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Avaliação Psicológica
versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431
Aval. psicol. vol.20 no.1 Campinas jan./mar. 2021
https://doi.org/10.15689/ap.2021.2001.ed
EDITORIAL
Por que Escalas Balanceadas Controlam a Aquiescência nos Escores Brutos?
Nelson Hauck Filho; Felipe Valentini; Ricardo Primi
Universidade São Francisco, Campinas - SP, Brasil
Uma recomendação clássica é que escalas psicométricas de autorrelato devem ser balanceadas para que seja possível o controle da aquiescência (Primi et al., 2019). Ser "balanceada" significa que a escala se apresenta constituída por igual número de itens com semântica positiva e negativa em relação ao fator (Primi et al., 2019). Por exemplo, existe mesma quantidade de afirmações do tipo "Sou comunicativo" e "Sou tímido". O presente editorial apresenta um argumento geral em favor do uso de escalas balanceadas como condição suficiente para o controle da aquiescência nos escores brutos e precondição para o controle em uma análise fatorial.
Como já detalhado em outros editoriais da revista [ver 16(2), 17(2), 20(1)], a aquiescência se caracteriza como um viés de concordar com itens em escala tipo Likert, mesmo quando possuem conteúdo antônimo (Hofstee et al., 1998; Jackson & Messick, 1958). Escalas balanceadas apresentam a propriedade de terem seus escores brutos automaticamente corrigidos para a aquiescência. Abaixo, é oferecida uma explicação simplificada dessa propriedade, com o subsequente auxílio de padrões hipotéticos de resposta.
Vamos assumir que, nas equações abaixo, = carga fatorial do fator de conteúdo, e = carga fatorial da aquiescência. Para simplificar, vamos supor também que os itens medem o construto com a mesma "dificuldade". Sendo assim, não incluímos o intercepto nas equações do item. Assim, considere um par de itens positivo ( e negativo ( que avaliam um mesmo fator:
Ao inverter o item negativo , temos:
Na teoria clássica, o escore bruto pode ser calculado como sendo a média (ou a soma) dos itens positivo ( e negativo-invertido (. Considerando que as cargas fatoriais em aquiescência sejam iguais, os termos de aquiescência se anulam, pois têm sinais opostos, como abaixo:
Considerando que, ao calcular um escore bruto, assume-se que os itens são todos igualmente discriminativos do Fator (carga 1, por exemplo), a equação (4) é simplificada para:
Como dito anteriormente, nas equações, omitimos os parâmetros de dificuldade dos itens (intercepto ou threshold), para deixar a explicação o mais simples possível. O intercepto mudará a posição do item na métrica dos escores, mas não influenciará na anulação da aquiescência. Para tornar a explicação mais direta, vejamos um exemplo, apresentado na Tabela 1, de dois itens de extroversão respondidos em uma escala Likert de 5 pontos, de discordo totalmente (1) a concordo totalmente (5).
Observe que os escores de Maria são semanticamente consistentes, já que ela concorda moderadamente com o item positivo e discorda moderadamente do item negativo. Por outro lado, as respostas de João são semanticamente incoerentes, pois ele concorda fortemente com o item positivo e expressa um nível intermediário de concordância com o item negativo. Imagine que o teste fosse composto somente por dois itens positivos, e as respostas fossem iguais, como no exemplo. Nesse caso, João teria um escore maior ([5 + 5]/2 = 5) do que Maria ([4+4]/2 = 4) e seria-incorretamente-considerado mais extrovertido. Em contraste, agora veja o que acontece quando o teste é composto por pares semânticos de itens positivos e negativos, como indicado na tabela. Veja que João acaba recebendo o mesmo escore bruto, 4 pontos.
Vejamos com calma como isso ocorre. Apesar de ter concordado mais do que Maria com o item positivo (5 vs 4), João não deu uma resposta coerente com esse nível de extroversão no item negativo (se fosse completamente coerente, deveria ter respondido 1). Como João é mais aquiescente, ele tende a concordar independentemente do conteúdo, de modo que suas respostas têm valores maiores. Ele respondeu 3 ao item negativo. A correção automática reduz seu escore porque detecta uma resposta inflada, decorrente da aquiescência. Ao final, apesar de João ter concordado mais com um item positivo, ele recebeu um escore total igual ao de Maria. Primi, De Fruyt, et al. (2019) e Primi et al. (2020) mostraram que o escore final é proporcional à diferença entre a resposta positiva vs negativa antes de inverter ([5 - 3]/2 + 3 = 4 vs ([4 - 2]/2 + 3 = 4). Essa fórmula permite intuir como ocorre a correção automática. Somente é posível ter um escore máximo (5 ou 1) se a resposta positiva for refletida no item negativo e se for semanticamente consistente. Havendo acquiescência, essa amplitude é diminuída.
Portanto, conclui-se que, apesar da existência da aquiescência, o escore bruto da escala balanceada hipotética de dois itens remove uma parte da concordância decorrente desse viés. Porém, note que, quanto maior a variância de aquiescência, mais a resposta é explicada por ela, e menos pelo traço. Assim, nesses casos extremos, os escores tendem a regredir para o ponto médio, e não teremos certeza de qual é o verdadeiro nível no traço, já que as respostas foram incoerentes.
A primeira mensagem deste simples exemplo da Tabela 1 é que, em uma escala balanceada, o escore bruto é automaticamente controlado por aquiescência. Isso foi chamado por Primi et al. (2019) de "mecanismo de cancelamento de ruído", por operar analogamente ao que acontece em fones de ouvido com noise cancelling. A segunda mensagem é que, apesar de os escores brutos estarem corrigidos pela aquiescência, o mesmo não pode ser dito das respostas individuais aos itens! Usar esses escores em uma análise fatorial junto a outros itens poderia produzir alguns dos problemas clássicos descritos na literatura. Uma situação típica seria que, em uma análise exploratória, poderiam emergir fatores separados explicando os itens + e ─, mesmo que eles representem um mesmo traço. Outra situação seria que, ao forçar um modelo unidimensional contendo tais itens, poderia ocorrer uma inflação da carga do item + e supressão da carga do item ─ (Aichholzer, 2014; Ferrando & Lorenzo-Seva, 2010; Weydmann et al., 2020). Isso ocorre porque, quanto maior for a variância de aquiescência em uma amostra, mais ela tenderá a suprimir as correlações entre pares de itens + e ─, e amplificar as correlações entre pares de itens + + e ─ ─. Disso, poderá resultar uma solução de dois fatores, mesmo que o modelo verdadeiro seja unidimensional (veja Primi et al. 2020).
Portanto, uma escala balanceada produz 1) escores brutos controlados por aquiescência e 2) os recursos apropriados para que os escores individuais sejam controlados por esse viés em uma análise fatorial (ou outra) subsequente. O controle da aquiescência prévio à análise fatorial deve ser abordado seguindo alguma das estratégias técnicas disponíveis, que podem ser consultadas em Primi et al. (2019), Primi et al. (2020) e no editorial 16(2).
Algumas ressalvas merecem ser feitas. Os valores de aquiescência do exemplo são mais extremos do que os que costumamos observar em pesquisas reais. Não obstante, o intuito da ilustração e exemplo é apenas didático. Outro aspecto é que, para modelos fatoriais que assumem os dados observados como categóricos, o exemplo seria mais complexo e teríamos que modelar também os thresholds. Para isso, poderíamos utilizar phanton variables entre o escore observado e o modelo (talvez, tema para um editorial futuro). Além disso, pouco se sabe sobre quais condições, de fato, devem ser atendidas para que uma escala seja balanceada em dados reais. Basta que os itens sejam antônimos? Devem eles ter cargas fatoriais opostas, mas de similar magnitude? Devem ter interceptos ou parâmetros de dificuldade perfeitamente equivalentes?
Esperamos que este editorial seja didático e auxilie pesquisadores e estudantes a entenderem melhor o corolário subjacente à recomendação de incluir itens negativos em um instrumento. Também temos o intuito de incentivar os pesquisadores a submeterem seus manuscritos descrevendo estudos em que controlaram vieses de resposta nos escores ou análises.
Referências
Aichholzer, J. (2014). Random intercept EFA of personality scales. Journal of Research in Personality, 53, 1-4. https://doi.org/10.1016/j.jrp.2014.07.001 [ Links ]
Ferrando, P. J., & Lorenzo-Seva, U. (2010). Acquiescence as a source of bias and model and person misfit: A theoretical and empirical analysis. British Journal of Mathematical and Statistical Psychology, 63(2), 427-448. https://doi.org/10.1348/000711009X470740 [ Links ]
Hofstee, W. K. B., Berge, J. M. F. T., & Hendriks, A. A. J. (1998). How to score questionnaires. Personality and Individual Differences, 25(5), 897-909. https://doi.org/10.1016/S0191-8869(98)00086-5 [ Links ]
Jackson, D. N., & Messick, S. (1958). Content and style in personality assessment. Psychological Bulletin, 55(4), 243-252. https://doi.org/10.1037/h0045996 [ Links ]
Primi, R., De Fruyt, F., Santos, D., Antonoplis, S., & John, O. P. (2019). True or false? Keying direction and acquiescence influence the validity of socio-emotional skills items in predicting high school achievement. International Journal of Testing, 1-25. https://doi.org/10.1080/15305058.2019.1673398 [ Links ]
Primi, R., Hauck-Filho, N., Valentini, F., & Santos, D. (2020). Classical Perspectives of controlling acquiescence with balanced scales. In Quantitative Psychology (pp. 333-345). https://doi.org/10.1007/978-3-030-43469-4_25 [ Links ]
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Primi, R., Valentini, F., Hauck, N., Santos, D., & Falk, C. (2019). Controlling Acquiescence Bias with Multidimensional IRT Modeling. In M. Wiberg, S. Culpepper, R. Janssen, J. González, & D. Molenaar (Eds.), Quantitative Psychology. IMPS 2017. Springer Proceedings in Mathematics & Statistics (Vol. 265, pp. 39-52). Springer, Cham. [ Links ]
Weydmann, G., Hauck Filho, N., & Bizarro, L. (2020). Acquiescent responding can distort the factor structure of the BIS/BAS scales. Personality and Individual Differences, 152, 109563. https://doi.org/10.1016/j.paid.2019.109563 [ Links ]