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Temas em Psicologia
versão impressa ISSN 1413-389X
Temas psicol. v.1 n.3 Ribeirão Preto dez. 1993
Emoção e ação pedagógica na infância: contribuições da psicologia humanista
Abigail Alvarenga Mahoney*
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Este artigo originou-se do falar e do ouvir na Coordenação de mesa-redonda na XXII Reunião Anual de Psicologia, em outubro de 1992. O evento apresentou-se como uma oportunidade para refletirmos sobre o tema "Emoções e Ação Pedagógica na Infância". A troca com parceiros de posturas teóricas variadas, originárias de Wallon, Freud e Skinner, mostrou-se bastante produtiva.
Como sabemos, o encontro com o diferente permite a abertura a dimensões ocultas e inatingíveis pelos nossos olhos. Enriquece o exercício da reflexão sobre as possibilidades e os limites de nossas posições. Leva-nos a conferir com mais precisão e clareza nossas próprias idéias. Aprender a interagir com o diferente é muito saudável para o conhecimento.
A partir dessa interação, foi possível pensar e dar forma a este texto.
Nossa cultura tende a acentuar com muita facilidade e assertividade, o lado racionado do homem, como se esse fosse a sua característica predominante.
Maturana (1992) faz uma crítica a essa tendência, mostrando como ela traduz, já do ponto de vista da Biologia, uma visão parcial que limita a compreensão do ser humano porque deixa de mostrar o seu outro lado: o ser emocional. Este fica relegado ao segundo plano, visto como algo primitivo que nega ou perturba a existência do racional.
Ao nos identificarmos como seres racionais, criamos uma cultura que nos impede de perceber o entrelaçamento vital e indissolúvel entre essas duas dimensões: racional e emocional.
Entretanto, uma observação atenta do nosso dia-a-dia, nos mostra que o nosso campo de ação é definido justamente por esse entrelaçamento, com predominâncias alternadas de uma ou outra dimensão, dependendo das situações em que nos encontramos.
Daí a importância de atravessarmos a estrutura racional, quando posta à nossa frente, para chegarmos ao emocional, se quisermos nos entender de forma mais ampla, compreender nossas ações e avançar no conhecimento do homem.
A área de estudos do ser emocional tem mostrado uma terminologia bastante confusa e ambígua. Qual dos termos - emoção, afetividade, afeto - é o mais abrangente? Qual exatamente é a diferença entre eles?
O que se nota é uma grande variedade de respostas, dependendo do autor e do idioma considerado. Por exemplo, em português, o termo mais amplo é afetividade; já em inglês é emoção. Entretanto, Rogers e Kinget (1971) usaram o termo sentimento como o mais abrangente: engloba, ao mesmo tempo, a experiência afetiva e a significação cognitiva numa unidade indivisível.
A Psicologia Humanista, enquanto interpretada por Rogers, teve como um dos seus objetivos centrais mostrar que o contacto direto e constante da pessoa com o seu ser emocional é o ponto de partida e de chegada para o seu desenvolvimento.
Entretanto, ao realçar esta faceta do desenvolvimento, não conseguiu, pelo menos teoricamente, integrá-la à dimensão racional, lógica, reflexiva. Com seu pensamento dicotômico, acaba colocando em campos opostos o emocional e o racional; é uma lógica que acaba impossibilitando imaginar como se daria a integração entre eles. Ficou muito mais valorizada a intuição, a captação direta e fiel de sentimentos que supostamente estão ocultos e distorcidos pelo racional (Figueiredo, 1991).
A despeito dessa dificuldade teórica, as proposições de Rogers ligadas à Educação tiveram o mérito de trazer para o centro da ação pedagógica a criança e seus sentimentos, fazendo deles o ponto central para se entender o processo de aprendizagem. Forçou, assim, a visualização do aluno por outra perspectiva que não apenas a cognitiva.
Ao trazer à tona o seu ser emocional, através do seu reconhecimento e aceitação, a criança consegue um desenvolvimento harmonioso na direção de suas potencialidades.
O sentimento vai ocupar sempre uma posição central em todos os momentos do desenvolvimento, independentemente de faixa etária. A criança, ao se desenvolver psicologicamente, vai se nutrir principalmente das emoções e dos sentimentos disponíveis nos relacionamentos que vivência.
São esses relacionamentos que vão definir as possibilidades de a criança buscar no seu ambiente e nas alternativas que a cultura lhe oferece, a concretização de suas potencialidades, isto é, a possibilidade de estar sempre se projetando na busca daquilo que ela pode vir-a-ser.
Rogers reconhece alguns sentimentos como fundamentais nesses relacionamentos:
- aqueles ligados à necessidade de consideração positiva (acolhimento, calor, simpatia, respeito, apreciação);
- aqueles ligados ao desejo de compreensão do outro (aceitação do outro e, portanto, aceitação de quem é diferente);
- aqueles ligados à valorização da própria pessoa (auto-estima).
Rogers assume que a descoberta de potencialidades é alcançada pela criança, que o fará se tiver acesso aos seus próprios sentimentos, o que implica um constante diálogo consigo mesma.
Abrir o caminho para esse acesso e para esse diálogo, que por suposto está bloqueado pelo tipo de relacionamento interpessoal predominante na nossa sociedade, é da responsabilidade do adulto, que levará desta maneira a criança a confiar em si mesma, isto é, a ouvir cada vez mais sua própria experiência como a guia mais confiável para suas decisões.
Embora nos pareça óbvio, é sempre bom lembrar que o desenvolvimento da criança não se nutre apenas de emoções e sentimentos. Pensar nesse processo fora dos condicionantes históricos e sociais é cindir a realidade, é ignorar as condições materiais de vida, é fragmentar a compreensão da criança.
Aqui esbarramos num dos impasses da Psicologia Humanista. Ela dispõe de recursos para lidar com o indivíduo enquanto subjetividade com tendências para determinar seus caminhos. Mas o condicionamento dessas tendências por forças externas não recebe uma resposta convincente.
Ao atribuir todo esse poder ao indivíduo, faz com que ele se concentre de forma exagerada sobre si mesmo, desviando-o da possibilidade de uma crítica lúcida à sociedade e, por conseguinte, de uma avaliação mais realista de sua própria força. O indivíduo, ao tentar assumir o poder e a responsabilidade pela definição de sua vida, minimiza, nesse movimento, o poder e a responsabilidade da sociedade.
Considerando todas essas informações, voltamos nossos olhos para a escola e perguntamos: por que ela, ainda hoje, teima em ignorar o ser emocional, não admitindo em suas práticas que ele deve ser levado em conta tanto quanto o racional, uma vez que o acompanha em todas as ações da criança?
A escola parece só prestar atenção às emoções quando elas começam a perturbar ostensivamente o seu dia-a-dia. Aí culpa a famosa "carência afetiva", uma das justificativas comuns para a sua incapacidade de lidar com a criança na sua totalidade.
A escola, assim como a nossa sociedade, desvaloriza, nega a emoção nas suas práticas como se esta impedisse a consecução de seus objetivos. E esse descaso pode ser um dos muitos fatores responsáveis pelo fracasso escolar. O emocional, tanto quanto o cognitivo, é constitutivo do processo de ensinar e de aprender, do que se conclui que a escola precisa aprender a lidar com esses processos nos dois níveis, se quiser uma instituição promotora de conteúdos e de formas de convivência harmoniosas e justas. Esse descaso é ainda muito mais espantoso na infância, quando as emoções são muito mais transparentes, visíveis em todas as suas relações com o mundo.
A Psicologia Humanista procurou iluminar essa questão do afetivo e do cognitivo e do afetivo na convivência professor-aluno.
Embora não se possa dizer que tenha alterado a prática da sala de aula de forma significativa - e a pergunta colocada anteriormente confirma isso - de qualquer maneira foi mais um marco sinalizando a necessidade de se pensar a educação de forma mais ampla.
Rogers (1951) insistiu na integração dos níveis viscerais, emocionais e cognitivos como uma das principais metas da educação da criança.
Quanto mais a escola tiver condições de oferecer e cultivar, de forma genuína, os sentimentos ligados à consideração positiva, ao desejo de compreender o outro e à valorização da própria pessoa, mais estará contribuindo para essa integração, tornando a escola mais atraente.
As considerações feitas até aqui, sobre a função da emoção no desenvolvimento e na aprendizagem, apontam para um relacionamento em que as pessoas deveriam estar voltadas constantemente para:
- o conteúdo escolar, competentemente ministrado, tentando vê-lo como o veículo privilegiado de expressão de sentimentos na escola;
- seus próprios sentimentos, tentando reconhecê-los e comunicá-los da forma mais fiel e transparente de que forem capazes;
- os sentimentos da criança, tentando compreendê-los à luz de seus valores, hábitos e condições de vida;
- a criança na sua totalidade, acolhendo-a com respeito, aceitando-a como ela se mostra a cada momento, tentando compreendê-la como resultante de uma época histórica e social.
Insisto no termo "tentando" para poder passar a idéia de que essas condições, assim postas, só ganham viabilidade na relação concreta e que cada encontro escolar é uma oportunidade, uma tentativa para elas se efetivarem - ou não - dependendo da natureza das inúmeras circunstâncias que envolvem esse dia-a-dia. O seu alcance não está garantido a priori, mas pode ser construído por aproximações a cada nova tentativa; exige um esforço constante porque difícil de ser concretizado.
O que Rogers (1951) constata em sua experiência clínica, e que depois se confirma na sala de aula, é que quanto maior for o esforço nessa direção, mais os relacionamentos se aprofundam, mais as pessoas se aproximam, mais aprendizagem significativa ocorre.
Na escola, é a sensibiliade do professor, a sua experiência, a sua vivência em cada encontro, a sua atenção genuína, o seu ouvir lúcido, a sua motivação para compreender o outro que serão os guias para decidir o como, o quando, o quanto é possível aproximar-se dessas condições.
A função da emoção na ação educativa é a de abrir caminho para a aprendizagem significativa, isto é, aquela aprendizagem que vai ao encontro das necessidades, interesses e problemas reais das crianças e que resulta em novos significados transformadores da sua maneira de ser. Amplia seu campo perceptual, possibilitando a descoberta de novas idéias. Aumenta seu contacto tanto com o mundo subjetivo, quanto com o mundo exterior.
Entretanto, é preciso sempre ter em mente que a relação professor-aluno é mediada por conteúdos escolares, por autoridade e por objetivos educacionais, que marcam os contornos definidores da ação pedagógica na escola.
Se não levarmos em conta todas essas exigências, cairemos num vazio pedagógico, numa distorção da relação educativa, correndo o risco de confundí-la com a relação terapêutica.
Relação educativa e relação terapêutica não são equivalentes e por isso exigem posturas, habilidades, objetivos, conteúdos e graus de liberdade diferentes.
Para que a relação educativa não perca o seu rumo, o professor precisa assumir explicitamente o seu compromisso com um determinado conteúdo, imbuído de sua autoridade, advinda da sua competência e da sua função na hierarquia de poder na escola.
Ao assumir esses compromissos escolares, o professor coloca-se de forma clara, sem ambigüidades diante de seus alunos, facilitando assim o processo de ensino e de aprendizagem.
Usar subterfúgios para disfarçar a relação de poder que inevitavelmente se estabelece na sala de aula pode criar um clima gerador de insegurança, desconfiança e agressividade nas crianças.
O professor não precisa fazer de conta que renuncia a seu poder para lidar com a expressão do ser emocional da criança.
Além disso, é preciso lembrar que não há incompatibilidade entre autoridade competente e vínculo afetivo.
Quando se pensa numa prática educativa voltada para os objetivos da Psicologia Humanista, é comum associá-la à ausência de interferências, à renúncia, à autoridade. Nada seria mais inadequado em se tratando de escola.
A interferência é constitutiva da relação educativa; portanto, inevitável, necessária, indispensável e esperada na sala de aula.
O que importa não é a interferência em si, mas a maneira como é feita. O que se discute é se a sua motivação tem por base os objetivos propostos pela escola e se leva ou não em consideração as necessidades, as capacidades e os sentimentos da criança naquele momento.
São exatamente estas considerações que vão delinear o significado de uma relação reveladora de respeito pelo aluno.
É uma crença bastante questionável a de que a ausência de interferência explícita sempre significa respeito pela criança: não necessariamente! O respeito pela criança exige muitas vezes interferência direta no seu comportamento.
O oposto também é válido. Interferência direta e explícita não significa necessariamente desrespeito ou falta de confiança na criança.
O sentido de respeito numa relação não se configura no abstrato. Ele se constrói e reconstrói a cada encontro e a maneira mais segura para sabermos da sua presença são as nossas ações (não importa se de interferência ou de não interferência) e as nossas motivações, mas certamente não o nosso discurso.
Enfim, na ação educativa é preciso olhar também para a emoção com o mesmo cuidado com que se lida com aspectos cognitivos.
Algumas perguntas podem facilitar ese olhar:
- que sentimentos predominam nas minhas aulas?
- que situações pedagógicas provocam esses sentimentos?
- que sentimentos quero cultivar nas minhas aulas?
- que situações pedagógicas permitem que esses sentimentos se mostrem?
Os sentimentos e emoção desejáveis, dentro do quadro de referência da Psicologia Humanista, são aqueles que provocam situações pouco ameaçadoras, que reduzem resistências bloqueadoras de novas aprendizagens e que atraem as crianças para uma participação responsável na sua vida escolar.
Por aí se abrem possibilidades para a descoberta dos caminhos mais adequados para se ensinar e se aprender os conteúdos escolares.
Referencias Bibliográficas
Figueiredo, L.C.M. (1991) Matrizes do Pensamento Pedagógico. Petrópolis, R.J.: Vozes. [ Links ]
Maturana, R.H. (1992) Emociones y Lenquaje en Educacion y Política. Chile: Ediciones Pedagógicas Chilenas S.A. [ Links ]
Rogers, Carl R. (1951) Client-Centered Therapy: Its Current Practice, Implications and Theory. Boston: Houghton Mifflin Co. [ Links ]
Rogers, Carl R. e Kinget, G.M. (1971) Psychothérapie et Relations Humanines: Théorie et Pratique de la Thérapie Non-Directive. Louvam: Publications Universitaries. [ Links ]
(*) Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia da Educação da P.U.C.-S.P. Endereço par correspondência: Rua Vanderlei, 526,05011-001 Perdizes, SP.