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Jornal de Psicanálise

versão impressa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.53 no.98 São Paulo jan./jun. 2020

 

ASSOCIAÇÃO DOS MEMBROS FILIADOS

 

Reflexões acerca do futuro da psicanálise1

 

Reflections on the future of psychoanalysis

 

Reflexiones sobre el futuro del psiconálisis

 

Réflexions sur l'avenir de la psychanalyse

 

 

Gizela Turkiewicz

Membro filiado ao Instituto de Psicanálise “Durval Marcondes” da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP). Presidente da Associação dos Membros Filiados (AMF). São Paulo / gizela.turkiewicz@gmail.com

 

 


RESUMO

A Associação dos Membros Filiados (AMF) ao Instituto de Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo completa 50 anos. Este texto foi escrito para o simpósio comemorativo dessa data, organizado em torno do eixo passado, presente e futuro. A autora se propõe a pensar o futuro da psicanálise, com base em um ensaio ficcional sobre uma psicanálise distópica.

Palavras-chave: futuro da psicanálise, formação psicanalítica, Associação de Membros Filiados, história da psicanálise


ABSTRACT

The Association of Candidates (amf) of the Institute of Psychoanalysis of the Brazilian Society of Psychoanalysis of São Paulo (SBPSP) celebrates 50 years. This article was written for the commemorative symposium of this date, organized on the axis: past, present and future. The author intends to think about the future of Psychoanalysis, based on a fictional essay about a dystopian Psychoanalysis.

Keyword: future of psychoanalysis, psychoanalytic training, association of candidates, history of psychoanalysis


RESUMEN

La Asociación de Candidatos (amf) del Instituto de Psicoanálisis de la Sociedad Brasileña de Psicoanálisis de São Paulo celebra 50 años. Este texto fue escrito para el simposio conmemorativo de esta fecha, organizado en el eje: pasado, presente y futuro. La autora se propone pensar sobre el futuro del psicoanálisis, a partir de un ensayo ficticio sobre un psicoanálisis distópico.

Palabras clave: futuro del psicoanálisis, formación psicoanalítica, asociación de candidatos, historia del psicoanálisis


RÉSUMÉ

L'Association des Candidats (amf) du Institut de Psychanalyse de la Société Brésilienne de Psychanalyse de São Paulo fête ses 50 ans en 2020. Ce texte a été écrit pour le colloque commémoratif de cette date, organisé autour de l'axe: passé, présent et futur. L'auteur propose de réfléchir à l'avenir de la psychanalyse, à partir d'un essai fictif sur une psychanalyse dystopique.

Mots-clés: avenir de la psychanalyse, formation psychanalytique, association de candidats, histoire de la psychanalyse


 

 

Neste ano de 2020, a Associação dos Membros Filiados (AMF) completa 50 anos. Quando nos propusemos a celebrar essa data tão simbólica e expressiva, coube a nós, da atual diretoria, nos debruçarmos sobre a história da AMF, que, em certo sentido, acompanha a história da formação psicanalítica no Instituto Durval Marcondes desde 1970.

Nossa investigação foi norteada pelo seguinte questionamento: "qual o sentido dessa associação?"

Antes de nós, outros já percorreram esse caminho, em comemorações de nossos 25, 35, 45 anos, todas registradas em diferentes meios (Socha, Azevedo, Leite & Pupo Netto, 2015), o que nos apoiou imensamente na rememoração atual. Ao retomarmos os registros históricos, e ao entrevistarmos ex-presidentes da AMF, que são nossa memória viva, com lembranças marcadas pelos diferentes caminhos trilhados por cada um desde o tempo em que estiveram à frente da associação, percebemos que nossa história é feita das inquietações dos membros filiados, em seus diferentes tempos, e talvez seja esse o sentido de nossa existência como associação e da nossa sobrevivência por tantos anos.

Hoje, podemos considerar que a AMF já alcançou certa maturidade, e que há muito das lutas heroicas do passado que são fatos consumados. Houve um tempo em que não havia analistas didatas em número suficiente para nos atender. Houve um tempo em que não podíamos participar de reuniões científicas. Depois, podíamos participar, mas não tínhamos voz. Houve um tempo em que o analista didata tinha o papel de avaliar o analisando perante a instituição. Houve um tempo em que os analistas em formação eram, ou sentiam-se, infantilizados, tratados como alunos nos bancos da escola, e não como profissionais. Ainda há muito que poderia ser listado entre as conquistas que os membros filiados já tiveram até aqui, somos uma instituição viva, em constante mudança, e talvez a história possa nos servir para dar o tom do nosso porvir.

Passemos às nossas inquietações da atualidade; coloco aqui algumas que me ocorrem: nossa formação possibilita que cada analista desenvolva nome próprio e fale por si, em vez de tornar-se réplica de outros que o antecederam? O grupo de membros filiados é representativo da sociedade em que vivemos? Por que a formação psicanalítica segue sendo cara e para poucos? A formação nos põe em contato com quais aspectos da clínica contemporânea dos consultórios e dos serviços de saúde mental nos quais muitos de nós trabalham? O modelo clássico de atendimento psicanalítico é factível na contemporaneidade? Se é ou não, em que ele depende de resistências ou disponibilidade do analista e em que ele depende das características dos pacientes e do mundo em que vivemos? Como nos posicionamos, como analistas, no cenário sociopolítico atual? Estamos interpretando sob bombardeio?

Se pararmos no tempo, satisfeitos com as conquistas de outrora, a chama se apaga. Não podemos viver o presente de forma ingênua e sem o apreciarmos, pois ele há de se tornar passado (Freud, 1927/2014).

Fabio Herrmann (1995/2015), por ocasião da comemoração dos 25 anos da AMF, disse em depoimento:

Esta é uma reflexão histórica. A história tem suas características, ela nunca deixa de acontecer. A história como curso vai correndo, e nós participamos dela com uma cegueira necessária. Isto que fazemos agora já é história, e, no entanto, a nossa consciência nunca é histórica no momento em que a estamos vivendo.

Ao refletir sobre o futuro, vejo-me debruçada sobre o passado, procurando entender como a História se reedita no presente. Busco algo que norteie meus pensamentos e que, se não puder me dar respostas, ao menos me permita levantar outras questões; pois, quando se fala em futuro, é sempre um talvez.

Como podemos, com base na experiência já vivida construir o futuro? Aliás, podemos construí-lo? Qual seria a contribuição possível desta associação, ou deste grupo de membros filiados, para o futuro da psicanálise?

O ofício do psicanalista, segundo Freud (1937/2018), assemelha-se ao de um arqueólogo que escava camadas e camadas que fazem parte da constituição histórica do indivíduo, história esta não necessariamente temporal. Ofício impossível este da psicanálise, assim como a solução da questão acerca de seu futuro.

Naturalmente, há uma enorme dificuldade em falar do futuro, pois, dele, nada sabemos. Por outro lado, estamos sempre a nele nos projetar e a fazer planos. Planejamos as férias, sonhamos com filhos e com o que eles serão, nos preocupamos com o amanhã, com a aposentadoria, com as epidemias, com o fim do mundo. Na tentativa de controle, queremos previsibilidade, temos a ilusão de que se soubermos do amanhã, nos angustiaremos menos. A neurose é uma eterna previsão catastrófica do futuro.

Ao nos vermos imersos em uma cultura, estudando suas origens e trajetória até o momento atual, nos vemos tentados a olhar para outra direção e perguntar qual será seu destino e que transformações ela sofrerá. Freud, em O futuro de uma ilusão (1927/2014), nos alerta sobre as dificuldades e incertezas dessa tarefa. Quanto menos se sabe do passado e do presente, mais incerto é o juízo acerca do futuro. No entanto, conhecer a História não nos garante a previsibilidade do que está por vir. As criações humanas são facilmente destruídas, e a ciência e a técnica, responsáveis por sua existência, podem ser utilizadas também para a sua aniquilação (Freud, 1927/2014).

Diante das incertezas que o futuro nos impõe, proponho que façamos um exercício de imaginar como será a psicanálise dentro de algumas décadas, numa narrativa ficcional que apresento a seguir.

É o ano de 2084, a psicanálise sobrevive, ainda há psicanalistas. Digamos que o ofício tenha sido regulamentado por Instâncias Superiores, e que, para exercer a psicanálise, todos tenham de passar por uma prova, em que o candidato está diante de um paciente-robô que lhe apresenta uma situação, e com base nela deve-se formular a interpretação correta. Esta é a única maneira de se obter a licença para exercer a psicanálise. Antes de passar por essa avaliação, o candidato é formatado por meio de um curso em que estuda conceitos psicanalíticos como Complexo de Édipo, Identificação Projetiva, Neurose, Psicose, Perversões, entre outros. Depois, ele precisa elaborar interpretações próprias, padronizadas, das quais se utilizará em seu cotidiano profissional. Em caso de reprovação, a formatação deve ser reiniciada.

Essa norma fora implantada anos antes, para proteger os psicanalistas, depois de um grande grupo de pessoas os ter processado por não obterem o resultado esperado de seus tratamentos, causando grandes prejuízos financeiros, que levaram muitos analistas a desistir da prática. A partir de então, passou a ser obrigatório que todas as clínicas psicanalíticas contratassem um seguro de proteção profissional. Os contratos com os seguradores incluem a cláusula de que as sessões sejam gravadas e acompanhadas por fiscais, que salvaguardam o resultado do tratamento e a possibilidade de que aconteça qualquer tipo de assédio.

Como houve uma falência dos meios de transporte nos centros urbanos, as sessões não mais acontecem presencialmente, mas através de uma tela, em que o analista vê o paciente, mas o paciente não o vê, numa tentativa de replicar o setting com divã. A frequência das sessões não é fixa. O analisando pode solicitar ao analista várias sessões ao dia, chamando-o por meio dessa tela sempre que lhe for conveniente. Isso foi instituído para que os tratamentos sejam mais rápidos e eficazes. Caso o analista esteja indisponível ao ser convocado pelo analisando, este pode solicitar a substituição daquele às Instâncias Superiores.

Aboliu-se a associação livre. Por meio da autocensura, os pacientes não se dão mais ao trabalho de pensar, pois pensar é proibido, é o pior crime que se pode cometer. Então quando um pensamento do tipo devaneio ou sonho lhes vem à cabeça, eles imediatamente os expõem ao analista, que é o único autorizado a pensar, pois para isso ele foi treinado.

Quando um analista recebe um pensamento incômodo de seu paciente, que pode chegar como imagem, vídeo ou palavras abreviadas, ele deve responder rapidamente com uma interpretação padrão. São bem-vindas interpretações enviadas por mensagens instantâneas, também abreviadas.

Com interpretações padronizadas e calibradas, consideradas certas ou erradas, a psicanálise passa a ser mensurável por meio de estudos quantitativos, e, portanto, comparável a tratamentos com drogas psicoativas e psicoterapias que já se encontravam disponíveis em manuais desde o século XX. Seus resultados parecem promissores, e há um grande incentivo da indústria da educação para ampliarem-se cursos de Psicanálise em regiões remotas do mundo, todos eles feitos também com base em telas de contato entre "Curas" e candidatos. Curas são os sacerdotes responsáveis pela disseminação da prática e do método psicanalítico. Eles são acreditados pelas Instâncias Superiores como os detentores da verdadeira psicanálise, e apenas eles podem transmiti-la. Uma interpretação psicanalítica proferida por um "Cura" é considerada padrão-ouro, e é registrada em um grande banco de dados de interpretações que vem sendo construído desde as primeiras décadas dos anos 2000.

Já estão em estudos robôs psicanalistas capazes de captar as emoções de seus pacientes com mais fidedignidade do que os analistas humanos, e, com base na combinação de emoções e fala do paciente, proferir interpretações padrão-ouro com grande eficácia. Desta forma, cada indivíduo pode ter seu analista em casa, ou mesmo acoplado a seu smartphone, e fazer análise quando bem entender, na hora que quiser, com elevados graus de eficácia e resolutividade.

Eu mesma sinto um incômodo ao terminar de escrever (e de reler) este conto do absurdo. O cenário que lhes apresento é uma provocação para que pensemos como aquilo que é atual está implicado com a ideia de um futuro possível.

Nesta distopia, inspirada em 1984 (Orwell, 1954/1983), a psicanálise morreu, e houve uma apropriação da palavra para a nomear outra coisa.

Como, supostamente, houve um salto de 2020 a 2084, não sabemos bem como as coisas desandaram nesta ficção. Mas podemos identificar alguns elementos da nossa realidade atual ali postos. Não é novidade para nós, depararmos com pacientes que atuam em vez de pensar, ou que nos trazem elementos como vídeos ou imagens para expressar como se sentem. Também temos pensado a respeito das análises ou supervisões a longa distância, por meio de videoconferência, e considerado sobre como isso afeta a questão da corporeidade entre analista e paciente.2 Muitos de nós substituíram os telefones fixos do consultório por smartphones, e nos comunicamos com nossos pacientes por meio de mensagens de texto. Além disso, temos muito refletido e cuidado para que a formação psicanalítica não se torne uma formatação. E, então, onde estaria o ponto de inflexão em que aspectos próprios da contemporaneidade passam a ser considerados ameaças à psicanálise? Justamente no ponto em que nos vemos cerceados, impedidos de pensar. É o ataque ao pensamento que ameaça a existência de nosso ofício, é nos vermos diante de "Instâncias Superiores" que possam nos controlar, sejam essas instâncias projeções das próprias instituições psicanalíticas ou de políticas autoritárias. Em ambos os casos, corremos o risco de cair numa dinâmica paranoica, em que nos tornamos nossos próprios algozes ao nos autocensurarmos, acreditando que a ameaça vem de fora, e não de dentro.

Há ainda o risco de que a psicanálise se torne dogmática, ou que nós assim a tornemos, ao equipararmos os analistas mais experientes a sacerdotes, detentores da verdadeira psicanálise. A ciência, quando se perverte em doutrina, aniquila-se. Ao assumir características religiosas, como a sacralidade, a rigidez e a intolerância, ela torna-se proibitiva do pensar e converte-se em ilusão, quando deixamos de considerar seus laços com a realidade. Nosso aparelho psíquico foi desenvolvido justamente para indagar o mundo exterior e, portanto, ele próprio é parte do mundo que investigamos, admitindo muito bem tal investigação. No entanto, ele está submetido à ilusão da realização de um dos desejos mais prementes da humanidade, o da resolução de nossa condição de desamparo, o que é inerente à cultura e às religiões, mas também se estende à psicanálise quando esta assume status de crença, e não pode ser questionada (Freud, 1927/2014).

Desde os primeiros tempos da psicanálise, Freud manteve seu olhar para além da clínica, ocupando-se da cultura, dos fenômenos de massa, das artes, de tudo aquilo que dizia respeito ao humano e a seu tempo. De lá para cá, temos uma ciência que mergulhou profundamente na clínica, enquanto estreitou seu horizonte de vocação (Herrmann, 2002).

Dialogando com as ideias de Fabio Herrmann (2002) e Marcelo Viñar (2020), na contemporaneidade, a ideia de uma clínica extensa, que olha também para fora do consultório, é um acontecimento para o qual precisamos estar preparados. Ao nos voltarmos para a sociedade, a cultura e a literatura, opera-se uma ruptura de campo epistemológico naquilo que se entende por ciência. É preciso notar que a clínica extensa não vem da falta de pacientes, mas da quebra da doutrina reificada - a clínica padrão - pelo acúmulo de pequenas e lentas alterações da realidade social, da psicopatologia, do próprio movimento psicanalítico (Herrmann, 2002). Se não acompanhamos esses movimentos, perdemos nós, e perde a psicanálise. Perdemos, na medida em que, se não vivemos em nosso tempo e espaço, vemos nossa possibilidade de escuta reduzida àquilo que já conhecemos. Perde a psicanálise, pois a ciência que se vê repetidamente recriando suas próprias teorias tende à endogamia e à infertilidade, e, assim, ela sucumbe.

Para ousar conhecer a realidade do universo em que estamos, é preciso coragem; pois ele pode não ser prazeroso. Possivelmente não será, na medida em que o encontro com o novo cria incômodo, mal-estar. Mas como podemos tornar proveitoso esse mau negócio? O conhecimento parece ter a capacidade de sobreviver quando muda de direção e reaparece em lugares inesperados (Bion, 1979). É justamente o mal-estar que nos move em sua busca, tornando o mau negócio proveitoso quando não nos limita a possibilidade de pensar. A psicanálise morre, quando morre o pensamento.

 

Referências

Bion, W. R. (1979). Como tornar proveitoso um mau negócio. Revista Brasileira de Psicanálise, 13(4),467-478.         [ Links ]

Freud, S. (2014). O futuro de uma ilusão. In S. Freud, Obras completas (Vol. 17). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1927)        [ Links ]

Freud, S. (2018). Construções na análise. In S. Freud, Obras completas (Vol. 19). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1937)        [ Links ]

Herrmann, F. (2015). Transcrição do Depoimento ao evento: 25 anos de Associação de candidatos: suas origens e suas histórias. In A. Socha et al., AMF 45 anos: releituras. SBPSP. (Trabalho original de 1995)        [ Links ]

Herrmann, F. (2002). Da clínica extensa à alta teoria: a história da psicanálise como resistência à psicanálise. Percurso, 29,15-20.         [ Links ]

Orwell, G. (1983). 1984. Penguin. (Trabalho original publicado em 1954)        [ Links ]

Socha, A.; Azevedo, B. H.; Leite, L. R.; Pupo Netto, S. T. (2015). AMF 45 anos: releituras. SBPSP.         [ Links ]

Viñar, M. (2020). El futuro del psiconálisis. Texto não publicado.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 14/6/2020
Aceito em: 20/6/2020

 

 

1 Este trabalho foi escrito para o colóquio sobre o "Futuro da Psicanálise", abertura do Simpósio comemorativo dos 50 anos da Associação dos Membros Filiados, que aconteceria nos dias 13 e 14 de março de 2020. O simpósio foi adiado devido à pandemia da covid-19, e mantém-se sem data estimada para acontecer.
2 A primeira versão deste texto foi finalizada em 9 de março de 2020. No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde declarou que estávamos em uma pandemia causada pelo novo coronavirus. Devido à alta transmissibilidade e gravidade da infecção por esse vírus, nas semanas seguintes, analistas do Brasil e de todo o mundo migraram suas clínicas inteira ou majoritariamente para atendimentos a distância, por telefone ou meios digitais de chamadas de voz e vídeo. No momento atual, em que este texto é enviado para publicação no Jornal de Psicanálise, a cidade de São Paulo e o Brasil possivelmente vivem o ápice da pandemia. A autora, assim como quase a totalidade dos colegas de nosso círculo, segue realizando atendimentos a distância. Enquanto vivemos a crise, não é possível saber quais repercussões ela trará para o futuro da psicanálise. No entanto, podemos observar que análises são possíveis quando prescindimos do modelo divã-consultório, na medida em que dispomos do setting interno do analista, da escuta e da disponibilidade da dupla analista e analisando. Em relação à questão da corporeidade, aqui entendida como a presença do corpo do analista como parte do setting e da relação analítica, ela não deixa de estar presente, mas está de uma outra forma, que exige nossa adaptação, já que não podemos contar com todos os sentidos de que dispomos quando estamos fisicamente na presença do outro.

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