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Ide

versão impressa ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) vol.40 no.66 São Paulo jul./dez. 2018

 

EM PAUTA EASY RIDER: SEM DESTINO

 

O outro e eu na sala de análise

 

The other and I in the analytical room

 

 

Antonio Carlos Eva

Membro efetivo e analista didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O autor apresenta algumas ideias sobre o analista que procura ser, compondo uma reflexão teórica que alicerça a clínica.

Palavras-chave: O outro. Eu. Campo analítico. Desconhecido.


SUMMARY

The author presents some ideias about the analyst he intends to be, composing a theoretical reflection that supports his clinical work.

Keywords: The other. I. Analytical field. Unknown.


 

 

Antes de mais nada, é preciso local confortável, para mim e talvez para o outro. Minha sala de trabalho é organizada para cumprir esse quesito. Esse conforto começa com a parte material; de um modo superficial, sintetizado por uma poltrona que uso há vários anos. Vem também do conhecido que esse ambiente oferece para mim. O conjunto conhecido fará contraste com o outro - o novo - que chega a cada dia. Há, pois, um contraste daquilo que conheço - a sala, móveis, eu mesmo, que espero que quase desapareça - diante do outro que chega.

Como pode o outro ser novo a cada dia para mim? E para quê?

A questão seguinte é: como posso estar presente, além de materialmente, na sala e construir uma fronteira com o outro, não só no quesito material mas também psiquicamente? Quais as condições para estarmos os dois, discriminados, na minha perspectiva, no mesmo espaço e tempo. Para alcançar a discriminação, cuido, certamente, primeiro de mim, pois sem mim não há o outro. Forma-se um todo confuso e indiscriminado. Tomo como modelo o aviso que há nos aviões para o caso de despressurização. Primeiro oxigênio (mental) para mim; a seguir, se for possível, verifico como o outro se apresenta, como está aos meus olhos.

É evidente que a linguagem verbal é de grande uso e com ela fazemos sínteses da experiência em andamento.

Quem estiver apto, por fatores variados, usará, nessa relação, da expressão verbal.

Claro está que a relação inclui mais do que o verbal, que certamente influi no que é dito, ou não dito.

O outro (analisando) o fará como puder, pois tem inteira liberdade, ao menos inicialmente, para se expressar.

O analista, disciplinadamente, estará voltado para o presente e, mais ainda, para o vértice que expresse conhecimento (emocional).

Essa é uma grande diferença. Há, penso eu, assimetria na relação psicanalítica e eu procuro atrair, ativamente, o outro para o campo em que faço hipóteses, notações, atenções, curiosidades, investigações, ações etc. etc.

Para fazer isso, preciso estar lúcido, calmo, podendo oferecer, além disso, parte da minha atenção ao outro. Isto é, aquilo que sobra de meu bem-estar, na sala. Insisto que preciso estar, antes de mais nada, oxigenado mentalmente, o que indico com o conceito de insaturado.

Estar lúcido, calmo com alguma atenção a oferecer e insaturado, eu consigo se o outro ali presente for visto, por mim, como novo. Se o vejo "velho", repetido, conhecido, devo deduzir que estou sob domínio da minha memória, que me oblitera a lente para a presença nova, componente essencial para o meu trabalho analítico. Quem sabe a memória seja a realização de um desejo meu para fugir do novo.

Cabe uma enorme discussão a respeito desse estado mental que esboço.

A cada intervenção verbal e/ou não verbal, minha e/ou do outro presente na sala, cabe a tarefa de examinar se as condições que intuo do parceiro presente, no movimento feito, confirmam-se ou não, com que particularidades, segundo a minha hipótese, em exame.

Direi que tanto faz confirmar ou não a hipótese por mim feita. Sempre será uma confirmação ou refutação parcial. Interessar-me-ei pelas semelhanças e diferenças, nessa investigação, baseado em modelo teórico-psicanalítico que utilizo. É ele que me dará as significações que privilegio.

Formar-se-á, ativamente, por interferência minha e do outro, um novo par para iniciar um novo ciclo do movimento psíquico, que procuro identificar, disciplinadamente, se ou enquanto permaneço com oxigênio psíquico. Exercerei, pois, uma nova atração para a área que me interessa estar.

Nesse novo ciclo, há, com muita frequência, perda significativa de meu contato com o outro. Se identifico a perda, na medida de minhas possibilidades, permaneço na sala, no escuro, insaturado. Caso não possa estar nessa condição de trabalho, invento - através do desejo de saber/compreender, algo com o que lanço luz sobre a escuridão, para ter alguma certeza calmante. Esses movimentos, fenomenologicamente, são muito semelhantes entre si. Criar luz, precipitadamente, levado por medo ou desconforto excessivos ou estar à espera do novo a ser vivido confundem-se, igualam-se em minha mente.

O outro, dependendo do que vive comigo ou com quem inventa que sou, é de valia variada nessa travessia.

Necessito, nessa perda do desconhecido, poder avaliar o que recebo ou percebo do outro sem esquecer que necessariamente isto é variável em sua função. A variedade da função depende dos componentes que fazem parte dessa presença. Posso ser confirmado ou refutado através do significado que desempenho para o outro e não apenas pelo conteúdo verbal que possa oferecer.

Desconfio, pois, permanentemente, do solo fugidio em que me encontro e no qual procuro caminhar intuitivamente.

 

REFERÊNCIAS

Bion, W. R. (2000). Elementos de psicoanálisis. Buenos Aires: Lumen. (Trabalho original publicado em 1963).         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
ANTÔNIO CARLOS EVA
Rua Januário Miraglia, 99
04105-020 – São Paulo-SP
tel.: 11 3892-6140
evantoniocarlos@gmail.com

Recebido 26.06.2018
Aceito 29.06.2018

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