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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.2 no.2 Ribeirão Preto ago. 1994

 

ANÁLISES CLÍNICAS

 

Até que a vida nos separe: o enfoque psicossocial

 

 

Bernardo Jablonski1

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

 

 

Uma rápida consulta aos dados estatísticos disponíveis evidencia o crescimento das taxas de divórcio. Nos Estados Unidos, o número de divórcios nos anos 80 dobrou em relação aos anos 60 e triplicou em relação aos anos 50. Se esta tendência prosseguir, por volta de 40% dos casamentos de mulheres nascidas entre 1945 e 1949 acabarão em divórcio. Para mulheres mais jovens, essa previsão alcança 50%! (Brehm, 1985; FootHck, 1990; Rimmer, 1990). Este fenômeno não se circunscreve aos limites da cultura norte-americana. Em todo o mundo ocidental, nas grandes cidades, as taxas de divórcio vêm crescendo, ainda que num ritmo menos alucinante do que nos EUA. O fato de a Rússia ocupar o segundo lugar no mundo na taxa de divórcios (Moskoff, 1983) dá bem a idéia da abrangência do fenômeno em questão.

Entre nós, o divórcio foi instituído legalmente em 1977. Apesar de nossa crônica falta de dados estatísticos confiáveis, as quase 115 mil separações detectadas pelo IBGE em 1985 -118 mil em 1987,125 mil 1988 e 149 mil em 1990 - indicam que o Brasil, ainda que um pouco atrás, acompanha esta mesma maré. Evidências anedóticas relativas às populações de classes carentes que residem nas cidades grandes - ou em sua periferia - mostram igualmente que a crise do casamento não se refere apenas a um determinado tipo de cultura ou classe social. Quanto aos dados sobre a classe média urbana, especificamente, os dados disponíveis apontam para o crescimento do número de divórcios e das separações judiciais em proporções nunca vistas antes no Brasil (Jablonski, 1991).

Outros dados estatísticos relevantes que podemos citar, referem-se ao fato de que, nos EUA, 1/4 das crianças de hoje estarão sendo criadas, ao menos momentaneamente, por apenas uma figura parental e aproximadamente 20% dos nascituros estão vindo ao mundo fora do esquema do casamento tradicional.

Todos estes números revelam, a nosso ver, profundas mudanças no âmbito da família e do casamento. Estas duas das mais antigas instituições sociais da humanidade já enfrentaram, ao longo dos tempos, toda espécie de desafios e obstáculos. E, ao que parece, estamos vivendo uma época de acirramento das condições que podem levar o modelo tradicional de família e casamento a uma situação limite.

A própria definição de família está em questão. O velho modelo onde o pai sai para trabalhar e a mulher fica em casa, dedicando-se ao lar e aos filhos, parece em vias de extinção. Mais de 2/3 de todas as mulheres americanas já participam ativamente da força de trabalho, o dobro das taxas referentes aos anos 60 (Footlick, 1990). No Brasil, pouco mais de 35% de toda mão de obra é feminina (Fonte: IBGE, 1992). Além destas famílias, onde pai e mãe trabalham fora, temos famílias compostas por pais e/ou mães em seus segundos casamentos, de mães solteiras que assumiram - por opção ou não - a maternidade e passaram à condição de "famílias uniparentais", de casais sem filhos - por opção de casais que moram juntos sem "oficializar" suas uniões, além de casais homossexuais. Todas estas formas alternativas se contrapõem ao modelo tradicional e vão ganhando terreno em termos numéricos, a tal ponto que, nos EUA, o dito modelo tradicional resume-se a magros 11% do total.

Uma outra questão, igualmente pertinente, relaciona-se à rapidez com que estas mudanças estão ocorrendo entre nós. Enquanto na Idade Média, por exemplo, cinco ou mais gerações podiam viver sem assistir a mudanças significativas em seu Modus vivendi, só no século XX - como apontou Doherty em recente trabalho (1992) - pudemos conviver com três tipos de família. Em primeiro lugar, a família tradicional, sinônimo de produção econômica conjunta, autoridade paterna, casamento com ênfase em seus aspectos funcionais, conexões com a comunidade e com os (muitos) parentes. Em seguida, a família moderna (também chamada de psicológica), altamente influenciada pelo crescente e dominante espírito de individualismo, caracterizando-se pela sua mobilidade, por ser mais nuclear, não tão permanente, menos atrelada à comunidade, mais igualitária e centrada nos sentimentos, na afeição. Finalmente, no final do século, estaríamos assistindo ao nascimento de uma nova "espécie": a família pluralística (ou pós-moderna), que teria como principal característica a aceitação e a convivência de várias formas de arranjos não tradicionais, além de ser ainda menos permanente, mais flexível e mais igualitária que a anterior.

A imagem que prevalece, no entanto, transmitida através de nossa socialização primária e reforçada pela mídia, é a de uma família ainda tradicional. O ideal de família e de casamento incorporado em nossas infâncias, ensinado nos lares e nas escolas, "bate de frente" com os ensinamentos da própria realidade atual. Há uma incompatibilidade básica entre o que foi introjetado como meta de vida e ideal de vida a dois e as perspectivas com que nos deparamos, principalmente nos grandes centros urbanos.

Além disso, a própria sociedade impõe demandas virtualmente antagônicas aos casais de hoje. Embora nenhuma sociedade possa se considerar homogênea, uma vez que é composta por grupos, classes e grupamentos com interesses díspares, o que se percebe - no que diz respeito à família e ao casamento - é a coexistência de ditames e instigações que estão ajudando a levar aquelas instituições a uma situação de crise e de conflitos.

Esta, a nosso ver, é a questão promordial que merece cuidados - e estudos especiais.

O conflito, provocado por bruscas mudanças entre velhos e novos valores, seria a marca registrada do momento vivido pela família/casamento contemporâneo. A grande maioria das pessoas continua a querer se casar, ter filhos e manter uma relação heterossexual monogâmica estável e permanente. Mas esse desejo esbarra nas condições criadas pela própria sociedade, que transformam o casamento contemporâneo numa espécie de insolúvel quebra-cabeças.

E que condições seriam estas? Elas se referem ao incentivo concomitante de demandas igualmente promissoras, mas incompatíveis entre si. Podemos começar citando o elogio da realização individual que se contrapõe ao espírito do familismo. Por um lado, casamento significa obrigações, renúncia de objetivos pessoais em função da família, filhos, parentes etc. Submissão à vontade e às necessidades de pais e parentes, além de uma histórica participação nas funções que eram exercidas economicamente pelas famílias - o lar como centro de produção, e não de consumo, como é hoje em dia. A maior integração social, somada à maior extensão da família e à rigidez de uma forte autoridade central, garantia adicionalmente que a valorização da vida em família suplantasse qualquer hipótese de exaltação do indivíduo, às expensas da vontade familiar. Tome-se como exemplo o próprio casamento, quando a escolha de noivos e noivas cabia aos pais, com os filhos - dependendo do tempo de do lugar - tendo apenas o direito ao veto ou a expressão de predileções, que poderiam ou não ser aceitas.

Mas desde a ascensão do capitalismo e da burguesia, do Iluminismo, das revoluções industrial e científica, da diminuição das famílias e do crescimento dos estados modernos, um forte espírito individualista veio se impondo, em detrimento dos interesses grupais ou comunais. Individualismo esse que faz com que essas pessoas fiquem menos subordinadas à autoridade das instituições mais tradicionais de coontrole social: comunidade, Igreja e a própria família. E que se traduz na busca da realização pessoal, acima de quaisquer outros fatores.

Historicamente, família e casamento eram uma questão de sobrevivência: impossível viver sem ambos. Hoje, não: à medida em que as funções econômicas foram passando da mão da família para instâncias criadas posteriormente, foi desaparecendo a necessidade da família como fator indispensável à sobrevivencia. Hoje, supermercados, o comércio em geral, hospitais, farmácias, escolas, indústrias de roupas, calçados etc. permitem e até encorajam a independência. Impensável, pois, nas sociedades pré-letradas, o ato de viver sozinho. Demandas sociais e econômicas forneciam os padrões que governavam e norteavam as regras de casamento. Com quem casar, quando casar, o trabalho, a criação dos filhos e o papel de cada um a ser cumprido eram determinados por considerações de toda a família e não apenas de quereres individuais, separadamente. Os exemplos que confirmam essas constatações são uma legião. Cite-se, por exemplo, a afirmação a respeito do antropólogo R. Fox (1986), para quem "um homem sem parentes, na maior parte da história da humanidade, seria na melhor has hipóteses um homem destituído de uma posição social, e na pior das hipóteses um homem morto".

O historiador Demos (1986), ao descrever a colonização americana, nos fornece outros bons exemplos desse tipo de relação. Nos Estados Unidos de então, a comunidade tinha poderes para decidir sobre a educação das crianças, separações, brigas conjugais etc. O pai de família era ao mesmo tempo um agente do Estado, e, o próprio Estado, tamanha a coesão entre família e comunidade, podia interferir em questões familiares, como as que esboçamos acima. Demos lembra inclusive que o termo "interferir" expressa a nossa visão das coisas. Na época, século XVII, tal atividade não denotava o que o termo hoje em dia faz. Pelo contrário, era vista sim como uma prerrogativa natural do Estado. Por este quadro, podese perceber como a fusão família/comunidade não dava muito espaço aos indivíduos, que não eram nem de longe livres para fazer o que quisessem na e com a sua família. Aliás, os indivíduos isolados virtualmente não faziam parte do cenário da época. Os tribunais locais incentivavam estes "corações solitários" a constituírem famílias, tanto por uma questão de sobrevivência, quanto por um sentimento de desconfiança difusa, já que tais indivíduos eram vistos como potenciais fontes de desordem, dada sua "incapacidade" de subsistir em tais condições.

Quão diferente era aquele mundo deste traçado por Pradier (1990)! Para este autor, um saudável e contemporâneo Robinson Crusoé, morando solitariamente em uma ilha perdida do sul do Pacífico, poderia sobreviver perfeitamente bem graças ao avanço tecnológico. Mesmo não dispondo de nenhum Sexta-feira ao seu lado, esse solitário ser do final do milênio poderia comer, beber, ler livros e jornais, comprar e vender coisas, ver filmes e TV, comunicar-se via telefones, fax, computadores e vídeo. Talvez até se apaixonar por um de seus inúmeros telecomunicadores...

Enfim, a modernidade veio dispensar a família de sua função historicamente básica: a de garantir a nossa sobrevivência. Ou, como disse Greenfield (1969), "não há nenhuma razão racional para que alguém precise se casar hoje em dia: a divisão de trabalhos entre os sexos não é tão extrema que impeça as pessoas de viverem sem um(a) companheiro(a), e todas as necessidades, da comida à roupa ou aos sexos, podem ser muito bem satisfeitas no mercado".(p.360)

Esta é, a nosso ver, uma das armadilhas do quebra-cabeças. Como fazer conviver o espírito de familismo indispensável à criação e à manutenção de uma família, com o exacerbado elogio da individualidade? Os apelos à realização e ao crescimento pessoal batem de frente com os sacrifícios necessários à vida a dois e criam, ao mesmo tempo, expectativas incompatíveis entre si.

Mas não é apenas o conflito entre individualismo e familismo que vem colocando família e casamento nesta indesejável berlinda. Outros pontos cruciais referem-se à monogamia versus permissividade, à visão romanceada do amor versus a realidade do casamento e a questões ligadas à longevidade e à permanência, além da emancipação feminina e seus reflexos no casamento.

Segundo Skolnick (1987), "a história da sexualidade ocidental é muito mais a história de ciclos antagônicos do que a de um desenvolvimento linear. Períodos de liberação se seguem a períodos de repressão, num típico movimento pendular". No momento, estamos vivendo uma época de mudanças de atitudes em direção a um maior liberalismo. A tradição ocidental que remonta aos primórdios do cristianismo e que fez do sexo algo de impuro, imoral e pecaminoso, está sendo substituída por um liberalismo que pode ser traduzido por vários fatores: aumento do sexo pré-marital, vida sexual mais livre (principalmente para as mulheres), aumento dos estudos sobre a sexualidade, comunicação mais espontânea e franca entre os casais e maiores exigências quanto ao que constituiria uma relação satisfatória.

Este clima de maior permissividade sexual está sendo profundamente reforçado pela mídia e pelas artes. Não se compra um carburador para o carro, não se assiste a uma novela de TV, um filme, ou mesmo um programa de televisão destinado a crianças, sem que um forte apelo sexual esteja presente. Sensualidade e erotização estão presentes em nosso cotidiano e vendem uma imagem de "festa" e de ausência de compromissos. Novamente, podemos falar de uma contradição básica entre a concepção que herdamos de um casamento monogâmico indissolúvel e uma atordoante liberação sexual - cantada em verso e prosa nas artes e meios de comunicação de massa - que faz da monogamia um comportamento difícil de ser efetivado para a maioria das pessoas, com todas as dolorosas conseqüências que têm todas as promessas que são frustradas. A impressão que fica é a de que há sempre uma maravilhosa festa ao lado, para a qual não fomos convidados...

Paralelamente à questão da liberação sexual, a emancipação feminina, por sua vez, tem levado a uma demanda de maior igualdade entre homens e mulheres quanto à livre expressão sexual e à diminuição gradativa da chamada "dupla moral": conjunto de atitudes e preceitos que confere ao homem amplas liberdades, e à mulher, muito pouco desta mesma liberdade. E pelo que podemos observar, a mulher urbana de hoje se encontra em um momento particularmente difícil: não quer mais ser a subserviente passiva e assexuada, mas também não é ainda a mulher livre, idealizada em letras de música, filmes e na imagem popularizada que grandes jornais fazem de pequenos e não representativos segmentos, como os da classe artística, por exemplo.

O resultado é uma espécie de meio de caminho, frustrante, e que vem se somar a outros fatores responsáveis pela dita crise do casamento. Confiram-se a esse respeito, as observações de Lawson (1988) acerca da crescente diminuição na diferença no número de relações extramaritais entre homens e mulheres. A infidelidade masculina não constitui nenhuma novidade em termos históricos, mas o aumento da infidelidade feminina, sim. Para Lawson, estaria havendo uma "masculinização do sexo", com as mulheres adotando um padrão até então tipicamente masculino, o qual privilegia o sexo "novo" e sem complicações, relativamente desligado de laços afetivos. As mulheres, que até então, raramente enfatizariam o mesmo, por associar mais intensamente sexo à afeição, amor, ternura, estariam modificando suas atitudes. Mais um ingrediente complicador nas já difíceis relações entre sexo e casamento.

O amor, base do casamento contemporâneo, é curiosamente outro pomo da discórdia, motivo de antagonismos inesperados. O que a maioria dos autores aponta nesse caso é que o fato de se procurar sedimentar uma relação com todas as implicações que possui o casamento em basicamente apenas um sentimento fundamentalmente efêmero, intenso, curto, abrasador e "idealizador", é no mínimo uma opção muito arriscada. Sim, porque é esta a visão do amor que a sociedade instila em seus membros: uma paixão arrasadora, anterior ao casamento, profundamente idealizada, com o "objeto amado" hipervalorizado em detrimento do processo de amar. O que aqueles que vão casar aprendem através de maciça doutrinação é que um dia encontrarão um príncipe/princesa encantado(a), com todas as qualidades possíveis e imagináveis, e que lhes trará felicidade ímpar para o resto de suas vidas. Enquanto que na Antiguidade era preciso beijar o sapo para transformá-lo em príncipe, nossa geração quer o príncipe já prêt-à-porter.

Se em tempos primevos o amor não era tão importante no casamento, ou era visto como uma arte ou um processo a ser desenvolvido, os casamentos não acabavam se o amor terminava, no primeiro caso, e nem no segundo, porque aí, ou ele se desenvolvia, ou era também relegado a um segundo plano. Assim, quando o amor "acaba", após "Nove semanas e meia" de paixão, os casais se sentem traídos, tendendo a culpar seus pares - ou a si mesmos - pelo "fracasso", e não à cultura que lhes empurrou um modelo não muito compatível com a própria realidade.

Em pesquisa que realizamos acerca de atitudes e expectativas de sujeitos de classe média com relação ao casamento (Jablonski, 1991), os entrevistados exaltaram o amor como "o fator" importante para o sucesso de uma união - principalmente o grupo de solteiros/as. Para eles, parece vigorar a máxima de que "só o amor constrói", esquecendo-se que sem a devida manutenção, pontes, prédios e construções afetivas podem virar ruínas em espaço de tempo surpreendentemente curto. É nesse sentido que o amor pode ter-se tornado ao mesmo tempo fator de união e de desagregação do casamento atual. Afinal, manter uma relação, como é o casamento, com todas as suas implicações e complicações, baseada apenas numa concepção francamente "hollywoodiana" do que seja o amor, é como querer construir um castelo em cima de uma pedra... de gelo!

Finalmente, para encerrarmos estas considerações psicossociais relacionadas à crise do casamento, gostaríamos de comentar as questões da permanência eda longevidade.

Como já observara Aries (1978), a permanência não é um sentimento moderno. Vivemos sob a égide do descartável: copos, refeições, eletrodomésticos, carros, ritmos de vida e modismos vão e vem em sucessão. Essa mentalidade extrapola os limites das coisas materiais e invade domínios que não deveriam ser contaminados por esse espírito. Sob essa ótica, as coisas - todas - não têm conserto: ao primeiro sinal de "defeito", têm de ser trocadas. Se isto já é um problema se referindo ao domínio das coisas materiais, o que dizer quando esta percepção se estende às relações pessoais? O instante e a ruptura se impõem como a marca registrada de nosso tempo: passamos a viver uma "efêm-era". A promessa feita pelos nubentes diante do altar, de permanecerem juntos até que a morte os separe esbarra na pressão que as pessoas sofrem para gozar sempre "novas e arrebatadoras paixões", conhecer "novas e maravilhosas pessoas" ou viver "novas experiências sexuais". O elogio do jovem, do último lançamento e das mudanças, predomina: os astros da nova novela de TV jogam rapidamente no limbo os "velhos" semblantes da novela que mal acabou. Dentro deste clima social, a tradicional jura que os noivos fazem torna-se uma espécie de promessa eleitoral de um político que, ao se eleger, dificilmente conseguirá cumpri-las.

A própria longevidade é outro fator que concorre para a situação de crise. Quando nosso modelo de casamento foi criado, as pessoas viviam pouco. A expectativa de vida de um cidadão romano, no auge do Império, não chegava aos 40 anos. Em 1900, nas principais capitais da Europa, não chegava aos 50. "Até que a morte nos separe"era uma realidade à espreita ali na esquina. Como salientou Davis (1984), "à medida em que a probabilidade de se escapar de um mau casamento pela morte de um indesejável parceiro aproxima-se de zero, o desejo por um possível divórcio deve naturalmente aumentar". Nosso casamento foi criado, pois, em circunstâncias bem distintas das atuais. A longevidade, mesmo não sendo avaliada pelas pessoas com a devida relevância, afeta poderosamente a vida e as relações matrimoniais. Somando-se esta questão à anteriormente levantada, vêmonos outra vez pressionados por forças opostas, no que diz respeito à manutenção - ou não - de uma relação monogâmica e indissolúvel em tempos tão descartáveis e imediatistas.

A sociedade e suas instituições vão se adaptando continuamente às novas demandas criadas "naturalmente" (guerras, epidemias, avanços tecnológicos etc). Se a família deixou de ser uma unidade de produção conjunta para ser uma unidade de consumo, perdendo as funções que tinha de indústria, hospital, escola, asilo etc, para instituições criadas para esses fins, é natural que busque novas funções. Atualmente ela privilegia o lugar da afeição. A família viu reduzir-se significativamente uma de suas funções básicas - a econômica - que forçava as pessoas a se unirem para sobreviver, mas nem por isso parece estar cumprindo satisfatoriamente sua nova função, primordialmente sentimental, em parte, devido à chamada crise do casamento contemporâneo.

Evidentemente, há outros aspectos relevantes, que neste curto ensaio não pudemos abordar. Esperamos, no entanto, ter chamado a atenção para o fato de que boa parte da atual crise ancora-se na impossibilidade de se conviver com demandas tão antagônicas, impostas pela própria sociedade. Monogamia versus permissividade, permanência versus apelo ao novo, tradição versus novidade, vida em família versus incentivo à realização pessoal, culto à efemeridade das paixões versus estabilidade das relações.

Quanto ao futuro, vai depender dos valores que nossa sociedade pretenderá incentivar, com os custos e benefícios implícitos nas opções preferidas e preteridas. De qualquer forma, a história da família e do casamento, mesmo marcada por outras crises e períodos difíceis, evidencia que, com boa dose de flexibilidade e pragmatismo, os problemas, foram enfrentados e resolvidos. Não há por que acreditar que no futuro será muito diferente.

 

Referências Bibliográficas

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(1) Programa de Mestrado em Psicologia e Práticas Sócio-Culturais. Endereço para correspondência: Rua João Borges, 89 apto 102 Gávea 22451-100 - Rio de Janeiro / RJ