio, mas não cumprirá sua ameaça. Com base nesse material, Stekel pode confirmar a tese de Freud de que o suicídio é uma das formas finais da neurose.

Uma circunstância não foi considerada até agora, embora desempenhe um papel importante: a lei de Talião. O suicida é atormentado por um profundo sentimento de culpa, e ninguém se suicida sem querer matar alguém. Todo o resto são apenas circunstâncias desencadeadoras.

As estatísticas mostram que há menos suicídios em países altamente religiosos. A limitação do número de crianças resulta também em suicídios, devido ao aumento da ternura.

Sadger assinalou, com razão, que o desespero de amor leva ao suicídio, mas não esgotou o aspecto sexual do problema. Muitos cometem suicídio porque não têm coragem de ser sexualmente ativos. Esse é o primeiro ponto. O segundo é o que realçou Freud, quando disse que o problema do incesto é o mais importante. Um terceiro é o fato de que, sempre, as ideias e tentativas de suicídio ocorrem após a renúncia à masturbação. O suicídio é apenas o ato masturbatorio final (Hand an sich legen).5 Freud chamou a atenção para o fato de que a masturbação só adquire seu significado através do fantasma. No entanto, na maioria dos casos trata-se do recalque de fantasmas de incesto.

Todos os fatores mencionados por Stekel, em casos que analisou, provocaram tentativas de suicídio. Ele resume os quatro casos e conclui com o de um estudante em análise, cujo caso é particularmente claro.

Logo, não se pode simplesmente dizer que são os mestres e a escola os culpados. É verdade, porém, que as escolas poderiam evitar suicídios se fossem capazes de, como a psicoterapia, provocar transferências.

TAUSK distingue duas questões nesse problema:

• a questão do significado do suicídio;

• a questão do mecanismo psicológico do suicídio.

Essas duas questões podem ser apenas duas formas diferentes de encarar o mesmo problema.

 

 

Tausk se refere às considerações de Schopenhauer sobre o suicídio, em que ele diz que a vida é uma "posição". Portanto, o suicídio é, para o indivíduo, o ato ilógico por excelência. O orador tenta expressar o significado lógico dessa atitude em termos biológicos, o que lhe dá também um significado em termos psicológicos.

Tausk discute a fundo a noção do sentimento de culpa, e assim estabelece, em separado, as bases psicológicas para os conflitos que podem levar ao suicídio. O sentimento de culpa se reduz à exigência da civilização que nos obriga a sublimar ou a recalcar nossas pulsões. O pai aparece como agente dessa exigência. Quanto menos a satisfaz, mais exigente é, com dureza. A criança logo o descobre e, inconscientemente, critica o pai. É assim que nasce um conflito básico.

Aqui não é o lugar para examinarmos que elementos levam, nesse mecanismo psicológico, à transformação dessa negação num fator positivo. Esses elementos são certamente sexuais.

Tausk finalmente relata vários suicídios cometidos por professores quando ele próprio estava na escola. Em muitos casos, os mestres são fatores determinantes no suicídio, por não poderem ver que as crianças estão "carregadas" de sexualidade.

É interessante notar que os turcos desconhecem o suicídio, porque acreditam num verdadeiro futuro, numa outra vida.

REITLER distingue três categorias de suicídio:

• o que se reduz a impulsões suicidas;

• o que é tentativa de suicídio e brincadeira com a ideia;

• o que é realmente sério.

Para nós, apenas a primeira categoria é de particular interesse. Federn tinha razão ao dizer que a maioria dos neuróticos são atormentados por impulsões suicidas com caráter obsessivo marcado.

Reitler tenta explicar, no contexto de sua concepção da história do desenvolvimento das neuroses, a gênese e a derivação do medo de exames. A partir da angústia inútil da neurose atual (abstinência relativa à masturbação), esse medo se torna fobia através da histeria de ansiedade, para a qual há material psíquico suficiente (fantasmas masturbatórios incestuosos, pai-mestre, significado sexual do exame segundo Stekel). Para a criança, resta uma solução para a fobia, a de fugir do exame, seja faltando às aulas, seja simulando uma doença. Caso contrário, o impulso obsessivo se transforma em suicídio - o aluno tem que cometer suicídio para evitar o exame.

ADLER ressalta que o problema é tão complexo que todas as relações da vida humana, bem como todos os fenômenos psicológicos, aparecem na discussão. Alguns são tão importantes que quase todos os abordaram e se referiram a eles.

As estatísticas, embora certamente lacunares, não devem ser subestimadas. Quanto às descobertas patológicas (Bartell, 1910), de fato todas as formas de inferioridade orgânica aparecem nos suicídios (incluindo a inferioridade do órgão sexual). Os antecedentes dos suicídios são exatamente os mesmos que os das neuroses, e não devemos nos surpreender de encontrá-las tanto, na análise das intenções e das tentativas de suicídio. O sentimento psíquico de inferioridade, originário de um órgão inferior, é particularmente manifesto na infância. Mais tarde, o indivíduo reage com sobrecompensação, na qual se manifesta, com frequência, a aspiração de distinguir-se em particular, de modo que esses indivíduos se tornam muito dependentes do mundo exterior. Podemos achar também outras relações ao lado dessas. É por isso que não podemos dizer: as pessoas com tal constituição devem suicidar-se.

Uma das razões mencionadas na discussão tem algo convincente: a maioria delas são pessoas que já manifestavam, na infância, a tendência de punir os pais com doenças etc.

Nos casos de tentativa [fracassada] de suicídio, seria interessante esclarecer por que a pessoa não se matou. Num caso, o paciente disse que não tinha nenhum modelo a imitar. Mas o fato é que era demasiado feminino para se matar. Este é um ponto importante na psicopatologia do suicídio: é a última tentativa de realizar um ato masculino. O suicida mostra uma homossexualidade muito marcada, o que também é verdade para o neurótico. Entre os suicídios masculinos, há geralmente rebelião contra o pai (que está ligada aos exames [escolares], visto que as pessoas são muitas vezes coagidas [pelos pais] na escolha de seus estudos).

Finalmente, o orador apresenta algumas das tentativas de suicídio que analisou.

No caso de uma menina, as tentativas de suicídio estavam diretamente relacionadas à masturbação, da qual ela não podia escapar. Demonstrou-se que suas tentativas de suicídio vinham sempre após um ato masturbatório. Eram, portanto, lutas contra a masturbação, a qual a fazia sentir-se desonrada (sentimento de degradação, de inferioridade). Basicamente, todo suicídio tem origem nesse sentimento, se examinarmos o material exposto como "equações neuróticas" (Stekel). Na raiz de muitos suicídios femininos cometidos durante a menstruação (ou na primavera, ou num domingo, ou durante as férias, quando seus números aumentam consideravelmente), existe o mesmo sentimento de degradação que, para a mulher, vem de ser mulher. À pergunta sobre o que a escola e os mestres devem fazer com o suicídio dos alunos, deve-se responder que, nesse caso, o suicida encontra na escola as razões que, de outro modo, teria encontrado em outras circunstâncias. Ele também não se mata por causa de um professor desagradável. É muito mais complicado. É quase o contrário, como mostrou o suicídio de um estudante que o orador teve a oportunidade de observar. O rapaz suicidou-se por achar suas capacidades inferiores a suas altas exigências para consigo próprio. Em alguns suicídios de crianças em idade escolar, trata-se de fato de reproduzir a relação com o pai: essas crianças não têm experiências reais de negligência, mas, a partir da situação neurótica, querem realmente punir o mestre.

Adler fala então de três tentativas de suicídio que analisou e, resumindo-as, destaca os seguintes pontos: o suicídio é uma tentativa de protesto viril que naturalmente ocorre em pessoas cuja feminilidade não se discute; são pessoas com um profundo sentimento de inferioridade desde a infância, que está na origem de um orgulho ilimitado do qual muitas vezes não têm consciência - em análise, porém, aprendem a compreendê-lo muito bem.

O PROF. FREUD está longe de querer exprimir uma opinião definitiva, mas não pode esconder a impressão de que, apesar do mérito do que foi dito e da soma das sugestões feitas, não foi encontrada uma verdadeira solução para o problema. Não se deve esquecer que o suicídio nada mais é do que uma saída, uma ação, um desfecho de conflitos psicológicos, e que se trata de explicar o caráter do ato e como a vítima de suicídio supera a resistência [contra o ato de suicídio].

Entre as lacunas, devemos destacar uma que parece inevitável. O Prof. Oppenheim apresentou um problema a ser resolvido: o suicídio em cada caso deve ser interpretado como uma reação do eu ao poder superior da libido ou devemos ignorar a existência de um suicídio que vem exclusivamente, do eu? Fizemos bem em não responder a essa pergunta, porque essas coisas não apareceram na pesquisa. O acesso ao complexo suicida a partir de um estudo dos doentes reside na melancolia, cuja natureza nos é atualmente desconhecida. Seu mecanismo, em particular, ainda não foi nem um pouco examinado.

FEDERN observa que o indivíduo normal reage a uma falha da libido com mau humor. O grau mais elevado do mau humor é a melancolia. Em dois casos de melancolia, a masturbação excessiva pôde ser demonstrada, e se manteve até o casamento e a velhice. Não é impossível que aqueles que reagem à masturbação com mau humor possam tornar-se melancólicos na idade crítica.

STEKEL menciona duas análises de sentimentos melancólicos que mostram que o sentimento de culpa está bem fundamentado.

O PROF. FREUD: O sentimento de culpa também está presente em outras neuroses. Trata-se de elucidar o mecanismo específico da melancolia.

O PROF. OPPENHEIM não pode considerar como sua tarefa levar a bom termo uma discussão tão rica, reunir todas as diferentes sugestões sob pontos de vista homogêneos e ver quais os resultados positivos alcançados. Ele só pode abordar pontos muito específicos.

Em primeiro lugar, deve ficar claro que a questão fundamental não foi resolvida - a de saber se o suicídio deve ser classificado como neurótico. No argumento de Federn, há certa contradição. Além disso, a afirmação de que os sádicos têm uma inclinação para a profissão docente é difícil de provar. A ideia de Stekel sobre a lei de Talião é interessante; é confirmada do ponto de vista da história da civilização pelos suicídios forçados (Oriente, Atenas, tempo dos imperadores romanos). Um ensaio intitulado História do suicídio na Antiguidade (Geiger, 1988) discute em detalhe o fato de que essa forma de homicídio é baseada no princípio de Talião: a punição deve corresponder ao crime e, assim, desfazê-lo.

Quanto à questão da relação entre suicídio e religião, a história nos dá muitas explicações. Religiões diferentes opõem-se ao suicídio com proibições estritas. Lichtenberg observa que o suicídio é mais frequente em países protestantes do que em países católicos, e o atribui à confissão.

O suicídio pode ser um problema insolúvel considerando-se apenas o indivíduo. É um fenômeno coletivo cujo estudo requer que também se levem em conta - como mostra um trabalho de Hirzel (1908) - as condições espaciais e temporais ("a febre de Werther", sugestão). A eficácia da sugestão era bem conhecida na Antiguidade (Pórcia, suicidando-se, imita o pai; há muitos outros exemplos). A Antiguidade curiosamente distingue entre suicídio e imolação (uma imolação está, de fato, no centro do cristianismo). Também aqui aparecem novos problemas parciais, que poderão eventualmente conduzir-nos à raiz do problema.

O PRESIDENTE (Stekel) agradece ao orador e a todos os que participaram da discussão e pede que o que foi dito seja reunido numa brochura.6

 

Para introduzir a discussão sobre o suicídio7

Meus senhores,8

Todos os senhores ouviram com grande satisfação o apelo do pedagogo que não quer permitir que se faça uma acusação injustificada contra a instituição que lhe é cara. Sei bem, no entanto, que os senhores, em todo caso, não estavam inclinados a acreditar, levianamente, na acusação de que a escola levaria os alunos ao suicídio. Não deixemos, porém, que nossa simpatia pela parte aqui injustiçada nos leve longe. Nem todos os argumentos do senhor orador precedente me parecem pertinentes. Se o suicídio de jovens não ocorre apenas entre secundaristas, mas também entre jovens trabalhadores e outros, isso em si não inocenta o liceu. Talvez se possa interpretar que o liceu serve como substituto dos traumas que outros adolescentes encontram em outras circunstâncias da vida. Mas o liceu deve fazer mais do que não levar os jovens ao suicídio; deve dar-lhes o desejo de viver e apoiá-los e orientá-los na altura de sua vida em que são obrigados, pelas condições de seu desenvolvimento, a distender sua relação com o lar e com a família. Parece-me indiscutível que não o faz e que, em muitos pontos, fica aquém de sua tarefa - oferecer um substituto à família e suscitar interesse pela vida exterior e pelo mundo. Aqui não é o lugar para uma crítica do liceu e de sua organização atual. Talvez me seja permitido, entretanto, identificar um único fator. A escola nunca deve esquecer que lida com indivíduos ainda imaturos, a quem não pode ser negado o direito de permanecer em certas fases, mesmo que infelizes, do desenvolvimento. Não deve reivindicar em seu próprio nome a inexorabilidade da vida, não deve querer ser mais do que um jogo da vida. (SIGMUND FREUD)

 

Conclusão da discussão sobre o suicídio9

Meus senhores, tenho a impressão de que, apesar do valioso material aqui trazido, não conseguimos resolver o problema que nos interessa. Acima de tudo, queríamos saber como é possível superar a pulsão de vida, extraordinariamente forte, e se isso só pode acontecer com a ajuda de uma libido decepcionada ou se há renúncia do eu em afirmá-la por motivos que lhe são próprios. Se não conseguimos responder a essa pergunta psicológica, pode ser devido à falta de boa abordagem. Penso que só podemos partir aqui do estado clínico conhecido da melancolia e de sua comparação com o afeto do luto. No entanto, os processos afetivos na melancolia, os destinos da libido nesse estado, nos são completamente desconhecidos, e mesmo o persistente afeto do luto ainda não é compreendido pela psicanálise. Vamos adiar nosso julgamento até que a experiência resolva o problema. (SIGMUND FREUD)

 

Referências

Bartell, J. (1910). Zur pathologischen Anatomie des Selbstmordes. Wiener Klinische Wochenschrift.         [ Links ]

Durand-Fardel, M. (1855). Étude sur le suicide chez les enfants. Annales médico-psychologiques.         [ Links ]

Geiger, K. A. (1988). Der Selbstmord im klassischen Altertum: historische-kritische Abhandlung. Augsburg.         [ Links ]

Hirzel, R. (1908). Der Selbstmord. Archivfür Religionswissenschaft.         [ Links ]

 

 

1 Minutes é o título em inglês por decisão de seus editores, Herman Nunberg e Ernst Federn. Teria sido possível usar Protocols, mais próxima do alemão, Protokolle (em português, Protocolos). É difícil hoje saber a razão de escolhas tradutórias. Em português, preferiu-se o título francês, Os primeiros psicanalistas, mas alterando-se Minutes por Atas. Os franceses também teriam podido usar Protocoles; optaram por Minutes, seguindo o inglês.
2 NT: número da sessão dentro da totalidade de sessões.
3 Na publicação de 1910 da brochura Sobre o suicídio, este artigo aparece assinado por Unus Multorum. Foi republicado em 1914 com o nome de seu autor no livro Curar e formar.
4 Fórmula frequente na correspondência de Voltaire. O infame é a superstição e o fanatismo, seus inimigos de sempre.
5 A expressão Hand an sich legen, literalmente "pôr as mãos sobre si mesmo", significa "atentar contra seus dias".
6 Publicada em 1910 com o título de Über den Selbstmord, insbesondere den Schülerselbstmord (Diskussion der Wiener Psychoanalytischen Vereinigung), com introdução e conclusão de Freud, "Zur Einleitung der Selbsmord-Diskussion", "Schlusswort".
7 Prólogo da brochura de 1910.
8 Mein Herr.
9 Epílogo da brochura de 1910.

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