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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.50 no.3 São Paulo jul./set. 2016

 

EM PAUTA

 

Desconcerto tríplice para clínica, técnica e teoria na análise com crianças

 

Triple disconcertment for practice, technique, and theory in child psychoanalysis

 

Desconcierto triple para clínica, técnica y teoría en el análisis con niños

 

 

Ester Hadassa Sandler

Membro efetivo e analista didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP)

Correspondência

 

 


RESUMO

Neste artigo, tomo a palavra desconcerto em diferentes acepções de modo a discutir: as emoções que são evocadas no analista por alguns acontecimentos inusitados no trabalho com crianças; o desencontro que pode ocorrer entre a realidade dessa clínica e alguns cânones teórico-técnicos; algumas características dos processos implicados na função analítica do analista.

Palavras-chave: análise com crianças; desconcerto; desconcerto; teoria da técnica; função analítica.


ABSTRACT

In this article, I take the word disconcertment in its different connotations so as to discuss: the emotions aroused in the analyst by unusual occurrences during the work with children; the mismatch that can happen between the reality of these clinical experiences and some theoretical-technical canons; and some aspects of the processes involved in the analytical function of the analyst.

Keywords: child psychoanalysis; disconcertment; disconcertment; theory of technique; analytical function.


RESUMEN

En este artículo utilizo la palabra desconcierto en diferentes acepciones con el fin de discutir: las emociones que algunos acontecimientos inusitados en el trabajo con niños despiertan en el analista; el desajuste que puede producirse entre la realidad de esa clínica y algunos cánones teórico-técnicos; algunas características de los procesos implicados en la función analítica del analista.

Palabras clave: análisis con niños; desajuste; desconcierto; teoría de la técnica; función analítica.


 

 

Abertura

Considero o desconcerto do analista em diferentes acepções a fim de desenvolver três áreas de reflexão que lhes são correspondentes. Utilizo a palavra desconcerto para denominar estados de confusão, desorientação e perplexidade com que às vezes reagimos a imprevistos e situações inusitadas, bastante frequentes na análise com crianças. Essas vivências, transitórias e passíveis de elaboração, informam e integram o trabalho analítico; quando mais prolongadas e perturbadoras, podem evoluir para impasses, atuações ou enactments, situações mais críticas que podem ou não ser revertidas a favor do prosseguimento da análise. Desconcerto também se refere a experiências emocionais de desconexão e ruptura, confusão, descompasso ou antagonismo que acontecem na intersecção e articulação entre a clínica e a teoria, área que convencionamos chamar de teoria da técnica. Finalmente, para abordar e discutir um estado mental dinâmico que participa essencialmente da função analítica do analista, e sua importância, emprego a palavra hifenada, des-concerto.

As experiências que utilizo nestas reflexões emprestam à minha escrita um tom bastante pessoal, testemunhal mesmo, pois derivam de mais de quarenta anos de trabalho analítico com crianças, adolescentes e adultos, anos que foram vividos em sua maior parte e quase que exclusivamente em estreita conexão com a instituição psicanalítica a que pertenço desde o início de minha formação. A história dessa instituição, seu legado epistemológico e inevitáveis vieses fazem parte da construção de minha identidade psicanalítica (E. H. Sandler, 2012).

O material clínico que selecionei para ilustrar momentos de maior desafio e seus desenlaces provém de diversos momentos de meu trabalho com crianças, excluindo, por razões que vou apresentar adiante, todo material relativo a crianças que ainda estou atendendo. Como a pauta sugerida pelos editores da Revista Brasileira de Psicanálise enfatiza a experiência clínica, deixei em segundo plano discussões teóricas mais extensas. Não fiz uma revisão bibliográfica sobre o assunto. As referências que menciono surgiram espontânea e incidentalmente, pois são textos com os quais tenho intimidade. Incluí artigos de minha autoria em que desenvolvi assuntos correlatos, pois indicam ao leitor os pontos de origem e sustentação de meu pensamento.

 

Primeiro movimento - Subito improvviso: comigo, aqui e agora

Desde que comecei a trabalhar com crianças não me faltaram momentos desafiadores, situações para as quais não estava preparada e só pude improvisar: crianças que se recusaram a entrar na sala - às vezes, por meses a fio; crianças que, quando entravam, não queriam mais sair; algumas que ficaram mudas e imóveis por um longo tempo em que só me restou falar e brincar sozinha; outras com quem a turbulência foi tão intensa que, para sobreviver à tempestade e preservar alguma capacidade para pensar, precisei proteger minha cabeça concretamente.

Crianças precisaram da minha ajuda para poder usar o banheiro; nessa situação, algum nível de contato físico foi inevitável. Não foram poucas as interessantes conversas que tive nesse contexto de respeitosa intimidade, especialmente quando as urgências e demandas do corpo despertavam angústia e desvelavam um sem-número de fantasias.

Houve aquelas que chegavam muito antes das sessões; elas se ressentiam do tempo passado na sala de espera, vivido como atraso e desatenção de minha parte. Outras chegavam nos minutos finais de uma sessão ou no dia errado; compreensivelmente, sentiam-se frustradas e desertadas por mim. Afinal, crianças são sempre trazidas à análise por alguém que formalmente é adulto, responsável por elas e cuja presença no setting analítico, favorecendo-o ou não, sempre se faz sentir (E. H. Sandler, 2001b). A situação de intimidade, privacidade e confidencialidade que caracteriza o trabalho analítico mobiliza também nos pais e irmãos fantasias e emoções poderosas.

Percebo que me refiro a essas experiências como se elas pertencessem ao passado, mas isso não é verdade. Elas continuaram e continuam acontecendo; talvez eu as receba agora com menor espanto e maior boa vontade, pelo tanto que já me ensinaram e continuam a me ensinar.

Andrea, uma menina de 11 anos e meio de idade, já púbere e bastante desenvolvida fisicamente, chega à sessão extremamente agitada; fala sozinha em vários tons de voz e gesticula incessantemente, como se afastasse insetos ao seu redor. Em seguida, dá início a um quebra-quebra na sala: joga com violência a caixa de brinquedos ao chão, a mesa e as cadeiras são tombadas e viradas de pernas para o ar. Usa a tampa da caixa para quebrar a lâmpada do teto. Puxa os próprios cabelos e morde o próprio braço até sangrar, mas em nenhum momento tenta me agredir. Senta-se no peitoril da janela e passa a esmurrar o vidro com o punho. Consegue quebrá-lo e, espantosamente, não se machuca. Bastante pressionada e tomada por um sentimento de urgência, digo que a vejo muito assustada e que o jeito que ela tem de me contar isso é me assustando também, para ver se consigo entendê-la e ficar com ela mesmo assim. Ainda hoje, penso que o que falei para Andrea era verdade; no entanto, carecia de convicção e sinceridade, pois eu estava cansada, desanimada e receosa de não conseguir limitar a violência e suas consequências. Enquanto estou pensando se vale a pena continuar essa análise, Andrea abre a porta da sala e escapole, correndo pelo quintal da casa; sobe e desce as escadas que levam a um terraço, debruça-se na mureta e grita, assustada e provocativa.

Levo essa sessão a um seminário clínico, em que ouço do coordenador uma sugestão singela: que eu diga para Andrea que ela pode continuar fazendo tudo isso, desde que seja de faz de conta. Um tanto incrédula e sem nada a perder, na primeira oportunidade faço exatamente isso. Andrea está sentada junto à janela, punho a alguns centímetros do vidro recém-consertado. Dessa vez, eu não faço nenhuma referência às suas intenções, sentimentos e, principalmente, a mim. Apenas lhe proponho a alternativa de expressão. Ela me ouve surpresa e durante segundos afasta o punho do vidro, mantendo-o ainda em riste, olhar febril, lábios trêmulos. E agora? Percebo que é necessário fazer alguma coisa. Sem desviar o meu olhar do dela, pego na caixa de brinquedos o que está mais à mão: é uma bolinha. Jogo-a suavemente em sua direção. Andrea pega a bola, lambuza-a de cuspe, morde-a com força e a joga com força em mim; recua apressada, protegendo o rosto com a mão, assustada e babando. Eu devolvo a bola ainda com mais cuidado. Com uma expressão exagerada de nojo, ela apanha a bola e a joga, agora para mim e com menos força. Recua. Enquanto jogamos, falo que estamos brincando de queimada - ela faz que sim com a cabeça; digo que ela não quer o cuspe e a mordida de volta. Ela ri e balbucia: "Cuspe, cuspe, que gozado." Coloco a bolinha sob a roupa de um dos fantoches e desperto a sua curiosidade. Ela se aproxima e toca a barriga do fantoche, espia por baixo da roupa dele. Diz que é o bebê da Wilma, nome de sua mãe. O jogo se repete, com mínimas variações; nossas sessões também, com dramatizações rudimentares e conversas comedidas.

Vez por outra, Andrea expressa seu amor e desejos por mim querendo me abraçar e me beijar. Perambulamos pela sala de mãos dadas, e ela me puxa para que eu deite no chão junto a ela, como o pai e a mãe fazem quando namoram. Novamente, aceita que isso aconteça no faz de conta, usando bonecos e fantoches, contando histórias. Falamos pouco, pouco interpreto. Atuações esporádicas e de menor impacto acontecem - nada mais foi quebrado. Ao longo dos seis anos em que estivemos juntas, Andrea, diagnosticada como esquizofrênica desde os 5 anos de idade, parece ter alcançado ganhos e modificações expressivos em sua vida, informados espontânea e entusiasmadamente pela coordenadora da escola em que estuda. Desde os 12 anos, ela tem o corpo de uma mulher feita, alta e forte, a sexualidade muito aflorada, em que habita uma mente tumultuada e pouco desenvolvida. É comum aparecer nas sessões com hematomas, marcas vermelhas de dedos em seus braços e outros ferimentos bastante aparentes: um braço engessado, curativos e ataduras, pontos na testa, coisas sobre as quais ela nunca fala. Fico comovida quando, aos 16 anos, em uma conversa que nunca esqueci, ela me diz: "Eu sei que consigo deixar a Wilma e o Reinaldo loucos; aí eles gritam muito e batem em mim." A ausência mais recente de marcas e hematomas sugere que agora, às vezes, ela percebe que tem escolha. Um ano depois, com a mudança de meu consultório para um bairro vizinho, os pais interrompem a análise. Nunca mais soube dela. Como terá sido a sua vida? Como ela estaria agora, aos quase 50 anos de idade? Estaria viva?

A criança estabelece uma parceria analítica ágil e vigorosa. Na relação com o analista, a experiência é vivida e compartilhada, seja no jogo, seja no brincar, seja na atuação - em geral, um pouco de tudo. Crianças que voltaram a me procurar muitos anos depois, já adultas, referem a importância dessa experiência em suas vidas, ainda que não tenham recordações claras do que fazíamos.

O diálogo analítico se dá a partir da experiência que evolve na sala, no aqui e agora com o analista; disso extrai a sua convicção. A linguagem empregada tem importância secundária, tantas são as maneiras com que uma criança, mesmo muito pequena, consegue se comunicar. Considerando a minha comunicação, passei muitos anos interpretando sistematicamente o que observava na transferência, usando a linguagem anatômica dos objetos parciais. Pensava que, se eu não o fizesse, estaria cometendo um pecado, estaria "apenas brincando".

Ao longo do tempo, tive de repensar a interpretação, o ato psicanalítico por excelência, tantos eram os gritos e ouvidos tapados quando a atmosfera da brincadeira, o sonho-a-dois eram interrompidos para que eu desse uma interpretação. Um dia, um menino de 5 anos me alertou: "Ester, eu gosto muito de vir aqui brincar com você, mas não entendo o que você fala. Se você continuar falando essas bobagens, vou ter que contar para minha mãe."

As crianças são mesmo muito zelosas da privacidade do encontro e têm uma compreensão espontânea, intuitiva e imediata da natureza do espaço e da relação analíticos. Na análise com crianças, o playground da transferência de que nos fala Freud (1914/1ç69b, p. 201) é um playground mesmo; o uso da relação com o analista é intenso, quaisquer que sejam os meios utilizados.

Quinze anos depois de testemunhar Andrea quebrando vidros com o punho, no decorrer de outra experiência sofrida e desafiadora, pude esclarecer para mim mesma quais eram os aspectos essenciais e invariantes do trabalho analítico que eu vinha realizando com crianças: a disponibilidade pessoal total para viver as situações que se apresentavam, buscando manter a serenidade e o vértice analítico mesmo quando apoiada apenas em um setting interno (E. H. Sandler, 1996, 2001b, 2002); a partir desse vértice, no âmago da relação analítica, tentar resgatar, reparar ou até mesmo implantar a função-a (Bion, 1962), de modo a transformar e conferir pensabilidade a emoções e protoemoções primitivas, rudimentares e violentas (E. H. Sandler, 2015).

Passei a falar menos e com mais critério. Às vezes, de acordo com a situação, considerei necessário, imprescindível mesmo, falar em seio, pênis e vagina, fezes e bebês. Foi a linguagem de consecução possível (Bion, 1970/2006), não para decodificar conteúdos inconscientes, mas para estabelecer pontes com certas fantasias e modular as emoções a elas vinculadas, oferecendo-lhes outros encaminhamentos que não os da cisão, projeção ou evacuação, ou de uma mortífera repressão; em suma, vias e alternativas para expressão simbólica e elaboração.

 

Segundo movimento - Cânone

É possível pensar a clínica sem teoria ou vice-versa? Quando, como e por que a relação entre ambas deixa de ser profícua (E. H. Sandler, 2001a)?

A área de intersecção e articulação entre a clínica e a teoria é aquela que reúne as contribuições sobre a teoria da técnica. Os artigos sobre técnica que Freud publicou dizem respeito muito mais ao substrato de funcionamento psíquico que orienta as atitudes e ações do analista do que à formalidade das ações em si mesmas. Freud enfatiza que as suas descrições devem ser tomadas com cautela, como recomendações:

Devo, contudo, tornar claro que o que estou asseverando é que esta técnica é a única apropriada à minha individualidade; não me arrisco a negar que um médico constituído de modo inteiramente diferente possa ver-se levado a adotar atitude diferente em relação a seus pacientes e à tarefa que se lhe apresenta. (1912/19693, p. 149)

Como, quando e por que recomendações oriundas da experiência se convertem em padrões rígidos de conduta, cânones (P. C. Sandler, 2000, p. 42)?

Aprendi boa parte dos recursos que utilizei nas situações antes descritas lendo as contribuições de Melanie Klein e, também, por intermédio de algumas experiências de supervisão muito proveitosas, como aquela que me permitiu prosseguir o trabalho com Andrea.

No primeiro capítulo do livro The psychoanalysis of children, intitulado "The psychological foundations of child analysis", Melanie Klein expõe detalhadamente os fundamentos e princípios do método inovador que usou para estabelecer a situação e o processo analíticos consistentes e coerentes com aqueles do adulto, destes diferindo apenas em "termos puramente técnicos, e não de princípios" (1932/1986b p. 15). No capítulo seguinte, "The technique of early analysis", Melanie Klein nos contempla com observações preciosas sobre o manejo e a compreensão dinâmica das situações inusitadas que ocorrem na análise com crianças (1932/1986c notas de rodapé, pp. 17, 18, 19, 26, 27 e 34).

Melanie Klein descreve com franqueza seus esforços para analisar a pequena Ruth, que não conseguia ficar sozinha na sala com ela. Faz tentativas de aproximação cuidadosas, levando em conta o sofrimento da menina e a intensidade dos seus ataques de ansiedade. Então, experimenta prosseguir o trabalho introduzindo na sala a meia-irmã de Ruth. A jovem adoece três semanas mais tarde e deixa de acompanhar Ruth às sessões. Melanie Klein pede autorização aos pais de Ruth para trabalhar com a menina sem a presença da irmã. Ao se ver na sala com Klein, Ruth tem um ataque de ansiedade, fica pálida e começa a chorar.

Enquanto isso, sentei à mesa de brinquedos e comecei a brincar por minha conta, descrevendo o tempo todo o que eu estava fazendo para a criança aterrorizada, que agora estava sentada em um canto. Seguindo uma súbita inspiração, tomei como tema do meu jogo o material que ela mesma tinha produzido na sessão anterior. (1932/1986c, p. 27)

Em determinado momento, Ruth para de chorar e entra na brincadeira; à medida que o jogo prossegue, a ansiedade e a palidez diminuem. O recurso de o analista tomar a iniciativa de brincar quando uma criança está inibida e paralisada por medo e ansiedade é discutido com mais detalhe à página 33 do mesmo capítulo. Muitas vezes me vali desse expediente.

Poderia me estender interminável e apaixonadamente sobre os relatos clínicos e o pensamento de Melanie Klein. Assim como Freud, ela distinguiu claramente princípios, fundamentos, situação e processo analíticos dos gestos e meios para estabelecê-los, que são contingenciais, circunstanciais e variáveis para cada dupla analítica, o como-fazer que chamamos de técnica e que eventualmente se converte em como-se-deve-fazer.

Por isso, tive experiências dolorosas de desconcerto quando descobri que essas preciosas contribuições podiam se converter em estereótipos (E. H. Sandler, 1992), granjeando para as contribuições de Melanie Klein os atributos de "fórmulas algo limitativas" e "paradigmas dos quais precisaríamos nos libertar", enfim, uma certa animosidade de que até mesmo pensadores e estudiosos criteriosos não ficaram isentos (E. H. Sandler, 1999).

À guisa de ilustração, descrevo resumidamente uma dessas experiências de supervisão, com um reputado analista da escola kleiniana. Eu depositara muitas esperanças nessa conversa, pois a criança em questão apresentava sofrimento psíquico intenso com repercussões importantes em seu desenvolvimento e vida de relações. Pouco brincava, pouco falava e atuava muito. A família interferia bastante, com faltas e atrasos frequentes, interrupções no pagamento dos meus honorários, comentários debochados sobre o trabalho, entre outras coisas. Talvez isso contribuísse para que o vínculo de Joana comigo e com a análise fosse marcadamente ambivalente.

Iniciei a supervisão contando que Joana, pequena e mirrada, costumava pegar algumas bolachas na copa do consultório, a meio caminho entre a sala de espera e a sala de análise. Ela saía correndo na minha frente, pegava os biscoitos e entrava na sala, onde, instalada em uma cadeira, comia um biscoito atrás do outro até que não restasse mais nenhum. Não consegui ir adiante e fui interrompida pelo supervisor com um comentário severo: "No, no cookies!", repetido várias vezes. Desconcertada, tentei prosseguir. Disse-lhe que Joana costumava propagandear as coisas extraordinárias que a família possuía e fazia. Ao mesmo tempo, destruía e depreciava as coisas que estavam disponíveis na sala, exceto os biscoitos que eram "adquiridos" por conta própria, percepção que me fez desistir de tirar o pote de biscoitos de suas vistas e, em vez disso, mantê-lo sempre abastecido. Insisti, apoiando-me em Winnicott, que a criança precisava criar o seio onde o seio estava.

"No, no cookies!", foi a resposta. Mesmo assim, continuei meu relato.

Na caixa de Joana só havia destroços de brinquedos. Os que não destruía, contrabandeava para casa. Eu identificava, na situação que se apresentava na análise, elementos da defesa maníaca mobilizada pelas angústias vivenciadas na relação com um objeto bom; a relação com Joana era muito instável e intensamente ambivalente, pois o objeto, para ser bom, tinha que ser extraordinariamente bom, o que fazia com que Joana se sentisse humilhada, impotente e insignificante perante qualquer experiência boa que tivesse comigo. Acompanhava como ela cindia e projetava os aspectos depreciados em mim, que eu aceitava para desempenhar o papel que ela me atribuía e introduzir um jogo de personificação (Klein, 1929/1986a), recurso que serve para modular a intensidade das identificações projetivas e permite que um ciclo de trocas e bonificação aconteça. Joana, porém, não percebia o jogo como jogo, ou não o tolerava. O objeto que via como frágil, eu, incitava mais desprezo e agressão, uma espécie de triunfo maníaco seguido de intensas ansiedades persecutórias. Minhas tentativas de falar qualquer coisa fora do papel também resultavam inúteis. Basicamente, essa era a situação dinâmica que eu desejava e esperava discutir com esse supervisor.

Conto que, naquela sessão, enquanto comia os biscoitos, Joana falara do restaurante a que fora com a família, um restaurante muito caro, ao qual só se chegava de barco. Depois sentenciou: "Você nunca vai conseguir ir lá." Pego uma folha de papel e faço um pequeno barco; coloco-o no tanque e enceno uma travessia em que eu fico de fora, excluída e invejosa. Joana fica muito interessada e passa o resto da sessão brincando alegremente no tanque. Quando um barco de papel se desmancha, ela me pede para fazer outro. Novamente, não consigo ir muito adiante no meu relato para o supervisor, que declara: "No boats! No boats!"

Nos minutos finais dessa supervisão, consegui conversar um pouco sobre a minha visão das angústias e defesas em jogo. O supervisor concordou que essa visão era pertinente, fez algumas perguntas sobre a família de Joana e despediu-se falando um tanto penalizado, mas de modo afetuoso: "Remember, no cookies, no boats"

Em 2006, vinte anos depois dessa desconcertante supervisão, apresentei o material que transcrevo a seguir, de forma resumida, em um seminário clínico com Stefano Bolognini.1

João tem 7 anos de idade e está em análise comigo há aproximadamente um ano. Seu irmão gêmeo, univitelino, apresenta um distúrbio global de desenvolvimento, diagnosticado em torno dos 3 anos e meio de idade como uma forma moderada de autismo.

O sofrimento emocional de João se manifestou de modo mais claro quando ele ingressou em uma escola tradicional, separando-se do irmão, que permaneceu na mesma escola especializada frequentada até então por ambos. Embora apto intelectualmente, o comportamento de João cria dificuldades de convívio e comunicação. Provoca em seus colegas de escola uma mistura de receio e estranheza; ninguém quer brincar com ele, todos fogem. Certamente, deve ser difícil entender que ele queira participar da brincadeira quando chuta a perna de outra criança para chamar a sua atenção ou para conseguir entrar na roda que se fechou, deixando-o do lado de fora. Fica perdido quando precisa comunicar um sentimento, um desejo, uma necessidade afetiva, parecendo que lhe falta a percepção de certos códigos - aspectos do senso comum - que facilitam a relação entre as pessoas. João segue quase que militarmente normas e regras de conduta.

A referência ao irmão gêmeo é a primeira comunicação, não verbal, que João faz ao nos conhecermos. Usa para isso dois dinossauros iguais, que coloca lado a lado. Na segunda entrevista, apesar de gaguejar muito e ter um fraseado esquisito, consegue me comunicar a angústia de estar deixando o lugar conhecido junto ao irmão, o desejo e o medo de se desenvolver, o receio do fracasso. Usa para isso dois minúsculos carneirinhos.

Ao fim dessa entrevista, quando pergunto se ele gostaria de voltar a me ver, ele diz que sim. Então, chega muito perto de mim e me olha nos olhos, demoradamente. João está resfriado, tosse. Quando vou falar algo para ele, tosse e cospe na minha cara, mirando minha boca aberta. Afasta-se um pouco e continua a me observar. Embora não sinta esse gesto como especialmente agressivo, fico incomodada e perplexa. Mas não me limpo. Digo que ele está investigando se quero mesmo estar com ele, se vou aguentar experimentar as coisas que sente.

No início da análise, João procurava comportar-se bem. Falava comigo de um modo formal e estereotipado, chamava-me de "doutora Ester". A fala de João pouco comunicava, ou melhor, comunicava confusão e estranheza. O mesmo para o brincar, bastante rudimentar, fragmentário. A gagueira acentuada era o sinal mais patente de sofrimento e ansiedade.

À medida que foi adquirindo confiança, João foi abandonando seu comportamento adequado. Mal entrado na sala já pergunta, queixoso, se eu trouxe algo para ele. Independentemente de haver ou não algo novo, ele choraminga, expressando frustração e mágoa, que é o que precisa expressar.

João brinca só e à sua maneira. Se eu tento entrar no jogo ou acrescentar algum sentido, ele me ignora ou responde do modo cortante que traz desespero à sua mãe e a quem lida com ele:

- Essa é a sua voz! É você que está falando. (Quando eu tentava personificar algum personagem.)

- Dinossauros não falam! (Em tom de desprezo.)

- Esse dinossauro é de brinquedo, ele não é vivo. (Explicando algo óbvio, que eu deveria saber.)

- Meu irmão não fala! (A mesma coisa, caso eu personifique ou me refira a seu irmão gêmeo.)

João mantém uma atividade contínua e de fundo, em segundo plano, interferindo na atenção disponível para o contato. Uma espécie de video game jogado pelo lado de dentro. Talvez, uma maneira de garantir um espaço seu em meio a uma realidade adversa e, também, controlar a intensidade do contato. Quando percebi isso, passei a limitar mais ainda minhas interferências; ele, por sua vez, quase parou de gaguejar.

Apesar disso, nunca me senti enfadada ou distraída durante as sessões. Percebi o quão aparentes eram a distância e o desligamento de João quando um dia, acompanhando suas andanças pela sala, fiquei tão absorta que bati o rosto na maçaneta de uma porta. Imediatamente, João, que parecia estar alheio à minha presença, interrompe o que faz e me olha demoradamente. Pergunta: "Que cara é essa, doutora Ester? Está doendo, você se machucou?" Eu digo que sim, está doendo um pouco, mas não foi nada sério. Ele, desconfiado, passa o dedo em meu rosto procurando sentir se há lágrimas. Ele está sempre de sentinela, perscrutando o que se passa a seu redor e as condições emocionais do objeto - no caso, eu.

Um dia João chega agitado, derruba a caixa, espalhando os brinquedos por todo o chão. Não percebo violência no gesto, mas uma comunicação: tudo aquilo era inútil, sem sentido. Começa a perambular de um lado para o outro, abre a torneira e deixa a água escorrer. Ao barulho da água, juntam-se seus soliloquios. Tento acompanhá-lo. Abre um pote de tinta, derrama-o sobre a pia, observa o fluxo algum tempo; depois mais um e ainda outro. O próprio pote então é lançado na privada e vai embora com a descarga. A atmosfera é de esvaziamento, desalento.

Percebo que ele está só por escolha (ou por falta dela?) e digo a ele que talvez precise ficar assim, sozinho, sabendo que eu estou com ele, acompanhando-o. Ele concorda: "Sim, pode me acompanhar.'" Ficamos um bom tempo andando às tontas. Procurando algo? Esperando algo? Acho que sim, pois subitamente ele olha para mim e contrai o rosto, forçando uma careta de tristeza e de choro. Depois de alguns segundos, algumas lágrimas escorrem de fato. Como em uma dublagem malfeita, há uma falta de sincronia entre o trejeito e a emoção.

Digo-lhe: "Você está triste?'" Ele responde: "Sim, estou triste! Ontem você me chamou de dinossauro. Eu não gostei, eu fiquei triste.'"

O protesto, cheio de mágoa, propicia uma curta conversa. Eu digo: "Desculpe, acho que te assustei com o que falei." Ele vai até a janela e fica olhando a rua através do vidro. Diz: "Está bem, eu te desculpo. Mas não faça isso outra vez.'"

Eu permaneço a seu lado e olho pela janela também. Ele parece melancólico, distraído. Passados alguns minutos, faz um comentário sobre um caminhão que parou e está impedindo o trânsito. Eu digo: "Estou vendo o caminhão de que você falou.'" Aos poucos, esse contemplar a rua vira um jogo, agora jogado a dois, no qual às vezes também aponto algo para ele ver. Ele está mais animado, e eu me pego pensando quanto tempo ele passa olhando pela janela de seu apartamento, esperando sua mãe chegar do trabalho, pois sempre reclama de como ela demora; penso no caminhão que impede o trânsito, na janela que ele fez questão de deixar aberta na jaula do irmão-dinossauro, na sessão anterior. Então ele me interpela, novamente triste e queixoso:

- Por que você não ficou aqui olhando para baixo, para aqueles três degraus brancos, do lado daquela placa, para me ver na hora que eu estava chegando? (João costuma dar descrições exatas e detalhadas.)

Fico um tanto confusa, pois percebo que aquilo que ele traz como queixa de algo que não fiz poderia ser uma proposta para o futuro, ou faria mais sentido se fosse assim. Isso se ele tivesse esperança. Será que tem?

Falo do pedido que ele está fazendo, que possamos trocar de lugar e que eu possa ficar esperando muito por ele, até ele chegar; e quando eu o visse subindo os três degraus brancos, eu ia ficar contente e aliviada, porque ele estava chegando. Ele concorda satisfeito.

No terço final de uma sessão, João esparrama no chão o conteúdo da caixa de Lego, diz que vai fazer o cavalo. Com isso, desmontam-se algumas das coisas que ele havia feito. Começa a falar com ansiedade crescente:

- Cadê a tromba do elefante? Não está aqui. E o bico do pato? Sumiu. E o presente do Papai Noel?...

Depois de ouvi-lo solicitar três ou quatro coisas ao mesmo tempo e nesse crescendo, percebi que eu também estava começando a me desesperar e quebrar a cabeça para fazer algum milagre. Penso se devo ou não falar, uma vez que João não tolera muito as minhas intervenções verbais. Mas como ultimamente ele tem conseguido sinalizar isso, gesticulando como se estivesse desligando um botão, arrisco. Começo a me lamentar, com um exagero dramático que eu mesma não previra: "E agora? Nunca mais vou conseguir achar a orelha do elefante..." Choramingo e reclamo: "Tenho que consertar o elefante, o pato e o Papai Noel e montar o cavalo, e não temos peças, e não quero desmontar nada!" João me olha espantado e diz: "Não se preocupe, Ester. Já achei a tromba do elefante. O que você acha de desmanchar o Papai Noel para montar o cavalo?" Eu digo: "Mas que boa ideia!"

A experiência nesse seminário foi notavelmente diferente de outras, não só pelo tratamento respeitoso ao meu modo de trabalhar, mas pelo acompanhamento sensível dos movimentos da sessão, conjecturas e correlações teóricas que ampliaram minha visão dessa análise, esclarecendo para mim mesma o que eu estava fazendo.

Porém, refleti e constatei que não havia grandes diferenças entre a maneira como eu trabalhava com crianças há décadas e o modo como esse trabalho e minhas ideias foram apresentados nesse seminário. Onde estaria a diferença então?

Stefania Turillazzi Manfredi, em seu instigante livro As certezas perdidas da psicanálise clínica (1994/1998), observa que o analista, conscientemente ou não, usa esquemas teóricos como parte de seu instrumental para captar os fatos clínicos. Ela aponta como esses esquemas influenciam a qualidade do material obtido e o tratamento dado a esse material, em uma espécie de círculo vicioso.

Concordo em parte com a observação de Manfredi. Continuei sempre a contar com as contribuições de Melanie Klein para orientar as minhas navegações na clínica; constato que quanto maior o avanço em uma análise, mais os fatos clínicos observados se aproximam do universo mental que ela conseguiu descortinar. No entanto, o tratamento dado aos fenômenos pode ser pensado de modo diverso, sem corresponder estritamente à técnica preconizada, como na compreensão e manejo da identificação projetiva descritos por Ogden (1992).

Os avanços na clínica e na teoria não ocorrem pari passu. No descompasso, temos descobertas clínicas à espera de conceituação ou teorias que precisam aguardar realização. Assim, é natural que os grandes desconcertos ocorram na área intermediária - a da técnica -, área em que a transmissão de conhecimento é mais sujeita a distorções e simplificações. O como-se-deve-fazer desconecta-se da reflexão e da investigação que lhe são essenciais.

Nas duas últimas décadas, a defasagem entre os fatos clínicos e as concepções teóricas que visam descrevê-los, investigá-los e tratá-los tem diminuído consideravelmente. As principais contribuições dizem respeito ao campo de forças intersubjetivo que se constitui entre analista e analisando e os fenômenos que nele transitam e ao detalhamento dos processos terciários, referentes a simbolização, representabilidade e figurabilidade, que ganharam importância crescente e reconhecimento oficial no pensar e fazer psicanalítico. Todos esses processos terciários se ancoram na teoria do pensar de Bion, com ênfase ora na rêverie e função-alfa, ora na relação entre continente e contido. A investigação e o acompanhamento do funcionamento mental do analista ganham importância primordial em todas essas contribuições.

 

Terceiro movimento - Rondó: paciência e segurança

Em abril de 1967, durante uma semana, Bion trabalha com um grupo de analistas em Los Angeles em cinco seminários que são gravados; a transcrição dessas fitas resultou em um livro publicado recentemente por Aguayo e Malin (2013). Desde o início, Bion dá o tom da experiência, convidando o grupo a discutir, ao longo dos encontros, um caso específico, "o paciente que cada um de nós verá amanhã, sempre - não aquele que você viu hoje ou ontem, mas amanhã" (p. 2). A transcrição dessas conversas parece ter sido pouco editada, de forma que acompanhamos Bion pensando e enunciando de forma espontânea aquele que será também seu pensamento de amanhã. O grupo parece ter tido uma dinâmica de trabalho, sem reverência ou subserviência a Bion. Ele é questionado com insistência e até dureza; os desacordos e críticas são declarados. Bion responde aos colegas de forma generosa e paciente, trazendo os pensamentos que vão sendo gestados no calor dos acontecimentos; alguns deles remetem a ideias publicadas há pouco tempo (Bion, 1962, 1963/2003, 1965/2004), com as quais o grupo, aparentemente, está pouco familiarizado. Nos diálogos com os participantes, podemos acompanhar, in statu nascendi, os fundamentos do que virá a ser publicado em 1970 no livro Atenção e interpretação, cujo conteúdo, pela forma como essas ideias são desenvolvidas nesses seminários, ganhou nova dimensão para mim.

Bion convida o analista a ter coragem de ultrapassar o espectro do que lhe é conhecido, aceitando trabalhar analíticamente com pacientes que usualmente não são indicados para análise, pacientes muito perturbados, borderline e psicóticos; tentando captar intuitivamente o que está aquém e além do sensorial e da linguagem articulada, valendo-se para isso de um estado de mente apropriado, alcançado a partir da abstenção de memória e desejo, lançando sobre os pontos obscuros da experiência um "penetrante facho de escuridão"; percebendo a necessidade de enfrentar as situações que se apresentam na análise com os recursos disponíveis no momento, pois "o que cada um de nós é é o equipamento real que usamos no curso de uma análise" (Aguayo & Malin, 2013, p. 22). Na discussão e perguntas que seguem sobre contratransferência, Bion chama a atenção para o fato de que a análise não pode ser realizada por "personalidades fracas", pois "é uma tarefa muito dura. E a razão por que é uma tarefa tão dura é que temos de fazê-la tenhamos ou não sido analisados de forma apropriada (qualquer que seja o significado disso)" (pp. 23-24).

O analista nunca poderá estar totalmente preparado para enfrentar as experiências que se desvelam em uma análise. A disciplina de abstenção de memória e desejo é a condição básica para que a função analítica do analista opere nesse espectro ampliado. O funcionamento mental do analista passa a ocupar lugar central nos acontecimentos de uma análise:

Existe algo particularmente perturbador no sentimento de que, se você deu uma interpretação correta, o paciente colocará você em uma posição em que ou você resiste àquilo que ele está dizendo, de modo a impedir que ele penetre em você e enfie essas coisas em você, ou você se submete a ser uma espécie de continente para sentimentos dolorosos e desagradáveis relacionados ao fato de retornar mais uma vez à velha situação de não saber o que está acontecendo. (p. 16)

Bion salienta a necessidade de tolerar o sofrimento inerente a vivenciar estados de des-concerto, em que o analista precisa ser paciente, lembrando que a palavra paciente significa estar com dor. O desafio maior é poder tolerar esse sofrimento sem resvalar para a depressão ou perseguição, como descrito a seguir.

É necessário que o analista resista a toda tentativa de se agarrar àquilo que já sabe com o intuito de conseguir um estado de mente análogo à posição esquizoparanoide. Cunhei para este estado o termo "paciência" para distingui-lo de "posição esquizoparanoide", que deveria ser reservado para descrever o estado patológico para o qual Melanie Klein o utilizou. Tenho a intenção de que o termo retenha sua associação com sofrimento e tolerância à frustração.

Seria necessário manter "paciência" sem a "busca irritável por fato e razão" até que um padrão "evolua". Este estado é o análogo ao que Melanie Klein denominou de posição depressiva. Uso o termo "segurança" para esse estado. Pretendo que a esse estado estejam associados o sentir-se a salvo e a diminuição de ansiedade. Considero que nenhum analista tem o direito de acreditar que fez o trabalho necessário para dar uma interpretação, a menos que tenha passado pelas duas fases - "paciência" e "segurança". (Bion, 1970/2006, pp. 129-130)

O compartilhamento de experiências é a única maneira de aumentar o acervo de conhecimento clínico e teórico do grupo. Bion fala nesses seminários das dificuldades e riscos que esse tipo de comunicação traz para quem o faz: mal-entendidos, ceticismo ou criticismo exagerado.

Penso também que esse eventual ganho de conhecimento para o grupo não pode se dar às custas dos interesses do paciente. Não me refiro aos cuidados formais para preservar dados e identidade do paciente, passíveis de se efetivar; tampouco à alternativa de solicitar autorização do paciente que esteja sendo atendido para a publicação - essa solicitação traz perturbações no campo analítico que podem ou não ser elaboradas pela dupla.

Acredito que o prejuízo maior decorre das interferências que ocorrem na mente do analista quando um paciente se torna, por assim dizer, um "caso especial", em virtude da sensibilidade da função analítica a qualquer elemento estranho aos interesses da relação que se desenvolve em uma sala de análise. Por isso, escolhi escrever somente a respeito de pacientes cuja análise já se encerrou, restando apenas a minha versão da experiência que se deu.

 

Nota

1 Gravação disponível sob solicitação (Biblioteca da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo).

 

Referências

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Correspondência:
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Recebido em 20.07.2016
Aceito em 03.08.2016

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