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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.29 no.3 São Paulo set./dez. 2019

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.v29.9541 

ARTIGO ORIGINAL

 

Hanseníase e Fisioterapia: uma abordagem necessária

 

 

Cláudia Cecília de Souza Álvarez; Günter Hans Filho

Programa de Pós-graduação em Doenças Infecciosas e Parasitárias, Federal University of Mato Grosso do Sul (UFMS) - Campo Grande (MS), Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: Novos casos de hanseníase ocorrem devido a um conjunto de fatores associados à falta de conhecimento sobre a doença, tanto pelos profissionais de saúde quanto pelos pacientes, favorecendo o diagnóstico tardio, o desenvolvimento de incapacidades físicas e sociais, o estigma e o preconceito
OBJETIVO: Verificar o conhecimento de estudantes concluintes do curso de fisioterapia sobre hanseníase e a prática profissional no cuidado ao paciente com a doença
MÉTODO: Realizou-se um estudo descritivo exploratório qualitativo com 68 estudantes de graduação dos cursos de fisioterapia de universidades públicas e privadas (UA, UB, UC), no Estado de Mato Grosso do Sul. Os dados foram coletados por meio de questionário com dez perguntas abertas sobre conhecimento, ação prática, motivações, interesses e processo de ensino-aprendizagem sobre a hanseníase. Para organizar e analisar os dados, utilizou-se a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo
RESULTADOS: Encontrou-se que 60% dos estudantes de UA, 63% de UB e 30,8% de UC têm concepção geral sobre a doença. 46,7% dos estudantes da UA, 77,8% da UB e 80,9% da UC nunca tiveram contato com pacientes com hanseníase. Mais da metade dos estudantes das três universidades disseram não ter conhecimento das abordagens e práticas fisioterápicas em hanseníase. Quase 100% dos estudantes de UB e UC declararam que o assunto não foi abordado durante o curso e, portanto, não se sentiram preparados para fornecer educação em saúde e para orientar em como prevenir deficiências físicas resultantes da hanseníase. 73,3% dos estudantes da UA, 96,3% da UB e 100% da UC registraram avaliações negativas, qualificando o curso como precário, insuficiente e fraco na abordagem da hanseníase
CONCLUSÃO: Conclui-se que a hanseníase deve ser incluída nos cursos de fisioterapia de forma sistemática, proporcionando atividades práticas de cuidado, desenvolvendo habilidades desde a prevenção até a reabilitação, buscando maior motivação e identificação de seu trabalho nessa área

Palavras-chave: educação superior, aprendizagem, prática profissional, hanseníase, fisioterapia.


 

 

INTRODUÇÃO

Mais de 16 milhões de pacientes passaram pelo tratamento contra hanseníase nos últimos 20 anos no mundo, com 211.973 novos casos ocorridos em 2015, contabilizando 2,9 novos casos a cada 10.000 pessoas. Os novos casos indicam continuidade de transmissão da doença, dos quais 94% foram registrados em apenas 13 países (Bangladesh, Brasil, República Democrática do Congo, Etiópia, Índia, Indonésia, Madagascar, Myanmar, Nepal, Nigéria, Filipinas, Sri Lanka e República Unida da Tanzânia)1. Devido a esse cenário, a Organização Mundial da Saúde lançou a Estratégia Global para Hanseníase 2016-2020, com a intenção de eliminar a hanseníase do mundo, ampliando equipes com conhecimento específico e focando em três pilares: apropriação, coordenação e parcerias do governo; cessar a hanseníase e suas complicações e; cessar a discriminação e promover inclusão.

A hanseníase é uma doença de notificação compulsória no Brasil, e as maiores taxas de detecção são registradas nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste do país. Em 2015, houve 28.761 novos casos (13,6% dos casos mundiais), posicionando o Brasil no segundo lugar do mundo. A principal preocupação é o circuito de transmissão ativo existente2, com 7,3% dos casos nacionais ocorridos em jovens abaixo de 15 anos de idade, representando um coeficiente de detecção de 4,88 a cada 100.000 pessoas dessa faixa etária (considerado índice alto).

Novos casos de hanseníase ocorrem devido a uma série de fatores relacionados à falta de conhecimento sobre a doença, tanto por profissionais da saúde quanto pelos pacientes. Muitos médicos não possuem conhecimento dos mecanismos de transmissão da hanseníase e estimulam comportamentos em pacientes que aumentam o estigma negativo em torno da doença3. Participantes de estudos sobre a hanseníase (42% dos participantes) relataram que os médicos não os diagnosticaram primariamente com a doença, confundindo-a com reumatismo e alergias de pele4.

Além da dificuldade do diagnóstico precoce, é comum a descontinuidade do tratamento dos pacientes e o desconhecimento dos sintomas da doença por parte dos pacientes. A hanseníase não é abordada com linguagem simples, que seja compreensível a pessoas sem escolaridade completa, prejudicando a continuidade do tratamento e a identificação dos sintomas da doença5. Além disso, a maioria dos profissionais não está apta para lidar com aspectos psicológicos dos pacientes, os quais requerem abordagem sensível à experiência de sofrimento e estigma que a hanseníase produz6.

A intervenção do fisioterapeuta é essencial à avaliação física e funcional e à prevenção ou minimização de incapacidades físicas7, considerando que muitos pacientes apresentam incapacidades durante o estágio de diagnóstico ou as desenvolvem durante o tratamento da hanseníase. Essas incapacidades têm maior impacto na vida social e profissional dos pacientes, muito devido ao sofrimento emocional associado à enfermidade. Por isso, este estudo tem o objetivo de verificar o conhecimento sobre a hanseníase e sobre a atuação profissional por parte dos estudantes de graduação em Fisioterapia de universidades pública e privada.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo qualitativo exploratório descritivo desenvolvido em três Universidades (UA, UB e UC) do estado de Mato Grosso do Sul (Brasil). Todos os estudantes (n = 68) estavam no último ano do curso de Fisioterapia, sendo que 22% (15) eram da UA, 39,7% (27) eram da UB e 38,3% (26) eram da UC.

Para avaliar os estudantes, utilizou-se um questionário baseado no roteiro desenvolvido por Dias, Cyrino e Lastória8, composto com dez questões abertas relacionadas ao conhecimento, atuação prática, motivações, interesses e processo de ensino-aprendizagem relacionados à hanseníase.

Os dados foram coletados em um único encontro, em salas de aula de cada Universidade, entre maio de 2014 e março de 2015, e nenhum estudante teve acesso ao questionário antes da data combinada. A pesquisadora leu o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) aos estudantes, esclareceu o objetivo da pesquisa e os supervisionou durante a aplicação do questionário. O questionário foi respondido individualmente, sem consulta a fontes digitais ou impressas. Ao final todos os participantes assinaram o TCLE.

Para organizar os dados e as análises, utilizou-se a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), desenvolvida para pesquisas de opinião social. Essa metodologia procura a discursividade, característica inseparável do pensamento coletivo, e apresenta os resultados de maneira quantitativa e qualitativa, expressando a percepção de uma coletividade a partir de testemunhos individuais9. DSC seleciona a Expressão Chave (EC) de cada resposta, formada pelas passagens mais importantes, sendo transcrições literais que revelam a essência do relato e que melhor responde às questões. À EC corresponde as Ideias Centrais (IC), que podem ser um nome ou uma expressão que acuradamente descreve o significado de cada resposta. Assim, o discurso-síntese é construído, o qual é formado pelas Expressões Chave que apresentam Ideias Centrais similares ou complementares. O discurso é escrito na primeira pessoa do singular, no qual a ideia de um grupo se apresenta como um discurso individual (Tabela 1).

Este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (parecer no 159.139).

 

RESULTADOS

Os resultados são apresentados conforme categorias estudadas e por frequências, separando as IC's e os discursos por universidade.

As três universidades não apresentam disciplina e carga-horária específicas para hansenologia, sendo mencionados aspectos gerais da doença em disciplinas como: Saúde Comunitária, Políticas Públicas, Microbiologia, Patologia e Neurologia (lesões periféricas).

Hanseníase - concepção da doença, contato e razões para o preconceito

Questão 1: O que é hanseníase para você? 60% (9) da UA, 63% (17) da UB e 38,6% (10) da UC tem concepção geral sobre a doença. Estudantes responderam que se trata de uma doença infectocontagiosa que acomete nervos periféricos, provoca manchas na pele e apresenta alteração de sensibilidade (Tabela 2).

13,4% (2) da UA, 22,2% (6) da UB e 19,1% (5) da UC não souberam dizer ou demonstraram desconhecimento sobre a doença, indicando-a como: "É uma doença autoimune que provoca mancha na pele"; "é causada por um vírus"; "doença de pele transmitida por animais"; "é não contagiosa, e não tem cura, somente o tratamento".

Questão 2: Você já teve contato com um doente de hanseníase? Onde e como foi? - 46,7% (7) dos estudantes da UA, 77,8% (21) da UB e 80,9% (21) da UC nunca tiveram contato com doente de hanseníase. Entretanto, 53,3% (8) da UA mencionaram contato com paciente durante o curso, em visita a hospital ou durante estágio curricular em policlínica e posto de saúde. Alguns depoimentos apresentaram falta de conhecimento sobre a doença e sentimento de insegurança: "Sim, no Posto de Saúde, durante o estágio, paciente tinha bastante sequelas. Foi preocupante, pois não tínhamos EPI's (Equipamentos de Proteção Individual) para o atendimento e a paciente apresentava várias lesões cutâneas e isso não nos dava certeza se a mesma estava tratada ou curada". Outros se sentiram tranquilos por terem a certeza de que o paciente já estava em tratamento. Dentre os estudantes da UB e da UC o contato ocorreu durante a visita técnica no hospital, atividade extracurricular e na vida pessoal.

Questão 3: Você acha que os doentes de hanseníase sofrem preconceito? Por quais razões? - 100% (68) dos estudantes responderam que sim. As principais razões para UA e UB foram a característica contagiosa da doença e a ocorrência de manchas e sequelas físicas nos pacientes. Para UC, as principais razões foram aspecto estético, falta de conhecimento sobre a doença e a questão histórica marcada pelo nome lepra (Tabela 3).

Avaliação de incapacidade física, atuação e condutas profissionais

Questão 4: Quais são os itens que se devem abordar em uma avaliação fisioterápica para se constatar o grau de incapacidade física de um doente de hanseníase? - 66,7% (18) da UB e 30,8% (8) da UC declararam não saber. 100% (15) da UA, 22,2% (6) da UB e 53,8% (14) da UC mencionaram de três a cinco itens básicos de uma avaliação fisioterápica: inspeção; palpação; goniometria; avaliação sensorial e de força muscular.

Questão 5: Quais são as atuações de um fisioterapeuta perante um doente de hanseníase? - 59,3% (16) dos alunos da UB e 61,5% (16) da UC declararam não saber sobre as atuações, entretanto, 53,3% (8) da UA indicaram alguns aspectos da atuação do profissional: avaliações e prevenção de deformidades; promoção da saúde; orientações sobre a doença; tratamento e reintegração dos doentes a sociedade. Os demais avaliados mencionaram de forma geral e insegura itens de tratamento e reabilitação, demonstrando não conhecerem a abrangência das ações e a atuação do profissional no contexto da hanseníase.

Questão 6: Quais são as condutas fisioterápicas que se podem realizar referente a um doente de hanseníase? - Não souberam responder 85,2% (23) dos alunos da UB e 57,7% (15) da UC. Dentre os estudantes, 60% (9) da UA, 7,4% (2) da UB e 19,2% (5) da UC mencionaram pelo menos quatro abordagens terapêuticas: exercícios para o fortalecimento muscular; melhora da amplitude de movimento; alongamento e estímulo sensorial. Somente na UB [7,4% (2)] foi mencionada avaliação da pele e cuidados com a úlcera.

Todos os alunos que não souberam indicar as abordagens terapêuticas demonstraram insegurança em responder, alegando que o tema não foi abordado durante o curso.

Percepção do estudante - capacitado para o cuidar, ensino da hanseníase e interesses de aprendizado

Questão 7: Atualmente, você se sente preparado para orientar um doente de hanseníase sobre como prevenir as incapacidades físicas decorrentes do comprometimento neurológico causado por esta doença? Por quê? - 53,3% (8) dos estudantes da UA, 96,3% (26) da UB e 100% (26) da UC responderam que não se sentiam preparados devido: insegurança; pouco ou nenhum contato com o paciente; insuficiência de conhecimento teórico e prático sobre a doença; não abordagem do tema no período de formação; desconhecimento da atuação e condutas fisioterapêuticas na hanseníase (Tabela 4).

Questão 8: Atualmente, você se sente preparado para prestar educação em saúde ao doente, ao comunicante e à população em geral sobre hanseníase? Caso não, o que lhe falta para se sentir preparado a dar essas orientações? - Similarmente, 66,7% (10) da UA, 100% (27) da UB e 100% (26) da UC relataram não estarem preparados para prestar orientação, devido à falta de conhecimento da doença (Tabela 5).

Questão 9: Como você avalia o processo de ensino-aprendizagem da hanseníase no seu curso? Justifique (considere o quê e como aprendeu) - 73,3% (11) da UA, 96,3% (26) da UB e 100% (26) da UC, registraram avaliações negativas qualificando o ensino da hanseníase no curso como superficial, precário e ruim (Tabela 6).

Questão 10: Quais temas relacionados à hanseníase você gostaria que fossem abordados em sala de aula? - As três universidades elencaram temas similares: tratamento fisioterápico e conhecimento sobre a atuação multidisciplinar; fisiopatologia, prevenção, avaliação e tratamento; atuação do fisioterapeuta na hanseníase; assuntos históricos e quebra de preconceito; programas de prevenção e projetos de intervenção na doença, e o trabalho da fisioterapia com alterações de sensibilidade pós hanseníase.

Os temas de maior interesse foram fisiopatologia da doença, avaliação e tratamento fisioterápico e atuação do fisioterapeuta na hanseníase (Tabela 7).

 

DISCUSSÃO

Hanseníase - conceito da doença, contato e razões para o preconceito

A hanseníase é uma doença de notificação compulsória, endêmica no Brasil e ainda considerada um problema de saúde pública, com correlação entre a população com a doença e a condição social10,11. Quanto mais tardios o diagnóstico e o tratamento, mais sérias as incapacidades físicas e sociais dos pacientes12,13. O estigma e o preconceito, resultantes disso, permanecem no imaginário popular e estão ligados ao aspecto do corpo, devido ao paciente poder apresentar manchas na pele, lesões na mucosa e deformidades físicas. O paciente pode também manifestar sentimentos de tristeza, preocupação, medo e isolamento devido à possibilidade de sofrerem preconceito e rejeição em seu ambiente social14,15.

Apesar das campanhas de saúde e ações governamentais, a sociedade desconhece a doença e carrega crenças errôneas, temor e preconceitos. A existência de tratamento eficiente gratuito de fácil administração e altas taxas de cura não é suficiente para eliminar o estigma em torno da doença. A ausência de esclarecimento é comumente observada entre aqueles que deveriam orientar a população. Os profissionais que não tiveram formação adequada em seu treinamento se sentem inseguros ao atenderem e tocarem o paciente, favorecendo comportamentos quer reforçam o estigma e o preconceito14,16,17.

É imperativo discutir todos os aspectos da doença, para desmitificar a hanseníase entre os profissionais e estudantes da saúde. Isso permitirá que eles se sintam seguros e preparados para identificar e diagnosticar a doença precocemente, esclarecer dúvidas e tranquilizar o paciente sobre o tratamento e a cura15,18-20.

Portanto, é essencial o contato com o paciente e com a prática profissional durante o curso, para desenvolver habilidades e competências e desfazer ideias errôneas existentes entre os profissionais de saúde. A elaboração de novas práticas de saúde requer um novo olhar na formação dos profissionais, os quais devem estar aptos a perseguir a multicausalidade dos processos mórbidos, visualizando o indivíduo em seu ambiente.

Avaliação de incapacidade física, desempenho e condutas fisioterapêuticas

Não se pode afirmar que os estudantes conheçam a abordagem fisioterapêutica na hanseníase, já que algumas avaliações físicas foram citadas, mas não foram relacionadas ao paciente com hanseníase. Além disso, quase 100% dos estudantes não se sentem preparados para orientar um paciente com hanseníase para prevenir incapacidades físicas e nem para listar as condutas terapêuticas, devido à falta de conhecimento e à falta de conteúdo no curso.

É essencial aplicar a Avaliação do Grau de Incapacidade e a Avaliação Neurológica Simplificada no diagnóstico, a cada três meses durante o tratamento, sempre que houver queixas (dor, parestesia e fraqueza muscular), em casos de reações hansênicas, no momento de liberação para tratamento, e no pós-cirúrgico de descompressão neural. O grau de incapacidade indica perda de sensibilidade protetora e/ou deformidades visíveis com um resultado de dano neural e/ou cegueira, sendo um indicador epidemiológico usado para avaliar programas, para determinar diagnóstico precoce (a presença de deformidades indica diagnóstico tardio), e para comparar graus de incapacidade no início do tratamento e depois da liberação10.

A Avaliação Neurológica Simplificada verifica a integridade da função neural, identifica precocemente neurites, monitora a resposta ao tratamento indicado e determina a necessidade de cirurgia. São realizados: exame físico; inspeção de olhos, nariz, pescoço, mãos e pés; palpação dos nervos periféricos (ulnar, mediano, radial, fibular comum e tibial posterior); avaliação sensorial das mãos e dos pés; teste manual de força muscular, a partir do movimento e capacidade de oposição à força da gravidade, e resistência manual, na qual o grupo muscular refere-se ao nervo específico10,21,22.

Todos os profissionais da saúde deveriam ser aptos a avaliar e identificar precocemente quaisquer sinais dermatoneurológicos da hanseníase, para guiar e propor terapias apropriadas e evitar ou minimizar incapacidades físicas22,23.

A avaliação física e o monitoramento das condições clínicas dos pacientes são essenciais para a preservação da integridade e função neural, identificando deformidades e prevenindo lesões futuras. A participação da fisioterapia em diagnósticos clínicos/funcionais, tratamentos e alta de pacientes contribui para redução das incapacidades, recuperação das habilidades motoras e evita a progressão das complicações neurais. Sendo essencial sua participação no Programa de Controle da Hanseníase e na equipe profissional da unidade de saúde pública7,24-27.

Os fisioterapeutas possuem formação profissional generalista, direcionada ao cuidado integral do paciente, sendo capacitado a atuar em todos os níveis de atenção à saúde. A atuação na hanseníase consiste na orientação sobre a doença ao doente, ao comunicante e à população em geral, prevenção de novos casos, realização de diagnóstico funcional, avaliação, tratamento e reabilitação de incapacidades físicas e reintegração social8,28,29.

Na equipe multidisciplinar, após o diagnóstico, o fisioterapeuta classifica o grau de incapacidade e monitora a função neural, baseando as condutas terapêuticas nas informações obtidas na avaliação neurológica. Dentre as principais abordagens, têm-se: tratamento convencional com exercícios de fortalecimento e alongamento muscular; mobilização passiva ou ativa, assistida ou não; Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva (FNP); Técnica de Mobilização Neural; recursos eletrotermofototerápicos; hidratação, lubrificação e massagem superficial da pele; confecção e adaptação de órteses, talas e palmilhas e; orientações para o autocuidado26,28,30-33.

As condutas fisioterápicas na hanseníase fortalecem músculos, diminuem e previnem contraturas, recuperam e mantém mobilidade articular, mantém tônus, integridade e elasticidade da pele e evitam deformidades. Nas úlceras, a fisioterapia estimula o processo de cicatrização, e, nos casos de cirurgias para descompressão neural e transferência de tendões, ela atua no pré e pós-operatório, controla a inflamação, a dor, o edema e o espasmo muscular, mantém a independência funcional nas atividades da vida cotidiana e orienta o paciente quanto ao novo padrão de movimento pós transferência10,29,31,32.

Os estudantes que mencionaram algum tipo de conduta fisioterápica tiveram oportunidade de vivenciar atendimento a paciente com hanseníase, ou relacionaram o tratamento de outras doenças com comprometimentos neuromusculares e alterações sensitivas e motoras que poderiam se assemelhar à hanseníase. Por isso, é necessário ensino da hansenologia e de abordagem direcionada sobre avaliações fisioterápicas neurológicas e de grau de incapacidade, para que o futuro profissional seja capaz de compreender seu papel como agente transformador nas condições de saúde8,21,34,35.

Percepção do aluno - cuidado, ensino da hanseníase e interesses de aprendizado

A falta de conhecimento por parte dos estudantes e profissionais da saúde contribui diretamente com o diagnóstico tardio, incapacidades físicas, situações de estigma e preconceito e aumento no número de indivíduos infectados8,21,34.

Os resultados evidenciaram a necessidade de abordagem da hansenologia nos cursos de graduação em Fisioterapia, formando profissionais capazes de contribuir diretamente nos três níveis de atenção à saúde e de lançar novo olhar às práticas profissionais8,21,34,36.

Devido ao impacto que um profissional bem preparado e qualificado tem no cuidado ao paciente com hanseníase, é importante enfatizar a busca maior por motivação e identificação do seu trabalho nessa área.

 

CONCLUSÃO

A avaliação do conhecimento dos estudantes de fisioterapia evidenciou a ausência de conhecimentos importantes para identificar, avaliar, tratar e orientar o paciente com hanseníase. A atuação do fisioterapeuta no controle e eliminação da hanseníase é importante, porém pouco explorada. É fundamental revisar a grade dos cursos de graduação, para que o assunto seja contemplado na teoria e na prática sistematicamente, focando na atuação profissional do fisioterapeuta; assim como, encorajar estudantes e professores a discutirem estratégias e desafios no combate à doença. Devido ao impacto que um profissional bem preparado e qualificado tem no cuidado ao paciente com hanseníase, é importante enfatizar a busca maior por motivação e identificação com seu trabalho.

É essencial o contato com o paciente e com a prática profissional durante o curso de fisioterapia, para que sejam desenvolvidas habilidades e competências e desfeitas ideias errôneas existentes por parte dos profissionais da saúde. Sugere-se que em hospitais e centros especializados em hanseníase, sejam estabelecidas parcerias com instituições de ensino superior para proporcionar ao estudante experiência prática no cuidado a pacientes com hanseníase, assim como, estimular pesquisas e inovações na atuação fisioterapêutica.

Source(s) of support:

The research was funded by Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel (CAPES).

 

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Endereço para correspondência:
ghansfilho@hotmail.com

Manuscrito recebido: Dezembro 2018
Manuscrito aceito: Julho 2019
Versão online: Outubro 2019

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