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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.39 no.120 São Paulo Sept./Dec. 2022

http://dx.doi.org/10.51207/2179-4057.20220028 

ARTIGO ORIGINAL

 

Percepção de professores sobre intervenção educativa de base fônica

 

Teachers' perception of phonic-based educational intervention

 

 

Angélica Galindo Carneiro RosalI; Ana Augusta de Andrade CordeiroII; Jéssica Katarina Olimpia de MeloIII; Bianca Arruda Manchester de QueirogaIV

IFonoaudióloga; Doutorado em Saúde da Criança e do Adolescente; Pós-Graduação em Saúde da Comunicação Humana - Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, PE, Brasil
IIFonoaudióloga; Doutorado em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Departamento de Fonoaudiologia da UFPE; Recife, PE, Brasil
IIIFonoaudióloga pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Pós-Graduação em Saúde da Comunicação Humana - UFPE, Recife, PE, Brasil
IVFonoaudióloga; Doutorado em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Pós-doutorado em Fonoaudiologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho (UNESP); Pós-Graduação em Saúde da Comunicação Humana - UFPE; Recife, PE, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Além do domínio nas habilidades de consciência fonológica, o aprendizado da leitura e escrita exige o desenvolvimento de outras competências, como, por exemplo, o processamento visual, auditivo e fonológico. Tais habilidades devem ser conhecidas pelo professor alfabetizador, pois ele precisa reconhecer as crianças com dificuldades e buscar estratégias cognitivo-linguísticas para que elas avancem.
OBJETIVO: Desvelar a percepção de professores sobre intervenção educativa de base fônica voltada à facilitação da aprendizagem inicial da leitura e escrita
MÉTODO: Trata-se de estudo longitudinal, de intervenção, realizado com duas professoras do 2o ano do Ensino Fundamental I de uma escola pública da cidade do Recife, PE. Ambas participaram de uma intervenção educativa realizada com sua turma, em 12 encontros. Ao final de cada encontro, as professoras responderam três perguntas norteadoras sobre as atividades realizadas
RESULTADOS: A análise de conteúdo possibilitou a identificação de quatro categorias temáticas: 1- Desafios da alfabetização; 2- Estratégias facilitadoras da aprendizagem da leitura e escrita; 3- Contribuições da intervenção para o processo de alfabetização; 4- Contribuições da intervenção para a identificação de crianças em risco para os transtornos de aprendizagem
CONCLUSÃO: De acordo com as professoras, a intervenção foi positiva, contribuiu para o processo de facilitação da aprendizagem e possibilitou a identificação precoce de escolares em risco para transtornos de aprendizagem, sendo importante o desenvolvimento de estudos de intervenção de base fônica para auxiliar a prática docente no ciclo de alfabetização

Unitermos: Cognição. Linguagem. Aprendizagem. Alfabetização. Professor.


ABSTRACT

In addition to mastering phonological awareness skills, learning to read and write requires the development of other skills, such as visual, auditory and phonological processing. Such skills must be known by the literacy teacher, as he needs to recognize children with difficulties in the literacy process, and seek cognitive-linguistic strategies for them to advance.
PURPOSE: To unveil the perception of teachers about phonics-based educational intervention aimed at facilitating the initial learning of reading and writing
METHODS: This is a longitudinal intervention study carried out with two teachers from the 2nd year of elementary school I of a public school in the city of Recife, Pernambuco state. Both participated in an educational intervention carried out with their class, in 12 meetings. At the end of each meeting, the teachers answered three guiding questions about the activities carried out
RESULTS: Content analysis allowed the identification of four thematic categories: 1- Literacy challenges; 2- Facilitating strategies for learning to read and write; 3- Contributions of the intervention to the literacy process; 4- Contributions of the intervention to identify children at risk for learning disabilities
CONCLUSION: According to the teachers, the intervention was positive, contributed to the process of facilitating learning and enabled the early identification of students at risk for learning disorders, being important the development of phonics-based intervention studies to help practice teacher in the literacy cycle

Keywords: Cognition. Language. Learning. Literacy. Teacher.


 

 

Introdução

O papel da consciência fonológica sobre a aprendizagem da leitura e escrita é amplamente referenciado na literatura, já que, em sistemas de escrita alfabética, para a criança aprender a ler e escrever é necessário que perceba a relação entre os grafemas (letras) e os fonemas (sons). Para isso, é fundamental que a criança desenvolva habilidades como: identificação, análise, síntese, manipulação dos componentes fonológicos em níveis silábico e fonêmico, que são habilidades relacionadas à consciência fonológica (Rosal et al., 2016; Zorzi, 2016).

Além do domínio nas habilidades de consciência fonológica, o aprendizado da leitura e escrita exige o desenvolvimento de outras competências, como, por exemplo, o processamento visual, auditivo e fonológico, que também são consideradas habilidades cognitivo-linguísticas (Rosal et al., 2020). Tais habilidades devem ser conhecidas pelo professor alfabetizador, pois ele precisa reconhecer as crianças com dificuldades no processo de alfabetização, e buscar estratégias cognitivo-linguísticas para que elas avancem.

Neste sentido, a prática docente deve estar pautada na evidência científica, o que tem sido chamado de "Educação baseada em evidência". Dentro desta linha, defende-se que o ensino seja apoiado nos princípios da Neuroeducação, que compreende a relação do cérebro, em suas dimensões cognitiva e afetivo-emocional, com a aprendizagem da leitura e escrita, a fim de que seja possível selecionar estratégias pedagógicas mais direcionadas às necessidades dos escolares (Oliveira, 2015; Filipin et al., 2017).

Dentre essas estratégias, a literatura destaca o ensino explícito da relação grafema-fonema, ou seja, a instrução fônica. A instrução fônica é considerada necessária para auxiliar os alunos na apropriação do sistema alfabético, possibilitando que estes adquiram, gradualmente, maior autonomia na leitura e escrita. Assim, o método fônico tem sido considerado uma importante ferramenta para assegurar ao educando o desenvolvimento competências fundamentais na fase inicial de escolarização (Barbosa & Souza, 2017; Sargiani & Maluf, 2018). Programas baseados na Neuroeducação e voltados à identificação e intervenção precoce nos transtornos de aprendizagem vêm surgindo no Brasil e no mundo nas últimas décadas. Dentre eles, destaca-se o Response to Intervention Model (RTI), conhecido no Brasil como Modelo de Resposta à Intervenção (Almeida et al., 2016; Lamônica & Britto, 2017; Batista & Pestun, 2019).

O RTI consiste em um processo de intervenções organizadas em múltiplos níveis ou camadas, nos quais se aumenta progressivamente a intensidade da instrução de acordo com a resposta dos escolares. A camada 1, que é tomada por base para o presente estudo, caracteriza-se pelo ensino regular, rastreamento universal, intervenção coletiva e monitoramento do progresso das crianças identificadas como de risco para os transtornos de aprendizagem (D. Fuchs et al., 2012). A intervenção coletiva, nesta camada, é realizada pelo professor e ocorre por meio de instrução de conteúdos e estratégias cientificamente comprovadas, de acordo com a necessidade da turma, para o desenvolvimento das competências necessárias para a aprendizagem (Almeida et al., 2016; D. Fuchs et al., 2012).

Diante disso, o objetivo deste estudo foi desvelar a percepção de professores sobre intervenção educativa de base fônica voltada à facilitação do processo de aprendizagem da leitura e escrita. Além disso, de modo específico, o estudo buscou descrever a intervenção aplicada aos professores, bem como as estratégias utilizadas em cada encontro.

 

Método

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos, da instituição de origem, sob o parecer 091268/2015 CAAE no 49097915.5.0000.5208 do Conselho Nacional de Saúde. Trata-se de uma pesquisa longitudinal, de abordagem qualitativa, realizada em uma escola da rede pública de ensino da cidade do Recife-PE, no período de fevereiro a julho de 2017.

Os sujeitos do estudo foram duas professoras do ciclo de alfabetização, ambas lecionando o 2o ano do Ensino Fundamental I de uma escola pública. A fim de ocultar os nomes próprios, as participantes foram denominadas de P1 e P2. A participante P1 tinha 53 anos de idade, era formada em Magistério, Licenciatura plena em Educação Artística e possuía Pós-Graduação em Educação. No momento da coleta, tinha 28 anos de formada e atuava no ciclo de alfabetização há 19 anos, trabalhando na escola há 6 anos.

A participante P2 não informou a idade, era formada em Pedagogia, com Pós-Graduação em Educação Infantil. Possuía 13 anos de formada, atuando no ciclo de alfabetização há 10 anos, porém estava trabalhando na escola há apenas um mês. A intervenção ocorreu em 12 encontros e foi dividida em duas etapas: Na etapa I, foram apresentadas às professoras algumas atividades voltadas ao desenvolvimento de habilidades cognitivo-linguísticas importantes para o sucesso da alfabetização, extraídas da obra "Pensando em imagens, sons, palavras e letras: atividades para desenvolver competências para o aprendizado da linguagem escrita" (Zorzi et al., 2017a; Zorzi et al., 2017b).

O material supracitado é dividido em Caderno do Aplicador (Zorzi et al., 2017a) e Caderno da Criança (Zorzi et al., 2017b). Contêm um conjunto de 159 atividades que têm como foco, por um lado, estimular processos cognitivos envolvidos na aprendizagem e, por outro, propiciar conhecimentos fundamentais referentes à língua enquanto objeto de conhecimento.

As atividades selecionadas nesta etapa foram: (1) Nomeação seriada rápida: nomeação rápida de estímulos organizados em sequência (animais, cores, números e objetos); (2) Discriminação dos Sons e Ritmo: discriminar sons em palavras, e repetir sequências rítmicas de palmas e batidas com os pés; (3) Memória Visual e Repetição de palavras e número: repetir sequências visuais por meio de desenhos. E repetir oralmente a sequência de palavras e números.

Na etapa II, foi apresentada a metodologia "As Letras Falam: Metodologia para Alfabetização" (Zorzi, 2016) que se baseia na instrução fônica para desenvolver competências fundamentais no processo de alfabetização. Essa metodologia propõe atividades planejadas para promover, de forma sistemática e eficaz, o aprendizado das regras de uso e funcionamento do código alfabético. O material é composto por um manual de aplicação (para orientação do profissional aplicador) e um caderno de atividades, contendo 106 conjuntos de tarefas, que totalizam cerca de 380 exercícios visando desenvolver habilidades e competências que resultassem no domínio da leitura e da escrita.

As Letras Falam está dividida em seis partes: Parte I - Desenvolvimento de habilidades metafonológicas; Parte II - Desenvolvimento de conhecimentos a respeito das letras; Parte III - Correspondência fonema-grafema (letra/sons); Parte IV - Desenvolvendo habilidades em leitura e escrita: consolidando o processo alfabético de escrita; Parte V - Complicando a escrita: atividades para o desenvolvimento da compreensão da diversidade silábica e da não regularidade de correspondências entre fonemas e grafemas; Parte VI - Praticando a escrita e a leitura de palavras, frases e textos.

Todo material foi disponibilizado e impresso pela pesquisadora e as professoras foram orientadas a realizar as atividades com os alunos de maneira livre, podendo utilizar os recursos que julgassem necessários para facilitar a aprendizagem deles, tais como: escrita no quadro, recursos visuais, movimentação corporal, dentre outros.

A intervenção ocorreu no período de aula, com frequência de uma vez por semana, e duração média de uma hora. A professora P1 colaborou com os 12 encontros planejados, enquanto a professora P2 colaborou apenas em 5 encontros, ministrando as atividades e colaborando com a pesquisadora. Os encontros foram fotografados, filmados e registrados em diário de campo.

É importante destacar que as professoras participantes do estudo tiveram a formação continuada por meio do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), que aborda diferentes perspectivas teóricas, com destaque para uma abordagem sociointeracionista voltada ao letramento e alfabetização (Secretaria de Educação Básica, 2012).

Além da coleta de dados pessoais dos professores, foram realizadas entrevistas semiestruturadas individuais, após cada encontro, usando como base as seguintes perguntas norteadoras: 1. O que você achou da atividade?; 2. Você faria algo diferente nessa atividade? Em caso positivo, O quê?; 3. Você percebeu alguma mudança nos alunos após a atividade? Em caso positivo, Quais?

As entrevistas foram gravadas, posteriormente transcritas na íntegra e analisadas por meio da análise de conteúdo na modalidade temática proposta por Bardin (2011). Tal análise consiste em um conjunto de técnica de análise qualitativa de comunicações, visando obter, por meio de procedimentos sistemáticos de descrição do conteúdo das mensagens, de modo a permitir a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção das mensagens, agrupando-as em categorias temáticas.

A análise de conteúdo (Bardin, 2011) é organizada em três fases: 1) pré-análise: compreende a leitura inicial do material elaborado a partir da transcrição das falas dos informantes e sistematização das ideias iniciais; 2) exploração de materiais: consiste na análise, classificação e agregação das informações em categorias temáticas; e 3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação: etapa de captar os conteúdos manifestos em todo o material coletado, sendo realizada a justaposição das diversas categorias, ressaltando os aspectos considerados semelhantes e os que foram concebidos como diferentes.

 

Resultados

A análise de conteúdo das falas das professoras, ao final de cada dia de intervenção, possibilitou a identificação de quatro categorias temáticas: 1. Desafios do ciclo de alfabetização; 2. Estratégias facilitadoras para aprendizagem da leitura e escrita; 3. Contribuições da intervenção para o processo de alfabetização; 4. Contribuições da intervenção para a identificação de crianças em risco para os transtornos de aprendizagem. A seguir serão apresentados alguns recortes de fala que ilustram tais categorias

Desafios do ciclo de alfabetização

Na categoria temática 1, é possível observar os desafios enfrentados pelas professoras quanto à diversidade no nível de escrita da turma, a necessidade de apoio individualizado e questões relacionadas à atenção dos alunos. É interessante destacar que, na perspectiva das professoras, os desafios estavam sempre relacionados a problemas centrados nos alunos.

P2 - ... eu percebi que a sala é bem mista, aí aquele aluno, por exemplo, que tá no pré-silábico, ele tem dificuldade, entendesse? Pra realizar essas atividades. Então ela também serve pra identificar esses níveis, como, também, pra ajudar né?, porque ... vai começando a entender a questão das sílabas, da formação das palavras e vai evoluindo.

A professora P2 ressaltou, ainda, nesta mesma intervenção, a importância do apoio direcionado e individualizado para os alunos com maiores dificuldades, aqueles que se encontravam no nível pré-silábico.

P2 - ... quem realmente tá avançando né?, vai avançando cada vez mais, agora, assim, aqueles que têm dificuldade tem que ficar uma pessoa junto né, pra produzir com eles as atividades.

Por sua vez, a professora P1, nas tarefas de memória visual, destacou outros aspectos relacionados à atenção e questões emocionais ligadas ao processo de alfabetização.

P1 - ... a gente vê a dificuldade deles olharem pra depois responder, porque tem que fazer logo com medo de não conseguir.

Estratégias facilitadoras para aprendizagem da leitura e escrita

Na segunda categoria temática ambas as professoras reconhecem o papel da consciência fonológica para a aprendizagem inicial da leitura e escrita, isso fica evidente na fala de P1 no início da aplicação da metodologia As Letras Falam - Parte I - Desenvolvimento de Habilidades Metafonológicas, sílabas e rima.

P1 - Com certeza, porque no momento que começa a pensar sobre o som eles ficam mais ligados, né? Na... Porque quando ele vai escrever ele precisa estar com o som já introjetado, então, no momento que você trabalha com o som na hora de escrever facilita a aprendizagem.

Ambas as professoras apontaram estratégias facilitadoras da aprendizagem das crianças, a partir do material da intervenção, demonstrando outras formas de realização das atividades. P1 na Parte III - Correspondência Fonema-Grafema (letra/sons), corresponder palavras escritas em letras maiúsculas e minúsculas, evidenciou a quantidade extensa de atividades. Já P2 na Parte I - Desenvolvimento de Habilidades Metafonológicas, atividades de dividir, acrescentar, retirar e inverter as sílabas, apontou outras estratégias facilitadoras:

P1 - ... talvez assim não fizesse tanta quantidade de uma vez só.

P2 - Eu mostraria as sílabas, não só oral, eu tipo... Poderia colocar a bolinha com as sílabas em cima pra formar ou tirar... Tinha outra que era... a de marcar poderia fazer o que eu fiz com x, eu poderia pedir pra pintar a bolinha, não mudaria não, aquela não. Só essa outra que acrescenta, né?, a sílaba ou tira, eu acho que eu mostraria pra que eles associassem leitura e escrita, entendesse?

Contribuições da intervenção para o processo de alfabetização

Esta terceira categoria revelou que, na perspectiva das professoras, a intervenção contribuiu de forma positiva para o aprendizado dos escolares.

No recorte de fala da professora P1, em As Letras Falam Parte III - Correspondência Fonema-Grafema (letra/sons), atividades de identificar consoante e vogal em silabas em posições diferentes, pode-se observar a maior percepção dos alunos nas tarefas.

P1 - ... Assim, quando eu pergunto "onde tá a língua?", eles já se ligam para procurar descobrir onde fica a língua para falar aquele fonema, e... gostei muito, acho que eles estão bem mais ligados.

Além disso, P1 também destaca nas atividades de correspondências grafema fonema e nas atividades de completar palavras, respectivamente, os aspectos relacionados à independência dos alunos.

P1 - Eu acho que eles estão bem mais autônomos...pouquíssimos precisam de ajuda, já compreendem as atividades... hã... vão virando a página e já vão iniciando a próxima atividade. Acho que tão ótimas.

P1 - Eu acho, eu já venho achando há bastante tempo que eles estão bem mais atentos, assim, estão com o ouvido mais apurado. Antes eles passavam tempo procurando... a gente terminava a palavra, eles já estavam procurando a outra para falar logo, então, acho que eles estão bem mais atentos.

De modo complementar, a professora P2, apesar de não aderir bem à proposta, reconheceu, durante as atividades de ritmo e sílabas, que é necessário aplicar a metodologia mais vezes para que as crianças avancem no processo de alfabetização.

P2 - Porque eu acho que é uma sequência, tem que 'vim' outras vezes pra 'vê'.

P2 - Se fizer mais vezes vai melhorar.

Contribuições da intervenção para a identificação de crianças em risco para os transtornos de aprendizagem

Nesta categoria temática, apenas a professora P1, em dois encontros, nas atividades de correspondência grafema fonema e identificação dos fonemas, respectivamente, conseguiu perceber como a abordagem baseada nas habilidades cognitivo-linguísticas pode auxiliar a identificar crianças em risco para os transtornos de aprendizagem. É o que pode ser visto nos trechos de fala.

P1 - ... gostei muito, acho que eles estão mais ligados, em contrapartida, os que têm dificuldade está se evidenciando mais a dificuldade. Mas assim são muito boas as atividades.

P1 - Veja... hoje eu acho que ficou mais evidente os alunos que têm dificuldade. A dificuldade parece que ficou mais gritante, ficou mais, hã... assim deu pra perceber especificamente a dificuldade de alguns estudantes em realizar as atividades.

 

Discussão

Um dos primeiros aspectos que chamam a atenção nos resultados foi a dificuldade em motivar as professoras para participar da intervenção. De modo especial, a professora P2 não aderiu plenamente à proposta, apesar de ter assinado o TCLE manifestando interesse em participar. Observou-se que dos 12 encontros ela só colaborou em cinco deles, e em um desses ainda solicitou a ajuda da pesquisadora. Apesar disso, a professora demonstrou, em alguns momentos, compreender e reconhecer a importância da proposta, como foi mencionado em alguns recortes de fala, o que sugere uma falta de motivação para a atuação docente.

A literatura descreve que a falta de motivação de professores ocorre por diversos fatores, como a falta de estrutura escolar, as limitações nos recursos de trabalho, tensões nas relações com os alunos e pais, excesso de carga horária e o baixo nível remuneratório (Ferreira et al., 2020). Para o desenvolvimento do processo educativo, além dos fatores citados, deve haver investimentos em formações continuadas e construção de redes de apoio para os docentes (Chaves, 2016; Bartoszeck & Bittencourt, 2017). Uma pesquisa realizada com professores do Recife (Chaves, 2016) buscou compreender a falta de adesão de professores ao programa de formação continuada do Pacto Nacional de Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). Os resultados apontaram que, apesar dos professores avaliarem de forma favorável o conteúdo e os benefícios do programa, alguns fatores interferem em sua adesão, como, por exemplo, questões pessoais, motivos de saúde, disponibilidade de tempo e o interesse dos docentes.

Com relação aos desafios para a prática docente, na Categoria Temática 1, nota-se a tendência das professoras a atribuírem aos alunos a fonte das maiores dificuldades no processo de alfabetização. Outros aspectos, como lacunas na formação docente, não são mencionados. Essa é, sem dúvida, uma tendência histórica, que aponta a responsabilidade pelo fracasso do processo de alfabetização ao próprio aluno (Soares, 2004). Entretanto, pesquisa realizada com o intuito de investigar o conhecimento de professores sobre a Fonoaudiologia Educacional e sobre a importância das habilidades auditivas e linguísticas para aprendizagem (Melo et al., 2021) mostra que mesmo os professores experientes e, em sua maioria, pós-graduados possuem conhecimento restrito acerca de importantes habilidades envolvidas nesse processo de aprendizagem.

É válido ressaltar que o material proposto na intervenção não foi necessariamente uma novidade para as professoras, mas em todos os encontros se discutia a finalidade de cada atividade, buscando resgatar os princípios da Neuroeducação para as estratégias de ensino. Estratégias baseadas na Neuroeducação permitem que o professor reconheça que cada aluno aprende de maneira diferente. Desse modo, o professor estará preparado para desenvolver suas aulas explorando os diferentes estilos de aprendizagem dos alunos, com vistas a utilizar variadas estratégias pedagógicas, ressignificando sua prática docente (Filipin et al., 2017).

Nesse sentido, as políticas educacionais vêm sendo repensadas com base em evidências científicas para a promoção da leitura e escrita, considerando os estudos das neurociências. Tais estudos têm mostrado a importância da instrução fônica, isto é, o ensino explícito sobre as relações entre grafemas e fonemas é criticamente importante e necessário, pois ajuda os alunos a compreender como funciona o sistema alfabético (Sargiani & Maluf, 2018; Zorzi, 2018).

Nesta perspectiva, a Política Nacional e Alfabetização (PNA), instituída pelo decreto no 9765, de 11 de abril de 2019, surge como um esforço do Ministério da Educação para combater o analfabetismo e o fracasso na alfabetização, melhorando os processos de alfabetização no Brasil (Secretaria de Alfabetização, 2019). A PNA destaca a importância de desenvolver a consciência fonológica por meio de jogos e brincadeiras na educação infantil, uma vez que esta habilidade facilita a compreensão do sistema alfabético. E no Ensino Fundamental destaca a importância da instrução fônica sistemática como um componente que permite compreender o princípio alfabético (Secretaria de Alfabetização, 2019). De acordo com a PNA, o ensino baseado em evidências científicas deve ser pautado desde a educação infantil, a fim de proporcionar condições mínimas para que a alfabetização possa ocorrer com êxito a partir do 1o ano do Ensino Fundamental. Assim, atividades como as propostas no presente estudo podem nortear as práticas educacionais deste a educação infantil.

Nas Categorias Temáticas 2 e 3, as professoras identificam benefícios com o uso de estratégias relacionadas a uma abordagem fônica para alfabetização, a exemplo do emprego de atividades associadas à leitura e à escrita e com recursos de pintura para a criança identificar as sílabas, corroborando com evidências apresentadas acerca da neurobiologia da aprendizagem em relação a estas estratégias (Relva, 2017). Vale destacar que embora a instrução fônica não seja a abordagem preconizada pela educação na cidade onde atuam, as duas professoras propuseram atividades para desenvolver tais habilidades ou apresentaram sugestões para melhorar o material apresentado.

Na Categoria Temática 4, foi possível observar, no relato da professora P1, que a intervenção possibilitou a identificação dos escolares com maiores dificuldades na aprendizagem da leitura e escrita, conforme preconiza o RTI (L. S. Fuchs & D. Fuchs, 2007). Foi perceptível a importância de instrumentalizar os professores para que conheçam sobre as alterações que podem justificar determinadas dificuldades no processo de aprendizagem (Melo et al., 2021), principalmente considerando que a identificação da origem dos problemas permite a construção de estratégias que visam minimizar e até extinguir o mais precocemente possível (Miranda et al., 2019).

Corroborando com estes achados, Almeida et al. (2016) adaptaram e colocaram o Modelo de Resposta à Intervenção - RTI em prática no contexto brasileiro. Participaram da pesquisa 51 crianças e a intervenção ocorreu três vezes por semana, com duração de cerca de quarenta minutos cada. A pesquisa foi realizada em duas etapas: I) adaptação e implementação da camada 1, intervenção coletiva com duas professoras de primeiro ano do Ensino Fundamental que aplicaram a RTI em sala de aula; II) desenvolvimento e implementação da camada 2, com instruções direcionadas em pequenos grupos. Os resultados mostraram que a maioria das crianças avançou nas habilidades acadêmicas após as intervenções. Vale salientar que houve envolvimento, interesse e participação das docentes em todas as fases desse estudo. Dentre os participantes, apenas dez crianças passaram para a camada 2, sendo possível identificar aquelas com maiores dificuldades na aprendizagem da leitura e escrita.

De modo complementar, um estudo de revisão (Batista & Pestun, 2019) aponta a importância do RTI para a educação brasileira. Os resultados das pesquisas nacionais podem dar indícios de que a adoção dessa proposta poderia ser uma estratégia efetiva de enfrentamento e prevenção do fracasso e evasão escolar, facilitando um trabalho multidisciplinar. Além disso, o RTI reforçaria os objetivos dos Parâmetros Curriculares Nacionais vigentes, motivando os alunos e orientando os professores.

Como visto no presente estudo, é um desafio propor um programa de intervenção para professores, uma vez que, mesmo com a presença semanal da facilitadora da intervenção, foi identificada a falta de motivação de uma das participantes. Esses resultados permitem questionar a eficiência dos processos formativos, geralmente propostos pelas Secretarias Municipais de Educação, nos quais professores adquirem o conhecimento em um momento e precisam aplicá-lo sem nenhum acompanhamento mais sistemático.

Nesse sentido, Chaves (2016) reforça a necessidade de os gestores monitorarem as formações continuadas, realizando sistematicamente o acompanhamento e avaliação para verificação dos pontos que estão impedindo o funcionamento do processo na sua integralidade com vista a atingir o propósito do processo formativo.

Por fim, vale ressaltar que todos os fatores já mencionados contribuem para a falta de reconhecimento do papel do professor para o desenvolvimento social do país. Gatti (2016) reforça que atualmente as estruturas formativas de professores, os conteúdos a serem ensinados e a didática estão colocados como um enorme problema político e social, sendo necessário repensar a estrutura curricular dos cursos de licenciatura e investir em formação em serviços com materiais de apoio de qualidade. Diante disso, é emergente a criação de políticas públicas, coerentes com as necessidades locais ou regionais, que priorizem os processos formativos docentes.

 

Considerações

De acordo com a percepção das professoras, a intervenção educativa, com vistas à facilitação do processo de aprendizagem da leitura e escrita foi positiva e possibilitou a identificação de crianças com maiores dificuldades de aprendizagem escolar. Com base nesta percepção, a intervenção proposta na presente investigação, baseada em instrução fônica, pode e deve ser aplicada a escolares no ciclo de alfabetização, sobretudo nas séries iniciais - 1o e 2o anos do Ensino Fundamental.

No transcorrer do estudo a adesão e motivação de professores revelou-se como fundamental para a efetividade da proposta, sendo importante maiores e melhores investimentos na formação permanente do professor, bem como na formação em serviço, pois essa segunda modalidade, semelhante ao que ocorreu no presente estudo, possibilita o reconhecimento de mudanças e progressos no desenvolvimento dos educandos a partir da implementação de novas práticas pedagógicas.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Angélica Galindo Carneiro Rosal
Universidade Federal de Pernambuco - Departamento de Fonoaudiologia
Av. Professor Artur de Sá, s/n - Cidade Universitária - Recife, PE, Brasil - CEP 50670-420
E-mail: angelicagalindo_ufpe@hotmail.com

Artigo recebido: 25/5/2022
Aprovado: 4/7/2022

 

 

Trabalho realizado na Universidade Federal de Pernambuco - Departamento de Fonoaudiologia, Recife, PE, Brasil.
Conflito de interesses: As autoras declaram não haver.
Fonte de auxílio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

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