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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.45 no.1 São Paulo jan./mar. 2011

 

ARTIGOS

 

Sempre por um triz...1

 

Always by a thread

 

Siempre por poco...

 

 

Iara Spada Bondioli de Souza NotoI; Maria Lúcia Ferrão de Sousa CamposII

IMembro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP
IIMembro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP

Correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho nasceu de uma conversa sobre uma situação clínica. Uma paciente que acabara de tornar-se avó pela primeira vez mostrava-se surpreendida e assustada pelas inesperadas sensações de desconforto e estranhamento que a invadiam. Acompanhando o fio de sua inquietude as autoras fazem uma reflexão sobre as circunstâncias existenciais que envolvem essa transição generacional e sugerem um olhar atento à especificidade desse momento, em que se faz necessário conjugar a continuidade da vida com a proximidade da morte.

Palavras-chave: tornar-se avó; morte; envelhecimento; crise; narcisismo.


ABSTRACT

This paper was conceived from a conversation regarding a clinical situation. A patient, who had just become a grandmother, was surprised and frightened by the unexpected sensations of discomfort and unfamiliarity which invaded her. Following the flow of her unease, both authors ponder the existential circumstances encompassing this generational transition, and suggest the need for an attentive regard to the uniqueness of this moment, when the continuity of life and the proximity of death must be associated.

Keywords: grandmotherhood; death, aging; crisis; narcissism.


RESUMEN

Este trabajo nació de una conversación al respecto de una situación clínica. Una paciente que había acabado de convertirse en abuela por primera vez se mostraba sorprendida y asustada por los sentimientos inesperados de malestar y extrañeza que la invadían. Siguiendo el hilo de su preocupación, las autoras hacen una reflexión sobre las circunstancias existenciales en torno a este cambio generacional y sugieren prestar atención a la especificidad de este momento, en que es necesario conjugar la continuidad de la vida con la proximidad de la muerte.

Palabras clave: ser abuela; muerte; envejecimiento; crisis; narcisismo.


 

 

Onde nasci, morri.
Onde morri, existo.
E das peles que visto Muitas há que não vi.

(Carlos Drummond de Andrade, 2002, p. 251)

O nascimento do primeiro neto simboliza, ao mesmo tempo, a continuidade da vida e a aproximação da morte. Como em todos os momentos em que essa polarização se intensifica, o ser humano se depara mais agudamente com um conflito essencial, presente durante toda a vida, entre seguir adiante, ampliando o seu desenvolvimento, ou paralisar-se atemorizado e regredir, buscando conforto nas nominações seguras do que lhe é conhecido.

Mesmo para aqueles que conseguem sobreviver ao medo e podem se aventurar pelo caminho do crescimento a tarefa é muito difícil. O contato direto com a finitude faz que o universo até então conhecido se desconfigure, exigindo uma redistribuição dos recursos psíquicos e do investimento libidinal.

É um momento suficientemente crítico, delicado e doloroso para merecer um olhar mais atento.

Um caso clínico serve como estímulo para este trabalho que pretende chamar a atenção para a especificidade da crise que se instala quando o ser humano, na passagem para a geração dos mais velhos, confronta-se de maneira mais definitiva com a inevitabilidade da morte.

 

A clínica

O ponto de partida é sempre o desassossego. Desassossego como uma espécie de desequilíbrio diante da simples visão do fio que temos que percorrer...

(Sousa, E.L.A. 2006, p. 78)

Uma paciente de 55 anos refletia sobre sua experiência de ter se tornado avó pela primeira vez. Primeira neta, filha de sua filha. Percebia, num misto de surpresa e inquietação, que emoções intensas e ambivalentes a invadiam, diante desse acontecimento tão aguardado. O primeiro impacto aconteceu logo no primeiro momento, com a notícia que concretizava o fato: sua filha estava grávida.

Ao receber a notícia, sentiu uma estranheza, uma certa aflição que não conseguia identificar e que a paralisava:

- Fiquei emocionada e desassossegada ao mesmo tempo... sei lá... Quando ela anunciou a gravidez, me percebi dando uma engolida torta, tentando me desengasgar de uma sensação esquisita, como se quisesse "digerir", logo de uma vez, tudo o que de encantador, inesperado e cruel me acontecia.

Por instantes, não conseguiu vibrar como imaginava. Flutuava, incomodada, em algum espaço desconhecido e inesperado...

Relatava observações apuradas de algumas vivências emocionais costumeiramente emolduradas no imaginário familiar apenas como "felizes e encantadoras".

Atenta ao aspecto caricato dessa visão idealizada, percebia que poderia compará-la com a manipulação do ato de fotografar que, escondendo a profundidade do campo visual e focalizando mal a cena, poderia deixar de fora tudo o que não se enquadrasse em um cenário de sonho.

Seu olhar se fixava nas sensações fora de foco, nas situações de desconforto, nos sentimentos disfarçados que costumam fazer apenas figuração nesse cenário e que, para ela, eram indicativos de que havia algo estranho por ali.

Durante todo o período de gestação foi tentando acomodar um turbilhão dentro de si, grávida, ela também, de algo novo. Estava feliz, acompanhando a filha nos preparativos para a chegada do bebê. Via com alegria que o jovem casal estava animado, fazendo planos, mudando a casa, comprando roupas.

X foi percebendo que era verdade que sua filha "fora embora". Somente agora, que uma nova família de fato se iniciava, parecia dar-se conta dessa verdade.

As visitas ao médico eram feitas com o marido/pai. E X achava muito bom ver que seu genro acompanhava a gravidez de sua mulher com muito carinho. Mas também sentia uma certa tristeza ao perceber que entre ela e a filha, interpunha-se claramente a presença do novo pai/genro (reeditando-se a interdição, entre ela e a filha, do pai/terceiro?)

Chegou o dia do parto. Nasceu uma menina saudável, a termo, parto normal; mãe e filha estavam bem.

- Nasceu L.! É uma menina linda! Já foram para casa e estão se adaptando à nova vida. Meu genro tem se revelado um marido atencioso e um pai dedicado, dividindo as tarefas com minha filha.

X relata com satisfação os cuidados que tomava para ajudar, sem invadir a filha, que preferiu ir para sua própria casa, ao sair da maternidade, a ir para a casa da mãe.

Ela compreendia perfeitamente. Afinal, ela própria fizera isso quando sua filha nascera, e ainda se lembra de como achou muito boa a liberdade de estar em sua própria casa com seu bebê.

Não só compreendia perfeitamente como também concordava com isso. Sabia que seria melhor para o casal. Aliás, X ia percebendo e se encantando com o fato de vê-los edificar juntos os novos papéis, de pai e mãe, discriminando, filtrando e elaborando as respectivas experiências. Não queria interferir nisso. Tudo estava indo muito bem.

X tentava encontrar o seu lugar de avó dedicada, mas não intrusiva. Percebia o quanto era difícil o desafio que a situação lhe colocava. Queria ajudar a filha, o genro, a bebê. Queria estar junto (seu universo mental estava tomado por esse acontecimento), ser presente, ensinar o que deu certo com ela e facilitou a vida.

Mas também percebia que precisava esperar ser chamada. Experimentava, ao mesmo tempo, a sensação de estar próxima e distante. E, então, começou a sentir algo que não conseguia entender. Cada solicitação da filha/mãe tornava-se para ela uma ordem imperativa. Urgentíssima!

X saía correndo, literalmente, a qualquer chamado da filha. Gostaria de voar!!!

- Se estou longe deles, fico profundamente inquieta, com uma necessidade enorme de estar presente, de ser útil em alguma coisa. Fico tentando adivinhar o que eu poderia fazer por eles. Quando é ela, então, a me pedir alguma ajuda, é uma loucura! Saio correndo para atendê-la, como se isso fosse importantíssimo, e a necessidade imediata. Lá em casa, todo mundo ri do meu jeito. Dizem que estou maluca... sei lá se não estou... você acredita que, às vezes, fico me perguntando se não deveria deixar de lado o meu trabalho e os meus compromissos, tirar uns dias para ficar totalmente disponível?

No sentimento de "urgência" aparece a irracionalidade das vivências de X. Ela compreendia tudo. "perfeitamente", concordava com tudo. Mas, era como se percebesse, em algum lugar de sua mente, que teria que encontrar rapidamente jeitos de lidar com uma ameaça.

- É uma coisa inquietante... Estou muito atrapalhada, e o pior é que não consigo me controlar. Tento entender tudo isso usando um código racional... é mais incompreensível ainda... Não sei o que está acontecendo com a minha noção de tempo! Mais parece um sistema desordenado diante de qualquer solicitação da minha filha. Não adianta o relógio dizer que é muito cedo, que tenho tempo, que não preciso me apressar. uma urgência se materializa em mim.

Há algum tempo, na cidade de São Paulo, observou-se que as quaresmeiras estavam apresentando uma floração exagerada e fora de época. Biólogos perceberam que a espécie estava sob risco de extinção, e então, como resposta ao perigo, fazia um esforço desesperado para proliferar rapidamente suas sementes, na tentativa de se manter viva.

A urgência de X lembrava a das quaresmeiras...

 

O mito de Deméter/Perséfone

Diz o mito (Brandão, 1986, p. 289) que Deméter vivia com sua filha Coré num país distante, em plena felicidade.

Um dia, já grande o suficiente para ir sozinha colher flores, Coré encontra no campo um lindo narciso. Ao colhê-lo, a terra se abre a partir de suas raízes e surge, das profundezas, seu tio Hades, que a desejava e que a sequestra para o seu reino.

Ao ser raptada, Coré grita pelo pai. Sua mãe a escuta e sai desesperada à sua procura. Durante nove dias e nove noites Deméter percorre o mundo, desesperada, um archote em cada mão, procurando a filha, sem comer ou beber e sem se banhar.

No décimo dia encontra Hécate que também ouvira o grito e viu que a jovem estava sendo arrastada para algum lugar, mas sem reconhecer o raptor.

Ao saber, pelo relato de Hélio (que tudo vê), que Coré tinha sido raptada por Hades e que ele pretendia desposá-la com o consentimento de Zeus (seu pai), Deméter decide, com muita raiva, não voltar mais ao Olimpo, abdicando das funções divinas até que lhe devolvessem a filha.

Toma o aspecto de uma velha, cobrindo-se com véus negros, e se dirige para Elêusis, onde se senta numa pedra que desde então passa a chamar-se "pedra sem alegria". Encontra, então, as filhas do rei do lugar, que lhe oferecem um trabalho: cuidar do filho caçula do rei, Demofonte. Deméter começa a cuidar do menino e resolve fazer dele um imortal, eternamente jovem. Não o amamentava com leite, mas após esfregá-lo com ambrosia, escondia-o durante a noite, no fogo, como se fosse um tição.

O menino ia tornando-se a cada dia mais belo e parecido com um deus.

Desconfiando de que algo se passava com a nutriz de seu filho, Metanira, mãe de Demofonte, certa noite vai espiar o que acontecia e, ao ver o filho no fogo, grita desesperada, fazendo com que Deméter interrompa o rito iniciático e devolva, pesarosa, o bebê à própria mãe, exclamando:

- Homens ignorantes, insensatos, que não sabeis discernir o que há de bom ou de mal em vosso destino. Eis que tua loucura te levou à mais grave das faltas! ... Eu teria feito de teu filho um ser eternamente jovem e livre da morte ... a partir de agora, no entanto, ele não poderá escapar do destino da morte.

Então, Deméter aparece em todo o seu esplendor, com uma luz ofuscante a emanar-lhe do corpo, e solicita que o rei mande lhe erguer um templo com um altar, de onde ela ensinaria seus ritos pessoalmente aos humanos.

Concluído o templo, Deméter se refugia ali dentro e, consumida pela saudade da filha, faz com que uma tremenda seca se abata sobre a Terra, impedindo que qualquer coisa possa florescer. Zeus tenta, em vão, convencer a deusa a voltar para o Olimpo. Ela se recusa a voltar ou a deixar que qualquer vegetação cresça se não lhe devolverem a filha.

Percebendo que a ordem do mundo estava sendo ameaçada seriamente, Zeus pede que Hades devolva Coré, cujo nome, desde que fora raptada, tinha passado a ser Perséfone. Hades obedece à vontade do irmão, mas antes de deixar sua mulher partir, faz com que ela coma uma semente de romã que, uma vez engolida, a impediria de abandonar o mundo do seu marido.

Finalmente, acabam por chegar a um acordo, segundo o qual Perséfone passaria quatro meses com o marido e oito meses com sua mãe. Com o regresso de Perséfone, a Terra cobriu-se instantaneamente de verde, e segundo o mito, o nascimento da primavera seria devido a esse retorno.

Antes de retornar ao Olimpo, Deméter2 ensinou ao rei e a seu filho mais velho, Triptolemo, a cultura do trigo, os trabalhos requeridos por essa cultura e todos os seus mistérios que viriam a se constituir nos "Mistérios de Elêusis".

Aos iniciados nesses mistérios, era conferida a graça de não temer a morte.

 

De volta à clínica

Poderia parecer que X talvez estivesse disposta a "maternar a maternagem" da filha, oferecendo-lhe todo o suporte possível para que ela pudesse estar tranquila para desenvolver o seu próprio papel de mãe. Porém, a realidade mostrava que a nova mãe estava conseguindo lidar bastante bem com o bebê e com as angústias que acompanham o início dessa delicada relação.

A que respondia, então, essa avó? O que fazia com que vivesse essa sensação de urgência que a fazia sair correndo, mesmo sabendo, racionalmente, que tudo estava indo bem com a filha e a neta e que sua presença, embora desejada, fosse apenas isso, desejada, mas não urgentíssima?

O que fazia com que, autorizada em seu instinto maternal "reencarnado", se refugiasse em um zelo compulsivo, numa luta entre um tempo irônico do relógio e um relógio do tempo eloquente?

A urgência de X mostrava o que o anúncio da gravidez da filha iluminara com a rapidez e a clareza de um raio: toda a trajetória penosa que ela própria/Deméter/Perséfone teria que percorrer.

Pressentiu, instantânea e instintivamente, o quão radicalmente seria remexida, o quanto seu mundo mental ficaria de ponta-cabeça pela inelutável importância desse acontecimento e da ousadia que se faria necessária para enfrentar essa mudança (já ocorrida).

 

Uma possibilidade de leitura do mito

Deméter/Perséfone são chamadas "as deusas". Para o mito, as duas são nomeadas juntas, como se fossem um personagem só.

Esse fato, por si mesmo, já parece ser bastante significativo. Mãe e filha formavam uma unidade que vivia num universo de paz e perfeição, somente desorganizado pela chegada intempestiva do masculino (que novamente se apresenta, como nos inícios da relação já se apresentara o pai/terceiro).

O mito nos mostra aquela cena idílica, de uma perfeição suspeita, somente possível se os elementos conflitivos forem postos de lado, negados, ou seja, nas situações em que a ilusão de completude narcísica faz o mundo parecer feito para realizar nossos desejos. ("Sou completo, não sinto nenhuma falta, e isso continuará assim para sempre.").

Deméter revela uma enorme dificuldade em aceitar que essa pretensa unidade seja ilusória e que sua filha deseje viver a sua própria vida: note-se que Coré, atraída pelo narciso (por sua própria realização pessoal?), faz com que a terra se abra e, no momento do rapto, grita pelo pai (talvez sabedora, inconscientemente, da concordância do mesmo com a entrada do elemento masculino na sua vida, como convém ao desempenho da função paterna de facilitar ao filho sua separação da mãe). Esse fato nos dá uma pista, no sentido de perceber que, ao menos inconscientemente, a filha também quer, e muito, ser raptada e apartada do convívio "cômodo e tranquilo" com sua mãe.

Vai embora com o marido, e seu nome, que era Coré (Donzela, Jovem), passa a ser Perséfone, tornando-se, então, a Rainha de Hades. Dá contorno, assim, a um território próprio, ao mesmo tempo em que desconfigura o traçado do mapa familiar até então conhecido.

Como fica sua mãe?

Desesperada. Enlouquecida pela dor da ferida narcísica, percorre o mundo com um archote em cada mão, tentando, em vão, reencontrar a filha/pedaço de si mesma/sentido de sua própria vida.

São procuras diferentes. A filha vai em busca da construção da sua vida, ao passo que a mãe, que um dia também já fizera o mesmo, vê-se agora sozinha, tendo que dar conta da desconfiguração e alteração de seu mundo, atingida de forma surpreendente e inesperada pelo impacto do acontecimento. A sensação ilusória de tranquilidade e completude desvanece.

Desaparece, tragada pela terra, a ilusão de que a paz, a maturidade, já tinham sido alcançadas, e de que ela seria feliz para sempre, junto à filha. Punha-se em contato, quem sabe, com o dizer de Chico Buarque (2005), "o para sempre é sempre por um triz..."

Depois de um momento de grande depressão (não come, não bebe, não toma banho), Deméter senta-se numa pedra que passará a se chamar, a partir de então, "pedra sem alegria"...

O encontro com a falta de sentido na vida faz com que tudo se transforme em "sem alegria'.. Sobrevive-se. Perder a ilusão de completude que criamos reiteradamente pela vida afora, apoiando-nos nos mais variados pretextos, sempre é um confronto muito sofrido com o possível.

Com o passar dos dias, surge a possibilidade de caminho: quem sabe cuidando de um bebê, dessa vez um menino, Deméter possa se sentir melhor? Tenta-se refazer a ilusão quebrada por vários caminhos, buscando maneiras novas de negar a realidade.

Começa o seu trabalho e, ao mesmo tempo, propõe-se a transformar esse menino num ser imortal, que nunca envelheceria (ou talvez não crescesse, para, assim, nunca querer sair de perto dela...).

Uma tentativa de sair do desespero se apresenta na possibilidade de se apoderar do filho de outra mulher, como se fosse seu, fazendo dele alguém mais parecido consigo mesma do que com a própria mãe. (é o que fazem muitas avós, quando ocupam o lugar das filhas e tentam se apossar dos netos).

Porém, essa tentativa também só poderia fracassar. A mãe verdadeira percebe sua intenção e interrompe o processo, retomando seu filho.

Novamente sozinha, movida pela frustração, mas talvez um pouco mais perto de um contato com a realidade, Deméter tem, então, condições de reencontrar sua identidade divina, de reencontrar a luz dentro dela, e pede que o rei mande erguer um templo com um altar, para ela. A partir desse seu lugar/papel/pele ensinará aos homens seus mistérios e a cultura do trigo. Afinal, uma importante função dos avós não é a transmissão da cultura e da história familiar?

Assim que se refugia no templo, ainda sem ter elaborado o luto pela perda da filha, muito ressentida, resolve não permitir que nada mais floresça na terra, criando uma grande seca.

Muitas vezes presenciamos a devastação que ocorre nas famílias quando a mãe, na chamada "síndrome do ninho vazio", sem conseguir encontrar outra saída para a dor, desamparadamente enraivecida, se atola no ressentimento e seca toda a fonte de afeto que dispensava àquela família que, em sua fantasia, estava penhorada a ela, eternamente.

Temendo pelo equilíbrio do mundo, Zeus resolve interferir e pede a Hades que devolva Perséfone à mãe. O marido percebe, então, que alguma concessão terá que ser feita mas, para garantir que sua mulher não volte totalmente para a mãe, faz com que (obrigada???) ela coma a semente de uma romã levando, assim, dentro de si, a marca do mundo a que ela pertence agora.

Perséfone pode voltar ao mundo materno, mas nunca mais será a mesma menina de antes. Ela, agora, tem a marca de outro mundo, que a transformou, sem possibilidade de retorno. Por sua vez, Deméter só consegue sair da situação mortífera em que se encontrava e para a qual arrastava todo o mundo que existia à sua volta, a partir do momento em que aceita que houve mudança, que a filha é um ser diferenciado de si e que a completude que experimentava era, na verdade, uma grande ilusão.

Ao conseguir acomodar a realidade dentro de si, Deméter volta à vida.

 

Tornar-se avó
...ou desconstruir o saber familiarizado de si

A sensação de urgência era dissonante. Surgia como um movimento instintivo para manter-se viva e, ao mesmo tempo, era uma defesa maníaca necessária, mas incômoda, frente à angústia que afligia X.

Durante muitos anos de sua vida, de quase toda a sua vida adulta, X fora a Mãe. Entrar nesse papel não fora tarefa simples e exigira dela um enorme esforço no sentido de abrir espaço para aceitar que outro ser humano penetrasse no seu psiquismo e ali se instalasse pelo tempo necessário...

A maternidade exige da mulher um estado de espírito propício para que ela se permita entrar numa simbiose necessária com seu bebê. Podemos pensar que esse estado, que Daniel Stern (1997) chama de "constelação da maternidade", possa ser vivido de maneira equivocada, favorecendo, nessa circunstância, a entrada num mundo de simbiose narcísica, ou seja, de ilusão de completude...

X vestira essa pele de Mãe durante muitos anos, que passaram muito depressa, sem que ela se desse conta. E, "de repente" (já que a expulsão do paraíso sempre acontece de repente...), vê-se diante do momento em que a filha se torna mãe. X desconfia que a antiga pele já não lhe sirva mais, chegando por momentos a sentir-se "sem pele", em carne viva.

Deslocada e desalojada psiquicamente de seu papel/pele/existência pelo nascimento de L., suspensa entre um tempo onde não sabe mais onde está e um tempo em que vai ser alguma coisa na qual nunca mais se reencontrará, X inquieta-se, angustiada diante da evidência que insiste em apontar a troca/morte de uma de suas peles.

A vivência de ter perdido o seu território original coloca-a frente ao desconhecido, levando-a, segundo a definição de Carmen Felicitas Lent (1998), a uma situação de crise. Segundo essa autora, uma crise acontece quando alguém:

• não pode mais ser aquilo que era;

• ainda não sabe o que pode vir a ser;

• não pode simplesmente "deixar de ser" (a menos que morra ou tenha um surto psicótico).

Metaforicamente, ela imagina alguém que tenha perdido o seu próprio território e se vê, de repente, numa "terra de ninguém".

O mito de Deméter/Perséfone nos ajuda a entender o que X intuía: encontrava-se numa encruzilhada, em um momento da vida em que já não seria mais a protagonista da história familiar (papel/pele que ilusoriamente lhe assegurava importância e sentido próprio), mas um personagem secundário, que já vivera a maior parte do tempo que lhe cabia.

Deméter sai desesperada pelo mundo, tentando reaver a filha/o tempo vivido/o status de mãe/a ilusão de ser completa... assim como X, que sai apressada pelo mundo, tentando reencontrar sua importância... Num "auge de apego"3 tenta agarrar-se a contornos conhecidos, atordoada e ameaçada pelo processo significativo de mudança que experimenta.

A Mãe, agora, não era mais X, mas sua filha, agora já Perséfone, trazendo dentro de si a semente de romã que a marcava como também pertencente a outro mundo familiar.

O neto tem duas avós, dois avôs, mas. só uma mãe! Seria preciso um exercício de generosidade enorme para lidar de maneira razoavelmente saudável com os "estrangeiros", aceitando os habitantes daquele mundo novo e desconhecido como parceiros constantes na nova jornada que a filha e ela agora iniciavam.

Não sendo a sua vez de tornar-se mãe, X experimentava a possibilidade de transformar-se em avó, iniciando um processo gradativo de ir descobrindo o que isso realmente significava. Que pele/papel/função seria essa? Admite recusa?

Tornar-se avó precipita um deslocamento irreversível para a geração dos mais velhos, dos que, se tudo seguir o curso natural da vida, serão os próximos a morrer.

A chegada de um novo membro do clã provoca, portanto, um remodelamento de toda a estrutura familiar, e a geração dos avós deve ceder o lugar central e entrar para os bastidores.

Embora existam funções essenciais e estruturantes que se cumprem a partir dos bastidores, elas não são óbvias.

O caminho para esse novo posicionamento/pele pode ser muito angustiante, porque se inicia num momento em que coincidem muitos lutos:

• pelas evidências de involução da imagem narcísica do próprio corpo;

• pelo distanciamento dos filhos, que já seguem seus próprios caminhos como adultos, perdendo-se dolorosamente, nesse processo de separação, a intimidade constitutiva do familiar e acolhedor;

• pela perda, por morte ou por doença, dos próprios pais, de parentes, de amigos, do companheiro (a);

• pela perda de repertórios anteriores, mais eficientes na luta pela vida, seja por doenças ou pelo enfraquecimento gradual que o envelhecimento acarreta;

• pela sofrida perda da ilusão de imortalidade

Todas essas perdas, que vão acontecendo concomitantemente com passar a ser avó abalam o edifício identitário e provocam uma perda nova e fundamental: a da ilusão da identidade estabelecida e do lugar garantido, construída ao longo dos anos e que se acreditava ser definitiva.

Essa é a "terra de ninguém", cujo habitante mais perigoso (citando novamente Lent, 1998) é a falta de sentido.

O encontro com o non sense da vida é desviado pelas preocupações e correrias que a chamada "vida produtiva" traz consigo e pelos papéis que vamos desempenhando como se fossem companheiros eternos e significativos.

Mas ao perceber que a filha não era sua e tinha mesmo sido levada pela vida, sentando-se na "pedra sem alegria", Deméter/X não tem outra saída a não ser deparar-se com a própria solidão, com o próprio envelhecimento, com a inevitabilidade da passagem do tempo e com o advento da morte.

Percebe, de repente e com muita clareza, que ela própria é apenas um dos elos da imensa corrente genética que faz com que a vida se perpetue, enquanto os elementos que a constituem vão ficando para trás, sem que isso tenha a menor importância.

No dizer poético de Judith S.T. de C. Andreucci:

Num balanço
De acalanto
Uma mãe embala o filho
Num tempo em que ele é a criança
Que ela foi faz tanto tempo,
Que breve ele não será...
Talvez no próximo momento,
Num balanço
De acalanto
O seu filho crescerá
Irá embalar menino
Pois gente é estrela cadente,
Pra gente o tempo é um repente,
Estrela que cai no mar...

(Andreucci, 2000, p. 76)

Esse duro golpe no narcisismo individual cria uma perplexidade angustiada. Afinal, depois de passar por tantas experiências de uma vida toda, chega-se a um momento de uma pretensa (pré-tensa?) maturidade em que, na maioria das vezes, pensamos já ter conquistado um certo equilíbrio emocional, econômico, profissional e familiar.

Acreditamos já conhecer o roteiro do nosso filme pessoal e por um certo tempo nos acomodamos nessa tranquilidade do conhecido, aliviados por estarmos já muito distantes daquela turbulência inquietante e gulosa da juventude. Agora é "só" ir sobrevivendo. Será???...

 

Novamente de volta à clínica
... ou a dor do envelhecimento

1921 - Freud, com 65 anos, escreve a Ferenczi: "No dia 13 de março deste ano, entrei bruscamente na velhice verdadeira. Desde então, o pensamento da morte não me abandonou e tenho por vezes a impressão de que sete dos meus órgãos internos disputam a honra de pôr fim à minha vida." (Jones, 1970)

Surpreendida por emoções inusitadas, que desconfiguram o contorno conhecido, X inicialmente tenta compreendê-las e regulá-las por algum código familiar, na esperança de encontrar o sentido tranquilizador buscado.

Aceitar o novo, o trânsito constante do conhecido para o desconhecido, as interrelações entre a vida e a morte, constitui a contínua luta do psiquismo para sobreviver. Citando Joyce McDougall (1997)

o que é, exatamente, sobrevivência psíquica? Talvez pudesse ser conceituada como a capacidade do indivíduo de sustentar um sentimento de identidade em suas dimensões, tanto subjetiva quanto sexual, bem como de manter um sentimento de estabilidade narcísica, mesmo que os níveis de autoestima sejam constantemente afetados por circunstâncias flutuantes. (p. 256)

E é especialmente quando nos vemos machucados pela evidência da passagem do tempo e da nossa fragilidade que as "circunstâncias flutuantes" conspiram seriamente contra as boas condições de sobrevivência psíquica.

O sentimento de identidade é tremendamente abalado, tanto do ponto de vista real, corporal, quanto do ponto de vista subjetivo. O corpo com que nos acostumamos a conviver desde a adolescência já não é o mesmo, por mais que o esquema corporal introjetado nos diga que ele permanece como sempre.

É interessante perceber que, muito frequentemente, as pessoas se referem à percepção do seu próprio envelhecimento como uma surpresa, como se algo, cuja presença se vai notando aos poucos, sem muita consciência, aparecesse "de repente" com toda a clareza, sem deixar margem para negação.

Diz Mannoni (1991, p. 36): "quando a velhice se apossa de alguém, o faz de maneira inesperada".

São inúmeras as histórias de "susto" relatadas por pessoas que se encontram nessa fase da vida: ao ver, num relance, a própria imagem refletida numa parede de espelho, num provador de loja, numa fotografia, ou mesmo numa vidraça da janela de um trem, lembrando Freud.

Sempre é um assombro e uma sensação desagradável perceber que o corpo ali refletido é muito diferente daquele que "sentimos" ter. É uma história de Narciso às avessas. É como se tivéssemos que nos deparar com uma imagem que gostaríamos de afastar, de desgrudar de nós mesmos, por não ser compatível com a outra, que sempre esteve em seu lugar.

Demeter/Perséfone, inseparáveis, também nos indicam que talvez a Perséfone que Deméter não poderia deixar partir fosse a sua própria juventude, que num nível mais profundo nos recusamos a considerar perdida para sempre.

Geralmente, o "outro" é que nos obriga a encarar a dura realidade do envelhecimento.

Esse nosso corpo "traidor", que estamos condenados a continuar habitando, nos é revelado pelo olhar estrangeiro e nos torna estrangeiros a nós mesmos e, não fosse ele, morreríamos jovens como sempre fomos. (Oliveira, 2007)

X, surpreendida pela perda de referência de sua própria identidade e do contorno familiar, é remetida a sensações de estranhamento. Não é o novo, totalmente desconhecido, que a desaloja psiquicamente, a desconcerta e aturde, mas sim o que, sendo-lhe familiar, assemelhando-se a um conhecido um tanto desfocado (como numa imagem sua, refletida num espelho d'água), não lhe permite encontrar o mesmo sentido e significado de antes.

Já experimentamos o quanto essa nossa imagem, assim refletida, pode ser impactante. É a vivência terrível do sinistro, como tão bem nos mostra Freud em seu artigo de 1919 (Freud, 1919/1980).

Esse impacto nos desequilibra, expondo-nos novamente (como já acontecera outras vezes na vida, principalmente nos seus inícios) a todos os nossos horrores inominados.

Querendo ou não, temos que nos entender com capítulos não-verbalizados da nossa história. De uma história que nos serve de âncora e que nos aplaca, ao substituir um tempo vivido-perdido por uma versão organizada e justificada de nós mesmos.

Somos levados a mais um confronto com os nossos objetos internos, a mais uma descida aos infernos da posição esquizoparanoide e a mais uma necessária reelaboração da posição depressiva, como nos diz Elliot Jacques no seu clássico artigo "La muerte y la crisis de la mitad de la vida" (Jacques, 1966).

Temos que "acomodar" num novo lugar dentro de nós, essa nossa nova imagem, que apesar de familiar para os outros, para nós mesmos é ainda uma indigesta imagem depreciada. Como diz Messy (1999), temos que lidar com sentimentos agressivos que surgem dentro de nós, dirigidos a esse "ego-feiura" com o qual o envelhecimento nos confronta.

E então? O que fazer com todo o investimento narcísico que até agora nos dava, ilusoriamente, uma garantia de equilíbrio conseguido? Como é possível se reconciliar com o próprio narcisismo, nessa fase da vida?

Algumas saídas que nossa cultura atual propõe mostram-se estruturalmente "maníacas" e ineficientes. "Mumificar" (botox) os corpos, para estancar o envelhecimento, não parece trazer muito consolo, já que a ferida narcísica é refrataria às plásticas e às panaceias. por melhor que seja, a intervenção nunca consegue devolver o viço original da juventude.

O desfile, por vezes patético, de rostos deformados pela paralisia, nos dá uma ideia do quanto é difícil envelhecer, principalmente num tempo em que o que é valorizado é ser jovem, bonito e poderoso.

Embora o envelhecimento não seja prerrogativa dos avós4, o fato de nos tornarmos um deles pode funcionar como um sinalizador de que efetivamente ficamos velhos, o que pode provocar um susto grande.

 

E então?

os atos de passagem se dão na beira do abismo de se perder. (Martha Prada e Silva, 2006)

Quando os filhos assumem o papel de protagonistas da história familiar, surge, num primeiro momento, uma angústia intensa de se perceber desalojado e deslocado psiquicamente, transportado abruptamente para outra realidade, desconhecida e assustadora.

A concomitância do "tornar-se avó" com o despertar para a evidência da proximidade da morte pode transformar esse acontecimento de vida, se não for discriminado apropriadamente, numa vivência pesada de desamparo, muitas vezes não percebida e atuada.

Acreditamos ser importante refletir sobre as condições que poderiam favorecer o refinamento da escuta do analista para a observação e investigação desse momento doloroso de passagem, criando possibilidades de desenvolvimento psíquico a partir dessa crise.

Pensamos que a travessia desses momentos de turbulência implica algumas questões:

• é possível atravessar esse momento crítico encarando-o como mais uma etapa do desenvolvimento, vivendo-o como uma migração, não como exílio, ou ainda, parodiando Winnicott (1987), "permanecendo vivo, sadio e desperto"?

• qual a transformação possível, que faça com que a perspectiva de morte deixe de ser sentida como um perseguidor que nos petrifique de medo, para fazer parte inerente da vida, uma renovação, que possa funcionar como um empurrão para viver bem o que se puder viver?

É possível tecer essa nova configuração para, quem sabe, "vir-a-ser" portadora daquela serenidade cantada por Proust?:

Então, minha avó entrou; e, imediatamente, com o relaxar do meu coração apertado, abriram-se espaços infinitos. (citado por Borges, 2001, p. 5)

Como sempre, o caminho para a serenidade deve passar pela pacificação dos objetos internos, por meio da integração dos lados de luz e de sombra. Somente alguém que consiga aceitar a grande e inelutável castração poderá estar sereno.

Penumbra, que traz em si mesma o claro e o escuro, talvez fosse, metaforicamente, um bom nome para um estado mental correspondente ao entardecer da vida: a hora de sentir que se fez o possível, com as alegrias, e os limites correspondentes.

Retomando o mito, X/Deméter poderá se dar conta de que sua filha/Perséfone, na verdade, nunca esteve perdida, exceto a seus olhos de mãe. Perséfone havia se transformado, para viver outra etapa do ciclo de seu desenvolvimento. E X também terá que se transformar para viver essa migração, com todo o inesperado e inusitado desse florescer tardio.

Talvez o próprio Winnicott (1987) nos dê uma pista, ao dizer:

Há muito crescimento que é crescimento para baixo. Se eu tiver uma vida razoavelmente longa, espero encolher e tornar-me suficientemente pequeno a ponto de passar pelo estreito buraco chamado "portas da morte". Não preciso ir longe para encontrar um psicoterapeuta cheio de empáfia. Sou eu.

Nesse artigo, refere-se à atitude do terapeuta que à medida que vai se aprofundando, vai percebendo a sua pequenez e o alcance real e limitado de suas "importantes" contribuições.

Se transportarmos isso para a vida de cada um de nós, poderemos despertar, olhando nos olhos da finitude de tudo o que é vivo, para quão pequena é a nossa participação geracional, quão efêmera a nossa existência e como é cego o narcisismo que nos leva a ficar apegados à vida, como se fôssemos personagens insubstituíveis...

Talvez o crescimento para baixo, a que Winnicott se refere, possa ser entendido como a capacidade de diminuir o ego, dando-lhe a devida importância, mas também aceitando os devidos limites. Talvez seja a hora de desinvestir o ego pessoal, individual, investindo agora em um self mais conectado com o mundo, mais transgeracional, mais passageiro, mas também mais universal.

E, voltando ao mito, talvez ele nos ajude novamente a entender essa vida, tão complexa, indicando-nos que cada um de nós, como um grão/semente de humanidade, do mesmo modo que Perséfone, precisa se permitir mergulhar na escuridão da dor e do medo da finitude, para de lá sair tendo passado por mais uma transformação, mais generosos para com a realidade do jeito que ela é... limitada e passageira.

 

Referências

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Correspondência:
Iara Spada Bondioli de Souza Noto
[Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo]
Rua Tanhaçu, 50
05679-040 São Paulo, SP
Tel: 11 3746-7215
iaranoto@uol.com.br

Maria Lúcia Ferrão de Sousa Campos
[Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo]
Rua Dr. Bacelar, 173, cj. 84
04026-000 São Paulo, SP
Tel: 11 5572-5140
mlcampos@globo.com

Recebido em 23/9/2010
Aceito em 18/11/2010

 

 

1 Trabalho apresentado em reunião científica, na Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP, em 29/11/2008.
2 Deméter é a grande deusa das alternâncias de vida e morte que regularizam o ciclo da vegetação e de toda a existência. Perséfone é o grão que morre, para renascer mais jovem, forte e belo, e por isso mesmo ela é Coré, a Jovem. Poderia simbolizar o próprio neófito que morre na iniciação para renascer para uma vida que não terá fim.
3 Agradecemos à colega Martha Prada e Silva a sugestão do termo.
4 A título de curiosidade, não encontramos em nosso idioma uma palavra que nomeie a passagem para a terceira geração. Não existe um substantivo (como maternidade ou paternidade), que acolha o "tornar-se avô". Paulina Redler (Redler, 1986), psicanalista argentina, tem trabalhos escritos sobre esse tema desde os anos 70. Ao perceber que no idioma castelhano não havia nome para essa experiência, escreveu: "Não se pode analisar uma problemática que não se define ou não se conhece. E o fato de que não se defina, não se conheça, não se lhe ponha nome ou não se investigue sobre ela, não são indicadores de que a questão não exista, mas de que sua existência transcorre como mundo fantasma, na penumbra, no cosmos do não dito." (tradução livre das autoras). Essa autora afirma que a estruturação psíquica desse laço de parentesco permanece escotomizada em suas significações, e que podemos formular a hipótese de que essa experiência pode ser vivida como representante narcísica ambivalente, traumática para o ego, já que alude à inevitabilidade da estrutura genealógica e da morte. Vivências produtoras de angústias provocam um mecanismo psíquico de negação. São desligadas de suas representações-palavras e, como resultante, a experiência de transformar-se em avó não pode ser nomeada, tornando-se tabu. Conforme descreve em seu livro, Paulina conseguiu, junto à Academia Argentina de Letras, a legitimação do termo "abuelidad". Embora sabendo que isso é apenas uma parte do processo, afirma: "... a idéia de considerar a 'abuelidad' como estrutura simbólica é pertinente e necessária. E sabemos que o simbólico é, de fato, eficaz sobre a vida humana. Tanto mais determinante quanto mais eludido." (tradução livre das autoras). Em nosso universo linguístico, ainda não temos uma palavra equivalente à "abuelidad". É no mínimo instigante.

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