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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.22 no.1 Campinas jan./jun. 2021

https://doi.org/10.26707/1984-7270/2021v22n105 

10.26707/1984-7270/2021v22n105

ARTIGO

 

Funcionamento Intelectual e Interesses Profissionais: um Estudo com Adolescentes em Contexto Escolar

 

Intellectual Disabilities and Professional Interests: A Study with Adolescents in the School Context

 

Discapacidades intelectuales e intereses profesionales: un estudio con adolescentes en Contexto Escolar

 

 

Renato Gomes CarvalhoI; Carolina CâmaraII

ISecretaria Regional de Educação, Ciência e Tecnologia da Madeira, Portugal
IIUniversidade da Madeira

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste estudo, analisamos a relação entre dificuldades no funcionamento intelectual (DFI) e interesses profissionais. A amostra constitui-se por 120 estudantes, com idades entre 14 e 22 anos (M = 15, DP = 1), e foi dividida entre os que apresentavam DFI (n = 54) e os que não apresentavam DFI (n = 66). Utilizamos o Inventário de Interesses e Exploração Auto-Dirigida e um questionário sociodemográfico e escolar. Os resultados revelam diferenças moderadas nos interesses dos adolescentes com DFI, comparativamente aos que não têm DFI, com resultados médios superiores de tipo Realista e Social, e inferiores de tipo Empreendedor. Os resultados são discutidos tendo em conta a necessidade de considerar a diversidade em contexto escolar e de promover a inclusão destes jovens.

Palavras-chave: Desenvolvimento de carreira; interesses profissionais; funcionamento intelectual; orientação escolar; inclusão social.


ABSTRACT

In this study we analyse the relation between intellectual disabilities and professional interests. Sample consisted of 120 Portuguese students, aged between 14 and 22 years old (M = 15, SD = 1), which were divided in two groups, depending on whether intellectual disabilities were present (N = 54) or absent (N = 66). We used the Portuguese version of the Self Directed Search Inventory, and a sociodemographic and school life survey. Results show moderate differences between students with and without intellectual disabilities in professional interests. Students with intellectual disabilities reported higher mean interests of Realistic and of Social type, and lower mean interests of Entrepreneur type. Results are discussed taking into account the need to consider students' diversity and to promote social inclusion.

Keywords: Career development; professional interests; intellectual disabilities; school counseling; social inclusion


RESUMEN

En este estudio, analizamos la relación entre la discapacidad intelectual (DI) y los intereses profesionales de 120 estudiantes portugueses, de edades entre 14 y 22 años (M = 15; DP = 1). Hemos utilizado la versión en portugués del Self Directed Search, y un cuestionario sociodemográfico y escolar. Los resultados muestran diferencias moderadas en los intereses profesionales de los estudiantes con DI, en comparación con aquellos sin DI, con resultados medios más altos de tipo Realista y Social, y más bajos de tipo Emprendedor. Los resultados se discuten teniendo en cuenta la necesidad de considerar la diversidad en el contexto escolar y promover la inclusión.

Palabras clave: intereses profesionales; discapacidad intelectual; orientación escolar; inclusión social


 

 

Os interesses profissionais correspondem a um conceito central em psicologia vocacional e a sua exploração é valorizada em processos de orientação e aconselhamento de carreira, já que essa exploração promove o autoconhecimento e apoia a tomada de decisão de carreira (Carvalho, 2012). Holland (1997) define interesse como uma expressão da personalidade do indivíduo nos diversos ambientes em que este participa, tais como o trabalho e os hobbies, sendo que cada indivíduo tende a procurar ambientes que estejam de acordo com os seus interesses e onde os possa exprimir.

Tendo os interesses um papel central no âmbito do desenvolvimento de carreira e sendo um reflexo da identidade de cada indivíduo, a análise da forma como se relacionam com variáveis sociodemográficas e relativas ao percurso escolar, bem como o estudo dos interesses em determinadas populações, têm sido incentivados. No presente estudo, analisamos a relação entre dificuldades no funcionamento intelectual de adolescentes no ensino básico e a expressão dos seus interesses profissionais. Especificamente, analisamos potenciais diferenças nos interesses profissionais entre estudantes com o diagnóstico de dificuldades no funcionamento intelectual e aqueles que não o têm. Sendo diversas características sociodemográficas dos indivíduos significativas para a expressão dos interesses, no presente estudo analisamos também a relação entre o sexo e entre a área de residência, e os interesses profissionais.

Interesses Profissionais e Desenvolvimento de Carreira

No âmbito da concetualização dos interesses profissionais, Holland (1997) propôs o conceito de personalidade vocacionalpara designar o que considera ser avariável mais importante para entendermos a escolha vocacional de um indivíduo. Holland defende que os interesses são uma expressão importante da personalidade e podem ser usados para a categorizar significativamente as pessoas e os ambientes de trabalho em seis tipos, os quais refletem padrões de interesses (RIASEC): Realista (R), Investigativo (I), Artístico (A), Social (S), Empreendedor (E) e Convencional (C).

Numa distribuição destes seis tipos num hexágono, os interesses mais próximos estão mais relacionados e os mais afastados menos relacionados, sendo que a maioria das pessoas pode ser caracterizada pelo seu tipo predominante, com um ou dois outros tipos que têm uma influência moderada no seu comportamento e nas suas preferências (Turner et al., 2011). O enquadramento de cada indivíduo nos termos desta tipologia depende de um conjunto de acontecimentos familiares, orientações pessoais, preferências ocupacionais e interações com contextos ambientais específicos (Fogliatto et al., 2003), sendo que as pessoas procuram integrar-se em ambientes e profissões que permitam a expressão da sua personalidade vocacional (Magalhães, Martinuzzi, & Teixeira, 2004).

A construção dos interesses inicia-se na infância, mas apenas se torna consistente a partir da adolescência e início da idade adulta (Hartung, Porfeli, & Vondracek, 2005). Como período de desenvolvimento cognitivo e socioemocional, alterações fisiológicas e mudanças de papéis na família, na escola e no grupo de pares (Low & Rounds, 2007), a adolescência corresponde também a um período de construção e desenvolvimento de interesses profissionais, cuja expressão se insere num quadro de expressão da liberdade, de experimentação e de adaptação ao ambiente por parte de cada adolescente. Com a progressão na idade adulta, a expressão dos interesses tende a estabilizar, com uma maior definição de interesses predominantes e diminuição de mudanças sistemáticas (Swanson, 1999).

Características Sociodemográficas e Escolares e Interesses Profissionais

Diversas variáveis sociodemográficas e escolares influenciam os interesses ao longo do ciclo de vida. Na adolescência, verifica-se uma influência da família, especialmente dos pais, na escolha de cursos e futuras profissões, com os pais frequentemente a sugerirem e, em alguns casos, determinarem as escolhas do adolescente (Noronha & Ottati, 2010). O nível de escolaridade dos pais e o estatuto sociocultural das famílias, por exemplo, devem ser considerados na expressão dos interesses dos adolescentes, já que vários estudos revelam que muitos adolescentes tendem a procurar profissões semelhantes às dos seus pais, com jovens integrados em famílias consideradas socialmente mais favorecidas a procurarem profissões que apresentem maior prestígio social (e.g., Almeida et al., 2006).

No que concerne ao sexo, diversos estudos assinalam diferenças significativas entre homens e mulheres nos interesses profissionais (e.g., Almeida et al., 2006; Carvalho, 2012; Sartori, Noronha, & Nunes, 2009; Su, Rounds, & Armstrong, 2009). Estas diferenças expressam-se sobretudo no eixo coisas versuspessoas, com o sexo masculino, em média, a apresentar interesses por atividades mais práticas e que impliquem a utilização de ferramentas e outros instrumentos, e trabalho com números e dados, e o sexo feminino por áreas ligadas ao contacto humano e ao trabalho com pessoas. Isto significa que, no âmbito do modelo das personalidades vocacionais de Holland, os homens tendem a apresentar níveis médios superiores de interesses do tipo Realista, Investigador e Empreendedor, enquanto as mulheres tendem a apresentar níveis médios superiores de interesses do tipo Social e Artístico. Estas diferenças médias traduzem-se, por exemplo, no plano dos percursos formativos, em escolhas por áreas de ciências e engenharias mais frequentes nos homens, e por ciências sociais e humanas mais frequentes nas mulheres.

Dificuldades no Funcionamento Intelectual e Interesses Profissionais.

As dificuldades no funcionamento intelectual (DFI), expressas num nível de eficiência intelectual significativamente abaixo da média para a faixa etária do indivíduo (por exemplo, situado nos intervalos Inferior e Muito Inferior da WISC), são frequentes na população escolar (Westwood, 2008), sendo que os estudantes com DFI têm mais dificuldades em aprender, comparativamente aos que não apresentam DFI, bem como tendem a ser mais imaturos do que os seus colegas, exibindo comportamentos habitualmente de crianças mais novas (Westwood, 2008). Neste sentido, as DFI constituem-se como uma característica com influência na adaptação das crianças e adolescentes à vida escolar e particularmente ao modo como constroem o seu percurso profissional, pelo que é de considerar que possam influir no desenvolvimento e expressão dos interesses profissionais.

Apesar da relevância e dos impactos que as DFI têm potencialmente para o percurso escolar dos adolescentes e particularmente para a forma como perspetivam a carreira, não tem existido muita investigação e sistematização do modo como se desenvolve a carreira dos adolescentes com DFI em contexto escolar, e particularmente ao nível dos seus interesses profissionais. Sendo certo que o desenvolvimento da carreira de cada indivíduo, incluindo aqueles que têm DFI, é influenciado por diversos fatores (Enright, Conyers, & Szymanski, 1996), é de esperar que uma dimensão significativa de natureza intelectual exerça também um papel na construção e expressão dos interesses profissionais e subsequentemente nas escolhas vocacionais.

Patton e McMahon (2014) referem que os indivíduos com DFI dão tanto valor ao trabalho como os indivíduos sem esta característica, em especial como um meio de subsistência e de contacto social. No entanto, verificam-se alguns dados discordantes relativamente a potenciais diferenças nos interesses em função de DFI. Apesar de haver indicadores, ainda que pouco recentes, de semelhanças nos interesses profissionais dos jovens com DFI e sem DFI (Cummings & Maddux, 1987), outros dados (Nota, Ginevra, & Carrieri, 2010) indicam que os jovens com DFI apresentam, maioritariamente, interesses por ocupações de complexidade média-baixa que, de acordo com a Teoria das Personalidades Vocacionais de Holland, se expressam em níveis mais elevados de interesses de tipo Convencional, Realista, Social e Artístico, e mais baixos de tipo Empreendedor e Investigador.

A escassez de informação sistematizada sobre os interesses profissionais de jovens com DFI assinala a importância do aprofundamento do estudo do desenvolvimento de carreira destes jovens, por meio de mais contributos para o conhecimento e que possa informar os processos de educação, orientação e aconselhamento de carreira, num sentido de maior adequação às necessidades dos jovens. Além disso, toda a informação que favoreça a análise do desenvolvimento de carreira dos jovens com incapacidades deve merecer atenção, dado que os mesmos se encontram frequentemente em risco de abandono precoce da escola, o que os torna menos preparados para o mundo do trabalho (Levinson & Palmer, 2005). Além disso, verifica-se um conjunto significativo de indicadores de menor integração no mercado de trabalho e inclusão de indivíduos com DFI após a transição da escola para o mundo do trabalho (Kocman & Weber, 2018; Pereira-Silva, Furtado & Andrade, 2018; Tansey et al., 2017; Vornholt et al., 2018).

Assumindo que as DFI são uma variável relevante no desenvolvimento de carreira dos jovens (Nota et al., 2010), no presente estudo procuramos verificar se existe um efeito das DFI nos interesses profissionais dos estudantes. Com base na literatura, hipotetizamos (H1) que os adolescentes com DFI apresentam, comparativamente aos que não têm DFI, mais interesses de complexidade média-baixa, como os expressos nos tipos Convencional, Realista, Social e Artístico (Nota et al., 2010). Face à evidência (e.g., Carvalho, 2012; Su et al., 2009), hipotetizamos também (H2) que existem diferenças significativas entre os sexos nos interesses profissionais, sendo que o sexo femininos apresenta interesses superiores na dimensão pessoas (tipos Artístico e Social) e o masculino na dimensão coisas (tipos Realista, Investigador, Empreendedor).

 

Método

Participantes

Para a realização do presente estudo recorreu-se a uma amostra não probabilística por conveniência, que foi constituída por 120 adolescentes portugueses, com idades compreendidas entre os 14 e os 18 anos (M = 15, DP = 1) e a frequentarem diversos estabelecimentos de ensinos básico e secundário na região da Madeira, Portugal. A maioria dos estudantes era do sexo masculino (n = 76, o que corresponde a cerca de 63% da amostra) e residia em zonas urbanas (n = 87). O nível de educação parental mais prevalente era o ensino básico (cerca de 75%). No Quadro 1 apresentamos a caracterização da amostra conforme a presença de DFI. Relativamente à amostra de estudantes com DFI, o critério de inclusão foi terem menção a esse diagnóstico no seu processo individual e de, por esse motivo, beneficiarem-se de apoios pedagógicos na respetiva escola. A elegibilidade para o diagnóstico de DFI decorre de um processo de avaliação que identifica um funcionamento intelectual significativamente inferior à média para a faixa etária e limitações no comportamento adaptativo.

 

 

Instrumentos

Inventário de Interesses e Exploração Auto-Dirigida (SDS; Holland, Fritzsche & Powell, 1994). Para a avaliação dos interesses, recorremos à versão em português do SDS, de Primi, Mansão, Muniz e Nunes (2010), particularmente à primeira escala. O SDS é um inventário de autorrelato, constituído por 216 itens, correspondentes às atividades profissionais que o indivíduo gosta ou gostaria de fazer (66 itens), às competências em que o indivíduo se considera bom ou gostaria de aprender (66 itens), às carreiras que o indivíduo gostaria de seguir (72 itens) e às capacidades que o mesmo acredita possuir (12 itens). Cada uma das quatro partes do instrumento encontra-se dividido de acordo com os seis tipos RIASEC, sendo que as três primeiras partes são de resposta dicotómica sim ou não e a quarta parte utiliza uma escala com sete alternativas de resposta, entre 1 (baixa) e 7 (alta).

Questionário Sociodemográfico e Escolar (QSE). Para a recolha de informação sociodemográfica e do percurso escolar foi construído um questionário para o efeito e que se encontra organizado em duas partes: a primeira refere-se a variáveis sociodemográficas, nomeadamente a idade, o sexo, a área geográfica de residência, a situação profissional dos pais e as suas habilitações académicas; a segunda parte envolve variáveis sobre a situação escolar atual dos jovens, incluindo informação sobre o curso em que se encontram inscritos, a inscrição na educação especial e sobre as retenções escolares.

Procedimentos

Recolha de dados

A investigação iniciou-se com um conjunto de tarefas relativas a processos formais de autorização para a aplicação de instrumentos, junto de vários agentes: da Direção Regional de Educação da Madeira, Portugal, onde foi solicitada autorização para realização do estudo nas escolas; dos conselhos executivos das diversas escolas, onde foi pedida a autorização para a realização do estudo; e junto dos encarregados de educação e estudantes, que deram o seu consentimento informado por escrito, o qual assegurou a sua participação voluntária e o anonimato e confidencialidade dos dados recolhidos. A aplicação dos instrumentos foi realizada em contexto de sala de aula, na presença dos autores e do professor que lecionava nesse horário. Este estudo foi aprovado pela Comissão Científica da Faculdade de Artes e Humanidades da Universidade da Madeira, Portugal.

Análise de Dados

Este estudo é de natureza quantitativa e procurou contribuir para a compreensão do desenvolvimento vocacional dos alunos com DFI, em comparação com os alunos sem este ou qualquer outro diagnóstico que implique medidas pedagógicas seletivas em contexto escolar. Para tal, foram levadas a cabo análises de variância multivariada (MANOVA) onde se compararam diferentes grupos sociodemográficos nos resultados do SDS. Foram consideradas como variáveis independentes as variáveis sociodemográficas e escolares e como variáveis dependentes cada um dos tipos de interesses. Foram também calculados os coeficientes de correlação bivariada entre os resultados nas diversas escalas RIASEC, em função do sexo e do diagnóstico DFI.

 

Resultados

Numa análise preliminar e correlacional entre os resultados dos interesses profissionais, por sexo e por diagnóstico DFI, verificamos que as relações entre as variáveis RIASEC, tanto por sexo como por diagnóstico DFI, são significativas e de força variável entre fraca e moderada (Cohen, 1988). De entre estas relações, destacam-se as relações fortes entre os interesses de tipo Artístico e Social, Convencional e Investigador, Convencional e Empreendedor, no sexo feminino, e as relações fortes entre os interesses de tipo Realista e Empreendedor, e Artístico e Social, no sexo masculino (cf. Quadro 2).

 

 

Quanto às DFI, verificam-se relações moderadas e fortes entre o tipo Convencional e todos os restantes tipos de Interesses, ocorrendo um padrão semelhante no caso dos interesses de tipo Artístico (Quadro 3).

 

 

Nos termos do que hipotetizamos (H1), verifica-se uma associação entre DFI e interesses profissionais, F(6, 107)= 3,14; p < ,01; Λ de Wilks = ,85; ηp2 = ,15, com as diferenças a se expressarem nos tipos Realista, Social e Empreendedor, sendo que, no caso dos interesses Realista e Social, os jovens com DFI têm resultados médios mais elevados, e nos interesses de tipo Empreendedor, aqueles jovens têm resultados mais baixos (Quadro 4). Relativamente às restantes variáveis escolares, os resultados evidenciam uma influência da retenção no percurso escolar nos interesses profissionais, F(6, 107)= 3,91; p < ,001; Λ de Wilks = ,82; ηp2 = ,18, com os alunos que já ficaram retidos pelo menos um ano ao longo do percurso escolar a apresentarem resultados médios superiores em interesses de tipo Realista. Não foi identificado um efeito do tipo de curso/nível de escolaridade frequentado nos interesses.

 

 

Quanto à influência de variáveis sociodemográficas nos interesses profissionais, verificou-se uma influência de magnitude elevada do sexo, F(6, 98) = 11,07; p < ,001; Λ de Wilks = ,60; ηp2 = ,40, e uma influência de magnitude moderada no caso da área geográfica de residência, F(6, 107)= 3,24; p < ,01; Λ de Wilks = ,85; ηp2 = ,15. No caso do sexo, as diferenças observam-se nas dimensões Realista, Artístico e Social, com o sexo masculino a apresentar uma média superior nos interesses de tipo Realista, e o sexo feminino nos interesses de tipo Artístico e Social. Estes resultados vêm ao encontro do hipotetizado (H2), ainda que nos interesses de tipo Empreendedor e Investigativo não se tenham observado diferenças significativas. No caso da área geográfica de residência, as diferenças ocorrem na dimensão Realista, na qual os jovens residentes em zonas rurais têm resultados superiores. Por outro lado, não se verifica uma influência da idade nestas mesmas dimensões (cf. Quadros 5 e 6). Com a presente amostra, não foram encontrados efeitos significativos da educação parental ou do nível ocupacional dos pais nos interesses profissionais.

 

 

 

 

Discussão

No presente estudo, de natureza exploratória e correlacional, pretendemos analisar a potencial relevância das DFI na expressão dos interesses profissionais de adolescentes portugueses. Os resultados mostraram que os jovens com DFI tendem a ter resultados médios mais elevados em interesses do tipo Realista e Social e mais baixos em interesses de tipo Empreendedor, o que corrobora parcialmente a primeira hipótese apresentada neste estudo (H1) e se encontra em consonância com a escassa literatura (Nota et al., 2010). No entanto, e ainda que os resultados médios sejam no sentido hipotetizado, as diferenças observadas nos interesses de tipo Convencional e Artístico não foram significativas.

Também de acordo com a literatura (e.g., Carvalho, 2012; Su et al., 2009), os resultados confirmaram a H2, revelando que o sexo masculino tende a reportar um nível mais elevado de interesses de tipo Realista e o sexo feminino de tipo Artístico e Social. Estes resultados evidenciam interesses médios superiores, no sexo masculino, por atividades profissionais relacionadas com o manuseio de objetos e ferramentas, que exigem pensamento prático, força física e coordenação motora e, no sexo feminino, por atividades que envolvam a relação com o outro e com a utilização de recursos físicos, verbais ou humanos para a criação de arte ou produtos, podendo manifestar a sua individualidade e criatividade (Holland, 1997).

No que se refere à área geográfica de residência, os resultados mostraram que estudantes residentes e a frequentar escolas em zonas rurais reportam mais interesses de tipo realista. Uma possível explicação para estes resultados prende-se com a exposição precoce destes jovens a profissões e atividades associadas a esta dimensão, o que conduz, por consequência, ao desenvolvimento de uma maior acessibilidade de atitudes e interesses ligados a este tipo de profissões.

Observou-se ainda que os estudantes que apresentavam pelo menos uma retenção no percurso escolar tendem a reportar mais interesses de tipo Realista. Não sendo a literatura explícita em relação aos motivos que estarão na origem deste resultado, poder-se-á considerar a possibilidade de existir uma orientação destes alunos, já na escola, para profissões mais práticas e que envolvam competências manuais, que os permita se iniciar no mundo profissional. Outro aspeto relevante para este resultado, e que se poderá constituir como uma limitação deste estudo, prende-se com a própria constituição da amostra, em que os jovens com retenções no percurso escolar se encontravam maioritariamente de natureza profissionalizante, o que desde logo lhes oferece uma experiência mais prática e concreta do mundo do trabalho.

Considerados em conjunto, os resultados obtidos revelam diferenças nos interesses profissionais entre jovens com diagnóstico de DFI e jovens sem este diagnóstico, ainda que a extensão verificada nos resultados não tenha sido a hipotetizada. Num quadro de referências escassas a estudos de interesses com estas populações, consideramos que este trabalho fornece um contributo para o conhecimento das características de alguns de estudantes em contexto escolar e, assim, para uma maior sustentação e adequação da prática profissional às necessidades destes jovens, no âmbito do desenho de intervenções no plano vocacional que permitam a construção do seu projeto de vida.

Com efeito, porque os jovens com incapacidades devem ter a mesma oportunidade e participar no mesmo leque de atividades em que os seus pares participam (Shearman & Sheehan, 2000), torna-se importante promover o conhecimento da realidade e o envolvimento de pessoas com incapacidade intelectual em dimensões relacionadas com a construção da carreira, de forma a promover a sua autodeterminação e motivação face ao seu desenvolvimento vocacional (Akkerman et al., 2006). Esta tarefa envolve, entre outros, contribuir para a sua transição bem sucedida da escola para o mundo do trabalho, por meio do desenho de intervenções que vão ao encontro das suas necessidades e que promovam uma avaliação compreensiva no plano vocacional e mobilize os recursos e serviços na comunidade (Levinson & Palmer, 2005).

A necessidade de ser compreendida a influência de determinadas características na expressão dos interesses profissionais e consequentemente o seu impacto nas intervenções torna-se especialmente relevante, já que, ao passo que a transição da escola para papeis da vida adulta é exigente para qualquer adolescente, para os que têm uma incapacidade intelectual, essa transição pode ser particularmente difícil (Cook, 2017; Leonard et al., 2016) e requer que a escola e os serviços que apoiam esta transição permitam as experiências e favoreçam o desenvolvimento de competências para a realidade após a escola, onde muitos destes estudantes com incapacidades enfrentarão dificuldades (Bouck & Joshi, 2016). Esta circunstância é especialmente relevante se considerarmos que os serviços prestados na escola são preditores para a integração futura no mundo do trabalho (Park & Bouck, 2018).

As desigualdades, especialmente em relação a taxas de emprego, direitos laborais, remuneração, escolhas de carreira e possibilidade de uma vida independente que são ainda comuns nos contextos de trabalho de pessoas com incapacidade intelectual (Kocman & Weber, 2018; Tansey et al., 2017; Vornholt et al., 2018) exigem um envolvimento ativo, colaboração e tomadas de decisão por parte das famílias, da escola e de instâncias na comunidade (Bouck & Joshi, 2016; Leonard et al., 2016).

A necessidade de providenciar intervenções significativas e baseadas no conhecimento decorre também do facto de muitos dos indivíduos com dificuldades no funcionamento intelectual frequentemente terem uma experiência limitada em que basear o seu autoconhecimento e o desenvolvimento das suas preferências pessoais (Stock et al., 2003). Neste sentido, torna-se ainda mais premente que todos os agentes educativos se assegurem que, como referem Stock et al. (2003), as preferências e os interesses relevados pelos indivíduos estão efetivamente baseados num conjunto suficiente e significativo das experiências que geram esses mesmos interesses.

Numa perspetiva de inclusão e de justiça social, no sentido de não se negligenciar as variáveis do contexto (Cardoso, Duarte, & Sousa, 2016; Cook, 2017), estas não são apenas tarefas individuais ou até da família de cada jovem, mas da sociedade, na medida em que a sociedade tem também o papel de proporcionar o desenvolvimento e a inclusão social de pessoas que vivam com incapacidade (Pereira-Silva et al., 2018). De facto, é fundamental que família, comunidade, instituições especializadas, escolas e empresas formem redes de apoio (Pereira-Silva et al., 2018) e que permitam a viabilização de estratégias úteis às transições e facilitadores da inclusão, como alguns estudos têm identificado e em que se incluem o planeamento da transição, o foco nas forças individuais, o fornecimento de informação sobre apoios sociais e recursos disponíveis, programas de transição na escola e a constituição de apoios informais na comunidade (Dean et al., 2019; Leonard et al., 2016).

Apesar das limitações funcionais que podem decorrer de uma incapacidade específica, frequentemente não são as incapacidades que constituem barreiras ao emprego ou à educação, mas fatores psicossociais que se apresentam como barreiras ao trabalho, ao emprego ou à formação profissional (Dispenza, 2019). O desencorajamento e várias barreiras relacionadas com o emprego, atitudes negativas e o estigma poderão contribuir para um baixo envolvimento destes jovens na construção do seu percurso (Dispenza, 2019). Pelo contrário, poderão constituir-se como facilitadores o envolvimento em experiências de trabalho na comunidade ao longo do percurso, o desenvolvimento de competências relacionadas com o trabalho e sociais, bem como a rede social e o ambiente inclusivo na escola (Bouck & Joshi, 2016; Chan et al., 2018; Dispenza, 2019; Plotner & Marshall, 2016).

São, em suma, necessários serviços de qualidade e baseados na evidência (Dean et al., 2019) e que contribuam, não só para as experiências ao longo do percurso escolar, mas também para a transição dos estudantes para a vida pós-escolar, sobretudo num período de dificuldades sociais e económicas como aquele em que vivemos .

Por fim, não podemos deixar de assinalar algumas limitações, que necessitam ser tidas em conta na análise dos resultados deste estudo, mas que simultaneamente encorajam a realização de novos estudos para futuro. Assim, é importante assinalar que o critério de inclusão foi por conveniência e decorrente de informação administrativa, técnica e pedagógica prévia; os autores não avaliaram o funcionamento intelectual dos participantes, o que significa que a sua inclusão no grupo com DFI ou sem DFI decorreu de terem ou não esse diagnóstico no seu processo individual de aluno e de estarem ou não a beneficiar de apoios pedagógicos na respetiva escola por esse motivo. A ausência deste controlo poderá fazer com que possa haver hipoteticamente estudantes na amostra sem DFI mas que apresentam essas dificuldades (i.e., não estão diagnosticados). Além disso, porque o número de casos de jovens com DFI em cada escola era menor, houve necessidade de ampliar a heterogeneidade da amostra de estudantes com DFI, comparativamente aos que não apresentavam DFI. Assim, aqueles estudantes encontravam-se em diversos níveis de ensino e tinham diferentes idades, ao contrário do sucedido com os jovens sem este diagnóstico, cuja maioria era do mesmo nível de escolaridade (9º ano) e faixa etária (14 a 16 anos de idade).

Consideramos também relevante para o futuro distinguir a severidade da incapacidade intelectual, de forma a poder compreender melhor as dimensões associadas aos estudantes com dificuldades ligeiras, moderadas e severas no plano intelectual (Bouck & Joshi, 2016). Assinalamos ainda a necessidade da realização de estudos com desenho longitudinal, os quais, ao acompanharem o percurso destes jovens, poderão apresentar perspetivas mais aprofundadas (Kocman & Weber, 2018), podendo incluir também o papel de fatores não intelectuais, como é o caso da personalidade e da motivação, sobretudo porque a maioria dos estudos, por exemplo, relativos à motivação não tem focado a realidade de indivíduos com DFI (Frielink, Schuengel, & Embregts, 2017).

 

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Endereço para correspondência:
Renato Gomes Carvalho
Avenida Zarco
Edifício do Governo Regional
CEP: 9004-527 Funchal

Recebido: 10/06/2020
1ª reformulação: 01/02/21
Aceito: 08/03/2021

 

 

Sobre os autores:
Renato Gomes Carvalho é Doutor em Psicologia pela Universidade de Lisboa e Psicólogo na Secretaria Regional de Educação, Ciência e Tecnologia da Madeira, Portugal. É também formador e docente universitário. ORCID: http://orcid.org/0000-0003-1766-4818 E-mail: renatoggc@gmail.com
Carolina Câmara é Mestre em Psicologia da Educação pela Universidade da Madeira. E-mail: carolinacamara@outlook.pt

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