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Pensando familias

versão impressa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.22 no.2 Porto Alegre jul./dez. 2018

 

ARTIGOS

 

Tempo de convivência entre pais e filhos: reflexões sobre a parentalidade residencial compartilhada

 

Parent-child quantity time: reflections on shared residential parenting

 

 

Adriana do Vale Ferreira1, I ; Ana Roberta Prado Montanher2, I; Fernanda Neísa Mariano3, I; Genecy Leite Duarte4; Sandra Simonne Rossi Felipe5, I

I Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A legislação brasileira instituiu mecanismos de estímulo à guarda compartilhada na última década; contudo, o exercício da guarda unilateral prevalece. O presente trabalho teve o intuito de analisar estudos empíricos acerca dos possíveis benefícios e prejuízos desta modalidade de guarda, por meio de pesquisa bibliográfica, para maior esclarecimento do tema. A maioria destes estudos mostra que o contato estreito (de um terço a metade do tempo da criança) com ambos os genitores ao longo do desenvolvimento melhora não somente o bem-estar, o desempenho acadêmico e a saúde física e emocional dos filhos, como também a relação pai-filho. Além da quantidade de tempo, a ocorrência de pernoites também se mostrou relevante, possibilitando maior qualidade na interação. Evidencia-se a necessidade de superar a hierarquização dos papéis parentais na definição da guarda dos filhos e a noção de que seria nociva a permanência do filho em dois lares em proporções de tempo semelhantes.

Palavras-chave: Guarda compartilhada, Vínculo pai-filhos, Parentalidade compartilhada, Plano de parentalidade, Guarda física conjunta.


ABSTRACT

The Brazilian legislation has instituted mechanisms to encourage shared custody over the past decade; however, sole custody remains predominant. The present work had the goal to analyse empirical studies about the possible benefits and disadvantages of this modality of custody using bibliography research to elucidate that topic. The majority of these studies suggest that close contact (from one third to half of the children’s time) with both parents throughout development improves not only the children's well-being, academic performance, physical and emotional health, but also the parent-child relationship. Besides the amount of time, the occurrence of overnight stays showed importance, making possible a better interaction. There is a need to overcome the hierarchy of parental roles in the definition of child custody, as well as the notion that the permanence of the child in two homes in a similar proportion of time would be harmful.

Keywords: Shared custody, Parent-child attachment, Shared parenting, Parenting plan, Joint physical custody.


 

 

Introdução

No Brasil, a guarda compartilhada foi instituída e regulamentada em 2008, através da Lei nº 11.698/2008, sendo modificada em 2014 (Lei 13.058/2014). Em 2008, ficou prevista a aplicação da guarda compartilhada sempre que possível, quando não houvesse acordo entre os pais, tendo sido definida como “responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”.

A Lei de 2014 previu que, na hipótese de não haver acordo, a guarda compartilhada seria aplicada independentemente de concordância das partes, desde que ambos os genitores se encontrassem aptos a exercer o poder familiar e exceto se um dos pais declarasse não desejar a guarda. Outra alteração de 2014 foi a respeito do tempo de convívio com os filhos que, na guarda compartilhada, “deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos”.

Apesar dessas mudanças, percebe-se entre os profissionais que atuam com o tema, sejam da área jurídica ou de saúde mental, certa resistência à possibilidade de uma divisão mais equitativa do tempo do filho entre seus pais, a partir da ideia de que ter duas casas seria prejudicial à criança ou adolescente, uma vez que isso levaria à perda de seus referenciais e à sensação de instabilidade. Criaram-se inclusive termos pejorativos para descrever a situação, como “criança-mochila” ou “mochileira” (Tartuce, 2015).

Em termos censitários, observa-se o lento crescimento da guarda compartilhada no país: estudos do IBGE divulgados em novembro de 2015 mostram que ela passou de 3,5% dos casos, em 1984, para 7,5%, em 2014 (Estadão, 2015). No cenário mundial este crescimento paulatino não é diferente, mas alguns países já apresentam situações distintas da brasileira. Na Itália, Vezetti (2013) referiu o índice de menos de 1%, apesar de a lei italiana sobre o assunto ter sido promulgada em 2006. Num levantamento americano da década passada (Kelly, 2007) constatou-se que apenas cerca de 6% das crianças viviam pelo menos um terço do seu tempo com cada um dos pais, sendo que a maioria morava apenas com a mãe e passava por mês com o pai. Mais recentemente, segundo Nielsen (2015), alguns estados americanos chegaram a apresentar índices entre 30 a 50% das crianças vivendo numa divisão mais equilibrada de tempo entre seus pais, bem como alguns países europeus, como Bélgica (30%), Dinamarca, Holanda e França (20%) e Suécia (quase 50%).

Uma pesquisa no Espírito Santo cujo objetivo principal foi analisar as representações sociais da guarda dos filhos entre pais separados (Schnebelli & Menandro, 2014) ilustra a resistência à guarda compartilhada na sociedade. Verificou-se a preferência dos genitores de ambos os sexos pela atribuição da guarda unilateral à mãe e resistência à guarda compartilhada, em função das repercussões das representações sociais da maternidade e paternidade (por exemplo: de que a mãe seria naturalmente mais preparada para cuidar dos filhos, mais importante na vida destes; de que o amor materno seria incondicional) sobre as representações sociais da guarda.

No contexto de decisões judiciais, o estudo de Brito e Gonsalves (2013) sobre argumentos utilizados na jurisprudência acerca da guarda compartilhada demonstra também as dificuldades na aceitação desta modalidade6, ressaltando que as justificativas para negar a guarda compartilhada não encontram respaldo na literatura científica sobre o tema. Os argumentos identificados foram: desarmonia entre os pais da criança, inexistência de fato novo que justificasse a alteração de guarda, mudanças na rotina da criança, distância entre as moradias dos pais, criança de tenra idade em apreço, existência de conflitos no exercício da guarda e a concessão de visitação livre. Já nos acórdãos - pouco frequentes - que restaram favoráveis à guarda compartilhada, o principal argumento foi o da manutenção do convívio da criança com ambos os pais.

Considerando que a guarda compartilhada se tornou a modalidade de guarda preconizada pela Lei e que os psicólogos e assistentes sociais judiciários têm a responsabilidade de subsidiar as decisões judiciais quanto à sua adequação no contexto das famílias avaliadas, as autoras deste trabalho, que desempenham este papel profissional, buscaram colher dados da literatura científica nacional e internacional a respeito do funcionamento desta modalidade de guarda, seus possíveis benefícios e prejuízos, para maior esclarecimento em torno do tema.

O estabelecimento de vínculos entre pais e filhos e o contexto de pais não conviventes

Segundo Lamb e Kelly (2009), quando uma família se separa não se instala necessariamente uma psicopatologia ou sintomas psicológicos/ comportamentais nos filhos, mas o sofrimento se torna mais provável. Se a criança passa a residir exclusivamente com um dos pais após o divórcio, podem estar presentes os aspectos desfavoráveis da monoparentalidade: redução da renda; diminuição do tempo disponível do genitor guardião para a criança, em função do aumento da jornada de trabalho; redução da supervisão, orientação dos filhos e da estimulação e atenção voltada a estes; aumento de reações emocionais negativas do guardião aos filhos; sensação de sobrecarga do guardião; e oferta de modelos de resolução de conflitos baseada na raiva em relação ao genitor visitante. Tais caraterísticas foram elencadas também no estudo brasileiro de Grzybowki e Wagner (2010).

Apesar de todas estas consequências danosas, quando o Judiciário é chamado para participar das decisões sobre a guarda de filhos de pais não conviventes, predomina a ideia de que se deve buscar o genitor com “melhores condições” para atender ao interesse da criança. Groeninga (2008), pautada nos conhecimentos psicanalíticos, enfatizou que para o desenvolvimento saudável da personalidade é necessário que a criança conte com alguém que exerça a função materna - nutridora não só de alimento, mas de afeto, e acolhedora das ansiedades do bebê - e alguém que exerça a função paterna - de provedor e de autoridade (valendo lembrar que a maternagem e a paternagem são entendidas como funções que podem ser exercidas por qualquer um dos pais ou outros cuidadores que se responsabilizem pela criança/adolescente). A coparentalidade prevê esta complementariedade de papéis entre pais e mães. A autora enfatizou ainda que as questões da guarda, quando integram a lógica judicial de ganhador e perdedor, demonstram a dificuldade no entendimento da complementariedade intrínseca ao exercício das funções parentais. Brito e Gonsalves (2013) também advertem que a busca do melhor guardião acirra o litígio entre pais e mães e promove o afastamento do genitor que não detém a guarda, ao favorecer a distância física e emocional entre ele e seus filhos, o que poderia conduzir à filiação unilateral de fato.

Na escolha desse melhor guardião, a mulher é vista como mais vocacionada do que o homem para o cuidado com o filho. Tal posição tem sido construída historicamente, com contribuição da ciência psicológica, no sentido de apontar a hierarquização dos papéis parentais. Warshak (2014), em seu estudo acerca dos planos de parentalidade para a primeira infância, lembrou que a oposição à parentalidade compartilhada sofreu a influência do conceito de monotropia de Bowlby (1969) – o qual propõe que as crianças desenvolvem, num primeiro momento, relação de apego com um único cuidador, relação esta precursora das demais que se estabelecerão posteriormente. A monotropia influenciou tanto legislações como decisões de guarda e publicações na área de saúde mental no século XX, como, por exemplo, a proposta de Goldstein, Freud e Solnit, (1973/79) de que a criança teria um único “psychological parent” (pai ou mãe psicológico), o qual, uma vez identificado, deveria deter a autoridade sobre a criança, inclusive no sentido de determinar se e como o outro genitor poderia visitá-la (de modo a não ter comprometida sua autoridade parental diante do outro pai ou mesmo diante da justiça, na hipótese de um conflito).

No que se refere às implicações deste conceito (psychological parent) para questões pós-divórcio, a posição dos referidos autores foi criticada, conforme análise de Felipe (1997): alguns acentuaram que é uma simplificação supor que a criança só tem um "psychological parent", e frisaram a importância de ambos os pais para a saúde psicológica da mesma. Outros alegaram que conflitos são inevitáveis na vida; que desta forma, deixa-se pouca oportunidade para o filho resolver os sentimentos relativos ao genitor ausente; e que privar o filho de conviver com o genitor que não detém a guarda não favorece a autoridade parental do genitor guardião.

Quanto à centralidade da figura da mãe no cuidado dos filhos, a concepção de que as mulheres dispõem de “instinto materno” vem sendo refutada. Nessa direção, Badinter (1985), através de pesquisas históricas, concluiu que o instinto materno é um mito, a partir da verificação de que as atitudes maternas e mesmo as paternas sofreram enormes variações em função do contexto sociocultural. Lamb e Kelly (2009) afirmaram, nesse sentido, que a literatura já teria demonstrado que pais seriam tão competentes como mães para cuidar de bebês e crianças pequenas, uma vez que sejam oferecidas oportunidades e experiências comparáveis.

Warshak (2014) também identificou diversos trabalhos da literatura que contrariam o conceito de monotropia, verificando que, em condições normais, os bebês comumente desenvolvem relações de apego com mais de um cuidador, o que também foi verificado por autores brasileiros que estudaram a formação de vínculos em situações de cuidado substitutivo, como creches, acolhimento familiar e institucional (Rossetti-Ferreira, 2006; Gallo et al., 2007; Costa & Rossetti-Ferreira, 2009). Além disso, Lamb (2010, In Warshak, 2014) afirmou que cada relação traz contribuições específicas ao desenvolvimento da criança, sem que isso implique numa “hierarquia de importância”.

Neste sentido, Kochanska e Kim (2013, In Warshak, 2014) verificaram que ter uma relação segura com pelo menos um dos pais tinha um poderoso efeito protetor sobre as crianças, minimizando os riscos de problemas em sua saúde mental, independentemente de tratar-se do pai ou da mãe. O estudo avaliou a segurança do apego dos bebês aos 15 meses com cada um dos pais e problemas de comportamento nestas crianças aos oito anos, constatando que crianças com relações inseguras com ambos os pais tinham mais problemas de comportamento. Warshak (2014) concluiu que, se o estabelecimento de apego seguro com pelo menos um genitor é condição essencial para um desenvolvimento saudável, ter relações com ambos os pais aumentaria as chances para tal. Assim, limitar o tempo da criança com um dos pais colocaria em risco esta relação, e por este motivo as políticas e planos de parentalidade deveriam favorecer o convívio com ambos os pais.

Lamb e Kelly (2009) afirmaram, nessa perspectiva, que a ausência de contatos regulares deteriora as relações lentamente e, por isso, pais que não interagem frequentemente com seus filhos de até dois anos de idade tornam-se estranhos (o que pode causar depressão e ansiedade na criança). Após essa fase, as crianças adquirem capacidades cognitivas e de linguagem que permitem suportar separações de até algumas semanas. Lamb e Kelly (2009), Warshak (2014) e Amato e Dorius (2010) enfatizaram as interações que seriam necessárias para o desenvolvimento de laços mais fortes entre pais-filhos, combinando proximidade emocional com o estabelecimento de regras e limites, como: alimentar, trocar fralda, ajudar na lição de casa, fazer compras, colocar para dormir, etc. Tais tarefas teriam menor chance de ocorrer nas típicas visitas quinzenais em finais de semana e eventualmente algumas noites da semana, nas quais os pais não residentes tenderiam a se envolver principalmente em atividades recreativas. Warshak (2014) destacou que as interações mais frequentes e variadas ajudariam os pais a melhor compreender as necessidades dos filhos e a desenvolver habilidades parentais para atendê-las.

Como referência para a avaliação do tempo necessário à vinculação, esse autor identificou duas fontes de dados7 que se contrapõem à noção de que dividir a permanência da criança em duas casas tornaria insuficiente o tempo para que cada um dos pais desenvolvesse relações saudáveis com o filho. Uma delas foi a medida do “tempo parental” nas famílias intactas, nas quais verificou-se que as mães dedicavam 26,5 horas semanais em atividades de cuidado direto aos filhos menores de um ano, enquanto os pais passavam 11,5 horas, denotando que tal quantidade de tempo seria suficiente para a criança desenvolver uma relação normal com ambos os pais. A segunda fonte de dados foi a literatura sobre o impacto das creches e demais cuidados alternativos sobre as relações pais-filhos. Warshak destacou um estudo longitudinal que avaliou benefícios e desvantagens do cuidado em creches e por outros cuidadores que não a mãe, como pais e avós, sendo que todos os efeitos negativos encontrados no desenvolvimento do filho estavam associados a cuidadores que não eram parentes. Para o autor, as decisões jurídicas que negam às crianças pequenas um maior tempo de convivência com os genitores de sexo masculino não encontram fundamento nesses dados. No Brasil, Brito e Gonsalves (2013) identificaram que os pedidos de guarda compartilhada negados por suposto prejuízo à rotina infantil contrariam o fenômeno contemporâneo dos cuidados diversificados para além da figura materna.

Pesquisas sobre guarda residencial compartilhada e guarda unilateral

Nielsen (2011, 2014, 2015) realizou revisões da literatura sobre o tema, concentrando suas análises apenas em estudos cujos filhos viviam pelo menos um terço de seu tempo (35 a 50%) em Parentalidade Residencial Compartilhada (PRC), ao contrário da maioria das pesquisas existentes, que somente distinguia a forma de guarda legal (unilateral ou compartilhada). A autora identificou e analisou 20 e depois 40 estudos realizados em diversos países. Apontou, por um lado, as limitações de alguns desses estudos - alguns antigos, outros com amostras pequenas ou que não utilizaram grupos controle - mas destacou que muitos dos trabalhos contaram com amostras numericamente consideráveis e cuidados com a questão metodológica (estabelecendo controles para variáveis importantes, como o nível socioeconômico e a presença de conflitos familiares). As análises da autora destacaram os resultados para a PRC (comparativamente às situações de guarda unilateral), divididos em quatro itens referentes aos filhos: desenvolvimento cognitivo e desempenho acadêmico; aspectos psicológicos ou emocionais; problemas de comportamento; e saúde física, além de um item referente à relação pai-filho. Apesar das limitações e diferenças apontadas entre os trabalhos, Nielsen verificou que a maioria deles chegou a conclusões muito semelhantes, apontando melhores resultados para a PRC.

Controlando variáveis que poderiam ter interferido nos resultados, a autora verificou que a condição socioeconômica e/ou educacional dos pais; a qualidade do relacionamento prévio entre estes e o nível de envolvimento do pai não foram determinantes para os melhores resultados da PRC, bem como a própria aceitação inicial da parentalidade compartilhada, que variou de 20 a 82% (Nielsen, 2015), levando a autora a concluir que a própria modalidade de guarda levou aos referidos resultados positivos.

A respeito da existência de conflito entre os pais, a autora apontou que dificuldades de relacionamento estão presentes na maioria dos pais PRC, o que se confirmou inclusive em estudos com grandes amostras. A despeito disso, tais famílias, mesmo aquelas com alto nível de conflito, apresentaram melhores resultados em comparação às famílias sob guarda unilateral. Nesta direção, Nielsen (2015) indicou um consenso entre os pesquisadores de que conflitos que não envolvem violência física, abuso ou outras disfunções mais sérias (os quais representariam 10 a 15% dos casos) não poderiam servir de justificativa para a limitação do tempo que as crianças passariam com um dos pais, após a separação. Lamb e Kelly (2009) e Warshak (2014) chegaram a conclusões semelhantes. No Brasil, Brito e Gonsalves (2013) afirmam que, em 50% dos acórdãos analisados, o compartilhamento da guarda foi negado em razão da relação conflituosa entre os pais. Segundo as autoras referem, em outros países esse argumento também tem sido fortemente utilizado, mas vem se enfraquecendo diante de alterações legais e dos resultados de pesquisas sobre o tema.

Nielsen (2011) abordou a questão da suposta insegurança ou instabilidade que seriam vivenciadas pelos filhos em PRC, argumento comumente invocado para desaconselhar a guarda compartilhada, conforme também apontaram Brito e Gonsalves (2013) e Vezzetti (2012)8. Embora nenhum estudo tenha realizado tal verificação de forma direta, os resultados positivos apresentados pelos filhos em PRC não sugerem a ocorrência destes sentimentos. Por outro lado, Smart (2001, In Nielsen, 2011) descreveu desvantagens relatadas pelos filhos em PRC quanto a morar em duas casas, como: dificuldades para organizar seus pertences e mesmo a vida social com amigos. Mencionam também o sentimento de ter que se tornar "uma pessoa diferente" na casa de cada um dos pais. Apesar destes inconvenientes, e de haver alguns filhos que não gostavam de circular de um lado a outro, mesmo vivendo bem com ambos os pais, a maioria dos filhos (mesmo os que tinham dificuldades com as transições) preferia viver nas duas casas a morar com apenas um dos genitores, devido ao fato de poderem assim manter relações próximas com ambos.

Além das consequências da PRC para os filhos, Nielsen (2011, 2014, 2015) buscou verificar o impacto de diferentes modalidades de guarda sobre o relacionamento pai-filho. Dois fatores mostraram ter impacto positivo sobre a intensidade e a qualidade do relacionamento com o pai: a ocorrência de pernoites e a quantidade de tempo de convivência. Os pernoites foram associados a relações mais próximas, independentemente do nível de conflitos entre os pais, por favorecerem momentos mais naturais e de maior intimidade. A quantidade de tempo junto ao genitor, por sua vez, mostrou-se diretamente correlacionada à qualidade e ao grau de resistência da posterior relação pai-filho, consistindo no fator com maior probabilidade de prever a proximidade e confiança que os filhos sentiriam em relação ao pai, quando adultos jovens.

Os pais (de sexo masculino) participantes da PRC também se mostraram mais satisfeitos com esta modalidade e mais envolvidos com o filho. Por outro lado, pesquisas com adultos ou jovens adultos que passaram pela experiência da guarda unilateral materna demonstraram que, nesta situação, muitas vezes a relação com o pai se enfraqueceu ou se perdeu por completo, deixando nesses filhos sentimentos negativos em relação a esta perda e um desejo de maior proximidade com o genitor que se estendiam pela vida adulta (Nielsen, 2011; 2015). A este respeito, o estudo brasileiro de Brito (2007) com jovens adultos de ambos os sexos (entre 21 e 29 anos), filhos de pais separados, apresentou resultados semelhantes: aqueles que tiveram a oportunidade de manter contato estreito e com livre acesso a ambos os pais, frequentando as duas casas, relataram menor desgaste emocional com a experiência de separação. Contudo, para muitos deles, a desestabilização no relacionamento com o pai, de forma temporária ou permanente, constituiu-se no maior impacto da separação, pois acarretou sentimentos e vivências de perda ao longo de sua vida.

Grzybowski e Wagner (2010) identificaram que o exercício da parentalidade pós-divórcio era marcado por certo desequilíbrio, no qual as mulheres que exerciam a guarda unilateral dos filhos se sentiam sobrecarregadas e se tornavam controladoras, arcando com decisões importantes na vida dos filhos. Enquanto isso, os pais - que no estudo não detinham a guarda - referiam empobrecimento nas suas funções, resultando num distanciamento da rotina dos filhos e consequente fragilização dos laços afetivos e da autoridade exercida. Outro aspecto deste estudo refere-se à hipótese de que, para os pais do sexo masculino, a relação com os filhos pareceu atrelada ao contexto da concepção da criança e à relação com a genitora, aos sentimentos que nutrem pelos filhos e à reciprocidade que sentem dos mesmos. Assim, “filhos não desejados ou que não demonstram a falta dos pais são filhos que têm maior chance de verem seus pais se afastarem, mesmo os pais relatando senso de responsabilidade por seus filhos” (Grzybowski & Wagner, 2010, p. 85). Em outras palavras, parentalidade e conjugalidade seriam indissociáveis na prática, ao contrário do ideal preconizado.

A respeito destes problemas e insatisfações verificados em ambos os pais, cabe apontar um aspecto trazido no estudo sueco de Bergstrom e colegas (2014) realizado com amostra de 1297 filhos entre quatro e 18 anos (992 em famílias intactas, 129 sob PRC e 176 sob guarda unilateral), que diz respeito à relação entre o nível de satisfação dos pais e a saúde mental dos filhos. Os filhos que viviam em PRC apresentavam uma posição intermediária no que se refere à presença de problemas emocionais, de conduta, de hiperatividade e no contato com colegas, sendo que os melhores índices estavam entre os filhos de famílias intactas e os piores entre aqueles em guarda unilateral. O nível de satisfação dos pais com sua própria situação sócio-econômica e de saúde seguiu esta mesma direção. Os autores sugeriram que as relações mais fortes com os pais podem ter contribuído para a melhor saúde mental dos filhos; e que os pais, por sua vez, estando mais felizes com suas vidas, estariam mais propensos a envolverem-se com seus filhos e a estabelecerem com eles relações seguras. Os autores consideraram que estes resultados podem não ser generalizáveis para outros países, lembrando que a guarda compartilhada é mais comum na Suécia do que em outros lugares e que o bem-estar dos filhos também pode ser afetado por questões sociais como, por exemplo, o estigma relacionado ao divórcio ou aos arranjos pós-divórcio.

Os estudos anteriormente apresentados enfatizam os melhores resultados das crianças sob PRC. Cabe questionar se estes também seriam aplicáveis a crianças de tenra idade.

Planos de parentalidade para crianças pequenas

A pouca idade dos filhos vem sendo usada como argumento contrário à guarda compartilhada e ao estabelecimento de pernoites. Contudo, diferentes pesquisas realizadas por Brito (2007, 2009) alertam para a importância da convivência de pais com seus filhos desde a tenra idade deles, tendo em vista que achados científicos mostram que a aproximação tardia dificulta o estreitamento de laços entre eles. Além disso, observa-se que é comum o estabelecimento de alianças entre filhos pequenos com o guardião, o que pode fragilizar a vinculação com o outro genitor. Nesse sentido, o compartilhamento da guarda favoreceria a construção de laços sólidos entre pais e filhos.

Segundo Nielsen (2015), em se tratando desta faixa etária, uma divisão do tempo mais igualitária seria raramente vista no cotidiano das famílias, diante do que os pesquisadores desta área optaram por verificar o número de pernoites que a criança passou com o pai como modo de analisar se e como a guarda compartilhada vem sendo vivenciada pelas famílias.

De acordo com Lamb e Kelly (2009), a Justiça vem privilegiando proteger a criança apenas de separações da mãe. No entanto, enfatizaram que, quando a criança experienciou relacionamento prévio com ambos os pais, grandes intervalos de contato tanto com um como com o outro desencadeiam reações emocionais, dor psíquica e conduzem à atenuação das relações entre os pais não-residentes e seus filhos. Assim, para as autoras, o plano de visitas para crianças com menos de três anos deve envolver mais transições (pelo menos três vezes por semana, incluindo pelo menos um pernoite), a partir da premissa de que a percepção do tempo para as crianças pequenas é primitiva, dificultando sua capacidade de compreender e lidar com separações de várias semanas ou meses; e que, portanto, é necessário minimizar a duração das ausências em relação às duas figuras de apego.

Warshak (2014) compilou diversos estudos que reiteram que contatos não frequentes e com longos intervalos trazem insatisfação para as crianças. Um deles destacou que crianças menores de três anos lidavam melhor com as transições do que as pré-escolares; e outro, envolvendo PRC com divisão quase igual de tempo, também mostrou que crianças menores de cinco anos se adaptavam melhor do que as maiores a este formato. Estes mesmos estudos apontaram que, na ausência da mãe, cuidadores consistentes e amorosos, inclusive o pai, mostram-se capazes de garantir o bem-estar da criança, inclusive em arranjos de igual divisão de tempo entre os genitores.

Em sua revisão de 2015, Nielsen listou alguns estudos com bebês e crianças pequenas, os quais verificaram a relação entre a segurança do apego e a existência e número de pernoites. Dentre estes, três destacaram alguns achados contrários aos pernoites frequentes, como por exemplo, maior índice de apego inseguro às mães e maior irritabilidade, num determinado grupo etário. Tais estudos (Solomon & George, 1999, In Nielsen, 2015; McIntosh, 2011; e Tornello, 2013) ganharam grande destaque na mídia internacional e entre advogados, porém foram criticados (Nielsen, 2015; Warskak, 2014) por apresentarem problemas metodológicos relevantes.

Por outro lado, Nielsen (2015) destacou a importância do único estudo encontrado que avaliou as repercussões dos pernoites ocorridos na primeira infância sobre jovens adultos. A autora verificou que, no caso de pernoites frequentes com o pai, a qualidade da relação do filho com ambos os pais se mostrou equivalente (ou seja, os pernoites frequentes com o pai não prejudicaram a relação mãe-filho). Porém, comparativamente à guarda unilateral, os pernoites melhoraram significativamente a relação com o pai:  os filhos se sentiam mais importantes para eles, os quais percebiam como mais envolvidos em suas vidas (Fabricius, 2014, In Nielsen, 2015).

De acordo com a revisão de Warshak (2014), estudos empíricos de larga escala não revelaram nenhuma consequência negativa e apontaram algumas positivas associadas à PRC em crianças de zero a quatro anos. O autor enfatizou a conclusão do estudo longitudinal de Mnookin (1992), o qual verificou que muitas crianças sob guarda materna perderam o contato com o pai ao longo do tempo, perda esta que foi significativamente maior no grupo em que não havia pernoites: 56% contra apenas 1,6% do grupo com pernoites para as crianças abaixo de três anos; e 49% em oposição a 7,7% para o grupo de três a cinco anos – idades relativas ao momento de separação.

No mesmo sentido, vale comentar os dados italianos trazidos por Vezetti (2013), segundo o qual, devido à “abordagem monoparental” predominante naquele país, aproximadamente um terço das crianças italianas perderam o contato com um dos pais após a separação dos mesmos.

Tendo em vista que a quantidade e a qualidade do tempo de convivência dos filhos com ambos os pais se mostraram associadas ao melhor desenvolvimento global dos filhos e à boa qualidade dos vínculos entre estes e ambos os genitores, cabe indagar sobre ações que favoreceriam a implementação da parentalidade compartilhada.

Políticas e ações educativas e terapêuticas para o exercício da parentalidade compartilhada

Brito e Gonsalves (2009, 2013) apontaram a necessidade de ações do Estado - como legislações e políticas públicas - que evitem o afastamento entre genitores e seus filhos, situando que o instituto da guarda compartilhada seria uma “ancoragem social” que favoreceria o exercício dos papéis parentais, enfraquecendo o modelo de um genitor principal (guardião) e um secundário, numa hierarquia de importância que não se sustenta do ponto de vista da ciência psicológica. Em apoio a esta afirmação, o estudo de Seltzer (1998), sobre o envolvimento de pais não residentes com seus filhos, comparou casos nos quais foi ou não atribuída a guarda compartilhada legal. Quando isso ocorreu, os pais passaram a ver os filhos com maior frequência, sendo que tal situação não estava relacionada a diferenças de envolvimento existentes entre pais e filhos antes do divórcio. Para o autor, tais resultados reforçariam as teorias orientadas ao papel: o próprio status de guardião legal do genitor não residente provocaria mudanças em sua compreensão das responsabilidades referentes à parentalidade e, assim, favoreceria sua maior participação, reforçando os laços familiares.

Em termos de regulação legal, podemos citar a legislação francesa, que foi modificada em 2002 e traz em seu bojo o conceito de coparentalidade e residência compartilhada (“alternée résidence”) priorizada em relação a outras modalidades. Segundo Masardo (2011), tais mudanças foram apoiadas por políticas concretas destinadas a facilitar o exercício em comum do poder parental: os endereços de ambos os pais passou a ser exigido no início de cada ano escolar; e o filho de pais separados – que tenham ou não sido casados - é considerado como morador na casa de ambos os pais para efeitos de acesso a programas de habitação social. Outras disposições legislativas especiais estão sendo implementadas na realidade francesa: a inclusão do compartilhamento do subsídio de imposto geral de família e do subsídio estatal pago às famílias com crianças.

A política pública de afastamento do trabalho posterior ao nascimento de um filho, existente em diversos países, inclusive no Brasil, privilegia a mãe como cuidadora preferencial, com afastamento consideravelmente maior que o do genitor. Porém existem iniciativas - Itália, Islândia, Eslovênia e Suécia - que estenderam a licença paterna de 54, para 91 dias. (BBC, 2015), o que pode vir a favorecer maior envolvimento paterno, vinculação e posterior exercício da parentalidade (Renner, 2016). 

Por outro lado, é importante destacar que, mesmo com as alterações legais e a implementação destas políticas públicas, o tempo que os pais gastam com os cuidados da casa e dos filhos ainda é significativamente menor do que o dispensado pelas mães. Devreux (2006), ao estudar esta questão na França, observou que não houve mudança substancial na divisão sexual deste tipo de trabalho. A autora não desconsidera que houve mudanças nas idéias masculinas a respeito da paternidade, porém questiona a idéia do “novo pai”, do ponto de vista do exercício cotidiano e prático.

No âmbito das famílias de genitores não conviventes, Lamb e Kelly (2009) apontaram a necessidade de práticas de saúde mental que favoreçam o convívio e a relação de boa qualidade entre filhos e pais separados. Nesse sentido, discutem a preparação dos pais para conversarem com os filhos sobre a separação, possibilitando a participação deles nas definições de convivência9, bem como a oferta de esclarecimentos e apoio emocional. Outro tipo de intervenção seria a conscientização em relação aos vários modelos de planos de parentalidade para crianças de diferentes idades, incentivando pais, profissionais e tribunais a considerarem as idades das crianças e suas necessidades de desenvolvimento, a qualidade das relações pai-filho, o interesse e a capacidade dos pais de estarem envolvidos na vida de seus filhos.

Os mesmos autores afirmam que as intervenções mais generalizadas, de baixo custo e eficazes, em curto prazo, são programas de educação para pais separados que incluem informações sobre: efeitos do divórcio para as crianças; impacto do conflito entre os pais sobre os filhos; risco de usar os filhos para expressar sua raiva; importância de separar as necessidades das crianças das demandas dos adultos; competências parentais; e, treinamento direcionado ao desenvolvimento de habilidades para minimizar conflitos e promover comunicação mais eficaz.

Em 2013, uma equipe da Comarca de São Vicente/SP criou um programa educativo desta natureza, as “Oficinas de Pais e Filhos” (Rocha, 2013), voltadas para pais separados e seus filhos de 6 a 17 anos. Este programa passou a ser recomendado pelo CNJ “como política pública na resolução e prevenção de conflitos familiares” (Resolução CNJ 192/2014) e foi regulamentado no Estado de São Paulo (Provimento TJSP 2327/2016). O programa baseou-se em experiências internacionais e no movimento pela cultura da paz, relacionada à prevenção e à resolução não violenta dos conflitos.

Lamb e Kelly (2009) ainda ressaltaram que os avaliadores das situações litigiosas devem se familiarizar e se manter atualizados com a literatura empírica sobre desenvolvimento infantil, relações pais-filho, separação e divórcio e adaptação da criança, uma vez que as recomendações que proferem nos tribunais devem ser fundamentadas e apoiadas pela atual literatura de pesquisa, e não em teorias isoladas ou polarização subjetiva.

Os mesmos autores sintetizam que, para proteção dos filhos, as famílias devem contar com programas de: educação para pais em separação; mediação familiar; audiências judiciais de conciliação; advocacia colaborativa10; programas especializados para os pais em alto conflito continuado pós-divórcio; e coordenação de parentalidade11. Destacaram ainda que muitos programas têm demonstrado validade e geralmente recebem altos índices de satisfação dos pais, com relatos de redução de conflitos parentais. Além disso, enfatizaram que a mediação conta com maior validação empírica no sentido de garantir benefícios às familias divorciadas (por exemplo, encerramento de litígios, redução de conflito parental, melhora do suporte parental, além do contato mais permanente entre pais e filhos 12 anos mais tarde).

Para além da mediação, é notória a necessidade de intervenção na relação entre os pais: se a parentalidade e a conjugalidade são, na prática, indissociáveis (Grzybowski & Wagner, 2010), ou seja, se o envolvimento parental se relaciona à questão conjugal; e, se o conflito parental e o distanciamento de um dos pais são prejudiciais aos filhos (Wallerstein & Kelly, 1980; Wallerstein, 1985), é fundamental investir na resolução e modificação da relação do par conjugal/parental. Para tanto, podem ser necessárias intervenções terapêuticas mais profundas.

 

Conclusão

Este trabalho buscou trazer uma visão científica acerca da parentalidade compartilhada, em especial no que se refere ao maior equilíbrio na divisão do tempo do filho com cada um dos pais, de modo a propor reflexões mais atualizadas aos profissionais da área jurídica e de saúde mental.

A visão ainda predominante da guarda unilateral como mais adequada para o atendimento das necessidades dos filhos deriva do modelo de família nuclear baseado na divisão rígida de papéis (mulheres voltadas para o cuidado da casa e dos filhos, e homens como provedores); e apoia-se em conceitos psicológicos que preconizam a necessidade da constância e presença de um cuidador (normalmente a mãe) como condição sine qua non para o desenvolvimento infantil saudável.

As pesquisas empíricas realizadas na área, porém, mostram resultados consistentes a favor da possibilidade de que pais e mães separados compartilhem não somente decisões, mas cuidados sobre seus filhos e o tempo de convívio com eles. A noção de uma instabilidade nociva para os filhos em PRC não se mostra compatível com os estudos analisados sobre o assunto – muitos deles amplos e com controles metodológicos satisfatórios – que, em sua grande maioria, indicaram melhores resultados para os filhos neste modelo, dos pontos de vista cognitivo, acadêmico, emocional, comportamental e de saúde, comparativamente aos que viviam em guarda unilateral.

De grande relevância, também, foram os resultados positivos referentes ao relacionamento pai-filho na PRC, seja em termos da satisfação de ambos ou do maior envolvimento paterno. A participação ativa dos pais é favorecida tanto pela atribuição formal da guarda compartilhada, quanto pelo exercício da ampla convivência com o filho, especialmente nas situações que incluem pernoites, as quais propiciam o envolvimento efetivo do genitor numa ampla gama de atividades de interação e cuidado que promovem a vinculação.

A efetiva participação paterna pode trazer amadurecimento e ganhos a ambos os pais. No que tange às mães, no compartilhamento da guarda possivelmente ficarão menos sobrecarregadas, tendo em vista o acúmulo de funções que as mulheres vêm exercendo na atualidade (muitas vezes, sem reconhecimento e apoio, a custo de perdas econômicas e de outras ordens).

Ressalta-se ainda que as pesquisas apontaram que os altos índices de afastamento ou abandono paterno, nos casos de guarda unilateral materna, mostraram-se inversamente proporcionais à idade da criança; ou seja, quanto mais nova a criança no momento da separação, maiores as chances de afastamento do pai. Considerando que a continuidade da relação do filho com ambos os pais (além da qualidade da relação entre os pais) determina o ajustamento dos filhos após a separação, torna-se clara a razão pela qual incentivar e garantir o envolvimento paterno pode ajudar a assegurar o bem-estar e a saúde mental dos filhos. Assim, os pernoites na primeira infância têm se mostrado um método eficaz para evitar o afastamento entre pais e filhos, a despeito da resistência apresentada pelas famílias e profissionais.

Destaca-se a escassez de publicações brasileiras, especialmente com dados empíricos, longitudinais e com amostras específicas (diferentes faixas etárias dos filhos, famílias em alto conflito, famílias com no mínimo um terço do tempo de convívio dos filhos com cada genitor, p. ex.). Assim, fazem-se necessárias pesquisas que avaliem os resultados da PRC no cenário brasileiro, pois, o impacto dos arranjos de parentalidade pode diferir de acordo com a situação econômica ou mesmo aspectos sociais/culturais dos países (Bjarnason, 2012).

Por outro lado, em âmbito internacional ocorreram recentemente conferências (ICSP – International Council on Shared Parenting, 2014; 2015) que estabeleceram consensos para que os benefícios desta modalidade de guarda sejam alcançados, desde o tempo mínimo necessário (de um terço a metade com cada um dos pais), até as exceções (situações de violência familiar e abuso infantil, mas não situações de conflito entre os pais), bem como a necessidade de elaboração de políticas públicas essenciais para o sucesso da PRC, como uma rede acessível de centros de relacionamento familiar que ofereça mediação e outros serviços relevantes de suporte. Consensos semelhantes foram estabelecidos por pesquisadores e profissionais no trabalho de Warshak (2014), especificamente quanto a crianças pequenas, no sentido de recomendar, inclusive para elas, um amplo tempo de convívio com ambos os pais, afirmando a importância da frequência das transições e dos pernoites, mesmo em se tratando de bebês.

Por fim, os estudos e reflexões apresentados nos permitem questionar a convencional procura do “melhor genitor” (que acaba conduzindo à guarda unilateral) e caminhar rumo à não hierarquização de importância dos papéis materno e paterno, de modo a contemplar a noção de complementaridade neles implicada.

 

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Endereço para correspondência
Adriana do Vale Ferreira
E-mail: abacci@tjsp.jus.br

Ana Roberta Prado Montanher
E-mail: montanher_arp@hotmail.com

Fernanda Neísa Mariano
E-mail: fernandamariano@tjsp.jus.br

Genecy Leite Duarte
E-mail: genecyduarte@yahoo.com.br

Sandra Simonne Rossi Felipe
E-mail: sifelipe@outlook.com

Enviado em: 11/08/2017
1ª revisão em: 01/03/2018
2ª revisão em: 16/06/2018
Aceito em: 16/08/2018

 

 

1 Psicóloga Judiciária do TJSP, Especialista em Mediação Familiar (Instituto Conversações) e Psicologia Jurídica; Mestre e Doutora em Ciências (FFCLRP-USP).
2 Psicóloga Judiciária do TJSP, Mestre em Ciências (FFCLRP-USP).
3 Psicóloga Judiciária do TJSP, Mestre e Doutora em Ciências (FFCLRP-USP).
4 Assistente Social Judiciária Aposentada do TJSP, Especialista em Políticas Públicas (ETEL).
5 Psicóloga Judiciária do TJSP, Especialista em Psicoterapia Psicodinâmica Psicanalítica (Instituto Sedes Sapientiæ), Mediação Familiar (Instituto Familiæ) e Psicologia Jurídica; Mestre em Psicologia Clínica (IPUSP).
6 Dos 94 acórdãos analisados que fizeram menção à guarda compartilhada entre agosto de 2008 e abril de 2010 aproximadamente 11% decidiram por ela.
7 “American Time Use Survey” (ATUS), conduzida pelo U.S. Census Bureau for the Bureau of Labor Statistics (U. S. Department of Labor Bureau of Labor Statistics, 2013); e “Does more non-maternal care lead to aggression? The NICHD Study of Early Child Care and Youth Development on quantity of non-maternal care and aggression”, van IJzendoorn et al (2003, In Warshak, 2014).
8 Vezzetti (2012) citou uma decisão judicial, exemplificando isso: “A jurisprudência do tribunal não concorda com a divisão do tempo que na verdade requer uma mudança genuína de residência em poucos dias, pois seria perigosamente desestabilizador”.  [p. 4, itálicos nossos].
9 Participação que não deve ser confundida com atribuição à criança da responsabilidade de definir como será seu convívio com os genitores. No trabalho de Dolto (1988), a psicanalista refere que “(...) a criança deve ser sempre ouvida – o que de modo algum implica que, depois disso, se deva fazer o que ela pede” (Dolto, 1988. p. 134).
10 Advocacia Colaborativa: Este trabalho – conhecido no Brasil como “Práticas Colaborativas” - objetiva a atuação dos advogados num ambiente colaborativo, na busca de soluções viáveis e consensuais, de modo a evitar que a questão chegue ao Judiciário. Os advogados assinam um termo de não-litigância segundo o qual serão obrigados a deixar seus clientes, caso estes não cheguem a um acordo, bem como a manter sigilo, uma vez que as informações das partes são compartilhadas. É prevista a atuação de uma equipe multidisciplinar, que inclui um advogado e um coach (psicólogo ou terapeuta) para cada parte, além de um consultor financeiro e um especialista em desenvolvimento infantil para ambos. (Conjur, 2013).
11 Coordenação de Parentalidade: combina o caso específico e a gestão de conflitos, educação dos pais, mediação, e, quando especificado, a arbitragem de certos litígios relacionados à criança que os pais não podem resolver por conta própria. A maioria dos Coordenadores Parentais trabalha por contratação dos pais e ordem judicial, ou por empresas privadas.

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