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Revista Brasileira de Psicanálise

versión impresa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.48 no.3 São Paulo set. 2014

 

ARTIGOS TEMÁTICOS: NARCISISMO

 

Narcisismo, o senso comum e a alheidade: fundamentos de uma ética psicanalítica

 

Narcissism, common sense and otherness: the foundations of a psychoanalytic ethics

 

Narcisismo, el sentido común y la ajenidad: fundamentos de una ética desde el psicoanálisis

 

 

Rodolfo Moguillansky

Médico, psiquiatra, psicanalista. Reitor do Instituto Universitario de Salud Mental (Iusam) da Associação Psicanalítica de Buenos Aires (APdeBA)

Correspondência

 

 


RESUMO

Este texto propõe uma contribuição acerca dos “fundamentos da ética a partir da psicanálise”, expondo que este tema implica, numa perspectiva psicanalítica, pensar como concebemos o narcisismo, suas vicissitudes e os avatares pelos quais transitamos para conceber os outros. Para isso, explora primeiro, com base em distintas perspectivas, a questão do outro e da outridade, para a seguir expor, do ponto de vista do autor, como a psicanálise propõe que se chegue a conceber um outro a partir de um Eu que, a princípio, supõe-se a si mesmo como autossuficiente.

Palavras-chave: narcisismo; ética; outridade; outro.


ABSTRACT

This paper proposes a contribution to the “foundations of ethics from the point of view of psychoanalysis”, exposing that this theme implies, from a psychoanalytic perspective, a reflection on how we conceive narcissism, its vicissitudes and the avatars through which we transit in order to conceive others. To do this, the issue of the other and otherness is first explored through distinct perspectives, in order to, next, expose how, from the author's point of view, psychoanalysis proposes the conception of the other from an I who, initially, supposes himself to be self-sufficient.

Keywords: narcissism; ethics; otherness; other.


RESUMEN

Este texto propone una contribución sobre los “fundamentos de la ética desde el psicoanálisis”, exponiendo que este tema implica, a partir de una perspectiva psicoanalítica, pensar como concebimos el narcisismo, sus vicisitudes y los avatares por los que transitamos para concebir a los otros. Para eso, primero explora, a partir de distintas perspectivas, el tema del otro y de la otredad, para a continuación exponer, del punto de vista del autor, como el psicoanálisis propone que se llegue a concebir a un otro a partir de un Yo que, inicialmente, se supone a sí mismo como autosuficiente.

Palabras clave: narcisismo; ética; otredad; otro.


 

 

Querido Umberto Eco:

Eis aqui a pergunta que, como já antecipei na última carta, tinha intenção de lhe fazer. Refere-se ao fundamento último da ética para um leigo, no quadro da pós-modernidade. Quer dizer, mais concretamente: em que baseia a certeza e a imperatividade de sua ação moral aquele que, para cimentar o caráter absoluto de uma ética, pretende não se remeter a princípios metafísicos ou, em todo caso, a valores transcendentes e tampouco a imperativos categóricos universalmente válidos?
Carlo Maria Martini, bispo de Milão

Querido Carlo Maria Martini:

A dimensão ética começa quando entram em jogo os outros. Qualquer lei, seja ela moral ou jurídica, sempre regula relações interpessoais, incluindo as que se estabelecem com quem as impõe.
[...] os outros estão em nós. Mas não se trata de uma vaga inclinação sentimental e sim de uma condição básica. Como até as ciências humanas mais leigas nos ensinam, são os outros, em seu olhar, o que nos define e nos conforma. Não somos capazes de compreender quem somos sem o olhar e a resposta dos outros.
Umberto Eco

Neste texto, quero dar uma contribuição sobre os “fundamentos da ética psicanalítica” propondo que, pelo menos de um ponto de vista psicanalítico, esse tema implica o modo como entendemos o narcisismo, suas vicissitudes e os avatares pelos quais transitamos para conceber os outros em nosso modo de pensar.

Para isso, considerarei primeiro a questão do outro e da outridade, para em seguida expor como, em minha opinião, a psicanálise propõe que chegamos a conceber um outro a partir de um Eu que, nos seus inícios, supõe a si mesmo autossuficiente.

 

A questão do outro e da outridade

Para explorar essa questão, parto do que Umberto Eco responde a Carlo Martini no parágrafo que reproduzo na epígrafe:

A dimensão ética começa quando entram em jogo os outros. Qualquer lei, seja ela moral ou jurídica, sempre regula relações interpessoais, incluindo as que se estabelecem com quem as impõe. [...] os outros estão em nós. Mas não se trata de uma vaga inclinação sentimental e sim de uma condição básica. Como até as ciências humanas mais leigas nos ensinam, são os outros, em seu olhar, o que nos define e nos conforma. Não somos capazes de compreender quem somos sem o olhar e a resposta dos outros. (Eco & Martini, 1996/1998)

 

Quando e como entram em jogo os outros em nossa concepção do mundo?

Embora eu concorde que não somos capazes de compreender quem somos sem o olhar e a resposta dos demais, impõe-se a pergunta: quando e como entram em jogo os outros em como pensamos, em como concebemos o mundo? Sabemos que não é fácil incorporar a categoria do outro em nosso pensar.

Embora no século XX e início do XXI, por meio de complexos movimentos emancipatórios, um maior lugar na sociedade tenha sido dado às mulheres, aos negros, à diversidade sexual e a outras minorias, não deixaram de existir preconceitos e exclusão dos “diferentes”. A história da humanidade - em particular, para me referir a algo mais próximo, a história do Ocidente - mostrou amplamente que foi muito difícil dar lugar às pessoas e aos seus modos de pensar quando estes entram em desacordo com o establishment dominante. Sem necessidade de me remeter a toda a história da humanidade, posso nomear, a título de exemplo: os horrores ocorridos na Inquisição; como, logo que Lorenzo de Médici estabeleceu no século XV em Florença um clima favorável ao que viria a se chamar Renascimento, houve uma violenta reação a esse ar fresco e, sob a liderança de Savonarola, organizaram-se as fogueiras das vaidades ou queimas das vaidades, nas quais os florentinos eram convidados a atirar seus objetos de luxo, cosméticos e livros considerados licenciosos, como os de Giovanni Boccaccio - sabe-se que, nesse “movimento purificador”, Botticelli, filho mimado dos Médici, atirou à fogueira telas pintadas por ele; ou como, em consequência do fato de Martinho Lutero pregar suas 95 teses na porta da igreja do Palácio de Wittenberg, em 1517, com um convite a debatê-las abertamente, surgiram diferenças que não se solucionaram com um debate, mas, ao contrário, fizeram emergir cruéis conflitos militares, como a Guerra dos Trinta Anos; só em 1648, na civilizada Europa pós-Paz de Westfália,1 foi possível pôr fim à violência e às guerras religiosas que surgiram com a Reforma; a religião deixou de ser esgrimida como casus belli quando, com esses tratados, pôs-se fim à visão espanhola e do Sacro Império de uma universitas Christiana, uma concepção que não dava lugar ao que estava fora dela, uma forma de “pensamento único”; contudo, como prova da dificuldade de abrir espaço para o diferente, e apesar das disposições estabelecidas na Paz de Westfália para dar lugar a uma convivência com as diferenças religiosas, na prática, a intransigência obrigou aqueles que não adotavam as crenças do governante a se exilar.

Sabemos das barbáries que foram e continuam sendo cometidas em nome de diferenças religiosas, para preservar a pureza da raça, para levar adiante limpezas étnicas, para civilizar. Entretanto, ainda estão frescos em nós os horrores da Segunda Guerra Mundial, e temos de convir que a última metade do século XX e o começo do XXI tampouco nos pouparam de horrores.

Faz parte da história ocidental que uma Weltanschauung etnocêntrica justificou a escravidão e o colonialismo - este último concebido inclusive como uma cruzada civilizatória.

Esse tipo de visão condicionou o modo de conceber o outro e também nossos saberes; teve consequências nos “civilizados”, nesses “outros a civilizar” e na maneira que no “ilustrado mundo civilizado” se produziu o conhecimento. Para dar um toque de cor a este último aspecto, recorro a Lévi-Strauss, que diz, em Antropologia estrutural ii:

Se a sociedade está na antropologia, a antropologia, ela própria, está na sociedade: pois a antropologia pôde ampliar progressivamente seu objeto de estudo, até abarcar nele a totalidade das sociedades humanas; entretanto, ela surgiu num período tardio de sua história, e num pequeno setor da Terra habitada. E mais ainda, as circunstâncias de seu aparecimento têm um sentido, somente compreensível quando recolocado no quadro de um desenvolvimento social e econômico particular: adivinha-se então que elas são acompanhadas de uma tomada de consciência - quase um remorso - do fato de ter a humanidade podido, durante tanto tempo, permanecer alienada de si mesma; e, sobretudo, do fato de que esta fração da humanidade que produziu a antropologia seja a mesma que fez, de tantos outros homens, um objeto de execração e de desprezo. Sequela do colonialismo, diz-se, às vezes, de nossas investigações. As duas coisas estão certamente ligadas, mas nada seria mais falso do que tomar a antropologia como o último avatar do espírito colonial: uma ideologia vergonhosa, que lhe ofereceria uma possibilidade de sobrevivência.

O que chamamos de Renascimento foi, para o colonialismo e para a antropologia, um verdadeiro nascimento. Entre um e outro, defrontados desde a sua origem comum, um diálogo equívoco se estabeleceu por quatro séculos. Se o colonialismo não tivesse existido, o impulso da antropologia teria sido menos tardio; mas, talvez, também a antropologia não tivesse sido incitada, como se tornou o seu papel, a questionar o homem integralmente em cada um de seus exemplos particulares. Nossa ciência chegou à maturidade no dia em que o homem ocidental começou a compreender que não se compreenderia jamais enquanto, na face da terra, uma única raça ou um único povo fosse tratado por ele como um objeto. Somente então a antropologia pôde afirmar-se pelo que é: uma empresa, que renova e expia o Renascimento, para estender o humanismo à medida da humanidade. (Lévi-Strauss, 1974/1987, p. 39)

Reproduzi essa citação, talvez excessivamente longa, para pôr em evidência como a incorporação do mundo presumidamente não civilizado à categoria do humano - como reivindica Lévi-Strauss, para que a antropologia alcance sua maturidade - não foi e não é uma tarefa fácil.

Essa preocupação de como tratar as diferenças tem uma extensa história. É clássica, nesse tema, a pergunta de Montesquieu (1771/1987a) em Cartas persas: “Somos como pensamos que somos? Ou somos como os outros nos veem e definem?”. Montesquieu, por meio de uma sátira inteligente, abre nesta obra uma reflexão sobre as dificuldades na condição humana para conceber o distinto. Em nosso campo, Piera Aulagnier retoma o escrito de Montesquieu em seu texto “Como é possível não ser persa?” (1969/1994) para explorar o difícil caminho que têm os diferentes, os estrangeiros.

 

O que é outridade e o que é um outro?

Antes de entrar nessa distinção, tenho de dizer que, assim como Kaës (1989),2 entendo que, ao se instituir, cada conjunto humano unifica os que o integram e, ao mesmo tempo, expulsa o que não participa desse sentimento de comunidade.

Temos diferentes versões da outridade. Propus em diversos textos chamar de outridade o que é expulso pelo conjunto. Com outridade, refiro-me ao rejeitado, ao insultado pelo conjunto, “o que não deve ser ou até o que não é!”, esse outro - a rigor, deveríamos dizer essa outridade, que não é parte do instituído pelo conjunto (Moguillansky, 2003, 2004; Moguillansky & Szpilka, 2009; Moguillansky & Nussbaum, 2011/2013-2014).

Para seguir avançando no tema, tenho de dizer que, para mim, é importante a distinção entre outridade e estar com outro. Uma consequência dessa delimitação é que os sujeitos que são parte dessa outridade são tratados pelos incluídos no conjunto não como outros sujeitos, mas como seres que estão fora do mundo.

Vale a pena esclarecer que “o que é o mundo” é algo definido pelo instituído, pelo conjunto. Para esse mundo, aos que são parte dessa outridade, não são dados, em certas oportunidades, por parte do instituído pelo conjunto, direitos de, em sua diferença, ter igual existência que o resto, podendo até ser desprezados enquanto imundos. Há ocasiões, inclusive, em que se aspira a que eles sejam tidos, pelo conjunto, como inexistentes, e quando não se consegue desconsiderar sua existência e a outridade penetra no que é julgado como mundano por esse mundo, surgem sentimentos de estranheza naqueles sujeitos que são considerados mundanos.3

Gostaria que não se perdesse de vista que o considerado pelo instituído como outridade é um elemento imprescindível na demarcação feita pelo conjunto acerca do que lhe pertence e do que não lhe pertence.

Para fundamentar essas definições operacionais que estou fazendo sobre outridade e estar com outro, apoio-me em alguns textos escritos por autores que se ocuparam dessa questão a partir da literatura de “gênero”. Um dos méritos dessa literatura é insistir sobre esse lugar de outridade que a mulher tem ocupado numa sociedade dominada por valores falocêntricos. A partir desse lugar de outridade, que do ponto de vista desses autores - os que se ocupam do “gênero” - foi dado à mulher, vou expor outras significações que a outridade adota.

Esses autores propõem que as relações patriarcais de poder são simbolizadas por meio da relação binária fálico/castrado, na qual, geralmente, os homens assumem o papel ativo do sujeito que olha, enquanto as mulheres, que são olhadas, são objetos passivos; assim se explica, sob esse ponto de vista, a tradição dominante dentro da estética do nu feminino.

Entre esses autores, destaca-se Laura Mulvey (1975, 1989), que tentou fundamentar o poder e os privilégios normativos do “olhar masculino” nos sistemas dominantes de representação. De acordo com Mulvey, a construção visual do nu feminino pode ser entendida, mais do que como uma representação do desejo (hétero)sexual, como uma forma de objetivação que articula a hegemonia e a dominação masculina na própria operação de representação.

Para essa autora, a imagem, em especial a cinematográfica, é repleta de cenas egocêntricas de fantasias falocêntricas, nas quais os artistas homens pintam uma mulher nua, construindo uma imagem-espelho do que o sujeito masculino quer ver.

Segundo Mulvey, a lógica fetichista da representação mimética, que torna presente para o sujeito o que está ausente no real, pode ser caracterizada como uma fantasia masculina de dominação e como o controle dos “objetos” representados e pintados no campo visual: a fantasia de um olho/eu onipotente que vê, mas nunca é visto.

Outra contribuição interessante dos autores de “gênero” é a de Richard Dyer (1982), em sua análise do pinup masculino,4 ao sugerir que, quando os sujeitos masculinos assumem a posição de serem olhados, o risco ou a ameaça que sentem pela posição passiva em que a cena os põe - “feminilizada” para as definições tradicionais da masculinidade - é compensada pela habitual assunção por parte deles de um papel que prescreve - por meio de certos códigos e convenções sociais - como deve ser um homem, por exemplo, alguém com uma postura corporal tensa, rígida.

Também foi muito sugestiva, para compreender como se concebe a outridade, a proposição de Homi Bhabha (1983): “um traço importante do discurso colonial é que ele depende do conceito de 'fixidez' na construção ideológica da outridade”. Assim, descreve que os estereótipos dos homens negros difundidos pelos meios de comunicação de massa (como criminosos, atletas, artistas) reinscrevem a lógica da fantasia colonial, só permitindo que os sujeitos masculinos negros se tornem publicamente visíveis por meio de uma rede de representações rígida e limitada, que reproduz certas ideias fixas, ficções ideológicas e fixações psíquicas referentes à “diferença” personificada pela masculinidade negra.

Outra contribuição que foi muito ilustrativa para penetrar na questão da outridade é a de Stuart Hall (1981). Esse ensaísta destacou a ruptura do “olho imperial” ao sugerir que, para cada imagem do sujeito negro como um selvagem, nativo ou escravo meliante e ameaçador, há uma imagem reconfortante do negro como servente dócil ou divertido palhaço e festeiro. Ao comentar essa bifurcação nas representações raciais, Hall descreve-a como

expressão da nostalgia de uma inocência para sempre perdida pelos civilizados, assim como a ameaça de que a civilização se veja invadida ou minada pela recorrência do selvagismo, que sempre está à espreita, logo abaixo da superfície; ou por uma sexualidade não educada que ameaça “sair do nosso controle”.

No campo artístico, uma variante interessante sobre esse tema é a que propõe Mapplethorpe, um artista imprescindível para tentar compreender a questão da outridade, entendida a outridade como um outro denegrido. Na obra fotográfica de Mapplethorpe, tanto o sujeito como o objeto do olhar são masculinos, propondo uma tensão entre a função ativa de olhar e a função passiva de ser olhado.

Em Mapplethorpe, vemos como, ante a igualdade (homo)sexual, a diferença sexual se transforma em uma diferença dada pela fantasia de dominação. Assim, Mapplethorpe passa da diferença de gênero à diferença racial, que tem como elemento visível a fetichização da pele negra. Nessa linha, de modo muito inteligente, fabrica uma fantasia de autoridade “absoluta” sobre seus sujeitos ao se apropriar da função do estereótipo para estabilizar a objetivação erótica da outridade racial. A ênfase fantasmática na dominação é evidente no efeito de isolamento que propõe ao fotografar um homem negro sozinho. Ao fazê-lo, arma uma objetivação erótica da outridade, propõe uma imagem com um só sujeito de modo a promover uma fantasia voyeurista. Esse efeito é captado com precisão em sua emblemática obra O homem de terno de poliéster [Man in polyester suit]. Recordemos, para quem não a tem em mente, que nela Mapplethorpe fotografa um homem negro vestindo um terno de poliéster, cortando a imagem desse homem na altura dos ombros, não deixando que se veja seu rosto. Centra a fotografia desse homem de pele negra na braguilha da calça aberta, mostrando um enorme pênis. O enfoque central no pênis negro que surge da braguilha aberta afirma esse mito racial tão fixo do imaginário masculino branco: todo homem negro tem um pênis grande. A escala da foto põe em primeiro plano o tamanho do pênis negro, que, dessa maneira, significa uma ameaça - não a ameaça da diferença racial enquanto tal, mas o temor de que esse outro seja sexualmente mais potente que seu amo branco.

Como outro aporte, lembremos nossas leituras sessentistas e como Franz Fanon (1970) encontrou, na qualidade de objeto fóbico, o grande pinto negro, um “objeto mau”, um ponto fixo nas fantasias paranoides do negrófobo. Encontrava esse “objeto mau” tanto nas patologias de seus pacientes psiquiátricos brancos quanto nas representações e nos artefatos culturais normalizados de sua época. Naqueles tempos, bem como agora, diante dessa foto “já não se tem consciência do negro, só de um pênis; o negro fica eclipsado. Virou um pênis. É um pênis” (Fanon, 1970, p. 120).

A ponta do pênis brilha, como o “brilho no nariz”, que era o fetiche sexual do paciente de Freud; o brilho desse objeto emblemático da fantasia sexual-racial de Mapplethorpe o torna mais visível. Nesse sentido, simplesmente recupera o que é comum e corrente: onde quer que apareçam corpos negros nus nas representações, estão saturados de suor, já molhados de sexo.

Para dar carne à definição de outridade, reproduzo um parágrafo do romance O desejo, de Hugo Claus (1978/1993), em que este notável escritor belga descreve-a cruamente no que ocorre no bar Unicórnio, o bar do vilarejo onde transcorre seu romance:

De toda forma, no Unicórnio nos dávamos bem com todo mundo. Às vezes temos nossas brigas, e há quem, em segredo, cobririamos de pancada se pudéssemos, mas ainda assim nos damos bem. Alguém tem de ser um verdadeiro merda para não ser aceito em nossas mesas. Me refiro aos frequentadores habituais, claro. Quem entra sem se anunciar, se não o conhecemos, pode contar com nosso desprezo total e incondicional. Quem não joga, não existe para nós. (Claus, 1978/1993)

No interior de um vínculo, distingo outridade - os visitantes não habituais do bar Unicórnio do Desejo de Claus -, seres com que não se dialoga, ou que são estigmatizados no diálogo, do que chamo estar com outro. Digo que estou e dialogo com outro se penso esse outro como outro sujeito. Este, eu trato e penso tão existente quanto eu, e nessa existência reconheço sua absoluta diversidade em relação a mim.

 

Ama ao próximo como a ti mesmo! Ama ao próximo como a ti mesmo? Amamos os outros? Amamos os outros quando são outros?

Sartre não é muito otimista sobre esse tema. Depois de Huis clos [Entre quatro paredes], tornou-se parte de nossos lugares-comuns a frase que Sartre faz Garcin dizer: “O inferno são os demais, são os outros” (1944/s.d., p. 35).5 Para Jean-Paul Sartre, o olhar do outro é o inferno; impede ser, embora só ele permita que nos manifestemos de algum modo no mundo. Nessa obra, Sartre critica a sociedade que vive preocupada com os julgamentos externos. Uma sociedade em que os humanos têm medo de se mostrar e encontram como saída um mundo de aparências. Desse modo, ocultam o ser que, então, se expressa por meio do parecer, mas vazio de sentido. O horror ao vazio impõe uma máscara - é o inferno de ser o que se supõe que, para o outro, importa que eu seja.

 

Como a psicanálise propõe que chegamos a conceber um outro a partir de um Eu que, nos seus inícios, supõe a si mesmo como autossuficiente?

Como fundamentamos nossos juízos éticos?

Depois de Kant ter enunciado a noção de imperativo categórico, em Fundamentação da metafísica dos costumes (1785/1996), para definir um mandato autônomo e autossuficiente capaz de reger o comportamento humano em todas as suas manifestações, esse termo se tornou uma noção imprescindível para indicar o fundamento de nossos juízos éticos.

Em A metafísica dos costumes, Kant (1797/1994) define o imperativo categórico: “Atua de tal forma que a máxima da tua conduta possa ser sempre um princípio de Lei natural e universal”.

Como a psicanálise concebe o surgimento do imperativo categórico?

A psicanálise propôs uma complexíssima relação entre a sexualidade e os enunciados de fundamento da cultura; construiu hipóteses inovadoras para explicar o complicado ajuste que se dá nesse cruzamento em que se instituem, se estabelecem, os singulares eixos axiológicos em cada ser humano.

Freud, depois de dar à luz um novo modo de conceber a sexualidade humana em “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1905/1978), introduz em “Totem e tabu” (1913/1986f), e de forma mais acabada em “O Eu e o Isso” (1923/1984b), a ideia segundo a qual, da elaboração e do recalque da sexualidade - que dá origem ao inconsciente recalcado -, partem as colunas que sustentam as fundações do edifício em que advêm os paradigmas éticos singulares de cada ser humano. O imperativo categórico que vigora em cada indivíduo tem origem e encontra suas bases, segundo a psicanálise, na elaboração e no recalcamento que cada um faz de sua sexualidade infantil.

Para Freud, o imperativo categórico não surge de um acordo racional, como sugeriam o iluminismo e a ilustração,6 nem é um bem outorgado por Deus - não nos é dado por meio do sacramento batismal, mediante o qual adquiriríamos a distinção entre o bem e o mal; institui-se, na verdade, como produto da elaboração e do recalcamento do complexo de Édipo; é, literalmente, seu herdeiro (1923/1984b).

Um elemento central de nossa compreensão é que, para a psicanálise, a ordem instituída por esse imperativo, além de não ser um “dom natural”, por estar fundamentada no recalcamento da sexualidade, não garante a “exata concordância entre a felicidade e a moralidade” que Kant propunha; a cultura e os valores que a sustentam serão sempre, pelo nosso olhar, fonte de mal-estar (Freud, 1930[1929]/1986b).

Nessa elaboração, o surgimento e o processamento do narcisismo nos humanos têm um papel central.

Por que o narcisismo?

Renunciei antes de nascer, não é possível outra coisa, mas era preciso que isso nascesse, foi ele, eu estava dentro, é assim como o vejo, foi ele quem gritou, quem viu a luz do dia, eu não gritei, não vi a luz do dia, é impossível que tenha uma voz, é impossível que tenha pensamentos, e falo e penso, faço o impossível, não é possível outra coisa, é ele quem viveu mal, por minha causa, vai se matar, por minha causa, vou narrar isso, vou narrar sua morte, o fim de sua vida e sua morte, à medida que suceda, no presente, só sua morte não seria suficiente, não me bastaria, se tem estertores é ele quem os terá, eu não terei estertores, é ele quem morrerá, eu não morrerei. Samuel Beckett

Samuel Beckett descreve, no texto da epígrafe, melhor que muitos escritos psicanalíticos, noções pressupostas na nossa concepção do narcisismo e da rivalidade com o outro do ponto de vista da psicanálise ou, ao menos, na tradição freudiana.

Vemos nessa epígrafe como Beckett assinala - de modo similar a como havia feito com Estragon e Vladimir, quando esperam um Godot que nunca chega - o drama humano, drama marcado pelo anseio de um último sentido que jamais se alcança, e a ameaça que é um outro que não nos permite conceber a nós mesmos como uma totalidade; nunca atingimos o sentimento de unidade e plenitude, ainda que sempre o busquemos; do ponto de vista da psicanálise, diríamos que todo sujeito, a despeito de si próprio, é um sujeito dividido que não se resigna a sê-lo. Esse sentimento de plenitude e unidade é o que supomos que o Eu acreditou ter ao se instituir como tal, anseio que persiste naquele que, desde Lagache, chamamos Eu ideal (Idealich). Nesse desejado sentimento de plenitude não há outros.

Como surge em Freud a ideia de narcisismo e a ideia de que o Eu em sua origem é autossuficiente?

A história das ideias em nossa disciplina mostra o esforço que se fez para explicar o trânsito de uma primeira estruturação narcisista, em que o Eu concebe a si mesmo como autossuficiente, para um Eu insuficiente, que então admite a existência de “um objeto” diferente dele, do qual necessita.

A noção de narcisismo e a concepção de que o Eu em sua origem é autossuficiente surgem porque Freud (1910/1986e), ao tentar compreender Leonardo, percebe que este escolhe como objeto amoroso alguém similar a ele e que, nessa busca, identifica-se com o modo como sua mãe o amou. Isso leva Freud a concluir que o Eu é um objeto amoroso. Soma-se a isso que, quando descreve o repúdio (Verwerfung) que Schreber faz (Freud, 1911[1910]/1986d), concebe-o como algo distinto do desinvestimento da representação pré-consciente que o neurótico realiza (Verdrängung). Segundo Freud, ao repudiar, Schreber desinvestiu não só as representações pré-conscientes que tem acerca de si e do mundo que o rodeia mas também desinvestiu as representações inconscientes que tem - resultando nos fenômenos de vivência de fim do mundo - e, então, essa libido investe o Eu. O Eu, como consequência do sobreinvestimento, agiganta-se, e essa inflação culmina na megalomania, o Eu perde seus limites, perde o que caracteriza o Eu, a capacidade de limitar. O Eu, em sua tentativa de restituir-se, constrói um delírio megalomaníaco. É uma tentativa de restituir aquele mundo que, na psicose, foi destituído.

Freud pensa que um investimento do Eu como aquele que vê produzir-se na psicose não é uma singularidade de Schreber, mas sim uma regressão a um estado anterior. Em consequência desse raciocínio, Freud propõe a existência de um estágio do desenvolvimento em que o Eu tenha sido um objeto investido amorosamente. Este investimento corresponde à sua emergência como instância. A partir disto, Freud postula a noção de “narcisismo”. Para Freud, não existe um Eu inicial - o Eu se constitui.

Não percamos de vista que, embora a introdução da noção de narcisismo solucionasse uma série de inconvenientes que a clínica propunha, apareciam novos problemas que não eram solucionados em “Introdução ao narcisismo” (Freud, 1914/1984d) - um deles, a oposição entre libido narcisista e libido objetal.

“Pulsões e destinos da pulsão” (Freud, 1915/1984e) é outro texto imprescindível para compreender como Freud entende o narcisismo, especialmente como pensa a sequência sobre como se constitui, como se estrutura, este Eu libidinal e como ele evolui.

A sequência que Freud propõe para a constituição do Eu (em “Pulsões e destinos da pulsão”) é: um primeiro Eu, Eu realidade original. A rigor não se trata estritamente do Eu; corresponde ao Eu de funções, é o Eu de funções corporais que permite a discriminação entre o dentro e o fora, mesmo quando não se haja constituído uma imagem de si mesmo. Este Eu permite uma discriminação entre o dentro e o fora mediante um sistema reflexo: é fora tudo aquilo de que posso me afastar e é dentro aquilo de que não posso me afastar. Freud propõe que a discriminação que se tinha conseguido com o Eu realidade original se perde quando se constitui o Eu como uma totalidade: o Eu prazer purificado. A rigor, este é o primeiro Eu como instância. Essa primeira totalidade do Eu inclui a suposição - por parte do Eu - de que não existe outra coisa além desse Eu.

No entanto, a impossibilidade de sustentar um Eu autossuficiente precipita a existência de um mundo exterior a ele, mas este fora é concebido a partir da teoria da universalidade fálica.

O que implica a teoria da universalidade fálica?

A teoria da universalidade fálica é um dos aportes mais fascinantes que a psicanálise fez. Com ela emerge no pensar humano um outro, mas um outro igual a mim.

Alguns dos pressupostos contidos na teoria da universalidade fálica são os seguintes:

♦ é uma primeira transformação da teoria narcisista que diz “Eu sou tudo, não há no mundo nada que não seja eu” - um enunciado que, se pudesse ser dito, poderia dizê-lo o Eu prazer purificado, ou o Eu na vivência de fim do mundo, no seguinte enunciado: “Embora eu não seja tudo, não há ninguém diferente de mim”;

♦ as crenças fundamentadas nesta teoria admitem outra versão que diz: “Ninguém tem algo que eu não tenha”. A persistência desta convicção condiciona o pensamento e a percepção. Sua força é tal que, a partir dela, acomodam-se as ideias e as percepções, supondo que algo falta nas meninas ou pode eventualmente faltar nos meninos;

♦ esta teoria pressupõe, então - na medida em que todos somos iguais, “todos temos pênis” -, uma não diferenciação sexual anatômica entre meninos e meninas;

♦ a cosmovisão dada pela teoria da universalidade fálica persiste na criança por meio das teorias sexuais infantis;

♦ a epistemologia fundamentada em teorias sexuais infantis, que asseveram a analogia de todas as pessoas, costuma seguir vigente em nossa forma de pensar;

♦ sustenta então um pensamento sobre como estaria organizado o mundo, baseado na suposição de que “todos os sujeitos são iguais”.

Em consequência, a universalidade fálica é uma primeira saída de “Eu sou tudo”, uma espécie de substituto: “Embora eu não seja tudo, não há ninguém que tenha algo que eu não tenha”.

O narcisismo, então, está no coração das bases epistemológicas da universalidade fálica, e esta, a universalidade fálica, está na base das chamadas teorias sexuais infantis. Estas são as teorias que tentam suturar as falhas deste tipo de cosmovisão. Essas suposições, coaguladas em crenças, formam as bases epistemológicas com as que começamos a pensar.

Por que cai a teoria da universalidade fálica e que consequências tem sua queda?

Freud (1923/1984b), ao articular o complexo de castração com o complexo de Édipo, nos mostra como e por que cai a teoria da universalidade fálica, permitindo então que surja a concepção da diferença fálico/castrado.

Conceber o complexo de Édipo foi uma conquista teórica que permitiu dar bases sólidas para explicar barreiras, rejeições, regras e leis que regem nosso mundo interno, e ao mesmo tempo elucidar tanto as futuras escolhas amorosas dos humanos como seu lugar dentro da cultura, sendo isto possível apenas se existe interdição do incesto. Esta cultura que torna operável o complexo de Édipo, condição de possibilidade da humanização de uma pessoa, tem que ter em seu seio regras instituídas pela fratria, núcleo duro da organização social (Freud, 1913/1986f).

Como supomos, a partir da psicanálise, que se constitua o vínculo com o outro, o laço social?

A psicanálise, por meio do fraterno, modela a relação com o outro no espaço social. A psicanálise começou a pensar, de início, o problema do fraterno em “Totem e tabu” (Freud, 1913/1986f). Nessa primeira aproximação, ressaltava-se sua relação com o conflito edípico. Recordemos que nesse texto destacava-se, na conformação da fratria, a sequência entre o parricídio, a proibição do incesto e o posterior laço social. Seguindo esta linha, a constituição dos laços fraternos, que sob este ponto de vista teriam sua origem no mítico assassinato do pai, era o passo necessário para a passagem da natureza à cultura, da horda à ordem social.7

Freud cunha o termo “complexo fraterno” no contexto do 50.° aniversário de Sándor Ferenczi (Freud, 1923/1984a). Fala explicitamente de Ferenczi, descrevendo-o assim:

filho do meio de uma numerosa série de irmãos, teve que lutar em seu interior com um forte complexo fraterno; sob a influência da psicanálise, converteu-se em um impecável irmão mais velho, um benevolente educador e promotor de jovens talentos. (p. 288)

No entanto, os comentaristas costumam concordar que foi Lacan, em A famílía (1938/1979), quem estabeleceu como “noção teórica” a expressão “complexo fraterno”. Sua concepção tinha como ponto de partida postular que o destino, antes de qualquer conflito, coloca os humanos frente ao impacto da aparição de um semelhante capaz de ocupar um mesmo lugar na série que foi dada ao sujeito, seja como herdeiro e/ou usurpador. O irmão, enquanto semelhante, desperta um interesse que não deveria confundir-se com amor; ao contrário, ao figurar-se como ciúme, suscita, segundo o autor, uma agressão primordial - para exemplificá-lo, utilizava um mordaz comentário de Santo Agostinho a respeito do olhar envenenado que costuma ter um menino ao observar sua mãe amamentando seu irmãozinho.

Brusset (1987) realizou uma interessante e ampla pesquisa sobre o tema, enfatizando o caráter narcisista e a intensa ambivalência dos vínculos fraternos. Em sua ótica, o fraterno, em sua máxima expressão, manifesta-se na fidelidade a qualquer custo, a fidelidade até o fim aos objetos e às leis do “espaço familiar”.

Essa fidelidade a qualquer custo outorga à fraternidade um valor tanático, explicando, assim, a necessidade da fuga para a formação de novos grupos sociais nos quais a rivalidade inevitavelmente reaparecerá.

Essa ideia me pareceu muito interessante, e ressaltaria o seguinte: o caráter endogâ-mico do vínculo fraterno e como ele pode ser motor da constituição de vínculos exogâmicos.

Postula Brusset (1987), em outro trecho de seu extenso trabalho, que as coalizões entre os irmãos estão, certas vezes, a serviço da fantasia de “salvar os pais” e, em outras oportunidades, da de “salvar-se dos pais”.

Baranger (1991) sugeriu que o complexo do semelhante (Freud, 1950[1895]/1986c) tem dois aspectos que não se superpõem em sua origem: um é o que auxilia e previne do desamparo; o outro é a imagem especular que permite ao sujeito perceber-se como totalidade. Propõe que este último, este duplo especular, este gêmeo, é o ponto de partida do fraterno. Em consequência, o irmão seria um semelhante demasiadamente semelhante e, ao mesmo tempo, a primeira aparição do estranho. Seguindo na mesma direção, Kancyper (1995) afirma que “o complexo fraterno encontra-se determinado em cada sujeito [...] pela presença de uma fantasmática que provém do interjogo que se estabelece a partir da dinâmica narcisista entre os distintos tipos de duplo em interação, independentemente da dinâmica edípica”, ressaltando-se a relativa autonomia do conflito gerado pelo complexo fraterno.

Outro elemento definidor da clínica do fraterno é a dificuldade que os indivíduos costumam demonstrar em pertencer a uma série aberta, uma série a que se possam adicionar novos membros (Moguillansky & Seiguer, 1996). Cada membro da fratria frequentemente aspira a fechá-la, tentando ser um único, o último filho (Lechartier-Atlan, 2001).

O laço social, de acordo com a psicanálise, contém em suas entranhas o vínculo fraterno, que tem como pano de fundo a proscrição do desejo incestuoso. Deduz-se do anterior que, de um ponto de vista psicanalítico, o laço social se sustenta sobre uma igualdade desejante interditada, levando o selo da frustração libidinal do desejo incestuoso (Freud, 1913/1986f; Moguillansky & Vorchheimer, 1998/2001).

Compreendemos o sentimento de união social - de acordo com o que nossa disciplina pode contribuir para a sua elucidação - como produto da interdição do incesto, um corte que o constitui e o mantém, guardando, então, estreita relação com os pais, nutrindo-se da proibição a eles dirigida.

A ética que fundamenta o laço social - que leva em seu seio os fundamentos da fratria - não é o resultado de um acordo generoso; no melhor dos casos, o pertencimento à fratria surge da elaboração do ciúme ante o casal parental, um arranjo narcisista que tenta desmentir o conflito entre pares. Deste ponto de vista, o sentimento do “comum” não está isento de conflito, ainda que sempre apareça como um ideal a ser alcançado uma absoluta isenção de conflitos (Moguillansky, 2003). A “materialidade” pulsional da fratria, fundamento do laço social, é constituída pela libido homossexual sublimada; por essa razão, diz-se que é um vínculo dessexualizado, desapaixonado em si mesmo, que guarda uma estrutura obsessivizada.

À luz do que foi dito, o complexo fraterno se mostra muito mais importante que um simples conjunto fantasmático. Nessa linha, concordo com Kancyper (1995) quando opina que o complexo fraterno

tem sua própria envergadura estrutural, relacionada fundamentalmente com a dinâmica narcisista e paradoxal do duplo em suas variadas formas: imortal, ideal, bissexual e especular. Estes tipos de duplo, que mudam de signo e flutuam entre o maravilhoso e o assustador, podem manifestar-se no campo da clínica por meio das relações com os pares e ressignificar-se nos filhos e no casal. No nível social, costumam “fazer-se ouvir” de um modo tormentoso e tumultuoso na “dinâmica do narcisismo das pequenas diferenças”. (Kancyper, 1995)

Também concordo com Kancyper (1995) sobre a ideia de que, na forma completa do complexo de Édipo, articulam-se fantasias de imortalidade, perfeição, bissexualidade e especularidade inerentes à dinâmica da estrutura narcisista, já que resulta da combinação que se encontra em diferentes graus da forma chamada positiva - tal como se apresenta na história de Édipo Rei (desejo da morte do rival e desejo sexual para com o personagem do sexo oposto) - e de sua forma negativa (amor em relação ao progenitor do mesmo sexo e ódio e ciúme do progenitor do sexo oposto).

O duplo imortal, especular, bissexual e ideal, em seu duplo efeito de idealização e de sinistro, configura então fantasias fratricidas, fantasias de gemelaridade, complementaridade, confraternidade, excomungação etc.

Por que o pertencimento ao conjunto? O que implica pertencer?

Dentro das relações de confraternidade, agregaria ao anterior um campo em que adquire importância o complexo fraterno: o sentimento de pertencimento a um conjunto dado. Deveríamos admitir que o sentimento de pertencimento (pertinência) é um sentimento com que a teoria psicanalítica está em dívida.

Sugiro que o vínculo fraterno seja um terreno propício para elucidá-lo, ao menos parcialmente, já que ocupa um lugar central para modelar as relações sociais entre pares. Costumamos nos definir como irmãos enquanto cidadãos de um mesmo país, de uma mesma instituição, de uma mesma família etc. Boa parte de nossa inclusão no conjunto “somos como irmãos” explica-se e sustenta-se com esta premissa.

O sentimento de confraternidade está implícito nas instituições que constroem os indivíduos; estes dizem ter tal sentimento em relação ao grupo ou instituição a que pertencem. Os indivíduos instituem “um conjunto” que é instituinte das pessoas que o instituíram. Por isso, estes pertencimentos são fonte de subjetividade.

Dentro do conjunto instituído, costuma-se ocultar, por urgências narcisistas, o conflito entre as exigências do indivíduo e as dadas por seu pertencimento ao conjunto. O sentimento de pertencimento - vivido como ser parte de uma mesma fratria - faz-se presente no saber popular do seguinte modo: se pertencemos ao mesmo, somos o mesmo, temos os mesmos interesses, desejamos o mesmo, temos uma ideia similar sobre “o bem comum”, o que denuncia ao menos uma raiz narcisista de tal sentimento. Recordemos que o mandamento bíblico é ainda mais exigente, nos pede que amemos o próximo mais que a nós mesmos, e a ordem social certas vezes costuma aumentar a aposta quando prescreve a pretensão de que não guardemos sentimentos hostis dentro do conjunto. Mas esse ódio que deveria ser desterrado do fraterno reaparece várias vezes. A união é reclamada, senão como sublime, ao menos como vantajosa. Em outros momentos, essa mansidão nas relações sociais só é concebível como a única saída possível e filha da fragilidade. E até da mão de Borges chega-se a pensar que não é o amor, mas o espanto, o substrato da união.

Por que o senso comum?

O fraterno costuma criar um “senso comum”,8 uma racionalidade que resiste à mudança que acarreta um valor identificante; o conjunto institui sentidos. A fratria, como formadora do conjunto, dá conta das relações entre o sujeito e o grupo, entre o instituído e o instituinte.

Proponho que a ideia de “pensamento único” (Moguillansky, 2003, 2004) seja uma boa pista para ampliar nossa compreensão sobre o fenômeno narcisista em sua articulação com fenômenos sociais. Está implícita nos fundamentos do pensamento único a suposta sabedoria do “senso comum”.

O “senso comum”, mais que um saber, costuma ser uma série de “lugares-comuns” que instituem um modo de pensar em comum, uma cosmovisão (uma Weltanschauung) que soluciona de maneira unitária todos os problemas de nossa existência a partir de uma única hipótese. Supõe-se pelo senso comum que todos pensamos de modo semelhante, que subjaz em nosso modo de pensar uma lógica uniforme, o que implica que todos raciocinamos de modo semelhante.

Convenhamos que é necessário um esforço para perceber que, em nossa vida relacional, só estabelecemos um consenso sobre um modo de denotar e conotar, e que isto não quer dizer que sintamos igual ou que pensemos igual. Entretanto, mediante o senso comum, deslizamos de um a outro modo de pensar, já que ele contém a tentadora vantagem de nos fazer sentir mais seguros na vida - sabemos o que devemos procurar, como devemos colocar nossos afetos e interesses da maneira mais apropriada.

Que relação há entre o pensamento único e a teoria da universalidade fálica?

Não é simples, por esta perspectiva, fazer tremer - no sentido que dá a “tremer” Kierkegaard, em Temor e tremor (1843/2004) - a aspiração unificante, a aspiração a ser parte do “Um”.

A cosmovisão baseada no “Um”, fundamento da completude narcisista, persiste no menino por meio da “teoria da universalidade fálica”, uma das teorias sexuais infantis que oferece sustentação à epistemologia com que pensa uma criança - que sustenta a igualdade de todos os humanos; em outras palavras, não há outro ser diferente de mim. É a partir desta epistemologia que construímos e vemos o mundo em nossos primeiros anos de vida, e sabemos - a clínica psicanalítica assim nos ensina - que não apenas ela determina as coordenadas com que refletimos na infância como frequentemente, na vida adulta, continuamos pensando a partir desses eixos.

O que costuma criar um mundo compartilhado entre sujeitos é precisamente a fantasia de ter uma fantasia em comum.9 Esta fantasia construída em comum, embora fantástica, não é menos eficaz em seus efeitos.

Também faz parte dessa cosmovisão, destinada ao pensamento único, a crença sem discussão nos “enunciados de fundamento” da sociedade à qual nos encaminhamos. Nós nos culturalizamos mediante esta incorporação acrítica dos valores, proscrições e prescrições vigentes nessa cultura que nos acolhe; é o preço que temos que pagar para ter um lugar dentro dela.

 

Como se concebe e como se diferencia a conquista de poder pensar a autonomia do objeto e a noção de alheidade10 do outro?

O que concebemos como autonomia do objeto?

A perspectiva kleiniana e pós-kleiniana propôs que os objetos, como frutos da elaboração da posição depressiva, podem ser considerados como autônomos, com possibilidades de serem perdidos, danificados etc. Esta conquista, a autonomia do objeto, é algo que o sujeito realiza basicamente em seu mundo interno. Para esta perspectiva, é possível manter uma relação intersubjetiva quando se respeita a autonomia do outro, o que inclui a capacidade de admitir que este esteja presente ou ausente, capacidade que implica a aceitação de que esse objeto esteja com terceiros.

Quando não se tolera a autonomia - ou porque a ausência, adjudicada à relação com um terceiro, produz ciúmes intoleráveis, ou porque a presença do objeto e suas qualidades geram rivalidade ou inveja insuportável -, anula-se, para esta perspectiva, a relação intersubjetiva.

Ainda que esta perspectiva seja muito explicativa, a meu ver ela não dá conta da alhei-dade do outro.

 

Como concebemos a alheidade do outro?

Para pensar a alheidade do outro, necessitamos de uma teoria que inclua esse outro, uma teoria sobre o vínculo. Esse outro, no contexto de um vínculo, implica não só considerar o sentimento que se tem acerca do que sentimos ante sua presença ou ausência mas também o que nos faz sentir o incompartilhável do outro, o inassimilável do outro dentro do sistema significante. Este incompartilhável, inassimilável, é o resultado do limite que o outro coloca à imagem que, a partir da relação de objeto, antecipo dele. Não temos acesso sensorial ao incompartilhável do outro; usando um modelo perceptual, o alheio do outro está no lugar que poderia ser observado através do ponto cego. Carecemos de possibilidades sensoriais de aceder a ele; somos, nesse sentido, cegos ante o alheio, não o vemos. Como podemos ver o que não vemos? Heinz von Foerster (1984) diz que o que não vemos só pode “ver-se através dos olhos dos demais”. Sobre isto, só nos pode informar o outro, para que ele tenha existência. É o outro, com sua presença, que outorga condições de possibilidade de conceder cidadania ao alheio, seja como significável (ou passível de alcançar significação), seja como um espaço que, ainda que inacessível pelo conhecimento, se conceba como existente, que se conceba sua alteridade.

Para conceber essa alteridade, faz falta uma elaboração que implica o outro, uma elaboração que tem de conter e modular a violência que se gera frente ao inicialmente destituído de significação, permitindo uma atitude perplexa que torne factível suportar a realidade inatingível do outro - realidade que, eventualmente, poderá tornar-se pensável (Moguillansky, 1999). A semantização que se pode obter desta alheidade é sempre parcial, o que Kaës (1989) chama “negatividade relativa”. Certamente, permanece sempre um resto de impossível significação - algo do outro nos é inacessível -, ao que Kaës dá o nome de “negatividade radical”. Vejamos de onde sucedem estes fenômenos: a autonomia do objeto dá conta de fenômenos que têm sede na mente de um indivíduo; no entanto, o sentimento de alteridade só pode ser concebido na relação com um outro.

O que implica aceitar regras universais?
Posso conceber como bom o que é bom para outro e não é bom para mim?

É parte do folclore judaico que, ante alguma nova norma, um judeu faça a seguinte pergunta: “E isso é bom ou mau para os judeus?”. É sabido que essa pergunta encontra sua razão de ser em sujeitos que estavam prevenidos ante uma sociedade que não lhes havia concedido igualdade em relação aos outros membros da comunidade, na trágica história de normas que tinham por fim marginalizá-los, discriminá-los. No entanto, sem abandonar a perspectiva anterior, podemos admitir que, diante de novas disposições, independentemente de sermos judeus ou não, é difícil considerar - baseados em que “a melhor caridade começa em casa” - que essa norma ou essa lei que se sanciona - que dita o que é bom e o que é mau com caráter universal - seja boa, ainda que conjunturalmente não nos convenha ou nos prejudique.

Por que o mal-estar na cultura?

É condição de uma ética incluir outro diferente de mim, admitir normas universais, embora elas não nos convenham ou nos prejudiquem. Quanto toleramos normas universais? Não é um tema menor admitir restrições, proibições, que não atendam de modo imediato a nossos desejos. Admiti-las em nosso pensamento é condição de possibilidade para conceber a alteridade.

Freud nos mostrou, de modo exemplar, em “O mal-estar na cultura” (1930[1929]/1986b) a recusa que costumamos apresentar frente às imposições que nos faz a cultura. Sirva como exemplo trivial o mau humor que costumamos expressar, se estamos apressados, ante um semáforo ou uma barreira que nos impede a passagem e a dificuldade de admitir que é um limite para nosso próprio cuidado.

Podemos dar hospitalidade a quem concebemos como outro?
Podemos assumir uma ética em que a alteridade tenha carta de cidadania?

Freud não é muito otimista a respeito deste ponto. Ele nos fala repetidamente da hostilidade que desperta o nascimento de um irmão (1900/1984c; 1909/1986a).

Lacan (1948/2005), seguindo essa linha, afirma que a completude imaginária, própria da identificação especular, sustenta uma lógica de exclusão que diz “Onde você existe, eu não existo, nunca ambos”. A aparição do outro engendra a agressividade mais radical. A agressividade, para Lacan, é a tendência correlativa de um modo de identificação narcisista que determina a estrutura formal do Eu do homem; a agressividade é então, para Lacan, não um fim da pulsão, mas uma propriedade da libido narcisista. Desse modo, o correlato do enamoramento é a agressividade. Se o outro nos completa, produz-se o enamoramento; se ocorre o contrário, desperta-nos agressividade.

Derrida, um autor essencial para esse tema, propõe em seu ensaio sobre A hospitalidade (Derrida & Dufourmantelle, 1997/2000) que a outridade - em minha definição, o outro - resiste ao intento de ser englobada ou identificada com uma totalidade, porque o outro se apresenta sob uma relação de assimetria, revelando que toda busca da simetria é uma tentativa de neutralização dessa alteridade inicial. A assimetria é a condição própria da estrangeiridade, uma assimetria impossível de ser ignorada. O outro é anterior a mim e me interpela desde sempre. No entanto, esse outro, estrangeiro a mim, me institui.

Lévinas, em Totalidade e infinito (1997), discute como a responsabilidade perante o outro tem suas raízes dentro de nossa construção subjetiva. Explica como o Eu se constrói de acordo com o que o Eu vê e crê conhecer do outro. Para Lévinas, a subjetividade é primordialmente ética, a responsabilidade se origina no trato com o outro. Enquanto ocorre a interação entre os dois sujeitos, seu encontro dá origem a um nós, já que os dois se concebem como sujeitos e também concebem um ente externo que regula seu encontro. Desse modo, Lévinas interpreta a maneira com que cada encontro com um outro conforma um coletivo e uma ideia de cada outro e o Eu. Para a filosofia de Lévinas, o Eu é a soma de todos os encontros que tenha.

O acolhimento da alteridade - e, mais ainda, como condição de todo Eu - é descrito por Lévinas (1993) como uma instância que ultrapassa toda possibilidade de tematização, abrindo o Eu a partir da ideia de infinito e rompendo com sua possibilidade de totalidade. Lévinas, ao postular uma alteridade não redutível ao mesmo, opõe-se à tese de Hegel de incluir o outro a partir de uma negatividade palpável - sintetizável -, dialetizável em uma totalidade. Nessa linha, vemos a irredutibilidade do outro a uma negatividade, o transbordamento da ontologia que se apresenta na inapreensibilidade do outro - isso é o que constitui a hospitalidade para Lévinas. A hospitalidade é, pois, a situação de entrar em contato com um outro não tematizável, que exige uma responsabilidade. A hospitalidade ao outro - o sim ao outro - é a afirmação de uma alteridade que me precede e com a qual me encontro desde sempre em uma situação de dívida não pagável, mesmo que a negue ou queira capturá-la em um horizonte intersubjetivo.

Nesse sentido, eu terminaria propondo que dar hospitalidade ao outro implica que, com sua presença, possamos suspender a agressividade que nos provoca enquanto outro. Não tentemos englobá-lo em uma totalidade, renunciemos a conhecê-lo em sua totalidade. Esse outro é um outro que rompe com nossa própria possibilidade de nos concebermos como uma totalidade. Implica tolerar a inapreensibilidade que temos desse outro que se apresenta em uma relação de assimetria e admitir que toda busca de simetria é uma tentativa de neutralizar sua alteridade.

Podemos estar com esse outro, encontrar-nos com esse outro, se admitirmos que não o conhecemos e que ele não nos conhece, e que nesse desencontro, enquanto somos dois desconhecidos, temos confiança de que queremos entender-nos, ainda que não nos conheçamos. Esse encontro no desencontro (Moguillansky & Seiguer, 1996; Moguillansky & Nussbaum, 2011/2013-2014) é um estado que temos chamado “estado vincular”, um encontro em que podemos tolerar as alteridades mútuas. Esse estado não se estabiliza e devemos uma e outra vez, através da confiança, reencontrá-lo.

 

Epílogo

Neste texto tentei tratar da dificuldade de se conceber um outro, outro que é fundamento de nossa ética e dos avatares que, a partir de uma perspectiva freudiana, temos que atravessar e elaborar, para conquistar.

 

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von Foerster, H. (1984). Visión y conocimiento: disfunciones de segundo orden. In D. F. Schnitman et al., Nuevos paradigmas, cultura y subjetividad. Buenos Aires: Paidos.         [ Links ]

 

 

Correspondência:
Tradução Gabriel Hirschhorn
Rodolfo Moguillansky
Barrientos, 1566, 10º, C
1111 Buenos Aires, Argentina
moguilla@gmail.com

Recebido em 21.07.2014
Aceito em 4.08.2014

 

 

1 A Paz de Westfália refere-se aos dois tratados de paz de Osnabrück e Münster, assinados em 15 de maio e 24 de outubro de 1648, na região da Westfália, pelos quais se encerraram a Guerra dos Trinta Anos na Alemanha e a Guerra dos Oitenta Anos entre Espanha e Países Baixos.
2 René Kaës (1989) estudou isso a fundo por meio do “pacto denegativo”, em especial na “negatividade por obrigação”. Dentro dela, ocupa um lugar especialíssimo o expulso pelo grupo ao se instituir, que passa a constituir o que ele chama de “espaços-lixeira”. Esse é o lugar, o do expulso, onde se aloja o que sugeri chamar de outridade.
3 Para mais detalhes, cf. Moguillansky (2003, 2004).
4 É denominada pinup uma fotografia ou outro tipo de ilustração em atitude sugestiva, sensual.
5 Reproduzo a seguir o momento de Huis clos em que aparece a fala de Garcin
INÊS: Sempre. (garcin abandona estelle e dá alguns passos pelo cômodo. Aproxima-se da estátua.)
GARCIN: A estátua... (Acaricia-a.) Enfim! É agora. A estátua está aí; eu a contemplo e agora compreendo perfeitamente que estou no inferno. Digo a vocês que tudo, tudo estava previsto. Haviam previsto que em um momento... este... eu me colocaria junto à chaminé e que poria minha mão sobre a estátua, com todos esses olhares sobre mim... Todos esses olhares que me devoram... (Volta-se bruscamente.) Como! Vocês são só duas? Pensei que fossem muitas mais. (Ri.) Então isto é que é o inferno? Nunca teria acreditado... Não se lembram? O enxofre, a fogueira, as grelhas. Que besteira tudo isso. Para que as grelhas? O inferno são os demais, são os outros.
6 A ilustração e o iluminismo, por meio dos escritos de Montesquieu (1735/1987b) e Rousseau (1762/1998), supunham que na ágora poder-se-ia alcançar, mediante o diálogo, um contrato social que asseguraria uma ordem, um universo de valores em que prevaleceria a razão. Jean-Jacques Rousseau, homem essencial do iluminismo, postulava em O contrato social que se podia “encontrar uma forma de associação que defenda e proteja com a força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedeça a si mesmo e permaneça tão livre como antes” (p. 34). Essa forma fundada no “contrato social” não implica, segundo Rousseau, nenhuma renúncia ao que o homem é naturalmente. Rousseau dizia que ela substitui “em sua conduta o instinto pela justiça e [dá] a suas ações a moralidade de que antes careciam” (p. 38). Destaquei em itálico o naturalmente porque é uma peça essencial nesse modo de pensar.
7 A passagem da pluralidade dos indivíduos isolados ao agrupamento é possibilitada pelo pacto dos irmãos associados - a fratria - no assassinato do Pai originário da horda, pacto que, mediante a culpa, instala a dupla interdição do incesto e do animal totêmico erigido em memória do ancestral.
8 Cada organização vincular cria um discurso apoiado nos ideais originários - os “enunciados de fundamento” (Aulagnier, 1975/1977) - que toma a forma de crenças indiscutíveis compartilhadas pelos integrantes dessa organização.
9 Para mais detalhes acerca desta definição do conjunto, “O que cria um mundo compartilhado entre sujeitos é precisamente compartilhar a fantasia - a crença na existência dessa fantasia - de ter uma fantasia em comum”, cf. Moguillansky & Nussbaum (2011/2013-2014).
10 O termo ajenidad, traduzido por “alheidade”, refere-se mais ao outro do que ao alheio ou estranho. (N.E.)

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