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Boletim - Academia Paulista de Psicologia
versão impressa ISSN 1415-711X
Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.29 no.2 São Paulo dez. 2009
TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASOS
Resiliência e controle do stress em juízes e servidores públicos1
Resilience and stress control in judges and public servants
Juliana Barros de Oliveira2; Marilda Emannuel Novaes LippI,3
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
ICadeira nº 7 (Oscar Freire)
RESUMO
A fim de identificar comportamentos resilientes no repertório de indivíduos que obtêm sucesso no confronto de adversidades e o modo como tais comportamentos são desenvolvidos, 220 adultos (148 mulheres e 72 homens) respondem aos seguintes instrumentos: Inventário de Sintomas de Stress, Levantamento de Fontes de Stress e Levantamento de Comportamentos Indicadores de Resiliência. Observa-se que 72% dos participantes apresentam stress, com predominância de sintomas psicológicos. Setenta de seis por cento dos participantes alegam estar expostos a muitas fontes cotidianas de stress. Os principais estressores encontrados referem-se à administração de rotinas pessoais e à ocupação. Os homens apresentam maior frequência de comportamentos resilientes do que as mulheres e demonstram maior habilidade em regular emoções e em se predispor a novos desafios. Constata-se que pessoas com as seguintes características: maior senso de auto-eficácia e habilidade em analisar as causas das adversidades, melhor controle das emoções, otimismo e capacidade de empatia mais desenvolvida; correm menor risco de desenvolver stress crônico. A regulação emocional mostra-se o mais influente fator de proteção. A maioria dos participantes não estressados considera que o repertório eficaz de enfrentamento de adversidades é aprendido ao longo de sua história de vida.
Palavras-chave: Resiliência, Stress, Juízes, Servidores públicos.
ABSTRACT
In an effort to identify responses pointing towards resilience in the behavioral system of individuals who are successful in confronting adversities and also to understand how such behaviors were developed, 220 adults (148 women and 72 men) were interviewed. The following instruments were used: Identification Data Form, Stress Symptom Inventory, Stressors Survey and Behaviors Pointing to Resilience Survey. It was observed that 72% of individuals were stressed out. There was a higher occurrence of psychological symptoms and 76% of the individuals stated that they were subjected to innumerous daily stressful situations. The main stressors mentioned were the administration of personal tasks, followed by the occupation itself. It was noted that men more frequently than the women in the sample showed a higher frequency of resilient behaviors. Moreover, men in the sample tended to show a greater ability to control emotions and to face new challenges. However, it was noticed both in men and women that, the individuals with more established sense of self-control and ability to understand the basis of adversities as well as those who were optimistic and sympathetic were less likely to show symptoms of chronic stress. A balanced emotional attitude was found to be the main protection factor. Most of those individuals who were not stressed considered that effective skills to confront the adversities were learned throughout the course of their lives.
Keywords: Resilience, Stress, Judges, Public servants.
Introdução
As pessoas enfrentam diferentes fontes de stress em seu cotidiano, porém, mesmo diante de estressores semelhantes, adotam as mais variadas estratégias de enfrentamento. Ainda mais interessante é a verificação de que, diante de intensidades semelhantes de estímulos aversivos, alguns indivíduos demonstram menor sofrimento físico e psíquico e seguem com certo equilíbrio, apesar das adversidades. Torna-se necessário analisar as razões que contribuem para que isto ocorra.
Uma possível hipótese para a compreensão de fatores que poderiam tornar tão diferentes experiências, aparentemente semelhantes, seria a diversidade do repertório comportamental de cada indivíduo, adquirido ao longo da vida. É certo que um estudo sobre fontes de stress e estratégias de enfrentamento não pode desconsiderar a influência das condições ambientais, assim como o nível de gravidade, o risco ou o desafio envolvidos num determinado contexto estressante. Contudo, a compreensão integral do processo envolvido na resposta de stress é somente possível quando considerada a avaliação cognitiva que, segundo os principais especialistas na área, é uma importante ferramenta na aquisição de habilidades para um efetivo enfrentamento de condições estressoras. Lazarus (1966), ao desenvolver sua teoria sobre o stress psicológico, havia identificado a interveniência deste importante fator entre um evento e seu observador, que consiste no mecanismo pelo qual o indivíduo o categoriza como a avaliação cognitiva. Segundo ele, essa avaliação é essencial no desencadeamento de reações de stress em diversas circunstâncias. Seus estudos sobre o tema mostraram que existem dois níveis de avaliação cognitiva: o primeiro seria um nível involuntário e imediato, a avaliação primária; e o segundo, voluntário, racional e mais complexo, a avaliação secundária (Lazarus & Folkman, 1984).
A avaliação primária, que ocorre imediatamente após o contato do indivíduo com um dado evento, permite que sejam atribuídos a ele um dos seguintes valores: relevância ou irrelevância; sensação benignopositiva; sensação de dano ou perda; e ameaça ou desafio. A percepção de ameaça permite o enfrentamento antecipado, na medida em que pode provocar respostas de planejamento de como enfrentar acontecimentos futuros.
Emoções, como esperança, excitação e confiança, são características do stress relacionado à avaliação cognitiva primária de desafio. Os componentes cognitivos da avaliação de ameaça e desafio não são os mesmos, embora, muitas vezes, ocorram paralelamente. A ameaça se caracteriza por seu aspecto negativo. Em geral, um evento visto como essencialmente ameaçador desencadeia resposta de luta ou fuga. Predomina-se a avaliação de desafio, isto é, ações de enfrentamento são estimuladas. Se o evento é uma situação de perigo, superpõe-se à avaliação primária, a secundária, quando se analisa o que deve ou pode ser feito na situação. Esta, mais elaborada, permite que o indivíduo escolha opções de enfrentamento e analise as consequências de suas reações.
Lazarus afirmou que da interação desses dois níveis de avaliação surge a resposta de stress, em diferentes intensidades e graus de adequação. O grau de stress vivenciado em dada situação está diretamente associado ao efetivo grau de risco presente, somado à avaliação cognitiva pelo sujeito (Lazarus & Folkman, 1984).
O papel da avaliação cognitiva na resposta de stress foi comprovado a partir de pesquisas realizadas por Lazarus e colaboradores na década de 60 do século passado, por Geen, Stonner & Kelly (1974) e por Holmes & Houston (1974), nas quais manipularam a avaliação para verificar se havia ou não diferença na resposta de stress, em função de uma delas, mais ou menos, negativa do evento.
A constatação de uma mediação psicológica, essencialmente cognitiva, entre o evento e a resposta de stress foi uma contribuição fundamental de Lazarus O estudo do stress e suas características no ser humano conduz a uma série de reflexões inquietantes, como a dúvida sobre quais seriam as habilidades comportamentais presentes no repertório de indivíduos que enfrentam situações estressantes sem sofrer grandes prejuízos à sua saúde; se seriam as mesmas aprendidas ou inatas; e em que medida dependeriam exclusivamente da própria pessoa ou de influências do ambiente.
Como citado por Pinheiro (2004), Ludwig Bethoven compôs parte de suas obras-primas padecendo de surdez total; Stephen Hawking formulou a teoria da cosmologia quântica após ser acometido por esclerose amiotrófica e, como eles, diversas outras pessoas encontraram modos pessoais brilhantes de enfrentamento bem sucedido das adversidades. De outro lado, por muito menos, outras pessoas deprimem-se, estressam-se e desistem de seus projetos.
Na tentativa de responder a essas questões, diversos estudiosos têm se voltado para a compreensão do conceito de resiliência, que é relativamente novo na Psicologia, embora muito antigo e amplamente utilizado pela Física e pela Engenharia.
No dicionário da língua portuguesa de Ferreira (1999), encontra-se o seguinte sentido para o termo: propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora de uma deformação elástica e resistência ao choque. Também em dicionário da língua portuguesa, Houaiss, Villar & Franco (2001) acrescentaram um segundo sentido figurado ao termo: capacidade de se recobrar facilmente ou se adaptar à má sorte ou às mudanças.
Na língua inglesa, contempla-se, além do sentido original do termo,
a habilidade de uma substância retornar à sua forma original, quando a pressão é removida: flexibilidade, também o sentido dado a essa palavra pelas ciências humanas: resiliência é a habilidade de voltar rapidamente para o seu estado usual de saúde ou de espírito depois de passar por doenças, dificuldades, etc. (Longman Dictionary of Contemporary English,1995).
Verifica-se, portanto, que há diversas formas de conceitualizar-se a resiliência, por vezes contraditórias. A definição adotada pelo Projeto Internacional de Resiliência, elaborado com o apoio da Bernard van Leer Foundation, nas palavras de seu coordenador, Grotberg (1995), é uma capacidade universal que permite que uma pessoa, grupo ou comunidade, previna, minimize ou supere os efeitos nocivos das adversidades (p.7).
Rutter (1987) definiu resiliência como “variação individual em resposta ao risco” e destacou que “não pode ser vista como um atributo fixo do indivíduo” (p.317), já que diante de diferentes circunstâncias, a resiliência, em um mesmo indivíduo, se altera. O mesmo autor, em 1999, ampliou o conceito para (...) fenômeno de superação de stress e adversidades (p.119), não se referindo, entretanto, a uma característica ou traço individual, mas a processos vivenciados pelo indivíduo.
Para Martineau (1999), o conceito utilizado nos primeiros estudos sobre resiliência consiste na “invulnerabilidade às adversidades” e, posteriormente, “habilidade de superar as adversidades”. Em seu estudo, afirmou que a resiliência tem diferentes formas entre diferentes indivíduos e em diferentes contextos (p.103).
Na mesma direção, Luthar, Cicchetti & Becker (2000) ressaltaram seu caráter processual e observaram que muitas controvérsias se apresentam nos estudos sobre o tema, em virtude da utilização de termos como “criança resiliente”, as quais dão margem ao pensamento de que a resiliência seja compreendida como um traço de personalidade e não como um processo. Os autores afirmam que essa terminologia é utilizada por cientistas que não se referem a atributos pessoais, mas a condições de resiliência como a presença de fatores de risco ao bem-estar da criança e sua adaptação positiva, apesar das adversidades (Yunes, 2003). Segundo Ralha-Simões (2001), a resiliência caracteriza-se por um modo flexível de manejar circunstâncias adversas, presentes ao longo do desenvolvimento humano.
Os estudos mais recentes têm demonstrado que a resiliência, ou comportamentos resilientes, dependem das relações do indivíduo com o ambiente e não são “parte fixa de sua personalidade”. É necessário lembrar que, segundo os princípios da Análise do Comportamento, toda e qualquer conduta é resultante da interação entre o indivíduo e o ambiente e é determinada pelas contingências de reforçamento presentes na história cultural, na história de vida e no momento atual da vida de um indivíduo. Portanto, não se poderia pensar em qualquer característica comportamental em cuja gênese não estivesse presente o ambiente ou que fosse rígida, fixa e imutável.
Reivich & Shatté (2002) trataram detalhadamente o tema, definindo resiliência como a habilidade de perseverar e adaptar-se quando as coisas não estão bem e contribuíram, assim como diversos estudiosos da psicologia cognitivo-comportamental, com a percepção de que, embora não seja possível prevenir-se contra as adversidades ou o stress do dia-a-dia, é possível modificar o modo como se pensa sobre os desafios e adversidades e, em consequência, modificar o impacto que eles exercem sobre a vida do ser humano. Há que se buscar, nesse sentido, regularidades cognitivo-comportamentais que possam estar presentes no repertório de indivíduos com maior habilidade no enfrentamento de situações estressoras.
Diante das inúmeras definições e controvérsias sobre o conceito de resiliência, assim como sobre os fatores de risco e proteção a ela associados, pode-se dizer que, mais relevante do que a discussão sobre a validade desse ou daquele conceito, é a tentativa de compreensão de aspectos que possam auxiliar o indivíduo a comportar-se de modo mais resiliente, para que tenha melhores condições de enfrentar as adversidades inerentes à vida.
As pesquisas têm demonstrado que dependendo da interpretação, as adversidades e oportunidades afetam o sucesso do indivíduo na escola, no trabalho, na saúde, na longevidade e até mesmo no grau de risco para patologias como depressão, entre outras, mencionado por Reivich & Shatté (2002). Estilos de pensamento não resilientes levam a crenças disfuncionais e a estratégias inadequadas para a solução de problemas, assim como ao desgaste emocional excessivo desnecessário.
Seligman e cols. (1995) e Shatté (2002) ressaltaram que crianças muito novas são capazes de aprender a habilidade de praticar um pensamento mais acurado e flexível diante de suas experiências cotidianas. A aprendizagem desse repertório comportamental desde a primeira infância favoreceria a otimização do desenvolvimento da resiliência no ser humano ao longo da vida.
Diversos estudos mostram que pessoas que administram melhor o stress percebem-se como capazes de influenciar certos aspectos de suas vidas e agem de acordo com essa percepção quando expostas a adversidades. Além disso, erros cometidos e mudanças imprevistas são por elas tomados como oportunidades para novo aprendizado e crescimento (Hall & Pearson, 2003). Por outro lado, algumas pessoas, diante de circunstâncias semelhantes, sentemse desamparadas e com o desejo de “se entregar”, desistir, como se nada pudesse ser feito para enfrentar ou adaptar-se a elas (Werner & Smith, 2001).
Seligman vem pesquisando o desenvolvimento da resiliência desde os anos 70, com equipe da Universidade da Pensilvânia, tendo inicialmente promovido estudos sobre o desamparo aprendido e, mais tarde, sobre temas como o estilo explicativo ou atributivo, sobre a relação entre otimismo, pessimismo e depressão. Em sua obra sobre o otimismo em crianças, os pesquisadores sugeriram que o incremento de habilidades comportamentais resilientes pode ser obtido por meio de reforçamento contingente a comportamentos desejáveis, que favorecem o sentimento de competência; de modelos de identificação de aspectos positivos presentes nas experiências vividas, com oferta de amor incondicionalmente, auxiliando no desenvolvimento da auto-estima e de modelos de estilos explicativos positivos oferecidos por adultos significativos (Seligman et al., 1995).
O modo como as pessoas costumam explicar as adversidades, ou a quem atribuem responsabilidade pelo seu advento, pode se tornar um padrão comportamental repetitivo que delineia o que Seligman denominou “estilo explicativo” ou modo habitual de ver o mundo. Nessa abordagem, o autor se referiu a três dimensões nas quais pode apoiar-se o estilo explicativo de indivíduos com um padrão comportamental não resiliente: personalização (atribuição constante de responsabilidade ou culpa por eventos negativos ao próprio indivíduo); permanência (crença de que determinadas adversidades serão eternas, portanto, não há nada que se possa fazer para evitá-las ou minimizálas) e generalização ou alcance (crença de que uma dada adversidade tem implicações em todos os aspectos da vida do indivíduo) (Seligman, 1991).
Numa perspectiva histórica, data de 1962 a significativa contribuição de Albert Ellis para o reconhecimento do importante papel da cognição no enfrentamento de adversidades. Segundo Ellis, mais do que a própria adversidade, são as crenças do indivíduo sobre elas e suas razões, os principais fatores desencadeantes dos sentimentos relativos a elas. Na mesma direção, Beck (1967) afirmou que pensamentos negativos recorrentes, do indivíduo sobre si mesmo e sobre seu futuro são, normalmente, associados à depressão.
Entre os estudos dos quais participou Seligman, tornou-se conhecido o Penn Resilience Program (PRP), em que eram treinados professores e crianças na faixa etária entre oito e treze anos, na utilização de habilidades cognitivas que proporcionassem uma abordagem resiliente a adversidades. O sucesso obtido nesse programa favoreceu sua ampliação para adultos em diversas atividades profissionais, estudantes universitários, adolescentes e, atualmente, tem sido adotado por instituições educacionais e empresas de diversos países, com o objetivo de melhorar as estratégias de enfrentamento de problemas sociais, aumentar a produtividade e reduzir o índice de adoecimento por depressão nessas instituições (Reivich & Shatté, 2002).
Os citados pesquisadores da Universidade da Pensilvânia concluíram que os processos ligados ao pensamento afetam diretamente muitas habilidades associadas à resiliência. São elas: regulação emocional, controle de impulsos, análise causal, otimismo, senso de auto-eficácia, empatia e “reaching out” (voltarse para outras pessoas de modo a aproveitar oportunidades). Considerando-se que o presente estudo foi pautado pelo modelo proposto por Reivich & Shatté (2002), os significados por eles adotados para descrever tais habilidades estão a seguir apresentados.
Regulação emocional: foi definida como a habilidade do indivíduo em manter-se calmo diante de adversidades. Um repertório bem desenvolvido nessa direção facilita a manutenção de bons relacionamentos, favorece o sucesso profissional e pessoal e auxilia o indivíduo quanto a cuidados com a saúde física.
Controle de impulsos: pode ser compreendido como a habilidade de se postergar o recebimento de gratificações. Comportamentos dessa natureza auxiliam na avaliação de situações desafiadoras antes de qualquer ação diante delas, o que permite ao indivíduo fazer melhores escolhas quanto a estratégias de enfrentamento.
Análise causal: é o modo como se analisam os problemas e se identificam suas causas. Uma análise causal eficiente seria aquela que permite uma compreensão adequada da origem de um problema em questão. Deve ser flexível e não submetida a estilos explicativos rígidos, como a atribuição de causa invariavelmente ao próprio indivíduo ou aos outros. Segundo Knapp (2005), a adequada habilidade de análise causal prepara o indivíduo para a efetiva solução de problemas.
Os estilos explicativos, tais como propostos por Seligman, são particularmente importantes na análise causal. Pessoas cujo estilo explicativo é o de permanência e generalização em geral não vislumbram qualquer meio para modificar a situação, o que provoca um sentimento de desamparo e desesperança.
Assim, indivíduos que apresentam comportamentos indicadores de maior resiliência são aqueles que têm flexibilidade cognitiva e são hábeis em identificar todas as causas significativas das adversidades que enfrentam, sem se sentirem presos a qualquer estilo explicativo. São pessoas realistas, na medida em que não ignoram os fatores permanentes e de grande extensão. Essas pessoas não costumam perder tempo pensando em eventos ou circunstâncias que fogem ao seu controle; ao contrário, destinam seus recursos pessoais para comportamentos e atitudes que possam solucionar problemas ou enfrentar fatores que estejam sob seu controle (Reivich & Shatté,2002).
Otimismo, conhecido por todos como um modo positivo e confiante de ver as coisas, pode ser definido como a habilidade de atribuir eventos negativos a fatores externos, temporários e específicos e a habilidade de lidar com a adversidade e construir expectativa positiva em relação ao futuro. (Knapp, 2005).
A crença em que contingências possam mudar para melhor e na possibilidade de as pessoas controlarem suas vidas são pensamentos típicos de indivíduos otimistas.
Reivich e Shatté ressaltaram o aspecto realista do otimismo, qual seja, a habilidade de se manter um olhar positivo sem a negação dos aspectos negativos da realidade. Nesse sentido, comportamentos que visem a obtenção de consequências positivas são necessários, tanto quanto o conhecimento, por parte do indivíduo, de que resultados não são obtidos gratuitamente e sim, a partir de ações direcionadas.
Auto-eficácia: é a percepção do indivíduo de que é capaz de desempenhar de forma satisfatória algo que lhe seja solicitado. A presença de tal percepção indica que acredita em sua capacidade de solucionar problemas e obter sucesso.
Diante do insucesso em determinada tarefa, pessoas com bom senso de auto-eficácia tendem a aceitar que a estratégia utilizada não foi a melhor e que há outras possibilidades, das quais lançará mão, com o escopo de atingir o resultado desejado.
Empatia é a habilidade de se perceber o estado emocional (pensamentos e sentimentos) de outra pessoa, sem que ela necessariamente o diga. Pode ser exercida por meio da observação e interpretação de comportamentos não verbais como expressões faciais, tons de voz e postura corporal. Isso permite que o indivíduo se coloque no “lugar do outro” de modo a compreender as razões que o levam a se comportar de determinado modo.
Finalmente, o conceito de reaching out, apresentado por Reivich e Shatté, pode ser compreendido como uma disposição para ir em busca de novas experiências e desafios. Segundo esses pesquisadores, algumas pessoas deixam de se dispor a vivenciar novas experiências por medo de fracassar, pois consideram que isso traria consequências catastróficas. Knapp (2005) referiuse ao estudo desses pesquisadores apresentando os conceitos supra-citados e ressaltou sua relevância na prática clínica, uma vez que a aquisição de determinadas habilidades cognitivo-comportamentais pode influenciar significativamente no modo como as pessoas enfrentam os desafios e adversidades que a elas se apresentam.
Devido à diversidade de enfoques sobre o que é resiliência, foram escolhidos, neste estudo, por melhor se aplicarem aos princípios que embasam a compreensão do tema, pelas autoras, constructos como “comportamentos resilientes” e “indicadores de resiliência” e não “indivíduos resilientes”.
2. Objetivo
O objetivo geral do estudo consistiu em verificar quais são os principais comportamentos indicadores de resiliência presentes no repertório comportamental de indivíduos que obtêm sucesso no enfrentamento de fontes de stress cotidianas e o modo como tais comportamentos foram desenvolvidos, de acordo com os relatos dos participantes.
3. Método
Participantes: Os participantes foram 220 adultos (148 mulheres e 72 homens), juízes e servidores da Justiça do Trabalho da 15ª. Região que responderam aos questionários enviados.
Material: Utilizou-se, na coleta de dados, um termo de consentimento livre e esclarecido para a participação na pesquisa, um formulário de dados de identificação dos participantes, o Inventário de Sintomas de Stress - ISSL - (Lipp, 2000), um levantamento de fontes de stress e um levantamento de comportamentos indicadores de resiliência, adaptado, pelas autoras, do “Questionário de Resiliência” elaborado por Reivich e Shatté (2002), o qual vem sendo utilizado por eles, na Universidade da Pensilvânia.
A adaptação realizada refere-se ao método de análise dos resultados do questionário: no original, os autores utilizaram-se de um cálculo do Quociente de Resiliência, a ser comparado com a média da população, a partir de dados de pesquisas anteriormente realizadas que permitiram a validação do instrumento para aquela população. Considerando-se que a população participante do presente estudo não é a mesma que a utilizada quando da validação do instrumento, acautelou-se sobre o modo como as respostas poderiam ser interpretadas, para que não se cometesse um equívoco referente à validade. Não foi realizado cálculo de Quociente de Resiliência. O citado questionário foi utilizado nesta pesquisa com o objetivo de se verificar a frequência de respostas indicadoras de resiliência, assim como sua associação com níveis de stress e frequência de fontes de stress.
O referido questionário é composto por 56 itens, cujos conteúdos referemse a 7 categorias de indicadores de resiliência, quais sejam, análise causal, regulação emocional, controle de impulso, otimismo, empatia, auto-eficácia e reaching out.
A segunda parte do levantamento de comportamentos indicadores de resiliência, elaborada pelas autoras, teve por objetivo oferecer ao participante a oportunidade de referir-se a outras habilidades que tenham auxiliado no enfrentamento de adversidades, à efetiva utilização dos comportamentos e atitudes citados no item anterior e a identificação do modo como os comportamentos de enfrentamento das adversidades foram desenvolvidos.
Procedimento: Foi enviada, por e-mail, uma carta de apresentação da pesquisa, por intermédio da qual os juízes e servidores da Justiça do Trabalho da 15ª. Região foram convidados a participar do estudo. Nessa correspondência, solicitou-se aos interessados que respondessem, também por via eletrônica, sobre sua disponibilidade, dentro de um período de 30 dias. Àqueles que se manifestaram, conforme solicitado na carta de apresentação da pesquisa, foi enviado, por malote, o material a ser preenchido e devolvido para as pesquisadoras, em envelope lacrado: termo de consentimento livre e esclarecido para a participação na pesquisa, formulário de dados de caracterização dos participantes, o Inventário de Sintomas de Stress de Lipp - ISSL, o questionário de levantamento de fontes de stress e o levantamento de comportamentos indicadores de resiliência.
4. Resultados e discussão
Os dados obtidos permitiram identificar alguns dos principais comportamentos indicadores de resiliência presentes no repertório comportamental dos participantes que têm obtido sucesso no enfrentamento das adversidades cotidianas e sua percepção sobre o modo como essas reações foram desenvolvidas.
Houve maior adesão de participantes do sexo feminino (67% dos participantes) em relação aos do sexo masculino (33% da população). Não foi encontrada diferença significativa entre gêneros quanto ao fator “idade”, tendo os integrantes se concentrado na faixa etária entre 30 e 49 anos em ambos os sexos. Da mesma forma, o estado civil predominante foi o mesmo nos homens e mulheres participantes do estudo: a maior parte pertence à categoria “casados” (56% das mulheres e 71% dos homens). Com referência ao nível de escolaridade, também foi encontrada uma amostra homogênea, com 91% de mulheres com nível superior ou pós-graduadas e 86% dos homens na mesma condição. Outra característica do grupo de participantes é que a maioria (70% das mulheres e 71% dos homens) tem filhos.
O perfil da amostra quanto às variáveis citadas deve ser considerado quando da análise dos resultados, os quais são por ele influenciados.
Estudos mostram que a vida conjugal ocasiona o contato com estressores específicos. Beck (1995) observou que ocorrências como nascimento de filhos, ajustes necessários à convivência no primeiro ano de casamento, interferências das famílias de origem, adolescência dos filhos, entre outras, exigem do casal um esforço adicional de superação e controle do stress. As pessoas solteiras, por sua vez, enfrentam outros tipos de adversidades como solidão, insegurança quanto ao futuro, frustração pela ausência de filhos, entre outras.
Martin e cols. (1993) entrevistaram 349 casais em Detroit, concluindo, por meio dos dados obtidos, que o casamento é considerado, pelos participantes do estudo, uma fonte primária de stress social. Estudos como esse mostram que, quando se pretende compreender o stress e suas expressões, não se pode desconsiderar especificidades da amostra, tais como as citadas anteriormente. Iniciando-se a descrição e discussão dos resultados obtidos, é necessário ressaltar que houve incidência de stress em 72% da população, frequência significativamente alta e alarmante. Resultado semelhante foi encontrado em pesquisa realizada por Oliveira (2004) com juízes e servidores da mesma Instituição (72 % de participantes estressados) e por Lipp e Tanganelli (2002), com amostra de 74 juízes, também do Quadro do TRT - 15ª. Região (71% de incidência de stress).
Se considerada a população geral adulta, percebe-se que os níveis de stress encontrados são significativamente superiores aos de outras pesquisas com o público, no geral, independentemente da ocupação exercida. Por exemplo, Lipp (2004), utilizando o mesmo instrumento de avaliação de stress do presente estudo, o Inventário de Sintomas de Stress, encontrou uma prevalência de stress em 35% de uma amostra de 2.000 adultos. Adicionalmente, Sparrenberger, Santos & Lima (2003) realizaram um estudo transversal de base populacional com o objetivo de determinar a prevalência e distribuição do stress na esfera psicológica na população urbana adulta e, com uma população de 3.942 pessoas maiores de 20 anos, em um município do Rio Grande do Sul, encontraram 14% do grupo estudado com stress psicológico quando utilizaram a Escala de Faces e 31,8% a partir de um instrumento de verificação de auto-percepção do nervosismo. Deve ser tomado cuidado na comparação dos resultados com esta pesquisa, uma vez que o instrumento utilizado não foi o mesmo da presente investigação.
No estudo em pauta, houve incidência de stress expressivamente superior nas mulheres (78%), comparativamente aos 60% encontrados no sexo masculino. Tal diferença é significativa, de acordo com o teste Qui-quadrado (X2= 8.41, com 1 grau de liberdade). O valor de p encontrado foi 0.004.
Ressalte-se que a diferença entre gêneros quanto ao stress não se refere apenas à intensidade, mas inclui o modo como homens e mulheres o expressam. Vilela (2004) estudou o stress no relacionamento conjugal e, entre seus achados, obteve a seguinte informação: Os homens disseram que suas mulheres, quando estressadas, sempre buscavam discutir o assunto, enquanto elas falaram que eles, quando estavam estressados, pareciam preferir isolar-se. (p. 156).
Com referência à fase de stress, houve diferença significativa entre mulheres e homens, de acordo com o Teste Exato de Fisher (p = 0.004). Observou-se essa diferença entre gêneros quanto às fases de resistência e quase-exaustão: 74% das mulheres estavam na fase de “resistência”, enquanto 93% dos homens com stress encontravam-se na mesma fase, ao passo que 22% delas estavam na fase de “quase-exaustão” e somente 2% deles apresentaram o mesmo nível de stress. Esses valores mostram que, além de maior incidência de stress entre as mulheres, elas apresentaram quadros mais graves, com número de sintomas superior ao dos homens.
Considerando-se os participantes com stress, nota-se que a maioria desenvolve sintomas psicológicos (71%).
A análise do I.S.S.L. permitiu, também, que se delineasse o perfil da população de participantes com stress, quanto à “tendência ao agravamento” do quadro. Tomando-se os instrumentos dos participantes com quadro sintomático de stress, encontrou-se elevado percentual de tendência ao agravamento (40%) e significativa diferença entre homens e mulheres quanto a essa variável. Para a comparação entre gêneros, realizou-se o teste Quiquadrado (X2= 6.60), com 1 grau de liberdade e encontrou-se p = 0.01 Enquanto 46% das mulheres estressadas tendem a ter o quadro agravado, somente 23% dos homens encontram-se na mesma condição.
Esclareça-se que a variável mencionada - tendência ao agravamento - refere-se ao “caminho natural” do stress, desde que nada seja feito para modificar as condições estressoras às quais estão submetidas os indivíduos, entendidas estas últimas como os aspectos internos e ambientais que contribuam para o desenvolvimento dos sintomas. Dessa forma, o conhecimento da probabilidade de agravamento pode, em si, contribuir para a conscientização da necessidade de mudanças pessoais e ambientais que interrompam o processo patológico.
Não foi encontrada relação significativa entre o nível de stress e o estado civil dos participantes (p = 0.767). Assim também ocorreu com referência à presença ou ausência de filhos (p = 0.158). Portanto, indivíduos casados e com filhos, ao contrário do que se poderia esperar a partir dos estudos de Beck (1995) e Martin e cols. (1993) e em virtude de suas responsabilidades familiares serem aparentemente maiores, não estavam mais estressados na amostra, do que os solteiros ou sem filhos.
Entretanto, observou-se que entre os participantes sem stress, encontramse os indivíduos de maior nível de escolaridade. As razões para esta associação não são claramente identificáveis, o que sugere a necessidade de novas pesquisas para confirmá-la e esclarecer os fatores que contribuem para sua existência.
A análise do Levantamento de Fontes de Stress mostrou que a de maior incidência refere-se à dificuldade das pessoas em dar conta das providências necessárias ao bom andamento da casa, frente à insuficiente disponibilidade de tempo para isso (queixa presente no cotidiano de 71% dos participantes).
A segunda dificuldade mais frequentemente mencionada foi o excesso de trabalho - para 68% dos participantes, seguindo preocupações com a saúde dos filhos - em 62% dos casos.
Quando os dados foram analisados por categorias, a mais frequente foi também a que se refere à administração de rotinas pessoais (tendo sido assinalados 49,02% dos itens). Entretanto, a segunda categoria mais frequente foi a de itens referentes a estressores relacionados à saúde (47,05%), seguida dos referentes à área financeira (45,61%), depois os alusivos ao trabalho (41,82%) e, por fim, os de âmbito afetivo e familiar (28,26%).
Além dos mencionados acima, foram citados os seguintes estressores: violência urbana, trânsito, falta de tempo para o lazer e estudos, descontentamento com políticas governamentais ineficientes, corrupção no poder público, desigualdades sociais, entre outros.
Um dado significativo encontrado nos relatos dos participantes foi a insatisfação dos servidores quanto a relações hierárquicas autoritárias e mal conduzidas pelos ocupantes de cargos superiores. Foram citadas por diversos participantes, relações pessoais desgastadas, sobrecarga, cobranças institucionais, autoritarismo de chefias, sentimento de desamparo institucional e falta de colaboração entre colegas.
É possível que esse resultado esclareça um dos motivos pelos quais a incidência de stress na população pesquisada seja tão alta. Embora esta pesquisa não objetive a investigar o stress ocupacional especificamente, é necessário comentar que em diversos momentos os servidores e juízes que participaram do estudo se manifestaram carentes de atenção institucional quanto às suas condições de trabalho, especialmente às referentes a relações interpessoais no trabalho e à sobrecarga.
Providências nessa área são necessárias em diversas organizações, assim como o são na instituição em foco.
De modo geral, 76% dos participantes afirmaram considerar que se defrontam com muitas fontes de stress em seu cotidiano. Na verificação de associação entre esta percepção e a incidência dessa síndrome, constatou-se que 75% dos participantes com stress declararam estar submetidos a muitos estressores, enquanto 54% dos não estressados afirmaram que enfrentam poucas fontes de stress em seu dia-a-dia.
A verificação de relação entre fontes de stress e gêneros mostrou diferenças significativas entre homens e mulheres quanto à frequência total de fontes de stress e ao escore de fontes estressoras relacionadas à administração de rotinas pessoais, significativamente maiores no sexo feminino. É possível que esse resultado advenha da ainda vigente “jornada dupla” de trabalho da mulher que, muitas vezes, além das atribuições profissionais, ocupa-se da organização doméstica, assim como das múltiplas atividades de seus filhos.
No que se refere à relação entre fontes de stress e faixas etárias, encontrouse maior frequência total de estressores no cotidiano dos participantes com idade igual ou superior a 40 anos.
Com referência à resiliência, tomando-se o grupo completo, nota-se que os escores do levantamento de comportamentos indicadores de resiliência, nas categorias “análise causal”, “regulação emocional”, “controle de impulsos”, “otimismo”, “empatia”, “auto-eficácia” e “reaching out” foram relativamente semelhantes entre si, não sendo observada alguma discrepância significativa de alguma das habilidades mensuradas em comparação com as demais.
Para o aprofundamento na compreensão das características do grupo estudado quanto a essa variável, realizou-se análise comparativa do Levantamento de Comportamentos Indicadores de Resiliência e as variáveis “gênero”, “faixa etária” e “stress”, sendo esta última a de maior interesse para esta pesquisa.
Na análise comparativa de resiliência e gêneros, encontraram-se diferenças estatisticamente importantes quanto ao escore total de indicadores (p = 0.049), ao escore de regulação emocional (p = 0.047) e ao de reaching out (p = 0.042), todos significativamente maiores no sexo masculino. A primeira conclusão a que se chega a partir desse resultado é que os homens que participaram deste estudo são mais resilientes do que as mulheres e apresentam maior habilidade que elas em manter a calma diante das adversidades, assim como em se predisporem a novas experiências, novos relacionamentos ou novos desafios externos.
Observaram-se diferenças significativas entre os participantes com stress e os sem stress quanto ao escore total de indicadores de resiliência (p < 0.001) e aos escores de comportamentos indicadores de resiliência relacionados a análise causal (p = 0.001), regulação emocional (p < 0.001), otimismo (p = 0.001), empatia (p = 0.011) e auto-eficácia (p = 0.024). Nos domínios citados, o escore de resiliência é expressivamente superior nos participantes não estressados. Aplicou-se, para tal verificação, o teste de Mann-Whitney.
Dessa forma, constata-se que pessoas com maior habilidade em analisar as causas das adversidades, controlar suas emoções, assumir uma postura otimista diante da vida, compreender as razões que levam outras pessoas a se comportarem de determinada forma e acreditar em sua capacidade para cumprir tarefas que lhe sejam solicitadas, estão expostas a menor risco de desenvolver quadros de stress crônico e patologias a eles associadas.
A verificação dessa associação sugere uma importante área de pesquisa sobre a prevenção e o controle do stress, área que vem sendo paulatinamente explorada. Nascimento (2006) lembrou que a constatação da existência de mecanismos capazes de aumentar a resistência das pessoas às adversidades estimulou uma mudança de enfoque nas pesquisas da área, voltando-se, estas, para a descrição dos fatores de proteção capazes de manter pessoas vivas e vencedoras, mesmo quando confrontadas com situações de risco.
Para compreender a relação entre o stress e as demais variáveis analisadas, realizaram-se análises de regressão logística univariada e multivariada. De acordo com a análise desta regressão logística univariada, delineou-se o perfil dos participantes sem stress, na amostra utilizada para este estudo.
Os homens correm 2,5 vezes menor risco do que as mulheres de desenvolver quadros de stress excessivo. O maior nível de escolaridade também pode ser considerado fator de proteção.
A mesma análise confirmou que a frequência de fontes de stress está relacionada à incidência de quadros de stress. Uma pessoa com elevado número de fontes estressoras corre 18 vezes mais risco de estar com sintomas de stress do que uma que se depare com poucos estressores cotidianos - sejam eles internos ou externos. Entre as categorias de fontes de stress investigadas, os fatores referentes ao trabalho são os de maior influência (9,8 vezes maior risco para as pessoas submetidas a alta frequência de estressores ocupacionais), seguidos dos relacionados à saúde (risco 8,2 vezes maior para alta incidência de adversidades referentes à saúde) e às dificuldades de administração das rotinas pessoais (6,8 vezes mais risco).
Note-se que, além da existência das adversidades, há uma variável inerente à relação entre o indivíduo e o ambiente que é a percepção ou interpretação que ele faz dos acontecimentos. Entre os participantes desta pesquisa, os que percebem menor frequência de fontes de stress na vida correm 8,7 vezes menor risco de desenvolverem quadros de stress do que os que consideram que estão submetidos a muitos ou muitíssimos estressores cotidianos.
Foram destacadas quatro habilidades indicadoras de resiliência como significativos fatores de proteção: regulação emocional, otimismo, análise causal e empatia. Segundo o teste estatístico aplicado, a habilidade de maior influência é a regulação emocional. Pessoas com déficit comportamental nessa área estão sob 11,9 vezes maior risco de desenvolver sintomas e patologias decorrentes do stress. O otimismo foi a segunda habilidade de maior influência, de modo que pessoas otimistas correm 5,1 vezes menor risco de desenvolverem quadros de stress excessivo.
O terceiro expressivo fator de proteção, entre os comportamentos indicadores de resiliência, é a análise causal e, em seguida, a habilidade empática, cujas ausências ocasionam 4,4 e 3,8 vezes maior risco.
Observe-se que, segundo essa análise, essas habilidades caracterizamse como fatores de proteção, quando consideradas isoladamente, o que sugere sejam ainda mais eficazes se combinadas no repertório comportamental de um mesmo indivíduo.
Esses resultados sugerem que, de fato, assim como propuseram Reivich & Shatté (2002), o desenvolvimento de resiliência é necessário para promover melhor adaptação do indivíduo ao seu ambiente e para protegê-lo das consequências negativas do stress excessivo, muitas vezes determinado pelo modo como o indivíduo interpreta os acontecimentos.
Por meio da análise de regressão logística multivariada, verificou-se que foram significativas conjuntamente, para definição do perfil de indivíduos com stress, a percepção de alta frequência de fontes de stress na vida, déficit comportamental na habilidade de regulação emocional, sexo feminino, médio e alto percentual de fontes de stress relacionadas ao trabalho e alto percentual de fontes de stress na área financeira.
Relativamente a essa constatação, há fatores modificáveis e não modificáveis. A quantidade de fontes externas de stress, por exemplo, nem sempre é modificável. Entretanto, as fontes internas de stress como interpretações distorcidas, com estilos explicativos rígidos (Knapp, 2005), com predominância do estilo de permanência ou generalização, podem ser minimizadas, como estratégia de prevenção e controle do stress (Lipp,1999). A habilidade de manter a calma diante de adversidades é algo que, do mesmo modo, pode ser aprendido e desenvolvido (Lipp, 2005).
Outra análise que contribuiu para a compreensão da interação entre fontes de stress e resiliência foi a verificação de correlação entre essas variáveis. Encontrou-se coeficiente de correlação negativa entre elas o que significa que quanto maior a presença de fontes de stress, menor a frequência de comportamentos indicadores de resiliência. Esse resultado deve ser interpretado à luz de um dos mais importantes princípios da análise do comportamento, qual seja, a influência recíproca entre o indivíduo e o ambiente.
Para análise complementar, os participantes foram questionados quanto aos comportamentos e atitudes que os auxiliam efetivamente no enfrentamento de adversidades. Encontraram-se relatos pertencentes às sete categorias préestabelecidas, quais sejam, análise causal, regulação emocional, controle de impulsos, otimismo, empatia, auto-eficácia e “reaching out”.
Foram encontradas, também, diversas respostas que não pertenciam claramente às categorias pré-estabelecidas, tais como o caráter passageiro de algumas adversidades, a análise da imediaticidade ou não de enfrentamento possível, a solução natural de alguns problemas e a prática de hobbies.
Uma das estratégias relatadas é a de dialogar e ouvir alguém; confiar na experiência e na sabedoria adquiridos com a própria vida e a de outras pessoas; beneficiar-se do apoio afetivo de pessoas próximas. Essa estratégia refere-se ao apoio social como uma forma de fortalecimento e preparação para a melhor escolha de resposta de coping.
A importância do suporte social vem sendo destacada em diversos estudos. Friborg e cols. (2003) ao investigar o fenômeno da resiliência consideraram importantes, entre outros fatores de proteção, a competência social (extroversão, adaptação social, senso de humor, ser comunicativo, flexibilidade em contatos sociais) e o suporte social (o qual se refere a suportes externos oferecidos por amigos e parentes, assim como à habilidade do indivíduo em buscar tais suportes).
Outro aspecto presente no discurso de alguns participantes é a fé e o vínculo com algum tipo de crença religiosa, associada ao otimismo, à regulação emocional e à perseverança. Diversos estudos têm mostrado que algum tipo de religiosidade pode ser benéfica no fortalecimento do indivíduo diante das intempéries da vida. Moraes & Rabinovich (1996), por exemplo, observaram que possuir atividade religiosa é uma das características comumente encontradas na história de vida de pessoas resilientes.
Quanto à efetiva utilização das estratégias mencionadas, nota-se que, entre os participantes bem sucedidos no controle do stress, a maioria absoluta (97%) o faz. Tal índice mostra que todas as estratégias adotadas são possíveis mecanismos protetores a serem considerados.
Quando questionados acerca da origem de tais comportamentos, os participantes referiram-se às seguintes possibilidades: (a) aprendizagem durante a história de vida, por influência da formação familiar e educacional, por observação do comportamento de outros, por verificação de sucessos e fracassos obtidos ao longo da vida, por meio de psicoterapia e leitura, ouvindo conselhos e opiniões de outras pessoas e por meio de intervenções como acupuntura e ioga; (b) características inatas de personalidade; (c) atitudes e comportamentos referentes à utilização de algum tipo de auxílio espiritual e religioso, como confiança em Deus, formação religiosa e leitura do Evangelho e (d) outros comportamentos não referentes à aprendizagem, origem inata ou religiosa (esses últimos referiam-se a estratégias e “valores” e não propriamente a origens do comportamento; entre eles, foram citados serenidade, honestidade, ética, empenho, otimismo, análise cautelosa dos fatos, etc.).
A percepção que os participantes demonstraram ter quanto à origem dos comportamentos resilientes corrobora os resultados encontrados por alguns pesquisadores da área, os quais atribuem tais comportamentos à interação de aspectos sociais e intrapsíquicos, da família e do ambiente sociocultural (Nascimento, 2006).
Ressalte-se, quanto a esse item da análise dos resultados, que, embora não se tenha realizado um cálculo estatístico para verificação quantitativa, por não ser esse o objetivo da questão, observou-se nitidamente que a maior parte das respostas pertenciam à categoria de comportamentos aprendidos durante a história de vida, o que confirma os princípios elementares de análise do comportamento, quais sejam, os diversos aspectos da influência recíproca entre indivíduo e ambiente.
Nesse sentido, operações consequenciais como reforçamento positivo de comportamentos desejáveis e extinção de comportamentos inadequados podem ser tomadas como importantes aliadas no desenvolvimento de resiliência, posto que estratégias adequadas de enfrentamento de adversidades são, normalmente, bem sucedidas e, portanto, reforçadas. É necessário apenas que o indivíduo esteja sensível às contingências em operação para que seu comportamento seja mais controlado por suas consequências do que por regras.
Por fim, após cautelosa avaliação dos resultados obtidos neste estudo, constata-se a necessidade de que diversos outros sejam realizados antes que se possa dizer que o “estado da arte” em pesquisas sobre resiliência está suficientemente avançado.
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Recebido em: 25/08/2009
Aceito em: 14/09/2009
1 Artigo elaborado a partir da tese de doutorado da primeira autora, sob a orientação da segunda autora, que contou com bolsa de Doutorado da CAPES II.
2 Contato: Rua Sol, Casa 132, Condomínio Millenium, Valinhos - SP - CEP 13271-510. Tels.: (19) 9229-6503 e (19) 3236-2100, ramal 1072. E-mail: julianabarrosdeoliveira@ig.com.br
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