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Cadernos de psicanálise (Rio de Janeiro)

versão On-line ISSN 1413-6295

Cad. psicanal. vol.42 no.42 Rio de Jeneiro jan./jun. 2020

 

ARTIGOS

 

O medo e o tédio no confinamento1

 

Fear and boredom in confinement

 

 

Sophie de Mijolla-Mellor*

École Doctorale de Recherches en Psychanalyse et Psychopathologie da Université de Paris - França
Association Internationale des Interactions de la Psychanalyse - França

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo analisa como a realidade do confinamento devido à pandemia de COVID 19 veio, com o medo do contágio, a se justapor a um protesto insidioso contra a vida parecido com a depressão e cuja origem no sujeito é a impossibilidade de sair do círculo mágico, invisível e inabitável que o encerra e o afasta da vida que teria sonhado.

Palavras-chave: Pandemia, Confinamento, Medo, Tédio, Distração.


ABSTRACT

This article analyzes how the reality of confinement due to the pandemic of COVID 19 came, with the fear of contagion, to juxtapose itself with an insidious protest against life similar to that of depression and whose origin for the subject is the impossibility to leave the invisible and uninhabitable magic circle that encloses and distances him/her from the life he/she would have dreamed of.

Keywords: Pandemic, Confinement, Fear, Boredom, Distraction.


RÉSUMÉ

Cet article analyse comment la réalité du confinement dû à la pandémie de Covid-19 est venue, avec la peur de la contagion, se télescoper avec une protestation larvée contre la vie qui peut ressembler à de la dépression et dont l'origine pour le sujet est l'impossibilité de sortir du cercle magique invisible et invivable qui l'enserre et l'éloigne de la vie dont il aurait rêvé.

Mots-clés: Pandémie, Confinement, Peur, Ennui, Distraction.


 

 

Em março e abril de 2020 no decorrer da pandemia de Covid-19, o confinamento foi prescrito de um país a outro pelas mesmas razões sanitárias. Mas isso se deu de maneiras muito diferentes revelando dispositivos políticos e mentalidades nacionais fortemente divergentes. Limitar-me-ei ao que pude presenciar na França e mais precisamente em Paris.

Assim, ao slogan italiano «Io resto a casa» (Eu fico em casa) que soa como uma escolha individual responsável, ou ao slogan alemão «Wir bleiben zu Hause» (Nós ficamos em casa) mais coletivo e familiar, se contrapôs o slogan francês «Fique em casa». Ao aparecer no Jornal televisionado das 20 horas, simultaneamente à contagem crescente de doentes e mortos, podia ser percebido como uma injunção paradoxal, pois era enunciado com um dedo acusador apontado pelos próprios cuidadores de blusa branca2 de quem o ouvinte esperava segurança. Desde então, este último podia legitimamente se perguntar por um instante se tinha sido posto fora do campo dos cuidáveis por aqueles de quem ele teria esperado, ao contrário, um "Nós estamos aqui por vocês".

Ao passo que a gestão da crise foi feita de maneira satisfatória, a estratégia de comunicação foi desastrosa, aliando um discurso bélico que não tinha cabimento, com mensagens contraditórias, haja vista evidentes dissimulações à beira da mentira, em particular a respeito das máscaras tratadas [no início] como se fossem inúteis só porque os estoques estavam vazios.

A ordem do confinamento em si mesma apareceu brutalmente e de maneira pouco explícita, induzindo os indivíduos que tinham a sorte de ter uma residência a uma espécie de êxodo. Cada um tinha na memória as imagens dos imóveis de Wuhan cujo acesso à rua estava interditado e, ainda mais próximas, as imagens da Lombardia mostrando os suprimentos no fundo das casas.

O medo foi então duplo e paradoxal: medo da contaminação pelo vírus e medo do confinamento que deveria proteger contra isso. Nos dois casos, uma imagem: aquela do sufocamento até a morte.

Na realidade, as formas de sociabilidade no confinamento foram variáveis. Algumas não foram matéria de escolha e todas foram fortemente determinadas por condições sociais, obrigando a conviver entre muitos em um habitat urbano muito reduzido e, em outros lugares, a se organizar uma distribuição confortável do espaço em uma casa de campo. A injustiça quanto à divisão das riquezas certamente não era ignorada antes, mas apareceu com toda sua violência com esses acontecimentos, ao mesmo tempo em que profissões mal pagas e desvalorizadas revelaram a que ponto eram indispensáveis à sobrevivência da cidade.

 

A instalação no confinamento

Para além dessas diferenças de enquadre, mas em relação com elas, foram tomadas decisões de co-confinamento: as famílias bi ou monoparentais permaneceram com seus filhos quando eles viviam juntos ao passo que os solteiros, viúvos e separados descobriram no confinamento uma solidão que sua vida pregressa tornara invisível. Por vezes, os filhos adultos que já haviam rompido o casulo familiar aceitaram, entretanto, reintegrá-lo, num movimento regressivo, no final das contas, nem sempre bem vivido pelos protagonistas. Em alguns casos, casais foram formados assumindo a decisão ao menos provisória de viverem juntos, ainda que essa decisão não tivesse sido tomada anteriormente. Em outros casos, casais foram desfeitos em meio à violência...

Mas, após uma curta lua de mel de uma vida subtraída da obrigação "metrô-trabalho-cama", cada um, sozinho ou em grupo, viveu ou partilhou de sua parte um sentimento de asfixia ligado à clausura que foi no mínimo tão importante quanto o medo da doença.

Houve certamente algumas exceções ligadas ao fato de que a restrição dos contatos, para alguns, já era mais ou menos o modo de vida de antes da pandemia, seja por escolha individual, seja por conta de uma fobia social, seja por uma incapacidade ou uma doença. Aqueles que sofrem de angústia ao ter de encontrar o outro, de confrontar as exigências do trabalho, se acharam em vias de responder muitíssimo bem às ordens sanitárias, e o mesmo para aqueles cuja vida se desenrola antes de mais nada face-à-face consigo próprios.

Para todos os outros, foi necessário gerir seja a angústia ligada à rarefação das ocupações e sobretudo do espaço, seja uma sobrecarga de trabalho e de preocupação, na medida em que seria preciso se ocupar das crianças e, de modo global, da vida cotidiana. Pois o espaço confinado se revelou rapidamente tanto uma prisão quanto um casulo protetor, mostrando como a sensação de liberdade não é somente de ordem intelectual, mas também que consiste numa sensorialidade que depende do espaço e do movimento, assim como da troca entre o ar de fora e o de dentro característica da respiração.

Ser-nos-ia necessário tomar distância ao menos em fantasia? O gosto sempre aumentado pelas viagens, pelas férias que realizam o voto de "poder partir" acalentado durante todo o ano, os restaurantes, os bares onde se consome o que se pode achar em casa, tenderiam a dar prova disso. O gosto pelo fechamento não seria mais que a consequência do medo de se perder e, como Ulisses, de esquecer o caminho de regresso em meio a perigos e seduções diversas.

Entre a diástole maníaca e a sístole da recaída depressiva o ritmo se estabeleceu graças a esses pequenos acontecimentos, talvez mesmo esses pequenos conflitos do cotidiano que nos fazem "sair de nós mesmos" e, talvez, "perder a cabeça". Saímos, nos evadimos, depois retornamos...

É fato que os desgostos mantêm o tédio. Cada um considera a presença ou a possibilidade disso como o lote de uma existência obrigada a dar sua parte ao princípio da realidade, às exigências sociais, ao trabalho. O termo "distrações" diz suficientemente sobre qual fundo de monotonia se destacam essas poucas praias de cor mais viva. A inquietude começa enquanto as distrações mesmas não preenchem mais sua função e se tornam, por sua vez, entediantes.

É assim que Ferenczi (1919/1970) entende essa questão a propósito da "neurose dos domingos". A ausência da pressão de um lazer não planejado deixa livre acesso a esse desenvolvimento da angústia habitualmente jugulada nas tarefas cotidianas. O confinamento nos ensinou algo sobre esse tema?

Os problemas ligados às obrigações diárias se multiplicaram muito particularmente para aqueles que tiveram de lidar simultaneamente com o teletrabalho em domicílio, a guarda de crianças pequenas, normalmente postas em creche, o ensino aos maiores privados da escola, sem falar da acumulação de tarefas domésticas para aqueles que antes podiam se desencarregar disso.

Quanto às distrações, quando eram possíveis, puderam seduzir no começo com a fantasia de poder enfim ter tempo de ler, de escrever, de escutar música à vontade ou mesmo de tocar piano, de se embebedar de Netflix ou de assistir a pilha acumulada de DVD's ainda não retirados da embalagem... Mas, no final de algumas semanas, o desgosto se instalou como se as distrações, tornando-se forçosas, tivessem perdido o poder de desanuviar.

É preciso então buscar a razão do mal-estar em outro lugar para além da "distração" no sentido pascaliano e referi-la à natureza mesma do confinamento, ou seja, à prisão.

Tratava-se muito mais de uma prisão domiciliar, só ou acompanhado, do que de uma detenção. Mas, contudo, todos puderam experimentar às suas expensas a fórmula do mesmo Pascal (1670/2015), segundo o qual: "Todo o infortúnio dos homens vem de uma só coisa que é não saber permanecer em repouso num quarto".

Ora, o filósofo não tinha imaginado que os progressos da tecnologia permitiriam reconstituir no espaço limitado do quarto um universo de entretenimentos livres ou forçados que mudaria bem pouco a vida cotidiana. De onde vem então essa sensação de sufocamento tão mais angustiante que metaforizaria a ameaça mortal do ataque pelo vírus?

Tomamos frequentemente consciência do tédio através de sensações somáticas de ordem respiratória (impressão de asfixia progressiva) ou motora (formigamentos, sensação de peso, imobilidade paralisante). Essas experiências, muito próximas da angústia, informam o sujeito de uma modificação sobrevinda sub-repticiamente na relação entre seus investimentos e os objetos disponíveis de que podem ser suportes. A moção pulsional parece neutralizada e toda capacidade de demanda aniquilada, salvo a de uma mudança ligada à chegada milagrosa daquilo que restauraria a vida.

Uma cláusula particular acompanha esse estado de desinvestimento, ou seja, a obrigação que lhe é feita - em que o sujeito vem mais comumente a atribuir a responsabilidade a circunstâncias externas - de manter um status quo que dê continuidade à relação com o que não é mais, ou nunca foi, um objeto libidinal adequado.

Para os casais, o confinamento foi a fonte de um perigo real com o aumento de violências conjugais que se seguiram. O outro era suportável em doses limitadas e a vida com ele se duplicava eventualmente por uma outra vida com um/a amante secreto/a. A presença obrigatória do cônjuge, junto à dificuldade, até mesmo a impossibilidade, de se comunicar com o objeto amado, não tardou, em mais de um caso, a torná-lo odioso, ao passo que antes ele era aceito em um equilibro conjugal mais ou menos precário.

E é provável que, sem o confinamento, mais de um desses casais mal unidos poderia perdurar até esse outro externo se cansar e se afastar. A distância forçada, ao contrário, predispunha à idealização do ausente construída pela falta.

Pudemos ver no âmbito das famílias que escolheram se confinar com filhos adultos e, às vezes, com os cônjuges deles, que as mães que, em um primeiro tempo, ficaram especialmente encantadas de ver toda sua pequena família reunida como nos bons e velhos tempos, não demoravam a sentir decepções amargas. Seja porque o genro ou a nora eram claramente sobressalentes, seja porque o filho-adulto tinha adquirido hábitos de vida incompatíveis e formulava exigências julgadas sem cabimento ou, seja como for, inaceitáveis.

Felizmente, no fim de oito semanas as cartas tiveram de ser embaralhadas novamente e cada um se achou mais ou menos livre para sair do cerco e para reconfigurar momentânea ou longamente o statu quo ante3.

Acontece que essas situações não poderiam ser limitadas às circunstâncias que as impulsionaram, mas de que não são a causa. Elas nos abriram janelas interessantes sobre nós-mesmos e, mais precisamente, sobre os efeitos sobre nós-mesmos da relação proximal ao outro.

 

O tédio existencial

Para mais de um, a realidade do confinamento veio a se telescopar com uma disposição, frequentemente presente, em surdina, mas diretamente observável no neurótico. Compreendo nisso uma espécie de protesto latente contra a vida que pode parecer com a depressão e cuja origem para o sujeito é a impossibilidade de sair do círculo mágico, invisível e inabitável, que o encerra e afasta da vida que teria sonhado.

O tédio não abateu, portanto, todo o mundo no momento do confinamento, mas ele veio reativar em alguns uma disposição depressiva latente que podia passar desapercebida na vida normal.

É a fantasia de uma impossibilidade de mudança, ou o que é vivido como tal, que engendra o tédio, o desencorajamento e, às vezes, o desespero. A comparação nostálgica com o estado que, na lembrança, precedia o tédio ou a representação de um outro lugar, promessa de prazer, permite jogar com a imagem de uma mudança que é na realidade tanto temida quanto desejada.

Vimos isso com a suspensão do confinamento, às vezes vivida muito mais como uma ameaça do que como uma liberação, uma obrigação de reencontrar o barulho da vida e suas obrigações enquanto o mal-estar antes era atribuído à obrigação de permanecer em casa.

Em geral, aquele que se entedia se esforça para ignorar seu papel ativo numa experiência para a qual ele se apressa em encontrar causas ou mesmo responsáveis. Seu estado lhe aparece voluntariamente como o reflexo daquilo que lhe impõem, trate-se da cor do céu, da indiferença dos objetos ou até de seu próprio corpo, a que acede então, como corpo pesado, que secreta humores nocivos, com um estatuto de exterioridade. O corpo se torna a prisão que se fecha nos limites com os quais o sujeito se debate, constrangendo-o à imobilidade forçada da clausura e tornando-o surdo em relação aos seus desejos.

A medicina antiga forneceria estranhos vislumbres sobre a localização do tédio, conforme o tomamos, assim como a origem da palavra spleen4 nos convida aí, do lado do baço ou, então, por pouco que se faça disso um avatar da melancolia, do lado do fígado. Humores negros nos dois casos que, na visada hipocondríaca, reenviariam à angústia de um ataque interno e ao risco de destruição do corpo, contra os quais a ajuda médica seria requisitada com a demanda de ir lá ver, de abrir, de reparar e de tratar.

O tédio de tipo melancólico, ao contrário, afirmaria e reivindicaria essa destruição como um fato irreversível, o Eu tomando para sua conta o movimento de Thanatos, sem possibilidade de mantê-lo do lado de fora.

Encontraríamos alguma coisa parecida com essa oscilação entre a hipocondria e a melancolia na relação do tédio com objetos do mundo: seja porque no extremo projetivo o sujeito afirme que o tédio é uma emanação direta de outros que "o envenenam", seja porque reconheça mais ou menos que a maneira pela qual apreende o mundo não é estranha à gênese do que sente, seja enfim que ele afirme, dando todo seu sentido à forma pronominal do verbo "entediar-se", que aquele que lhe é odioso (inodiosus, quer dizer entediante) não é ninguém a não ser ele mesmo. Ferida e faca, vítima e carrasco se confundem então à maneira do Heautontimoroumenos5 baudeleriano.

 

O excesso de proximidade

Hoje, o "desconfinamento", em seu aspecto positivo, é marcado pelo sentimento de liberdade de poder agir e se deslocar sem o enquadre de prescrições. Isso dá lugar à alegria dos reencontros com os que tinham sido postos à distância por um temor de contágio. Nunca as reuniões de família, as festas de amigos, os jantares frente à frente pareceram tão necessários ao cotidiano da vida.

Podemos compreender isso nos que se acharam integralmente a sós, à parte as comunicações eletrônicas diversas; mas, de fato, quase todo mundo viveu esse retorno à sociabilidade como uma liberação. Esta não é menos parcial por isso, como o lembra a obrigação de "distanciamento social", termo ainda muito mal escolhido e apto a causar polêmica pois se trata, de fato, de uma distância física e não social. Ela é, ademais, impossível de se realizar, exceto no espaço público, mas ao deixar as pessoas saírem de suas casas, a possibilidade do encontro aleatório ou planejado foi enfim restituída. E é bem isso que conta, pois a proximidade obrigatória e que não é mais objeto de uma escolha livre, rapidamente se torna uma prisão.

O confinamento nos teria dado a entender o quão - já que a queixa de solidão parece relativamente banal - reciprocamente, a angústia do excesso de proximidade é potente ao ponto de poder tomar a forma de uma verdadeira fobia do outro.

Jean-Paul Sartre (1944/1972), em Huis Clos, desenvolve o quanto ser encarado pelo outro pode se tornar uma tortura, tanto que, como descobre Inês: "O carrasco é cada um de nós para os outros dois" (p. 42). Isto só é possível na medida em que o confinamento não permite escapar à presença do outro, mas compõe de fato uma análise mais profunda sobre o estatuto da presença do outro. Com o olhar, organizamos o mundo em torno de nós, o identificamos como próximo ou distante, atraente ou repulsivo, útil ou perigoso.

Ser pego no olhar do outro também opera uma revolução, pois na medida em que ele é dotado do mesmo poder, nós entramos em seu mundo a título de um objeto entre outros. Jean-Paul Sartre (1943/2016) nota que "não é nunca quando os olhos nos observam que podemos acha-los belos ou feios, que podemos notar sua cor" (p. 316), porque esse olhar nos remete a nós mesmos, e é o que mais corresponde à imagem daquilo que pensamos dar de nós mesmos ao outro.

A construção filosófica que o autor propõe a respeito do olhar é esclarecedora, notadamente, para a vivência persecutória do paranoico (MIJOLLA-MELLOR, 2007). Ser olhado pelo outro, é essencialmente ser congelado, estar alienado no que se dá a ver de si enquanto nós mesmos não sabemos o que o outro vê e reclamamos a liberdade de não ser reduzidos a essa aparência. Independentemente da qualidade positiva ou negativa de sua apreciação, o olhar do outro nos faz perder o domínio da situação. Eu organizava o mundo em torno de mim e eis aí que um outro faz o mesmo e eu sou reduzido à condição de um objeto de seu mundo.

Destacamos o aumento das violências conjugais no decorrer do confinamento e me parece que não é preciso ver aí outra razão além do que as que Sartre (1944/1972) destaca e exacerba em Huis Clos. A copresença forçada situa o outro numa posição de perseguidor potencial já que tira o sujeito de si mesmo, para fora de seus limites. Mas quais são esses limites e como são construídos?

 

A boa distância ao outro

Evocarei brevemente o que Winnicott (2018) nos ensinou sobre a «boa distância» do outro.

O estado de narcisismo primário do recém-nascido não lhe permite discernir sua mãe como distinta de si, pois ela é percebida como um prolongamento dele mesmo. Uma mãe "suficientemente boa", oferecendo bons cuidados ao seu bebê, permite-lhe viver na "ilusão de onipotência".

Esse estado primitivo em que realidade interna e realidade externa não são claramente distintas funda um espaço em torno do bebê que não é nem a realidade, nem sua representação interna, mas um pouco de ambas. Nesse estágio, o bebê só pode aceitar os objetos que ele cria, ou seja, que correspondem às suas necessidades. Também mesmo os outros introduzem nele um curso de constituição porque o objeto e a zona corporal que ele percebe estão confundidos, como demonstrou Piera Aulagnier. O bebê é, pois, inteiramente dependente da mãe ou da pessoa que a substitui para suas necessidades, mas também para ter o sentimento de existir.

A questão é, então, a descoberta do "não-eu", ou seja, o reconhecimento da exterioridade e da independência do objeto complementar. Isso se faz graças à criação de um estado intermediário que Winnicott (1958/2018) nomeia "ilusão" ou "área transicional" onde o bebê faz a experiência ativa que consiste em manter simultaneamente separadas e, entretanto, ligadas uma à outra, a realidade interior e a realidade exterior.

A criança só pode receber o objeto porque ela criou a imagem disso e é ao encontro da imagem que vem o objeto real. O termo ilusório deve ser entendido não no sentido de um erro, mas de uma criação eventualmente partilhável que não existe diretamente como tal na realidade.

Minha hipótese é que o confinamento cobrou os indivíduos, ao menos dos que estavam sós ou que podiam se isolar, que recriassem esta zona intermediária entre ele e o mundo exterior. Em tempos normais, o adulto se afasta disso na sua vida cotidiana por conta de suas interações constantes com os outros, de suas obrigações diversas e, mais geralmente, do barulho do mundo externo e suas solicitações. Os que souberam recriar essa zona intermediária puderam utilizar a inatividade forçada do confinamento para se dedicar a escrever ou a ler e para partilhar esta experiência com os outros.

As ligações eletrônicas e telefônicas que não foram rompidas não se limitavam à troca de novidades sobre a saúde ou comentários sobre as informações sanitárias difundidas diariamente. Uma zona transicional assim se constituiu entre os indivíduos que, às vezes, não tinham mais muito contato no cotidiano, mas que interagiam às vezes durante horas, criando uma troca fora da realidade ou, antes, reconstituindo, pelo fato da ausência relativa da realidade, o que Winnicott (1958/2018) chama de "área neutra da experiência que não será contestada" (p. 23).

O afastamento físico permitia, com efeito, essa copresença do eu e do outro não na reciprocidade, tal como esperada numa relação real, mas na partilha de alguma coisa que não pertencia a nem um nem outro. Mas isso não foi a regra e o distanciamento físico, maximizado pelo medo do contágio pelo outro, pôde revelar intensas angústias de abandono.

Todo sujeito aprendeu, com efeito, que o outro privilegiado pode se achar subitamente faltante à medida que ocupara por todo um tempo o lugar fusional que corresponde ao da mãe dos primórdios da vida. Quando o único interlocutor é a imagem interna dolorosamente investida de um outro desaparecido, isso não permite que outros personagens possam entrar e, como dizia um analisante: "Quando o cômodo está vazio, faz mais eco".

O confinamento, nesse caso, tornava muito difícil essa criação de um espaço transicional compartilhável e, ao contrário, desvelava o risco depressivo escondido por trás da atividade e, frequentemente, da hiperatividade. O afeto maior que despontava, então, era o tédio, que não podia mascarar os esforços para recriar artificialmente obrigações cotidianas. Então, o que faltava?

 

A falta do outro

A frustração do contato imposta pelo confinamento reavivou a angústia de repetir a experiência infantil, banal para a criança, de uma presença amada cujo interesse, mobilizado por um outro lugar que ela ignora, a abandonou.

Qual origem comum encontrar-se-ia nessa dupla experiência tão frequente experimentada por uma criança: aquela de entediar o adulto que ela deseja cativar e que bruscamente a lembra da realidade enigmática de seus desejos ao aconselhá-la de ir brincar mais longe e aquela de se entediar ela mesma ou, mais precisamente, de se entediar do [objeto] amado?

A falta do objeto machuca e julga. Não ter conseguido manter o objeto arrisca ter de confessar a si mesmo que se é entediante. Reciprocamente, falar ao outro de seu próprio tédio implica desafiá-lo a se mostrar um pouco mais fascinante. A saída estratégica consiste então em se dizer vítima do tédio a fim de evitar que o outro constate isso primeiro.

De fato, o tédio ocasional funciona sempre como um "sinal de tédio", no sentido em que Freud (1926/2014) fala de um "sinal de angústia", ou seja, simultaneamente como dispositivo que indica ao eu que ele corre o risco de transbordar por conta de uma situação que não controlaria mais e como breve lembrança de alguma coisa que já experimentou no passado. Trata-se sempre, me parece, da lembrança dos limites indevidamente impostos ao Eu e é por isso que a evocação do tédio é tão frequentemente ligada à clausura.

Freud (1893-5/2002) mostrou, a partir do estudo da histeria, que a raiva procede da ativação de traços mnésicos ligados a uma humilhação passivamente sofrida e não ab-reagida. Poderíamos conjuntamente ver no tédio um tipo de raiva cuja origem se situaria em toda primeira infância.

Eu a nomearei « raiva narcísica dos limites », vendo aí o resultado do descompasso entre a antecipação de um prazer que os processos primários representam como imediatos e a incapacidade de chegar lá, redobrada pela inaptidão para esperar, ou seja, para levar em conta o tempo da elaboração. Essa experiência é própria da infância, perdura na impaciência do adulto e constitui o fundamento do tédio, sob a forma negativa da denegação.

A observação do bebê que explode em pranto porque não consegue pegar um objeto ou ficar em pé sobre as próprias pernas leva o adulto a imaginar, de maneira particularmente impactante, esses limites que, antes de tudo, são os da maturação fisiológica que a solicitude do meio se esforça por compensar. A educação, na sequência, consistirá exatamente em ensinar à criança como elaborar essa frustração e lhe oferecer substitutos ou derivativos, na falta do que todo limite corre o risco de ser vivido como uma perseguição.

O tédio me parece se aparentar com um lembrete dessa "raiva narcísica primária". Às vezes não deixa outras saídas ao sujeito a não ser a erotização masoquista ou a neutralização no fechamento apático, ambas ligadas ao jogo com o vazio.

 

O encontro com o vazio

O tempo do tédio se aparenta a uma forma de presente que se daria ao ritmo da atemporalidade, ou seja, de um tempo sem início nem fim. Ora, o que se vive como sofrimento, aquele dos condenados, oferece simultaneamente a garantia de que o sujeito - ao não padecer do trabalho de elaboração, logo de distorção e de degradação de toda existência - na mesma tacada, tem de conferir a si mesmo uma forma de imortalidade.

Não obstante, essa experiência está bem longe de algum triunfo sobre a morte. O tempo do tédio é espesso, sufocante e incontrolável. Não se pode fazer nada disso a não ser "fazer passar", ou mesmo matá-lo, o que parece totalmente em vão pois ele já se dá como morto.

Baudelaire (1869/2017) escreve em Spleen6: "De agora em diante, oh matéria viva, tu não és mais que um granito envolto por uma onda pavorosa".

A reificação do presente, retirando-lhe sua precariedade, nega sua possibilidade de renovação.

No tédio, a repetição não é cíclica; ela se assimilaria mais a uma gagueira ou à lamúria de um disco riscado. Encontraríamos uma sensação análoga em certos sonhos de inibição que não representam uma imobilidade pura e simples, mas uma corrida inútil em direção a um objeto que não cessa de se furtar. A atemporalidade do tédio, ou seja, a fantasia de que o tempo poderia resistir ao seu curso natural, parece uma espécie de desaceleração do instante. A temporalidade não é ignorada, mas desviada por um alongamento infinito sobre o mesmo lugar.

Essa particularidade me parece ligada ao que Freud postulou como o quinto exemplo de aberração da consciência do tempo, ligada à sua ausência no inconsciente, ou seja, a tendência dos neuróticos a ignorar o hiato entre as gerações. A experiência de afastamento, impossível de reabsorver ou abolir entre a criança e seus objetos de amor edipianos, constitui uma prova pertinente para engendrar o que evoquei acima como "raiva narcísica dos limites". A lembrança dessa humilhação aparece frequentemente deslocada sobre cenas em que figuram irmãos e irmãs mais velhos, às vezes aliados às vezes inimigos, reenviando a criança à sua pequenez. Esta última pode se consolar parcialmente com toda elaboração fantasmática do sofrimento de ser relegada e tida por negligenciável e a saída pela brincadeira que se resume mais ou menos na ficção: "Dizem que Eu serei grande..." Mas a realidade da espera não é portanto resolvida, e assim como Aquiles jamais alcançará a tartaruga, a criança terá alcançado a idade que queria atingir no momento em que a figura parental amada a terá deixado.

O tédio aparece como uma manifestação do conflito entre a inelutável lacuna temporal e o imediatismo que representa a lei de funcionamento dos processos primários sob a égide do princípio do prazer. Ele está em parte ligado à impaciência na medida em que esta renuncia a se realizar em ato, relação admiravelmente encenada no conto de Alphonse Daudet (1866/2005):La chèvre du Messier Seguin [A cabra do Senhor Seguin].

Lembremos que esta cabra tinha sido escolhida jovem o suficiente para se habituar desde o princípio ao universo limitado do cercado, a fim de não arriscar seguir o caminho das predecessoras que tinham fugido para a montanha porque se entediavam. Tudo começa em um dia, após longo período de bonança, quando a cabra olha a montanha e reflete que amaria pastar ali em liberdade, desejo que comunica ao Senhor Seguin, após uma breve fase depressiva. Este se empenha em encontrar soluções: uma corda um pouco mais longa, um outro cercado de capim, etc. Mas o tédio se tornou impaciência. Foragida, apesar das precauções do seu guardião, ela descobre uma euforia acompanhada da reflexão retroativa: "Como lá era pequeno! Como pude aguentar ali dentro?", ao que o narrador pontua: "Pobrezinha! De se ver empostada tão alto, ela se achava pelo menos tão grande quanto o mundo...".

O confinamento ao qual é constrangida a criança que se entedia, reforça o travamento das pulsões: ela sonhava em escapar, porém não somente não escapará, mas porventura esquecerá até a lembrança de ter desejado isso. A limitação imposta pela irredutibilidade da distância temporal não parece ter podido constituir um espaço de elaboração para os candidatos ao tédio.

O tédio assinala a dependência em face ao processo primário pelo fato mesmo de que todo tipo de desvio rumo à realização é sinônimo de sofrimento, tão viva permanece a ilusão de que seria possível pular o espaço intermediário.

O sujeito se acha então jogado entre os dois extremos do Tudo ou Nada: a negação da lacuna e a reivindicação de uma possibilidade de satisfação imediata ou, então, o choque contra a massa temporal irredutível, inquebrantável, inutilizável, que só pode remeter o sujeito ao sentimento depressivo de uma impotência definitiva, ao desespero de jamais poder crescer. A realidade do envelhecimento não trará nesse caso nenhuma contradição na medida em que o tempo ainda se impõe aí e escapa à toda possibilidade, senão de controle, ao menos de uso.

Daí a reação de ódio - que me parece aquela do sujeito entediado - é, de maneira paradoxal, um ódio do tempo. Sentimento persecutório a respeito do tempo que não está longe de um delírio, já que pressupõe uma tal inversão da ordem causal, que não é o tempo que vai matar o sujeito, esgotando a duração da vida que lhe foi dada, mas o sujeito, instalado em uma posição megalomaníaca de uma duração infinita, que, ao contrário, se empenhará em matar o tempo tornado persecutório.

O tédio sofre da ausência da passagem do tempo, mas em decorrência disso os objetos ficam preservados do desgaste. Essa vantagem se paga em troca do inconveniente de retirar o valor que lhe traz o quantum de investimento acumulado na espera.

Se fosse preciso fazer o tédio entrar no quadro de uma nosografia, é certamente como transtorno da relação com o tempo que esse sofrimento acerca da duração longa demais teria seu lugar, quando [a duração] não é mais apreendida como a espera de um objeto, mas como uma massa homogênea que apenas desemboca sobre si-mesma.

Nulos e eternos, tais são os objetos do tédio. E, as metáforas arqueológicas caras a Freud (1929/2010) convêm tão bem às representações enterradas no inconsciente como à negação do desejo típica ao tédio. Pois a vida mata, descolore os afrescos, como mostrou Fellini em uma sequência impressionante de seu filme Roma, e somente a morte está apta a conservar as coisas nesse estado. Ademais, trata-se de uma morte em particular, de um embalsamamento, tal como conhece o melancólico, que abriga um objeto interiorizado fora do desgaste do tempo, em um psiquismo que se esforça por estar morto até o momento em que encontra o real da morte. O entediado seria mais histérico, conseguindo se fingir de morto para não ter de entrar no processo de vir a ser.

 

O ressurgimento da depressão

Oito semanas de confinamento terão permitido a alguns, que normalmente não sofrem com isso, experimentar esse vazio que constitui o tédio, o qual dissemos que pode surgir tanto do excesso quanto da falta de ocupação.

O limite parcial, objetivo, veio provocar o sentimento de vacuidade que está ligado à descoberta da fugacidade daquilo que parecia sólido.

Para outros, essa vivência sustentará uma busca indefinida para identificar o fenômeno e gozar disso à vontade, ao modo como se cutuca uma zona dolorosa. Tal manipulação autoerótica do tédio, o mais frequentemente junto a um discurso abstrato, evoca o gosto dos adolescentes pelo sentimento de absurdo e seu jogo com o vazio.

A perda dos ideais fiadores da verdade que asseguravam um outro lugar de evidência à realidade não é de fato estrangeira ao que se vive então. A alegação de ter descoberto que apenas o instante presente tem um sentido, que não tem nem passado nem futuro, a complacência com o fracasso em reter sua evanescência, fazem do tédio o humor privilegiado desse tipo de experiência. Como nos filmes de Jean-Luc Godard, a desarticulação substitui a profundidade e a vida se torna citação ou olhadela cultural para negar que possa existir um outro lugar além do sujeito em seus contornos megalomaníacos. O viés da aparência se dobra ao desafio endereçado ao outro de poder forjar a fantasia ausente e o tédio se torna contagioso.

A literatura romântica e o dandismo exploraram largamente essa veia, mas é de um outro estilo literário que tomarei exemplos para ilustrar duas possibilidades subjetivas de negociar sua relação com o sentimento de vazio. No primeiro caso, evocado pelo romance O tédio de Alberto Moravia (1960/1998), o sujeito fica dolorosamente fascinado diante da sua própria visão de um mundo descolorido. No sentido inverso, o Oblomov de Gontcharov (1859/2007) faz do vazio progressivo que o invade a única coisa que vale a pena de ser vivida, enquanto o tédio projetado no exterior é identificado com todo tipo de ação ou de investimento.

Dinho, o herói de O tédio, virou mestre na arte da observação dele mesmo ou, mais precisamente, naquela de sua relação com os objetos. O tédio lhe aparece, diz ele, "como uma espécie de insuficiência, de desproporção ou de ausência de realidade". É no momento em que isso não chega mais a se impor nem, portanto, a persuadi-lo da efetividade de sua própria existência, que ele se entedia.

Vítima, pensa ele, de sua falta de preocupações, a ausência de resistência oposta pela realidade lhe permite brincar com a ideia de que ela talvez não exista mais. Mas isso já é o resultado de uma tentativa de controle secundário em relação a uma experiência anterior, vivida como desapropriação, cujo caráter repentino, Moravia (1960/1998) percebe. Dinho compara o tédio a uma interrupção frequente e misteriosa da corrente elétrica que mergulharia tudo na sombra ou a um murchar que não seria o efeito de um desgaste progressivo, mas corresponderia a uma súbita baixa de vitalidade.

Sensação de uma extinção brutal do interesse pelas coisas, brusca detumescência que deixa o sujeito ignorante tanto da origem dessa modificação quanto das razões iniciais que o tinham levado a desejar a situação e os objetos que lhe parecem agora vazios e absurdos.

Pois, muito mais que sua atual falta de interesse, o que o sujeito se surpreende é de ter podido investir nesta mesma realidade no instante anterior. Ela lhe parece estrangeira, e mesmo vagamente obscena, se pretende tentar continuar a se impor. Uma tal experiência não pode nascer de modo verossímil sem a representação latente de um outro lugar que esvazia a situação vivida hic et nunc de todo conteúdo subjetivo. O sujeito pode então se esforçar em afirmar que ele não está em seu verdadeiro lugar, que absurdamente o mantemos prisioneiro contra sua vontade em um universo de mediocridade. Fantasias que estão no fundo de todo bovarismo e que remontam a uma exaltação megalomaníaca de um Eu vítima de um destino que não estava à sua altura; ponto onde reencontraremos a "raiva narcísica dos limites", precedentemente evocada.

A «Oblomovstchina» - neologismo derivado do nome do herói do romance de Gontcharov (1859/2007) - apresenta uma face de aparência muito diferente do tédio. O sujeito alega não sofrer disso, mas ser perpetuamente ameaçado pelo exterior, o que mostram bastante bem os diversos diálogos que Oblomov, cautelosamente retraído no fundo da sua cama, em um quarto recoberto de objetos poeirentos, entretém com "os de fora".

Essa experiência de vacuidade não é muito diferente daquela feita pelo herói de Moravia (1960/1998), mas a maneira de negociá-la é inteiramente outra. Dinho queria encontrar uma espessura nas coisas enquanto Oblomov teme ser apanhado na sua zona de conforto e de ali perder a vida: "Toda essa agitação - escreve Gontcharov (1859/2007, p. 74) - inspirava em Oblomov uma espécie de pavor, um tédio sem fim".

"Eu quero viver, eu quero viver", repetia ele (ibid.). Daí seu confinamento fóbico em uma autoproteção que não lhe deixa nem mesmo à distância essa curiosidade que a leitura representa, chegando até a suspeitar que aqueles que escrevem o fazem precisamente por tédio, mal que poderia atingi-lo se ele se deixasse levar a emprestar algum interesse às suas produções.

Oblomov a princípio sonhara com uma vida ativa, mesmo mundana, mas sem ultrapassar o limiar do sonho por temor do tédio. Essa aparente reversão da situação, pois era bem sua inatividade e sua lenta decadência que pareciam infiltradas de tédio, parece tributária de uma angústia de não poder mais encontrar em seus contatos com o exterior e em sua própria atividade, com o que confortar sua imagem narcísica, mas ao contrário de ali se sentir ameaçado. Espelho sem reflexo, garantia contra o perigo de intrusão do mundo nos limites de um Eu que deve se agarrar, cada vez mais crispado às suas fronteiras, a psique de Oblomov quer-se vazia. Nisso é semelhante àquela dos sujeitos para quem qualquer saída fora do terreno definido por suas obrigações e hábitos diários representa um gasto de energia considerável, mesmo quando se trata de atividades absolutamente insignificantes.

 

Conclusão

Escapar à sorte de Dinho ou à de Oblomov constitui um voto comum que transforma a ocupação excessiva em um seguro contra a descoberta do vazio. Isso, por outro lado, apenas é verdade em parte e é difícil de especificar o tédio a partir de suas manifestações, pois ele só pode aparecer através de mecanismos de defesa criados para dele se proteger. Assim, tal brilho especial em sociedade, uma superexcitação vazia, indica o tédio latente com tanta certeza quanto a retirada apática contra a qual elas lutam.

Mas como brilhar em sociedade quando se está confinado? Para muitos, a busca de contato no curso do confinamento tomou a forma da troca cotidiana de desenhos humorísticos.

Nada de surpreendente, pois cansamos rápido de pedir novidades quando nada de novo se passa além da reiteração da véspera. Isto, por outro lado, é verdadeiro o tempo todo, mas toma uma acuidade diferente em tempos de confinamento. É então que descobrimos que o que dava prazer na troca livre entre amigos e colegas, o "espírito leve" como chamava Freud, o riso provocado pela espirituosidade e, às vezes, pela zombaria um pouco corrosiva, pôde perfeitamente perdurar graças às trocas eletrônicas.

Pois o confinamento também nos ensinou coisas sobre nós mesmos e sobre nossos próximos, sobre a importância de permanecer em contato com eles e, às vezes também, sobre nossas crianças que, vivendo no cotidiano conosco, tiveram de aprender a se dobrar diante da presença de seus pais e aos limites educativos que eles bem eram obrigados a impor para sobreviver. Não terminamos provavelmente de medir os impactos sociais, positivos e negativos, dessa experiência compartilhada em que brutalmente o que era adquirido e evidente, deixou de sê-lo.

 

 

Referências

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Artigo recebido em: 10/06/2020
Aprovado para publicação em: 06/07/2020

Endereço para correspondência
Sophie de Mijolla-Mellor
E-mail: s.mijollamellor@gmail.com

 

 

*Professora Emérita da École Doctorale de Recherches en Psychanalyse et Psychopathologie da Université de Paris. Presidente da Association Internationale des Interactions de la Psychanalyse. Editora do periódico Topique. Paris, França.
1Tradução de Marília Etienne Arreguy, psicanalista, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), especialista em tradução de língua francesa pelo Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense (UFF).
2Nota da Tradutora: Mantivemos a expressão mais literal, como no original - soignants en blouse blanche - para guardar a imagem suscitada, embora se trate evidentemente da "equipe de saúde".
3N. da T.: O estado anterior. Em latim no original.
4N. da T.: Baço. Em inglês no original.
5N. da T.: O poema - O Heautontimoroumenos - faz alusão ao "homem que tortura a si próprio". Ver: BAUDELAIRE, Charles (1857). As flores do mal [Les fleurs du mal]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2018, p. 307.
6N. da T.: Traduzido livremente do original.

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