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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975

Psicol. educ.  no.29 São Paulo dez. 2009

 

Autorregulação da aprendizagem na perspectiva da teoria sociocognitiva: introduzindo modelos de investigação e intervenção

 

Self-regulation learning from the perspective of social-cognitive theory: introducing investigation and intervention models

 

El aprendizaje autorregulado en la perspectiva de la teoría socio-cognitiva: la introducción de modelos de investigación y de intervención

 

 

Soely Aparecida Jorge PolydoroI; Roberta Gurgel AzziII

IFaculdade de Educação da Universidade Estadual Paulista - Unicamp. E-mail: polydoro@sigmanet.com.br
IIFaculdade de Educação da Universidade Estadual Paulista - Unicamp. E-mail: betazzi@uol.com.br

 

 


RESUMO

O objetivo deste artigo é apresentar e discutir a aprendizagem autorregulada como tema de investigação e na prática educativa. Tomando-se como referência a contextualização da teoria social cognitiva e do constructo de autorregulação nela integrante, este artigo apresenta o desenvolvimento desta área de pesquisa; modelos de aprendizagem autorregulada de Barry Zimmerman, Paul R. Pintrich e Pedro Sales do Rosário; propostas de intervenções no contexto educacional; e considerações sobre futuras investigações.

Palavras-chave: aprendizagem autorregulada; teoria social cognitiva; autorregulação; estratégia de aprendizagem.


ABSTRACT

The objective of this article is to present and discuss self-regulated learning as a theme to be investigated as well as an educational practice. Referring to cognitive social theory and to the self-regulation construct embedded in it, this article portrays the development of this research field, models of self-regulated learning of Barry Zimmerman, Paul R. Pintrich and Pedro Sales Rosário, educational intervention proposals and considerations on future investigations.

Keywords: self-regulated learning; social-cognitive theory; self-regulation; Learning strategies.


RESUMEN

El objetivo de este trabajo es presentar y discutir el aprendizaje autorregulado como un tema de investigación y en la práctica educativa. Tomando como referencia el contexto de la teoría cognitiva social y la construcción de la autorregulación, este artículo presenta el desarrollo de esta área de investigación; modelos de aprendizaje autorregulado de Barry Zimmerman, Paul R. Pintrich y Pedro Sales do Rosário; propuestas de intervenciones en el contexto educativo; y consideraciones sobre futuras investigaciones.

Palabras clave: aprendizaje autorregulado; psicología social cognitiva; autorregulación; estrategias de aprendizaje.


 

 

O tema da autorregulação vem sendo investigado por diversas abordagens da psicologia. Tal diversidade está apontada por diferentes autores, como pode ser visto na publicação organizada por Boekaerts, Pintrich e Zeidner (2000) e na literatura brasileira, por exemplo, em Boruchovich (2004). Em relação ao campo da educação, Schunk e Zimmerman (2008) oferecem um importante referencial para as nuances teóricas envolvidas no aspecto motivacional da aprendizagem autorregulada.

Na teoria social cognitiva, Bandura tem trabalhado o constructo da autorregulação ao longo de sua trajetória investigativa, sendo um dos processos bem marcados no livro Social foundations of thought and action: A social cognitive theory, de 1986. A autorregulação é um processo consciente e voluntário de governo, pelo qual possibilita a gerência dos próprios comportamentos, pensamentos e sentimentos, ciclicamente voltados e adaptados para obtenção de metas pessoais e guiados por padrões gerais de conduta (BANDURA, 1991; POLYDORO & AZZI, 2008; ZIMMERMAN, 2000). Trata-se de um fenômeno multifacetado que opera por meio de processos cognitivos subsidiários, incluindo automonitoramento, julgamentos autoavaliativos e autorreações (BANDURA, 1991).

Polydoro e Azzi (2008), em texto introdutório sobre autorregulação na perspectiva sociocognitiva destacam o relevante papel da autorregulação no exercício da agência humana - capacidade do homem de intervir intencionalmente em seu ambiente, isto é, as pessoas não apenas reagem ao ambiente externo, mas possuem a capacidade de refletir sobre ele, antecipar cognitivamente cenários construídos por ações e seus efeitos, de forma a vislumbrar e escolher cursos de ação que julgarem mais convenientes ou necessários (BANDURA, 2001, 2005, 2008). Apresentam, também, a formulação do processo de autorregulação, como descrito por Bandura e seus subprocessos de auto-observação, julgamento e autorreação. Na Figura 1, pode ser observado um esquema sobre o sistema de autorregulação proposto pelo autor.

 

 

As três subfunções que compõem o processo de autorregulação devem ser ativadas de forma integrada e atuam em interação com o ambiente na determinação do comportamento (BANDURA, 1986, 1991; POLYDORO & AZZI, 2008). A auto-observação permite ao indivíduo identificar seu próprio comportamento, o que deve ocorrer na amplitude das várias dimensões do desempenho: qualidade, quantidade, originalidade, sociabilidade, moralidade e desvio. E permite, também, perceber as condições pelas quais ele ocorre e os seus efeitos. Por isso, essa subfunção tem que ser precisa, consistente, temporalmente próxima, reguladora e informativa. Tais informações, ações e escolhas são, na subfunção processo de julgamento, avaliadas considerando o próprio comportamento, as circunstâncias em que ocorre, o valor atribuído à atividade, os padrões pessoais de referência e as normas sociais. Após o monitoramento e reflexão, a subfunção autorreação representa a mudança autodirigida no curso da ação com base em consequências autoadministradas. Esta terceira subfunção retroalimenta o processo, iniciando um novo fluxo de auto-observação, processo de julgamento e autorreação.

Zimmerman (2000, 2002) refere que o desenvolvimento da autorregulação ocorre de maneira gradual em um contínuo entre a maior dependência de apoio social que passa a ser sistematicamente reduzido, incluindo quatro níveis: observação, emulação, autocontrole e autorregulação. Além desta característica desenvolvimental, como evidenciado pela teoria social cognitiva, a autorregulação não é um processo isolado, além de envolver condições ambientais facilitadoras, associa-se também ao julgamento pessoal de capacidade, uso de estratégias cognitivas e metacognitivas e de autorreforçamento (POLYDORO & AZZI, 2008). Dentre estas relações, vale destacar a reciprocidade que estabelece com a crença de autoeficácia1.

De forma sintética, a autoeficácia interfere na autorregulação porque está associada à antecipação, seleção e preparação para a ação. As crenças de autoeficácia influenciam quais padrões de autorregulação serão adotados pela pessoa, o tipo de escolhas diante das decisões necessárias e o nível de esforço a ser investido em determinada meta (BANDURA, CAPRARA, BARBARANELLI & PASTORELLI, 2003). E, de modo recíproco, a autorregulação influencia a crença de autoeficácia ao fornecer informações sobre o desempenho, esforço e tempo despendido na realização da atividade, participando de sua construção (ZIMMERMAN & CLEARY, 2006).

Dado o importante papel da autoeficácia na autorregulação eficaz da aprendizagem, Schunk e Ertmer (2000) procuraram analisar diferentes estudos que investigavam esta relação. Em todas as pesquisas, os resultados foram positivos em termos da reciprocidade entre autoeficácia e autorregulação. Desta forma, os autores também sugerem que os programas de promoção da aprendizagem devem contemplar ambos os constructos, incluindo: experiências diretas, exposição a modelos de sucesso, instrução, oferecimento de feedback positivo e disponibilidade de oportunidades para construção e avaliação de estratégias.

À medida que se torna necessário propiciar ao aluno maior autonomia e responsabilidade no seu processo aprendizagem faz-se importante promover essas subfunções do processo autorregulatório no contexto educativo. Para Zimmerman e Barry (1997), os estudantes que tiverem a oportunidade de serem submetidos à promoção para autorregular sua aprendizagem estarão mais aptos a assumir responsabilidade pela sua ascensão acadêmica. Para Rosário (2004b), os processos autorregulatórios são imprescindíveis para oferecer ao aluno competências mais duradouras.

O processo de autorregulação apresentado por Bandura, por descrever o processo autorregulatório em si, é a base estruturadora de diversos modelos de investigação e de intervenção desenvolvido pelos pesquisadores da teoria social cognitiva. A seguir, será focalizada sua repercussão no campo educacional, por meio da análise de modelos voltados à autorregulação da aprendizagem no contexto acadêmico.

 

Autorregulação da aprendizagem: modelos de investigação e de intervenção

Pesquisas sobre processos autorregulatórios a partir da perspectiva da teoria social cognitiva têm sido conduzidas em diferentes direções de articulação conceitual, como: estabelecimento de objetivos, percepções de autoeficácia, autoinstruções, autorreforçamento (Zimmerman, 1989). Nos últimos tempos, nota-se um intenso avanço no desenvolvimento do conhecimento internacional a respeito da autorregulação no domínio acadêmico, em termos da teoria, da pesquisa ou da aplicação educacional (SCHUNK e ZIMMERMAN, 1998). A aprendizagem autorregulada é tema que tem gerado muitas investigações cujos resultados têm demonstrado que processos essenciais, tais como formulação de metas, autossupervisão, uso de estratégias, autoavaliação e autorreações desempenham um papel importante no êxito acadêmico dos estudantes (ZIMMERMAN, KITSANTAS, CAMPILLO, 2005). Tais resultados orientam o desenvolvimento de intervenção no contexto educativo em diferentes níveis de escolaridade, como será visto a seguir.

Conforme Zimmerman, Bandura e Martinez-Pons (1992, p. 664), os aprendizes autorregulados não são diferenciados somente por sua orientação pró-ativa e performance, mas também por suas capacidades automotivadoras. Schunk e Ertmer (2000) destacam da literatura os seguintes processos envolvidos na autorregulação da aprendizagem: estabelecer objetivos, atender regras, usar estratégias cognitivas apropriadas, organizar o ambiente de trabalho, usar os recursos de forma eficaz, monitorar o próprio desempenho, gerenciar o tempo disponível, buscar ajuda se necessário, manter crenças de autoeficácia positivas, perceber o valor do aprendizado, identificar os fatores que influenciam a aprendizagem, antecipar os resultados das ações e experimentar satisfação com o próprio esforço. Ainda, diante da descrição do processo autorregulatório da aprendizagem por meio dos diferentes modelos, denota-se que o estudante autorregulado em sua aprendizagem é aquele que, como sintetizado por Montalvo e Torres (2004), aprendeu a planejar, controlar e avaliar seus processos cognitivos, motivacionais, afetivos, comportamentais e contextuais; possui autoconhecimento sobre o próprio modo de aprender, suas possibilidades e limitações. Com tal conhecimento, o estudante controla e regula o próprio processo de aprendizagem em direção aos objetivos e metas.

Zimmermann (1986, 2008) nos ajuda na identificação da trajetória de investigação sobre o tema quando relata um encontro ocorrido em simpósio da American Educational Research Association (AERA), em 1986, em que se propôs uma definição inclusiva de autorregulação da aprendizagem como o grau em que os alunos são metacognitiva, motivacional e comportamentalmente participantes ativos no seu próprio processo de aprendizagem. Entendidos como critérios de definição, estas três categorias devem estar presentes nas discussões de aprendizagem autorregulada do aluno em seu processo de realização acadêmica. O autor aponta que, a partir deste acordo conceitual, foi possível agrupar sob uma mesma rubrica as pesquisas sobre estratégias de aprendizagem, monitoramento metacognitivo, percepção de autoconceito, estratégias motivacionais e autocontrole desenvolvidas por investigadores "como Monique Boekaerts, Lyn Corno, Steve Graham, Karen Harris, Mary McCaslin, Barbara MsCombs, Judith Meece, Richard Newman, Scott Paris, Paul Pintrich, Dale Schunk, dentre outros" (ZIMMERMAN, 2008, p. 167).

Para Montalvo e Torres (2004), a publicação do livro Self-regulated Learning and Academic Achievement: theory, research, and practice (ZIMMERMAN & SCHUNK, 1989) é um marco importante no desenvolvimento de investigações sobre a autorregulação da aprendizagem. Outras obras seguiram como: Self-regulation of learning and performance (SCHUNK & ZIMMERMAN, 1994), Self-regulated learning: from teaching to self-reflective practice (SCHUNK & ZIMMERMAN, 1998), Handbook of self-regulation (BOEKAERTS, PINTRICH & ZEIDER, 2000), Self-regulated learning and academic achievement: theoretical perspectives (ZIMMERMAN & SCHUNK, 2001), e mais recentemente, Self-Regulated Learning and Academic Achievement: Theoretical Perspectives (ZIMMERMAN & SCHUNK, 2008).

Esta trajetória de investigação também pode ser acompanhada a partir do conjunto de instrumentos utilizados para medir os processos implicados na aprendizagem autorregulada. Zimmerman (2008) resgata três grandes linhas de investigação da aprendizagem autorregulada, conforme descrito a seguir:

• Learning and Study Strategies Inventory - LASSI (WEINSTEIN, SCHULTE E PALMER, 1987)
Trata-se de um questionário de autorrelato, com 77 itens, voltado para avaliar estratégias de aprendizagem de estudantes do ensino superior, composto por dez subescalas: atitude, motivação, organização do tempo, ansiedade, concentração, processamento da informação, seleção de idéias principais, uso de técnicas e materiais de apoio, autovalorização e estratégias de avaliação.

• Motivated Strategies for Learning Questionnaire - MSLQ (PINTRICH, SMITH, GARCIA E MCKEACHIE, 1993)
Este instrumento de autorrelato, com 81 itens, visa à avaliação da orientação motivacional e uso de estratégias de aprendizagem de estudantes em um curso ou matéria específica. A motivação analisa componentes de expectativas (crenças de controle e autoeficácia), de valor (metas intrínsecas, extrínsecas e valor da tarefa) e afetivos (ansiedade nos exames). Quanto ao uso das estratégias de aprendizagem, avaliam-se estratégias cognitivas e metacognitivas (repetição, elaboração, organização, pensamento crítico e metacognição) e estratégias de manejo de recursos (tempo e lugar de estudo, regulação do esforço, modelação e busca de ajuda).

• Self-Regulated Learning Interview Scale - SRLIS (ZIMMERMAN e MARTINEZ-PONS, 1986, 1988)
Diferentemente dos instrumentos anteriores, neste caso o procedimento de coleta sobre a autorregulação ocorre por meio de entrevista estruturada. São avaliadas as 14 estratégias: autoavaliação, organização e transformação da informação, estabelecimento de objetivos e planejamento, busca de informação, anotação e monitoramento, estruturação do ambiente, autoconsequência, memorização, busca de ajuda dos pares, busca de ajuda dos professores, busca de ajuda de adultos, revisão de notas, revisão de testes e revisão de livros.

Neste percurso de estudo, foram definidos modelos teóricos que buscam explicar o processo de autorregulação da aprendizagem dos estudantes na perspectiva da teoria social cognitiva. Neste artigo serão abordados, mesmo que de forma resumida, três destes modelos visando ilustrar a convergência, complementaridade e especificidades de explicações apresentadas. A saber: Modelo de Aprendizagem Autorregulada de Zimmerman (1998, 2000), Fases e áreas de aprendizagem Autorregulada (PINTRICH, 2000, 2004) e Modelo PLEA de Rosário (2004b).

 

O modelo de Zimmerman

Para Zimmerman (2000), "a aprendizagem autorregulada refere a pensamentos, sentimentos e ações autogeradas que são planejadas e ciclicamente adaptadas para realização de metas pessoais" (p. 14). Em entrevista a Bembenutty (2008), Zimmerman conta que em 2000 formulou um modelo que envolvia os três elementos previstos no modelo de autorregulação de Bandura e a ele acrescentava outras variáveis relacionadas à aprendizagem. Conta ainda que sua formulação envolve três fases cíclicas considerando o que ocorre antes, durante e depois da tarefa, como pode ser verificado na Figura 2.

 

 

A autorregulação é descrita por Zimmerman (2000) e Zimmerman e Cleary (2006) como cíclica, pois o feedback de um desempenho anterior é usado para fazer ajustes em performances atuais, o que oferece possibilidade de um contínuo aprimoramento pró-ativo que inclui elevação de metas e desafios. Cada fase inclui processos e subprocessos.

Na fase prévia, ocorre a análise da tarefa que inclui o estabelecimento de objetivos e o planejamento de estratégias para sua realização, associado à análise de crenças motivacionais, ou seja, crenças de autoeficácia, expectativas de resultados, meta de realização e motivação intrínseca. A fase de realização inclui os processos de autocontrole do desempenho e da motivação, bem como a auto-observação. O primeiro processo refere-se à focalização da atenção, auto-instrução e imagens mentais. E o outro, à realização de autorregistros e autoexperimentação. A terceira fase, de autorreflexão, envolve o julgamento pessoal como a autoavaliação e as atribuições causais, e as reações ou autorreações, realizadas por meio dos subprocessos de satisfação/insatisfação, reações adaptativas e defensivas. Dado que o modelo é cíclico, como já exposto, a fase de autorreflexão influi na fase prévia seguinte.

Para discutirmos o modelo de intervenção desenvolvido por Zimmerman vamos contar brevemente o trabalho por ele proposto, em colaboração com Bonner e Kovach (2002). É interessante notar que o modelo de intervenção relatado por eles é produto do encontro de suas diferentes formações e experiências, como mencionado no Prefácio do livro Developing Self-Regulated Learners: Zimmerman um estudioso do campo educacional com ampla dedicação à investigação da aprendizagem autorregulada, Bonner, estudante de doutorado, também professor universitário, e Kovach, professor do ensino médio que em seu cotidiano explorou estratégias inovadoras sobre os processos autorregulatórios de seus alunos.

O livro é dirigido a professores e pretende ajudá-los a implementar, junto aos alunos, o ciclo de autorregulação da aprendizagem visto anteriormente. Os autores partem do princípio que o desenvolvimento de estratégias autorregulatórias fornece ao estudante o senso de controle pessoal, que tem sido evidência de motivação intrínseca. Alunos com senso de controle desenvolvido interferem parcialmente em seus processos de aprendizagem e potencialmente podem aprender mais com menos esforço. Tomam os autores dois alunos hipotéticos como 'casos' cujos processos de desenvolvimento da autorregulação são trabalhados ao longo dos capítulos do livro, em diferentes aspectos, por exemplo, no planejamento e gerenciamento do tempo e na compreensão de textos.

Cleary e Zimmerman (2004) apresentaram o programa SREP - Self-Regulation Empowerment Program (Programa de Fortalecimento da Autorregulação), desenvolvido a partir do modelo cíclico de autorregulação da aprendizagem de Zimmerman (2000). O programa visa promover o engajamento dos estudantes no processo de aprendizagem e envolve dois aspectos: uso do procedimento de avaliação microanalítica da autorregulação e estratégias de aprendizagem dos estudantes; e treino dos estudantes em usar estratégias em um processo cíclico de autorregulação. A intervenção envolve a promoção da agência pessoal e desenvolvimento de competências de resolução de problemas. Espera-se que os estudantes aprendam como estabelecer objetivos, selecionar e monitorar estratégias eficientes, fazer atribuições e ajustar seus objetivos e estratégias.

Em Cleary, Platten e Nelson (2008), encontramos o relato da aplicação do programa SREP a oito estudantes de nona série de uma escola norte-americana. Os estudantes que participaram do programa eram bons alunos e foram selecionados após a aplicação de vários critérios, entre eles, estar na classe honor (estudantes com melhores desempenhos acadêmicos) e ter apresentado média inferior a 75% na prova de Biologia de sua turma. Biologia foi, portanto, a disciplina alvo para avaliação do impacto do programa. Com delineamento de investigação complexo e cuidadoso, o programa foi aplicado por dois estudantes de pós-graduação em um trabalho de aproximadamente onze semanas, com duas sessões semanais de 50 minutos de duração. Durante o programa SREP foram trabalhados o desenvolvimento de crenças mais adaptativas, bem como o desenvolvimento de estratégias de aprendizagem mais efetivas. Os resultados mostram desempenhos mais elevados após a aplicação do programa e anunciam sua efetividade. Os autores destacam, entre suas conclusões, a importância do estudo na captação de dados quantitativos e qualitativos e apresentam um conjunto de sugestões para pesquisas futuras; o artigo revela inclusive que uso do programa SREP merece ser investigado mais extensamente.

Aqui cabe uma consideração importante. Embora aplicado por especialistas em motivação e autorregulação, o conteúdo desenvolvido pelo programa pode (e deveria, em nosso ponto de vista) ser garantido pelo próprio trabalho cotidiano do professor de cada conteúdo disciplinar. Neste sentido, é prudente esclarecer que não é suficiente promover o conhecimento sobre o tema ao professor ou o desenvolvimento de habilidades autorreguladoras dos estudantes. Para que o estudante perceba a instrumentalidade da autorregulação e envolva-se neste processo, é preciso que o sistema de ensino esteja organizado em direção à aprendizagem autônoma do estudante, que valorize sua posição de agente. Isto é, não é suficiente possuir habilidade de autogerenciamento se os estudantes não puderem ou não necessitarem exercer suas habilidades no seu processo de ensino-aprendizagem.

 

O modelo de Pintrich

Com a intenção de descrever e analisar os diversos processos imbricados no processo de aprendizagem autorregulada, Pintrich (2000) indica a presença de quatro fases: planejamento e ativação, monitorização, controle/regulação e avaliação. Apesar de sequenciais, estas fases não são hierarquicamente organizadas, podendo ocorrer de forma simultânea e integrada ao longo de processo. Além disso, como pode ser observado na Figura 3, em cada um destas fases, há atividades de autorregulação em quatro áreas: cognitiva, motivacional, comportamental e de contexto.

 

 

No modelo, a fase 1 envolve o planejamento e o estabelecimento de metas concretas em relação à aprendizagem, associado à ativação dos conhecimentos prévios, conhecimentos sobre a tarefa, conhecimento metacognitivo e sobre o contexto. Nesta fase também são ativadas as crenças motivacionais e emoções, além do planejamento do tempo e do esforço a ser empreendido na tarefa.

A segunda fase, monitorização, envolve a percepção da condição pessoal de cognição, motivação, afeto, uso do tempo e esforço, acrescido pela análise das condições da tarefa e do contexto. Dado os resultados da auto-observação, na fase 3, o estudante põe em prática a seleção e utilização de estratégias para controlar o uso de estratégias cognitivas e metacognitivas, o uso de estratégias motivacionais e de controle emocional, associada à regulação do tempo e do esforço, bem como o controle das diversas tarefas acadêmicas e do contexto.

Na fase 4 é desencadeada a avaliação que inclui os juízos e as avaliações realizadas sobre o desempenho na tarefa, a tarefa em si, o contexto, atribuições de causalidade em relação ao sucesso ou fracasso e percepção de afeto diante do resultado. E ainda, a seleção de comportamento a ser concluído ou alterado.

O autor oferece um modelo amplo que permite analisar detalhadamente os diversos processos que envolvem a aprendizagem autorregulada. Considerando que o próprio autor refere que é muito difícil separar os processos de auto-observação dos processos de regulação (PINTRICH, 2000, 2004), nota-se uma semelhança com o modelo relatado anteriormente. É destaque nesta proposição, no entanto, a inclusão dos processos autorregulatórios voltados para as variáveis de contexto, demonstrando que os estudantes, assim como referido no modelo triádico de Bandura, podem intervir no ambiente, como agentes que são.

 

O modelo de Rosário

Preocupado com a intervenção e apoiado no modelo de Zimmerman, Rosário (2004b) desenvolve o PLEA (Planejamento, Execução e Avaliação), que representa um modelo cíclico intrafases. Nesta proposição, em cada fase há a sobreposição do movimento cíclico das três fases que compõem o modelo, conforme pode ser observado na Figura 4. Esta configuração possibilita uma análise mais processual do fenômeno, já que define que as tarefas correspondentes a cada fase do processo sejam planejadas, realizadas e avaliadas.

 

 

A fase de planejamento envolve a análise da tarefa com a qual o estudante se defronta, percepção dos recursos pessoais e ambientais para enfrentamento da tarefa, estabelecimento de objetivos e a proposição de um plano para atingir a meta definida. A fase de execução refere-se à implementação de estratégias visando à obtenção das metas. Para isso, o estudante também deve acompanhar a eficácia das estratégias por meio da automonitorização. Na fase da avaliação, além do estudante constatar a possível discrepância entre o resultado de sua aprendizagem e o objetivo inicial, deve redefinir estratégias para a realização da meta pretendida. Como se trata também de um modelo cíclico, os resultados da fase de avaliação interferem na fase de planejamento seguinte (Figura 5).

 

 

Esse modelo teórico é considerado pelos autores como mais simples que os anteriores (ROSÁRIO, 2004b; ROSÁRIO e cols., 2006). Além disso, como já ressaltado, reforça a lógica processual da autorregulação da aprendizagem ao destacar que o processo do PLEA se apresenta internamente em cada uma das suas fases (ROSÁRIO e cols., 2006).

O estabelecimento deste modelo parcimonioso permitiu a proposição de programas de promoção da autorregulação, voltados para diferentes séries e níveis de ensino. Estes programas incluem, além do oferecimento de material de intervenção baseado em narrativas e atividades, subsídios sobre o marco teórico que estrutura o projeto.

Para as crianças de 5 a 10 anos foi planejado o Projeto Sarrilhos do Amarelo (ROSÁRIO, NÚÑEZ & GONZÁLEZ-PIENDA, 2007a, 2007b), ancorado em uma história e em atividades interativas centradas em Língua Portuguesa e Matemática. O projeto voltado para alunos do ensino básico denomina-se Estudar o estudar: (Des)venturas do Testas (ROSÁRIO, 2004b) e inclui cinco livros, um para cada ano de escolaridade: 5º ano - Testas para sempre (idem, 2002d); 6º ano - Elementar, meu caro Testas (idem, 2002b); 7º Ano - 007º. Ordem para estudar (idem, 2002a), 8º ano - O Senhor aos papéis, a irmandade do granel (idem, 2003); 9º ano - Testas, o Lusitano (idem, 2004a). O programa de intervenção voltado para o ensino superior denomina-se Cartas do Gervásio ao seu Umbigo: comprometer-se com o estudar na universidade (ROSÁRIO e cols., 2006). Elegeu-se este último programa para ser apresentado.

O Projeto Cartas do Gervásio ao seu umbigo (ROSÁRIO e cols., 2006) é voltado para a promoção dos processos autorregulatórios da aprendizagem no ensino superior. O projeto faz uso de narrativas e tem como protagonista Gervásio, um ingressante universitário. Gervásio dialoga com seu umbigo, por meio de 13 cartas, sobre suas experiências positivas e negativas, acentuando o papel das estratégias de aprendizagem e os processos de autorregulação. Nestas cartas, diferentes estratégias de aprendizagem e de autorregulação são abordadas. Este programa, desenvolvido em Portugal, já foi testado na Espanha e Chile, em todos os casos demonstrando sucesso. Encontra-se em estudo no Brasil, inserido nas ações do Grupo de Pesquisa Psicologia e Educação Superior da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas.

 

Considerações finais

Reservamos para este item algumas considerações importantes, considerações estas que abordam diferentes aspectos, mas a todas deve ser dada a devida atenção quando trabalhadas sob o referencial da teoria social cognitiva.

Um primeiro aspecto que vale a pena destacar refere-se ao aporte teórico. É importante notar que qualquer que tenha sido a direção assumida nos modelos aqui apresentados, a coesão teórica revelou-se importante para solidificar estratégias de investigação, cuidado já apontado e discutido em Azzi e Polydoro (2006). Este lembrete é necessário dado que o tema da autorregulação da aprendizagem é atrativo a muitas pessoas do campo educacional. No entanto, o cuidado em não adentrá-lo de forma superficial é um risco que precisa ser evitado. A fundamentação teórica exaustiva que sustenta determinadas práticas no campo aplicado da intervenção no desenvolvimento da aprendizagem autorregulada de base sociocognitiva deve contemplar permanentemente a relação teoria-prática, ainda que se esteja 'atuando' no campo de um dos lados da díade.

Quanto ao desenvolvimento de investigações, optamos por indicar as direções propostas por Zeidner, Boekaerts e Pintrich (2000). Os autores apresentam uma agenda com 12 pontos para os pesquisadores do século XXI. Os primeiros pontos assinalados tratam da formulação de definições mais claras e precisas em relação ao próprio processo de autorregulação da aprendizagem e dos principais processos envolvidos, especificando seus atributos relevantes de forma a permitir a discriminação entre constructos. Outra frente de pesquisa refere-se à elaboração/validação de modelos mais completos, especificando o tamanho do efeito das variáveis envolvidas. Quanto ao delineamento dos estudos, sugerem o refinamento das medidas de avaliação, inclusive os instrumentos e métodos qualitativos, além da opção por desenhos longitudinais e causais. Outro ponto importante a ser investido, conforme os autores, refere-se à análise do papel do contexto de aprendizagem sobre a cognição e motivação acadêmica, acrescido do estudo da influência do desenvolvimento e do papel das diferenças individuais e culturais no processo de autorregulação da aprendizagem. Por fim, ressalta-se a necessidade de estudo sobre a intervenção, já que a promoção da autorregulação caracteriza-se como a maior razão para a busca de compreensão deste processo. Aqui também cabe uma nota sobre os estudos nacionais, em que não se observa o estudo sistemático de intervenções desta natureza.

Ao voltar nossa atenção para o aspecto mais próximo do cotidiano das escolas vale contar que Cleary (2006) comenta que a despeito da existência de estudos explicitando a relação entre uso de estratégias de autorregulação na aprendizagem e realização acadêmica este é um tema pouco abordado nos espaços escolares. Vai além mencionando que professores reconhecem sua importância, mas relatam não ter obtido este tipo de informação em seus cursos de formação. Embora fale o autor da realidade norte-americana a situação parece não ser muito diferente no Brasil. É pela crença de que os estudos e achados da teoria sociocognitiva muito tem a contribuir com as práticas escolares que iniciamos várias ações promotoras do encontro dos pressupostos teóricos com o cotidiano escolar. Particularmente, nossos grupos de pesquisa estão empenhados na realização de estudos sobre autoeficácia, autorregulação da aprendizagem e processos envolvidos, incluindo avaliação e intervenção.

Esperamos ter contribuído com informações relevantes para que se pensem os desafios envolvidos no processo educacional de promoção de engajamento efetivo dos estudantes em seus processos de aprendizagem. Mas é necessário destacar que estas informações, modelos e pesquisas não podem ser aplicados sem que se atente para as diferenças, necessidades e especificidade da realidade brasileira. É com este cuidado que estudos brasileiros precisam ser desenvolvidos.

 

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1 Autoeficácia é um constructo central na teoria social cognitiva, entendida por Bandura (1997) como a crença do indivíduo em sua capacidade em organizar e executar cursos de ação requeridos para realização de uma tarefa específica tem papel mediador entre habilidades do indivíduo, desempenho anterior e o comportamento prospectivo. Para informações adicionais em português recomendamos a leitura de Azzi, & Polydoro (2006) e Pajares & Olaz (2008).

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