SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número43O fantasma da ópera: sob um enfoque psicanalítico índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Estudos de Psicanálise

versão impressa ISSN 0100-3437

Estud. psicanal.  no.43 Belo Horizonte jul. 2015

 

 

Freud e Freire: uma interlocução possível1

 

Freud and Freire: a possible dialogue

 

 

Vitor Hugo Lima Barreto

I Círculo Psicanalítico de Pernambuco
II Universidade Federal de Pernambuco

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente texto representa a possibilidade de interlocução conceitual dos saberes produzidos por Paulo Freire na obra Pedagogia do oprimido e a produção psicanalítica de Sigmund Freud. A relação opressor-oprimido, teorizada por Freire, é reconsiderada à luz das concepções de sadismo e masoquismo estudadas por Freud através de sua obra. A busca do saber apresenta-se como uma construção comum entre os autores, que, assim como a relação educador-educando (transferência), potencializará a liberdade. O equilíbrio de não exclusão entre liberdade e a responsabilidade e entre os princípios do prazer e da realidade também se apresenta como temática importante para a superação da opressão. Apesar de temáticas relativamente diversas, os dois autores, Freire e Freud, continuam a contribuir para a compreensão de nossa vida em sociedade, além de apresentar elementos para sua evolução.

Palavras-chave: Paulo Freire, Opressor-oprimido, Sigmund Freud, Sadismo, Masoquismo.


ABSTRACT

This text is the possibility of a conceptual dialogue between the knowledge produced by Paulo Freire in ‘Pedagogy of the Oppressed’ and the psychoanalytic work of Sigmund Freud. The oppressor-oppressed relationship, theorized by Freire, reexamined under light of the concepts of sadism and masochism studied by Freud throughout his work. The search for knowledge described as a joint construction between the authors, like the teacher-student relationship (transference), will empower freedom. Although in relatively diverse fields, the two authors, Freire and Freud, continue to contribute to our understanding of life in society, and to provide evidence for evolution.

Keywords: Paulo Freire, oppressor-oppressed, Sigmund Freud, sadism, masochism.


 

 

O projeto de formação representa a oficialização do processo de desenvolvimento do psicanalista no Círculo Psicanalítico de Pernambuco. Os esforços, porém, para constituir as condições necessárias à formação psicanalítica estão muito além do presente documento. O tripé da formação tem se constituído gradualmente no meu trajeto de aprendizagem da profissão.

É do lugar de educador e em especial de educador de profissionais de saúde que gostaria de aprofundar, neste projeto e neste momento, meus conhecimentos no campo psicanalítico. Busquei, dessa forma, em autores caros ao Círculo Psicanalítico e seus grupos de estudos, subsídios para compreender a inter-relação entre a psicanálise e a educação.

 

Freud e Freire: uma interlocução possível?


Através da pesquisa bibliográfica das articulações teóricas entre a psicanálise e a educação, pude aproximar-me da vasta produção sobre o tema e perceber uma lacuna que para mim se tornou uma ótima oportunidade de produção. Dois autores bastante caros à minha curiosidade epistêmica, Paulo Freire e Sigmund Freud, foram objeto de poucas interlocuções. Afirmo poucas, pois não encontrei nenhuma, mas considero que seja possível encontrar algum estudo já concretizado em pesquisas futuras. Fiz dessa temática o foco de meu projeto de formação, construindo um laço teórico que aproxima os dois autores de contextos tão distintos, mas com aproximações possíveis.

A obra de Paulo Freire constitui um marco da produção teórica da educação brasileira. A revisão das publicações sobre a relação entre educação e psicanálise, que constituiu o presente texto, revelou uma lacuna na leitura de Paulo Freire a partir das reflexões psicanalíticas, com um enfoque na obra de Sigmund Freud. Assim, optei por um texto clássico da produção freireana, a Pedagogia do oprimido (1970) para uma análise das bases psicanalíticas utilizadas por Freire, sejam referenciadas ou não pelo autor.

Em diversos trechos do livro, Freire se reporta ao funcionamento da psique humana, apesar de não ser seu principal campo de estudo. Destaca-se um caráter analítico da tarefa, como uma busca arqueológica dos conceitos utilizados por Paulo Freire e as inter-relações construídas com conceitos psicanalíticos.

A obra Pedagogia do oprimido (1970) é o livro mais popular do educador e filósofo Paulo Freire. Propõe um relacionamento entre professor e estudante centrado na horizontalidade e na criatividade. O livro tem como foco a educação de adultos em uma perspectiva marxista, denunciando a exploração na relação opressor-oprimido e propondo uma pedagogia crítica.

O livro detalha os mecanismos de opressão, destacando um papel diferenciado do professor para mudança do processo educativo. Freire apresenta ainda uma metodologia pedagógica a partir da qual se construiria uma perspectiva educativa diferenciada. O presente texto irá apresentar o conhecimento psicanalítico desenvolvido por Freud, que apoiará a compreensão da teoria proposta por Freire, através do detalhamento do funcionamento psíquico na relação opressor-oprimido e da correlação psicanalítica de conceitos utilizados por Freire.

 

A relação opressor-oprimido

Paulo Freire descreve na sua obra diversos mecanismos psíquicos relacionados à relação opressor-oprimido. Compara essa relação com a relação sadomasoquista e afirma que haveria uma dependência emocional entre os integrantes, na qual o submetido incorporaria uma crença (pensamento mágico) em um opressor invulnerável, introjetando essa figura, na perspectiva em que vê, na ocupação do polo sádico, o único caminho para a superação. Para Freire, essa identificação com o opressor é o mecanismo mais importante para perpetuar esse funcionamento, não permitindo a possibilidade de libertação. A partir do uso do conceito de relação sadomasoquista por Paulo Freire, será interessante aprofundar a perspectiva psicanalítica do termo.

Na teoria freudiana, a compreensão do sadismo e do masoquismo é modificada ao longo da história da psicanálise. A princípio, Freud compreendeu o masoquismo como parte das perversões polimórficas presentes na infância, na vida de todos os seres humanos, em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). Após a estruturação de sua segunda teoria psicanalítica, através das pulsões de vida e de morte, em Além do princípio do prazer (1920), apresenta sua segunda teoria sobre o masoquismo. Em O problema econômico do masoquismo (1924), correlaciona o masoquismo às pulsões de vida e de morte. Afirma que a pulsão de morte será exteriorizada pela libido na forma de destrutividade/sadismo na relação edípica. Em um segundo momento, a destrutividade seria transformada em punição masoquista (culpa inconsciente), que pode ainda, posteriormente reverter-se em sadismo através da identificação do sujeito com o objeto, mantendo seu caráter masoquista.

Dessa forma, o psiquismo seria capaz de proteger o sujeito da pulsão de morte, cuja fração não exteriorizada comporia o masoquismo erógeno ou primário. Este, finalmente, se desenvolveria no masoquismo feminino (expressão feminina em ambos os sexos) e o masoquismo moral (culpa inconsciente). Caso a pulsão de morte não possa ser exteriorizada, seu único alvo será o próprio sujeito-objeto.

Poder-se-ia dizer que o lugar masoquista seria uma possibilidade de sobrevivência de um funcionamento psíquico em que, se não exteriorizasse a pulsão de morte, o próprio sujeito seria o único objeto da destrutividade. Assim, para o oprimido, dentro da dualidade, o lugar passivo, masoquista, representaria um lugar de equilíbrio possível das pulsões de morte e de vida. A expressão da culpa inconsciente, pelo fato de se projetar no único lugar concebível, de opressor, o impediria de romper a relação desigual.

Continuando a reflexão sobre a obra freireana, o autor chega à conclusão sobre a dificuldade do processo de libertação e à compreensão de um medo oculto ou inconsciente da liberdade. Esse medo envolveria a dificuldade de assumir o próprio destino e a perda da possibilidade de oprimir. O contexto dessa relação estimula uma perspectiva ingênua e dual por parte do oprimido, sem a necessária crítica para transformar essa relação. A liberdade significará a necessidade de definir escolhas e construir o próprio caminho através de uma ação que requer necessariamente a criatividade, algo que na relação de opressão é inibida.

Na análise da relação opressor-oprimido, podemos identificar na teoria freudiana o que Freire considerou sobre o oprimido que tem em si o opressor. Essa seria uma dualidade externa e interna, entre sujeito e objeto. O masoquismo moral pode representar a tendência ao sofrimento, reforçando o medo da libertação. A culpa inconsciente pode representar, em complementação à vivência edípica, o desejo inconsciente de ocupar o mesmo lugar do opressor. Torna-se uma busca de sofrimento interminável, como um gato que corre atrás da própria cauda. A pulsão de vida, expressa pela libido, mantém a vida apesar do sofrimento gerado.

Para Freud, a relação autoritária experimentada na relação opressor-oprimido durante o processo educativo, seria responsável pela neurose. Para muitos intérpretes da obra freudiana, segundo Jolibert (2010), o autor seria partidário do não direcionamento no processo educativo. Freud, porém, deu à disciplina um papel fundamental na educação e no processo de socialização da criança, através da obra Totem e tabu (1913). O homem, dotado naturalmente pelos instintos, torna-se homem quando permeado pela disciplina cultural. Cultura que, para Paulo Freire, no adulto, seria responsável pela opressão, principalmente nos processos de culturas colonizadoras.

Em Freud, as intervenções da cultura se iniciam na lei primordial do incesto, do ponto de vista filogenético e ontogenético. As interdições culturais seriam responsáveis pela transição da criança do imediatismo do prazer à realidade social. A educação em Freud tem o papel de impedir a expressão de tendências pulsionais espontâneas sendo, assim, essencial para a ação socializante. A criança, através dessas interdições, adquiriria forças psíquicas para limitar as pulsões sexuais, direcionando seu fluxo para o pudor, as aspirações morais estéticas, entre outros. Freud então considera a necessidade de a educação exercer um mínimo de proibição necessária à socialização, porém não o suficiente para gerar a submissão ou adoecimento.

Essa perspectiva se complementa na metapsicologia, quando Freud teorizou sobre os princípios do prazer e da realidade. A inter-relação desses princípios seria responsável pelo equilíbrio das pulsões e da vida em sociedade, como descrito em O mal-estar da civilização (1930). Para alguns intérpretes da obra freudiana, um princípio substituiria o outro excluindo, assim, qualquer forma de expressão prazerosa. O caráter substitutivo afastaria o prazer do processo educativo, gerando sofrimento necessário, mas que deveria ser cuidado, a fim de não produzir o adoecimento.

Em uma leitura mais apropriada da relação entre esses dois princípios, não existe a necessidade da renúncia do prazer, mas de suas expressões mais imediatas, ajustando a pulsão a uma realidade natural e social inevitável. Assim, a educação não tem como objetivo, para Freud, uma substituição, mas uma conservação do princípio do prazer modificado dentro de uma realidade.

Metapsicologicamente, o princípio do prazer representa o desejo por uma felicidade infinita, eterna, assim irrealizável. Dessa forma, pode-se conceber a insuficiência interna ao próprio princípio. Os motivos da interdição, sejam naturais, sejam sociais, não permitem que o processo educativo seja centrado absolutamente no prazer, principalmente porque, segundo Freud, estaria também vinculado a desejos mais instintivos como o incesto, o canibalismo e o assassinato. A educação atua na transformação do desejo primitivo para o desejo dominado ou sublimado. A ausência de normas poderia representar a volta de relações humanas agressivas e destrutivas, como vivenciadas em diversos momentos da história da civilização na terra.

A interdição ganha um papel na história da espécie, da cultura e de cada indivíduo. Assim como Freud, Paulo Freire considera a interdição na história do indivíduo e na história de uma sociedade. É interessante, porém, perceber que ambos falam de contextos históricos diferentes. Enquanto Freud em Totem e tabu (1913) aborda a constituição da civilização em seus primórdios, Paulo Freire fala da América Latina, no século XX, dominada por culturas do hemisfério norte. Assim, pode-se concluir que falam de interdições diferentes. Uma (freudiana), primordial para constituição social e para socialização da criança, por assim dizer sublimada, e outra (freireana), utilizada como instrumento de opressão e manutenção de um status social permanente ou imutável.

Em qual momento da história de nossa civilização poder-se-ia perceber a diferenciação da interdição entre socializar e dominar absolutamente? Talvez aí poder-se-ia chegar a um caráter qualitativo e quantitativo da interdição, pensando como, quando e onde será imprescindível. Quando é então que a interdição se torna desnecessária, desmesurada, exagerada? Quando com o objetivo da opressão? Quando está em função não da civilização, mas de grupos de dominação?

 

A busca pelo saber

Para Paulo Freire, o prazer deve estar presente em todo o processo educativo, devendo constituir essencialmente os planejamentos de atividades educativas. O autor conclama o prazer no processo educativo através da priorização da dúvida epistemológica, representada pelas perguntas mais simples levantadas pela criança no seu processo de desenvolvimento, que continua por toda a vida. O incentivo ao questionar infantil, a sua busca de saber, será imprescindível para sustentar um interesse pela vida. Na relação educativa tradicional, o desejo de saber da criança, expresso pelas dúvidas epistêmicas, seria reprimido através de uma pedagogia mecanicista.

Em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, Freud (1905) apresenta a busca do saber como uma maneira sublimada de obter o domínio, utilizando a energia escopofílica. A percepção visual da diferença, da falta ou da ausência representaria um estímulo importante. Freud apresenta a busca do saber através da percepção das diferenças sexuais. Outro componente importante para deflagrar o instinto do saber estaria relacionado à ameaça de um novo irmão e a subsequente perda do cuidado e do amor.

O ato de dominar, ou instinto de dominação (instinct for mastery), é originário da crueldade advinda da pulsão de morte, expressa através da destrutividade ou da reversão sadomasoquista, discutida anteriormente. A busca do saber representaria a sublimação das tendências agressivas e teria em si o objetivo de mudança. Assim, a busca por saber (freudiana) compatível com a dúvida epistemológica (freireana) seria a possibilidade de sublimação das tendências agressivas e a saída da relação sadomasoquista ou opressor-oprimido. A ênfase dada à busca do saber representaria uma parte importante do desenvolvimento psíquico, seja no processo educativo, seja no processo psicanalítico, para a construção de relações entre sujeitos, centradas no diálogo (sujeito-sujeito), e não no monólogo (sujeito-objeto).

 

O prazer e a realidade na educação

Ambos os autores consideram a importância do equilíbrio entre os princípios do prazer e da realidade. Freud apresenta o princípio do prazer e da realidade como complementares. Já Paulo Freire diferencia libertinagem de liberdade, esta última acrescida de responsabilidade (princípio da realidade). O educando, em sua infância, atravessaria a possibilidade de não receber nenhuma interdição e permanecer em um estado de brutalidade primitiva ou de receber uma interdição exagerada e desenvolver uma neurose com uma repressão desmedida.

Nesta leitura dos dois autores focos do presente estudo, é possível observar que Paulo Freire está se referindo à relação opressor-oprimido e sua repercussão na vida adulta. Os pensamentos freudianos sobre a educação se referem principalmente ao desenvolvimento infantil. Obviamente ambas as teorizações têm suas repercussões em todas as fases da vida humana, mas é importantíssimo para o objetivo deste texto, perceber a diferença entre os objetos de estudo de cada autor. Assim, surgem as seguintes perguntas: Como Freire pensaria a educação infantil considerando o papel socializador discutido por Freud? Como Freud se posicionaria diante da opressão cultural denunciada por Freire e vivida por adultos de classes oprimidas?

Em Freud, a educação só é possível se a criança é capaz de fazer sua a demanda social, interiorizá-la. Isso seria possível devido não só às características externas, naturais e sociais, mas também a uma condição interna relacionada à pulsão de autoconservação. Essa pulsão, representada pelo medo da perda do amor, é responsável pelo desenvolvimento de uma capacidade de autorregulação do indivíduo. O predomínio do medo da perda do amor no adulto estaria relacionado com a impossibilidade de viver a liberdade e à perda da possibilidade de oprimir (identificação com o opressor).

A partir da teoria freudiana, a possibilidade de tornar-se o opressor seria um contrapeso à frustração inicial das pulsões primitivas, que estariam sublimadas e encontrariam na perspectiva futura, uma realização parcial ou simbólica na realidade. Como seria possível mudar esse ciclo?

 

Conclusão

Em Freud, a educação seria responsável pelo progresso da ciência, enquanto desenvolvimento da razão, que toma consciência de si própria, através da descodificação ou desmistificação das ilusões. Assim como para a psicanálise, Freire atribui à educação o desenvolvimento da autonomia, aliado ao desenvolvimento moral e intelectual, apoiados pelo saber científico.

Como Paulo Freire, Freud parte de uma perspectiva humanista, considerando a possibilidade de uma sociedade mais fraterna, menos desigual, diminuindo o sofrimento. Tanto Freud quanto Freire afirmam um desejo de mudança da sociedade pela vida, abordando críticas diretas às causas de sofrimento e opressão.

Paulo Freire se afirma um idealista ao mesmo tempo que se questiona. Acredita que só através do idealismo será possível alimentar a esperança para mudanças na sociedade. Sua produção esperançosa se fundamenta na perspectiva ontológica da vocação do ser humano em “ser mais”.

As intersecções entre educação e psicanálise reúnem um campo teórico vasto e bastante fértil a novas reflexões, teorizações, abordagens e práticas. A retomada da produção bibliográfica de Paulo Freire valoriza sua importância enquanto educador e humanista, enquanto a correlação de seu trabalho com a obra de Freud resgata suas contribuições para a educação e amplia para uma reflexão social, apresentada por Freire.

Através do estudo proposto pelo presente trabalho, foi possível refletir e aprofundar sobre os mecanismos psíquicos envolvidos na relação opressor-oprimido. A educação e suas repercussões puderam ser abordadas através da ótica do educador Paulo Freire e do psicanalista Sigmund Freud.

As contribuições entre os saberes produzidos pelos autores são mútuas. A correlação teórica apresenta mais reflexões do que conclusões e é capaz de gerar novas inquietações e questionamentos. Em grande parte essas questões estão relacionadas à vida em sociedade e ao modo como a educação e a psicanálise contribuem para isso.

A teoria freireana propõe uma pedagogia que enfrenta diretamente as desigualdades sociais, apresentando a relação educador-educando como uma ferramenta essencial para a mudança social. A psicanálise freudiana percebe na educação um papel civilizatório porém com repercussões negativas no caso de situações de rigidez excessiva.

Quais teriam sido as repercussões em Paulo Freire de um aprofundamento na teoria psicanalítica de Freud, considerando a complementaridade dos conhecimentos percebida durante o presente estudo? Em Pedagogia do oprimido, o autor apresenta diversos mecanismos do funcionamento da psique humana, sem necessariamente correlacionar com referências específicas desse campo de saber. Em algumas citações, refere-se ao psicanalista alemão Erich Fromm, articulador da psicanálise e da teoria marxista na metade do século XX, quando explica o funcionamento do opressor, o relacionado às “consciências necrófilas”. Essa evidência representa uma pista para as influências da psicanálise sobre a obra de Paulo Freire.

Por outro lado, quais seriam as repercussões em Freud da obra de Freire? Compreendendo a psicanálise enquanto ciência que abarca a vida humana em todas as suas facetas, com uma proposta teórica libertadora, surge a questão: como a psicanálise tem se apropriado de seu conhecimento para produzir essa liberdade, no âmbito tanto individual quanto coletivo?

A psicanálise, apesar de sua proposta, ainda tem estado focada na prática individual de consultório, fundamental para seu nascimento, sua manutenção e sua renovação. Como, porém, tem a psicanálise participado da coletividade ou da vida em sociedade? Como tem contribuído para o aumento ou a diminuição das desigualdades sociais em suas relações opressor-oprimido?

Essas perguntas permanecerão enquanto motivadoras para futuros estudos e ações, para dar significado e continuidade a um processo de formação psicanalítica interminável.

 

Referências

AULAGNIER, P. Les destins du plaisir. Alienation, amour, passion. Paris: Presses Universitaires de France, 1979.         [ Links ]

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido (1970). 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.         [ Links ]

FREUD, S. Além do princípio de prazer (1920). In: ______. Além do princípio do prazer, psicologia de grupo e outros trabalhos (1920-1922). Direção-geral da tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1974. p. 14-23. (Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, 18).         [ Links ]

FREUD, S. Malaise dans la civilisation (1930). In: ______. Œuvres Complètes, t. XVIII. Paris: Presses Universitaires de France, 1971.         [ Links ]

FREUD, S. O problema econômico do masoquismo (1924). In: ______. O ego e o id e outros trabalhos (1923-1925). Direção-geral da tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1974. p. 159-170. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 19).         [ Links ]

FREUD, S. Totem et tabou. Paris: Gallimard, 1993.         [ Links ]

FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). In: ______. Um caso de histeria, três ensaios sobre a teoria da sexualidade e outros trabalhos (1901-1905). Direção-geral da tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1974. p. 125-171. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 7).         [ Links ]

JOLIBERT, B. Sigmund Freud. Tradução de Elaine Teresinha Dal Mas Dias. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Editora Massangana, 2010.         [ Links ]

MIJOLLA, A. Dictionnaire international de la psychanalyse. Enhanced version of the 2002 French edition.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Praça Fleming 35/1501 - Jaqueira
50230-180 - Recife - PE
E-mails: vitor.barreto@ufpe.br vbarreto@tavi-port.nhs.uk

Recebido em: 06/04/2015
Aprovado em: 20/04/2015

 

 

SOBRE O AUTOR

Vitor Hugo Lima Barreto
Médico de Família e Comunidade (UFPE).
Psicanalista em formação pelo Círculo Psicanalítico de Pernambuco (2010-2013).
Psicanalista em formação pelo Institute of Psychoanalysis (British Psychoanalytic Society), Londres (2014/2015, em andamento).

 

 

1 O texto aqui apresentado representa o Projeto de Formação do Dr. Vitor Hugo Lima Barreto, que integra o início de formação em Psicanálise pelo Círculo Psicanalítico de Pernambuco. O projeto foi orientado pelo Dr. Marcelo Bouwman e apresentado ao Círculo Psicanalítico de Pernambuco em maio de 2013.

Creative Commons License