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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.46 no.4 São Paulo out./dez. 2012

 

ARTIGOS TEMÁTICOS: PRIMEIRAS ENTREVISTAS

 

A criança e o psicanalista. Acontecimentos iniciais

 

The child and the psychoanalyst. Initial events

 

El niño y el psicoanalista. Eventos iniciales

 

 

Eliana da Silveira Cruz Caligiuri

Membro associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP

Correspondência

 

 


RESUMO

Se análise é a prática diária de um psicanalista, as primeiras entrevistas são o prólogo inevitável desse trabalho. Elas podem ser também um prólogo maior do que a própria análise e até constituir-se no único contato, sem continuidade. Para além de abordar, neste artigo, o método psicanalítico operando desde os primeiros encontros com o paciente - atenção utuante a todo e qualquer material surgido, busca por um tipo de interação que propicie a construção de algum significado analítico, comunicação ao paciente de algo desconhecido de si -, procurei desenvolver as especificidades no atendimento da criança, ilustrando minhas considerações com vinhetas clínicas.

Palavras-chave: primeiras entrevistas; interação; criança; consulta terapêutica; surpresa.


ABSTRACT

If analysis is the daily practice of the psychoanalyst, the first interviews are the inevitable prologue to this work. They can be a prologue bigger than analysis itself and even be the only contact, in the case of non-continuity Further than approaching, in this article, the psychoanalytic method in operation since the first encounters with the patient - fluctuating attention to any and every bit of material which shows up, the search for a kind of interaction which will provide the construction of some analytic meaning, communicating to the patient something unknown to himself -1 attempted to develop the specificities when treating children, illustrating my considerations with clinical vignettes.

Keywords: first interviews; interaction; child; therapy appointment; surprise.


RESUMEN

Si el análisis es la práctica diaria de un psicoanalista, las primeras entrevistas son el prólogo inevitable de este trabajo. Ellas pueden ser también un prólogo mayor que el propio análisis e incluso constituir un único contacto, sin continuidad. Para además de abordar en este artículo el método psicoanalítico operando desde los primeros encuentros con el paciente - la atención fluctuante a todo y cualquier material surgido, busca un tipo de interacción que propicie la construcción de algún significado analítico, comunicación al paciente de algo desconocido de sí mismo - intenté desarrollar las especificidades en la atención a los niños, ilustrando mis consideraciones con casos clínicos.

Palabras clave: primeras entrevistas; interacción; niño; consulta terapéutica; sorpresa.


 

 

Introdução

Lembranças intensas de pequenos rostos há algum tempo esquecidos, percorrer novamente seus desenhos, suas narrativas singulares, as brincadeiras nas sessões, suas palavras, foram as imagens que surgiram a partir do tema "Primeiras entrevistas psicanalíticas".

A memória viva daquelas crianças que, já no primeiro contato, haviam deixado suas expressivas marcas.

Pretendo neste artigo convidar o leitor a se aproximar da força desses encontros, a conhecer a inteligência e a criatividade dessas crianças com as quais interagi e que contribuíram para novamente revelar a potência da psicanálise.

O tema lançado pela Equipe Editorial da RBP estimulou o estudo e a escolha dos autores que fundamentassem a experiência clínica vivida, experiência que aguardava meu debruçar sobre ela e talvez, algum dia, sua escrita.

 

Um breve percurso teórico

Freud, no artigo Sobre o início do tratamento (1913/1993), argumentava que:

[...] a extraordinária diversidade das constelações psíquicas, a plasticidade dos processos anímicos e a riqueza dos fatores determinantes se opõem, certamente, a uma mecanização da técnica, e tornam possível que uma maneira comum legítima não produza efeito algumas vezes, enquanto outra habitualmente considerada errada conduza ao objetivo, em alguns casos (p. 125).

O fundador da psicanálise já assinalava as coordenadas móveis, com certa flexibilidade, da técnica psicanalítica nas primeiras entrevistas. Elas poderiam iniciar-se com a biografia, o historial clínico ou as recordações da infância do paciente, mas o que realmente interessava era o relato do próprio paciente.

Ainda nesse texto, o autor lança suas interrogações a respeito do momento oportuno de comunicar ao analisando o significado secreto de seus sintomas, as premissas e os procedimentos técnicos da análise. De acordo com suas ideias, seria apenas após ter se estabelecido, no paciente, uma transferência operativa.

Autores como Ogden (2002), Quinodoz (2002), Herrmann (2003), chegando até o texto de Wegner, publicado no Jornal de Psicanálise neste ano de 2012, abordam o tema acrescentando a importância dos movimentos transferenciais e contratransferenciais que se apresentam desde o primeiro contato, por telefone ou e-mail, seguido da "cena de abertura, a primeira comunicação verbal do paciente, a primeira intervenção do psicanalista" (Wegner, 2012, p. 225).

Para Ogden, o primeiro encontro é uma interação cuja natureza não é simplesmente diagnóstica, de avaliação mútua, e sim

[...] uma interação na qual duas pessoas esforçam-se para gerar significado analítico, [...] um encontro com algum valor para o paciente, como uma oportunidade de reconhecer e entender alguma coisa sobre sensações, sentimentos e pensamentos transferenciais com os quais ele está tendo que se debater (2002, p. 5).

A interação que ocorre em qualquer contato entre duas pessoas tem, no encontro analítico, algumas características específicas: a busca do reconhecimento e compreensão de sentimentos, de sensações vividas pelo paciente, até porque, como nos alerta Quinodoz (2002), as pessoas vivem sem levar em conta seu mundo interno e o papel que o inconsciente desempenha, inclusive nos momentos de intenso sofrimento. Para a autora, é importante que o analista, já nas primeiras entrevistas, comunique algo desse desconhecimento de si e do que pode acontecer entre eles, paciente e analista, "de maneira suficientemente sugestiva e numa linguagem que o toque" (p. 417).

Assim, percorrendo os textos que abordam as primeiras entrevistas vão se configurando algumas das marcas singulares desse acontecimento: a diversidade das constelações psíquicas com as quais o analista terá contato, o protagonismo do paciente na cena de abertura e ao longo do trabalho analítico, a importância do analista ser uma companhia viva que, além disso, carrega consigo sua bagagem teórico-clínica desde o primeiro encontro.

Uma presença viva que, segundo Herrmann (2003), acompanha o paciente em uma espécie de "passividade receptiva" (p. 52), pretendendo com isso "nada muito diferente do que nos mostram as sessões analíticas comuns. O mesmo método, no geral, é empregado. Apenas adapta-se ligeiramente a técnica, para cumprir um papel determinado, fornecendo o máximo de conhecimento num tempo bastante curto" (p. 52).

A atenção flutuante a esse condensado de informações que frequentemente ocorre na primeira entrevista é essencial, mas necessita ser acompanhada, então, por uma qualidade de interação entre paciente e analista que produza um significado para o analisando, como apontou Ogden, e algo do desconhecimento de si.

Concluindo este breve caminho teórico, chego a Winnicott, psicanalista que trabalhou nas primeiras entrevistas com os objetivos descritos anteriormente - liberdade ampla para que surja a fala inicial do paciente, interação para encontrar um significado analítico, comunicação ao paciente de algo desconhecido de si -, ampliados com a potência terapêutica do primeiro encontro.

Como as memórias despertadas foram com meus pequenos pacientes, será predominante Winnicott a me acompanhar nos relatos.

 

Inspiração

Em agosto de 1998, no Congresso Latino-Americano de Psicanálise de Criança e Adolescente, realizado em Cartagena das Índias, Colômbia, duas plenárias atraíram a atenção da plateia, chegando a comover alguns psicanalistas.

Uma delas foi a apresentação gráfica1 da consulta terapêutica realizada por Winnicott com liro, um menino de 9 anos que estava na iminência de mais uma intervenção cirúrgica para reparar uma má formação congênita. Por meio da utilização do jogo do rabisco, Winnicott e liro puderam compreender e acolher as vicissitudes e desafios que a criança experimentava desde muito cedo, dando sentido a seu sofrimento e contribuindo para que liro pudesse manifestar seus desejos de cura e normalidade, e refletir sobre as possibilidades reais da realização desse desejo.

A outra apresentação foi um vídeo com a filmagem do atendimento, realizado pelo psicanalista francês Serge Lebovici2 , de uma família, incluindo a discussão do caso em um grupo clínico. O acolhimento e a escuta do sofrimento da bebê de seis meses, insone, e de seus pais levou ao surgimento da experiência trágica vivida pela mãe antes de ter sua filha: extremamente emocionada, e culpada, conta que seu filho mais velho caíra em um poço permanecendo em uma cama, tetraplégico.

Nos dois casos citados, a qualidade da presença do analista propiciou que criança e família comunicassem seu sofrimento predominante, seu conflito emocional e a tensão que experimentavam naquele momento de suas vidas.

No livro Consultas terapêuticas em psiquiatria infantil (1984), Winnicott afirma que a única companhia que leva ao encontro do desconhecido que cada novo caso traz é a teoria do desenvolvimento emocional do indivíduo e seu específico entorno que, segundo o autor, já é parte dele, e sobre a qual sequer tem de pensar.

Embora considerasse que a psicanálise era a base de seu trabalho nessas consultas, o autor relata que a diversidade dos casos exigia "um intercâmbio muito mais livre entre o terapeuta e o paciente do que um tratamento psicanalítico puro" (Winnicott, 1984, p. 9).

Nessa interação mais livre, Winnicott afirma a necessidade do psicanalista ajustar-se à noção pré-concebida por seu paciente, o que construirá a oportunidade de estar em contato com a criança.

O trecho que destaco a seguir revela a potência dessa interação:

Deve haver uma relação entre essa situação e a que se obtém de uma maneira muito menos útil através da hipnose. Tenho usado isso na teoria que venho construindo, no decorrer do tempo, em explicação para a enorme confiança que geralmente as crianças podem mostrar em mim (como em outros que fazem trabalho semelhante). Nessas ocasiões especiais, ocasiões essas portadoras de uma qualidade que me fazem usar a palavra sagrada. Ainda esse momento sagrado pode ser utilizado ou desperdiçado. Se desperdiçado, a confiança que tem a criança de que será entendida é prejudicada. Se por outro lado, é utilizado, a confiança da criança de que será entendida é fortificada. Haverá aqueles casos em que se faz um profundo trabalho na circunstância especial da primeira entrevista [...] e as mudanças resultantes na criança podem ser utilizadas pelos pais (p. 13).

Winnicott alerta, nesta introdução, sobre a necessidade de avaliar o meio ambiente imediato da criança, pois se não houver provisão ambiental, a criança não poderá utilizar a mudança ocorrida.

Portanto, no encontro com a criança há o cuidado necessário de levar em conta seus pais, seu ambiente e promover a aliança essencial com as figuras parentais.

Se é dada à criança, de maneira adequada, a oportunidade de expor seu sofrimento ou o conflito emocional, ela terá a experiência de compreensão de si, muitas vezes mais do que realmente foi, "mas o efeito terá sido o de haver dado à criança alguma esperança de ser compreendida e talvez até mesmo ser ajudada" (p. 13).

Gostaria de acrescentar como é significativa a surpresa da criança quando se vê diante de um adulto que, embora semelhante às pessoas com as quais convive, manifesta um interesse genuíno a respeito de seus desenhos, suas histórias, suas brincadeiras e palavras, de uma maneira muito diferente daquela a que a criança está habituada.

Não é incomum que ela olhe intrigada para o psicanalista, achando estranhas nossas perguntas ou nossos comentários.

Creio, então, que oferecemos algo talvez inédito à criança: interação, interesse, compreensão, possibilidade de confiança e esperança de resgatar e refigurar um tempo e um espaço tidos como de algum jeito perdidos.

 

A Criança

Com certeza, a liberdade e a poesia
a gente aprende com as crianças.
(Barros, 1916/1999, s/p).

Primeiro adentra na mente do psicanalista a criança narrada por seus pais, porque usualmente será um deles a nos contatar.

A escuta dos pais é inevitável e necessária para o acolhimento e cuidado de suas feridas narcísicas e para o estabelecimento da aliança acima citada.

A constituição da subjetividade de uma criança é complexa e "pode ser um caminho cheio de emboscadas" para pais e filho. "As simbioses, os pactos inconscientes entre pais e filhos e o mito edípico renovam-se cotidianamente nos nossos atendimentos [...] com sua dimensão trágica" (Ranña, 2004, p. 69).

Portanto, iniciaremos o contato com as perturbações no desenvolvimento da criança, que na maioria dos casos ocorrem nesse entrecruzamento de seu próprio equipamento pessoal com seu meio ambiente, e os múltiplos elementos em jogo.

No encontro com a criança precisamos considerar somente um pouco, ou quase nada, daquilo que foi dito pelos pais, porque ele é único e será essencial construir um espaço de narrativa, onde cada um dos participantes expressará algo do que viveu. A criança conta, através de seu sintoma, seus desenhos, suas brincadeiras e palavras

[...] algo de sua história interativa precoce; já no psicanalista, resta viva a criança que ele foi, que teme ter sido ou que crê ter sido. Deste face-a-face deve nascer uma co-construção de uma nova história, de uma terceira história, que não seja nem aquela do bebê escondido no adulto, nem a repetição infinita da história inicial da criança, [sendo esta] o principal narrador, o principal recitante (Golse, 2004, p. 34-35)3.

Creio ter apresentado os fundamentos técnicos, que têm norteado minha prática clínica, e a pesquisa teórica realizada a partir do estímulo editorial.

Convido o leitor a acompanhar o percurso de três crianças: Bianca, Vivi e Laura.

 

Dez sessões

Aos seus oito anos, recém-completados, conheço Bianca. Menina bonita, esperta e muito agitada.

O que seu corpo anunciava com os sinais precoces de puberdade que eu visualizava? E ainda mais a intensa excitação e agitação que não permitiam que Bianca sentasse para desenhar ou mesmo conversar.

A menina contou que recebera uma advertência na escola porque estava brigando muito com os amigos e com os professores. Perguntei por que ela brigava. Ela me disse que tinha uma coisa dentro dela que a fazia brigar e que depois iria me contar.

Iniciou uma brincadeira com os bonecos da família e os bichos.

Os animais eram nomeados de forma confusa: ursos eram leões, galinha era passarinho, canguru era tigre. Os pais da família eram insuficientes, e até ausentes, para cuidar dos filhos que eram ameaçados pelos animais, inclusive por aqueles que viravam vampiros e "chupavam o sangue das crianças", segundo suas próprias palavras.

Em um determinado momento, a mãe foi descrita como "maldosa e não gosta dos filhos" Esta frase me chamou a atenção porque a garota utilizou a palavra maldosa, expressão que não é frequente na linguagem infantil, e atribuiu à figura materna uma falta de amor para com os filhos.

Bianca apresentava seu estado interior: confusão, abandono, perigo, violência e desamor. Naquilo que havia sido chamado de agressividade e rebeldia eu podia ver, também, abandono e desespero. Era muita carga emocional para uma menina de oito anos.

Disse que ela estava me mostrando porque brigava na escola: "tem muita confusão e briga aí dentro de você".

Bianca, surpresa, concorda: "- Tem mesmo. Como você viu?"

"- Você me contou com os brinquedos. E tem crianças abandonadas. Alguém pode ajudar as crianças?".

Bianca responde de bate-pronto: "- Não".

Convidei-a para voltar.

Na segunda sessão, a menina desenha uma família com todas as pessoas do mesmo tamanho, com características infantis (fig.1), e uma criança separada da família. Embora a família estivesse dentro de um coração, este estava partido. Ao pedir que me falasse sobre essa família, Bianca conta que os pais brigavam muito diante das filhas, e que a menina se trancava no quarto para não ouvir os gritos e palavras feias.

 

 

Digo, então: "Que triste o que está acontecendo com essa família. Seus pais brigam como esses do desenho?".

Bianca me olha e balança a cabeça, afirmativamente.

Um dique se rompera desde a advertência na escola, e achei necessário e urgente escutar os pais antes da sessão seguinte com a menina.

Inicialmente relataram que a advertência fora por "comportamento rebelde, adolescente", e que as duas filhas - Bianca tem uma irmã três anos mais velha - não estavam bem.

Após essa curta fala a respeito de Bianca, o pai começa a dizer que o problema da filha era consequência do conflito que o casal vivia há sete anos. A mãe, contrariada, inicia uma sequência de queixas de abandono, solidão e desamor, e a sessão é pautada pelas divergências e queixas mútuas, com o pai reclamando que a mãe comportava-se como criança, identificando-se com as filhas, usando-as como confidentes e trunfos durante as frequentes e violentas brigas. A mãe diz que só foi feliz no casamento nos primeiros quatro anos, e ambos abordam a ausência de vida sexual há quase sete anos. O pai revela então que é Bianca quem dorme na cama deles desde essa época.

Em seguida à sessão com os pais, a mãe me liga e pede uma sessão urgente só para ela. Ao chegar diz, muito aflita, que sempre quis ser uma mãe melhor do que sua própria mãe. Conta do desamparo e pouco cuidado que recebeu porque o pai se ausentava muito, e sua mãe, infeliz, não a protegeu nem de seu avô materno, que abusou sexualmente dela. Estava preocupada em ser a responsável pelo que acontecia com as filhas. Acolhi seu sofrimento e falei que ela tinha muitas coisas para conversar sobre sua vida e que ela precisava de alguém que tivesse as condições necessárias para ouvi-la. Ao me relatar que só contava com suas filhas, procurei sensibilizá-la de que elas eram pequenas e despreparadas para ajudá-la com seu próprio sofrimento. Ela me pede mais uma sessão.

Bianca retorna e conta que sua mãe estava chorando muitas vezes e que nunca a tinha visto chorar antes. Nesse momento digo que eu havia conversado com sua mãe, que ela estava triste e que nem sua irmã nem ela eram culpadas disso.

Bianca me olha e fala: "- Sabe, eu durmo com a minha mãe. Eu gosto. Só não gosto quando ela quer dormir abraçada e me aperta. Fico com falta de ar".

Pergunto: "- Você fala pra ela?".

"- Não, minha mãe vai ficar triste" diz a menina.

Havia uma situação abusiva na família: o abuso sexual sofrido pela mãe, o lugar equivocado em que a mãe colocou Bianca, infligindo à filha um excesso de estimulação. Penso que esse excesso de estimulação contribuía para a situação confusa vivida por Bianca, e até para a aceleração da puberdade física, fato confirmado pelos pais.

Recebo novamente a mãe, que me conta ter chorado muito, e que Bianca havia pedido para colocar um lençol de menina em sua cama porque ela queria dormir no próprio quarto. Argumenta que nunca viu qualquer problema de a filha dormir com ela e eu tento mostrar, a partir daí, que o lugar ao lado dela na cama do casal não era das filhas, que isso confundia o desenvolvimento de Bianca. Retomo a importância de ter alguém para conversar sobre a triste história vivida e seu sofrimento atual no casamento.

Foram apenas seis sessões com Bianca, reveladoras de questões transgeracionais, de um intenso conflito conjugal, do desamparo e desesperança das crianças. A agitação e a atitude rebelde da menina eram apenas a ponta de um emaranhado de conflitos familiares.

Durante os quatro atendimentos dos pais, dois individuais com a mãe e duas sessões com ambos, eles compreenderam um pouco da turbulência que já experimentavam há anos e que afetava as filhas. Os pais decidiram iniciar uma terapia de casal.

Na última sessão com Bianca, ela quis jogar o Jogo da Vida. Comentei sobre as peripécias que vivíamos enquanto jogávamos, quanta coisa podia acontecer na nossa vida, e tinha muito mais que nem cabia no jogo.

Disse que ela tinha me ajudado a compreender o que estava acontecendo com ela e com seus pais, ao que Bianca respondeu: "- Você sabe que minha mãe não está gritando nesses dias, nem chorando?"

"- Não sabia, Bianca. Agora eu sei porque você acabou de contar. Que bom!".

Foi meu último encontro, pois os pais deixaram para depois uma possível ludoterapia; um depois que ignoro se ocorreu.

Creio que, neste breve período, a interação entre nós alcançou algum sentido sobre seu sofrimento e de sua família, com os quais se debatiam há alguns anos. Ocorreram algumas descobertas que favoreceram um início de modificação na dinâmica familiar.

 

10 meses

Vivi tinha dois anos quando foi adotada. Oitava filha biológica de uma moradora de rua, portadora de AIDS, ela fora recolhida a um abrigo para crianças abandonadas ou separadas dos pais por maus tratos.

Ao visitar o abrigo, a mãe adotiva encantou-se com Vivi e sua história.

O processo de adoção durou seis meses, tanto para a adaptação da menina à nova família, quanto em função do levantamento de dados para a certidão de nascimento.

Nada se sabia de seu pai.

A mãe adotiva tinha uma companheira que não compartilhou do desejo de adotar uma criança, mas afeiçoou-se à menina.

No momento em que sou procurada, Vivi tinha sete anos e sua mãe estava bastante frustrada com ela: a menina, embora esperta, não era disciplinada e estudiosa como a mãe; era respondona e ainda estava "roubando" na escola. Escola boa, particular. A mãe questionava continuar com ela, estava cansada, desesperançada, e já considerava que Vivi carregava a carga genética ruim da mãe. E talvez "do pai, que nem se sabe quem é"

Perguntei se ela não achava que Vivi tinha muitas coisas para entender sobre sua origem e sua vida: mulata, filha de uma moradora de rua, sem saber quem era seu pai, adotada, mãe adotiva casada com outra mulher.

A mãe concorda e diz: "E separada" Conta da separação e do novo casamento com uma moça por quem estava muito apaixonada.

Agendamos o encontro com a filha.

Vivi entra na sala e fica muito animada com a caixa de brinquedos. Brinca com massi-nha, cola e acha os bonecos da família. Pega todos e não sabe bem o que fazer. Coloca a mãe e a filha em um dos balões, um móbile que havia na sala, e outra figura feminina no outro balão.

Perguntei:

"- A filha quer ficar sozinha com a mãe?".

Olha-me surpresa. Diz: "- É, faz tempo que ela não fica sozinha com a mãe. Agora a mãe só quer ficar com a namorada".

Deixa as três nos balões e tenta montar uma casa para os outros membros da família. Pega almofadas, monta uma casa e não fica satisfeita. Desmonta. Perambula pela sala carregando a família e desiste.

Na sessão seguinte, coloca de novo as três mulheres nos balões e diz: "- Elas estão vendo os outros lá embaixo na rua"

Começa de novo a carregar os outros bonecos e observo, então, que eram mulheres, velhas e jovens, e criancinhas. Não havia homens. Nada digo.

Pega blocos, constrói uma casa e não fica satisfeita. Diz: "- Eles não cabem aqui. É muita gente"

Pergunto: "- Será que não vamos encontrar um lugar aqui? Posso ajudar?".

Vivi diz que sim, mas após várias tentativas nenhuma construção fica satisfatória.

Na terceira sessão, coloca novamente as três nos balões, elas passeiam, viajam e olham tudo lá de cima, tudo "pequenininho".

Trabalhei com Vivi durante aproximadamente dez meses.

A garota havia me revelado nos primeiros encontros uma vivência mais atual - questão edípica vivida no triângulo mãe, ela, namorada da mãe. A mãe me contou que Vivi era a paixão dela até conhecer a atual companheira. Foi a partir daí que se separou da filha, passou a trancar a porta de seu quarto e deixar Vivi de fora. Vivi se sentira roubada de seu lugar e tentava recuperar a atenção da mãe, "roubando" na escola.

E uma vivência mais profunda: sua origem e o destino de sua mãe biológica e irmãos, e a ausência da figura paterna, sobre a qual não existia nem a inscrição simbólica.

Durante algum tempo as três bonecas utilizadas nas primeiras sessões ora voavam nos balões, ora moravam em uma casa que Vivi construía com blocos e colocava mobília, brincando de casinha.

Por várias sessões, quando pegava a outra família, a mais numerosa, tentava construir uma casa e não os deixava muito tempo nela, iniciando uma peregrinação pela sala, que acabava com o abandono dos bonecos na caixa.

Foi durante uma sessão que ela olha uma cadeira. Diz: "- Me ajuda. Tira a menina, a mãe e a namorada dos balões" Arruma, no assento da cadeira, uma casa com blocos, panos e coloca as três na casa. Pede para que eu pegue o restante dos blocos e panos e monta outra casa embaixo da cadeira. Vai até a caixa, pega as mulheres e as crianças, e acomoda todos ali.

Satisfeita, diz: "- Agora uma família mora em cima e outra embaixo"

Digo: "- Você conseguiu montar uma casa para cada família".

"- Esta é a casa da mãe, da filha e da namorada, e a outra é das crianças com a mãe" revela a menina.

Pergunto, então: "- E o pai?", ao que Vivi responde: "- É só criança de mãe".

Em uma sessão, após o Dia dos Pais, Vivi me conta muito triste que todos na escola tinham feito um presente para o pai, que ela também fez, guardou na mochila e que ela não tinha para quem dar.

Eu digo que sabia que ela teve um pai porque é de pai com mãe que nascem as crianças, e perguntei se ela queria contar para sua mãe sobre o presente e arrumar um lugar para guardar coisas para pai.

Vivi diz: "- Quero uma caixa igual a essa", apontando para sua caixa de brinquedos.

Saiu animada da sessão e na sala de espera pediu para a mãe fazer com ela a caixa para guardar as coisas para o pai. Sua mãe olhou espantada, mas percebeu que era algo importante para Vivi. Concorda.

A ludoterapia foi interrompida pela mãe quando sua filha disse a ela que ia ter uma namorada quando crescesse. As palavras da mãe para mim foram: "- Eu tinha dois medos quando adotei Vivi: um era a parte genética e outro era minha opção sexual. Me dê um tempo, não quero que minha filha pense nisso agora".

 

10 anos

Em outubro de 2000, conheço Laura.

Primeiro contato telefônico: a mãe liga, marca a entrevista, e Laura não aparece.

Segundo contato: novamente a mãe liga, pede desculpas por não ter avisado que a filha não quisera vir. Conta, então, que haviam interrompido a terapia que a menina realizava há dois anos e que, embora relutante, Laura aceitara vir porque não estava bem.

No primeiro encontro, Laura, de poucas palavras, me olhava desconfiada.

Ao conversarmos sobre o porquê de estar novamente com uma psicóloga, Laura respondeu, com desencanto, que ela tinha interrompido a outra terapia porque não estava mais melhorando.

Perguntei: "- O que precisa melhorar?".

Laura responde que a mãe só reclama dela, nada do que ela faz está bom. E que ela andava muito irritada com os irmãos - um garoto um ano mais novo e uma garota cinco anos mais nova. Não achava sua família feliz.

Contou que o irmão e ela brigavam muito, dizendo: "- E ninguém faz nada".

"- Quem deveria fazer alguma coisa?", pergunto.

"- Os pais. Minha mãe só reclama da gente e meu pai só trabalha. Chega cansado e não tem tempo pra ligar pra essas coisas. No jantar todo dia tem provocação e briga. Nem dá vontade de ficar na mesa".

Digo, então: "- Acho que você precisa conversar com alguém sobre sua irritação, seus sentimentos e pensamentos. E também porque parece que conversar está difícil na sua família".

"- É, mas já fiz terapia e não adiantou nada", diz Laura um tanto arrogante.

"- Não posso dizer que não adiantou nada porque estou te conhecendo agora, mas você observa certas situações na sua família, questiona seus pais quanto a isso e está irritada, mas no fundo está é triste e desanimada, achando que não tem como melhorar. Será que não vale a pena ter alguém de fora da família para conversar?".

Laura permanece em silêncio. Depois de alguns minutos, pergunta: "- Você acha mesmo?".

Afirmo: "- Acho". Considerei necessário expressar para a garota minha esperança nela e em um futuro trabalho.

Na entrevista com os pais, a mãe relatou que a filha era mandona e difícil, e que a primeira busca por terapia foi em consequência de excessiva masturbação em momentos de ansiedade ou tristeza.

Os pais contaram que outros problemas eram o sono e as brigas entre ela e seu irmão, frequentes e muito agressivas. Eles disseram também que às vezes discutiam, mas nunca brigaram da mesma forma que os filhos.

Perguntei o que eles faziam nessas ocasiões. Os pais consideravam melhor deixar os filhos resolverem sozinhos.

Ao abordar esse tema, o pai diz que o menino faz análise há algum tempo porque estava muito angustiado, e que a caçula "já-já vai ter de ir porque também é um terrorzinho".

Ironicamente ele diz que nunca vai fazer uma análise porque ele não tem mais conserto, mas para os filhos não irá negar ajuda. Essa fala e o tom irônico e desencantado remeteram-me a Laura.

Os pais tinham dificuldades em exercer as funções materna e paterna de acolhimento, orientação e limite, e me pareceu que não havia, neles, o registro desses aspectos.

A mãe contou que ficou "órfã" aos sete anos, quando seus pais se separaram; o pai se ausentou da vida dela e a mãe foi trabalhar. Suas duas irmãs, pouco mais velhas que ela, é que cuidaram dela. Por seu lado, o pai de Laura disse que aprendeu que um pai trabalha, ganha o dinheiro para o sustento da família, e quem deve cuidar dessas brigas, das coisas dos filhos, é a mãe.

Admitiram que precisavam de ajuda para entender a filha, mas percebi que esperavam que eu desse um jeito de melhorar sua personalidade difícil.

Disseram que a garota aceitara experimentar fazer análise comigo.

Após três anos, enquanto trabalhávamos a acentuada exigência de Laura com relação a si mesma e às outras pessoas, a rivalidade com sua mãe, tomando consciência dos pesadelos sobre acidentes e morte da mãe, apareceu um sintoma de uma doença autoimune e um agravamento da insônia.

A mãe pede uma sessão urgente para si e conta um segredo familiar: aos treze anos ela, mãe, fora acometida de uma doença autoimune com o mesmo sintoma da filha. Foi tratada e aparentemente estava curada. Após a gravidez de Laura, o sintoma retornou, e depois do nascimento do filho a doença instalou-se definitivamente. Os sinais eram disfarçados por artifícios e ninguém da família podia falar disso. Havia um pacto entre eles e os filhos: não poderiam falar nem para as terapeutas.

O pai, transtornado, me diz que não vai suportar tudo novamente, e que era desesperador estar ocorrendo esse pesadelo com um de seus filhos.

Indiquei uma terapia para o casal, iniciada prontamente.

Laura, inicialmente assustada, atravessou esse período turbulento muito colaborativa com os médicos e exames. Considero que havíamos construído um vínculo capaz de suportar essa experiência, conversar sobre ela e muitas situações vividas em segredo puderam ser faladas. O sintoma foi tratado e desapareceu. Iniciou uma medicação para seu antigo distúrbio do sono. Apesar das mudanças que estava enfrentando, a garota parecia mais aliviada.

As dificuldades no relacionamento entre os membros de sua família, anunciadas pela garota no primeiro encontro, estavam distribuídas entre eles, e com um envolvimento dos pais, em uma medida maior do que no passado, para dar conta de sua história.

A aliança estabelecida com eles, e construída com Laura, propiciou mais sete anos de trabalho analítico.

 

Conclusão

As primeiras entrevistas são o prólogo inevitável do trabalho analítico.

Um tipo de interação que carrega um tanto de tensão entre paciente e analista, com um concentrado de informações, em um tempo curto, que podem estar contidas no relato do sofrimento, atual ou passado, de um sonho, de uma recordação, ou até um silêncio.

Seja qual for o acontecimento inicial, ele sinaliza o campo transferencial da dupla, esboça uma linha do possível processo analítico, quase como um prognóstico, e pode construir, mesmo nos casos em que há um ou poucos encontros, acolhimento para algo desconhecido em si.

Para além de abordar, neste artigo, o método psicanalítico operando desde os primeiros momentos - atenção flutuante a todo e qualquer material surgido, busca por um tipo de interação que propicie a construção de algum significado analítico, comunicação ao paciente de algo desconhecido de si -, procurei desenvolver a especificidade no atendimento da criança.

O quotidiano das análises é visitado, inúmeras vezes, pela criança que guardamos em nós, pacientes e analistas. Mas estar com a criança, face-a-face, nos confronta com a revelação, às vezes quase sem rodeios, de suas vivências psíquicas e nos convoca a remexer nas nossas "memórias fósseis" (Barros, 2010), trazendo, nesse surpreendente encontro, a criança viva que existe em cada um de nós para acompanhar o pequeno paciente na construção de uma nova história.

Como o poeta e o artista, o psicanalista tem essa condição peculiar de carregar a criança viva dentro de si.

É na companhia do poema Retrato do artista enquanto coisa (2010), de Manoel de Barros, que encerro este artigo:

Remexo com um pedacinho de arame nas minhas

memórias fósseis.

Tem por lá um menino a brincar no terreno entre conchas, os ossos de arara, sabugos, asas de caçarolas etc...

O menino também puxava, nos becos de sua aldeia, por um barbante sujo, umas latas tristes.

Eram sempre umas latas tristes.

O menino hoje é um homem douto que trata com

física quântica.

Mas tem nostalgia das latas

Tem saudades de puxar por um barbante sujo

Umas latas tristes (p. 367).

 

Referências

Barros, M. (1999). Exercícios de ser criança. Bordados de Antonia Zulma Diniz, Angela, Marilu, Martha e Silvia Dumont sobre desenhos de Demóstenes Vargas. Rio de Janeiro: Salamandra. (Trabalho original publicado em 1916).         [ Links ]

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Winnicott, D.W (1984). Consultas terapêuticas em psiquiatria infantil. (J. M. X. Cunha, trad., pp. 9-121). Rio de Janeiro: Imago.         [ Links ]

 

 

Correspondência:
Eliana da Silveira Cruz Caligiuri
Rua Guilheme Bannitz, 90, cj. 34
04532-060 Itaim Bibi, São Paulo, SP
Tel.: (11) 3845-5205
elianacali@terra.com.br

Recebido em 9.12.2012
Aceito em 27.11.2012

 

 

1 O trabalho gráfico A partir de un garabato foi apresentado por Drª Hilda Catz de Katz (APA) no dia 5 de agosto de 1998, em plenária cujo tema era "Presentación Vídeos".
2 O vídeo do atendimento de Lebovici foi apresentado em 7 de agosto de 1998 em plenária cujo tema era "Violência Intrafamiliar".
3 Um movimento contratransferencial ocorreu antes do meu primeiro contato com Davi. Ao telefone sua mãe me informou que o filho era psicótico e havia interrompido uma análise de quatro anos. Durante a entrevista com os pais, a mãe descreve Davi como inteligente, agressivo, e estava no momento isolado na escola, apenas com a professora. O pai considerava Davi intratável, cogitando sua internação. Na noite anterior à primeira entrevista com o garoto sonhei que o conduzia até a sala, me assustava com sua agressividade, saindo da sala e trancando-o pelo lado de fora. Imediatamente penso no perigo que ele corria, sozinho, num lugar com tesoura, que ele poderia machucar-se. Entro novamente na sala. Acordo. Estava com medo. No horário da entrevista encontro um menino descabelado (de fato seu cabelo precisava de um corte), lendo revistinha. Chamo, ele não me olha e segue na frente. Entrando na sala me diz: "Você tem cabelos pretos!", um contraste com sua mãe. Pergunto se isso era bom ou ruim. Davi responde rápido: "Bom". Numa próxima entrevista com os pais, a mãe relata a boa relação que a criança tinha com a professora, alguém empenhada, interessada, que promovia o crescimento cognitivo do menino. Perguntei qual era a cor do cabelo e ela me diz: "- Preto". Davi já havia me dito, logo no primeiro encontro, que seria possível trabalharmos juntos.

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