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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.53 no.3 São Paulo jul./set. 2019

 

OUTRAS PALAVRAS
TRABALHOS PREMIADOS DO XXVII CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICANÁLISE

 

Narrativas da contratransferência: o continente chiaroscuro do psicanalista1

 

Countertransference narratives: the psychoanalyst's chiaroscuro continent

 

Narrativas de la contratransferencia: el continente claroscuro del psicoanalista

 

Les Récits du contretransfert: le continent chiaroscuro du psychanalyste

 

 

Bernard Miodownik

Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (SBPRJ)

Correspondência

 

 


RESUMO

A psicanálise e a literatura têm estabelecido uma frutífera parceria desde as origens do movimento psicanalítico. No entanto, a presença marcante da psicanálise na cultura não corresponde a um número significativo de obras literárias em que a psicanálise e os psicanalistas são personagens. Neste artigo, destacam-se algumas obras que apresentam formas específicas de trabalho do psicanalista, mais propriamente a maneira como as suas emoções e o seu mundo interno participam do processo psicanalítico. A partir daí, discute-se a complexidade de lidar com a contratransferência em abordagens diferentes da técnica. As diversas narrativas da contratransferência compõem o que se chama de continente chiaroscuro do psicanalista, no qual a técnica da pintura renascentista serve como metáfora do que se revela e do que se oculta, numa alternância de luz e sombra, a respeito das questões emocionais do analista e de como repercutem no processo analítico. Com base em duas obras literárias que mostram dificuldades contratransferenciais, faz-se uma correspondência com duas situações clínicas ilustrativas.

Palavras-chave: psicanálise e literatura, narrativas, contratransferência, pessoa do analista, romance familiar


ABSTRACT

Psychoanalysis and literature have established a fruitful partnership since the psychoanalytical movement started. However, the remarkable presence of psychoanalysis in culture does not match the relevant amount of literary works in which psychoanalysis and psychoanalysts are characters. In this article some works that show specific ways psychoanalysts work are highlighted, especially the way their emotions and inner world work during the psychoanalytical process. From there, the complexity in dealing with the countertransference in approaches that differ from the technique is discussed. The several countertransference narratives make what is called the psychoanalyst's chiaroscuro continent, in which the Renaissance painting style technique is a metaphor for what is revealed and what is hidden, alternating light and shadow, about the emotional matters the analyst has and their consequences during the analytical process. Based on two literary works that show countertransference difficulties, we compare two hypothetical clinic situations.

Keywords: psychoanalysis and literature, narratives, countertransference, the analyst as a person, family novel


RESUMEN

El psicoanálisis y la literatura han establecido una colaboración fructífera desde los orígenes del movimiento psicoanalítico. Sin embargo, la notable presencia del psicoanálisis en la cultura no corresponde a un número significativo de obras literarias en las que el psicoanálisis y los psicoanalistas son personajes. En este artículo se destacan algunas obras que presentan formas específicas de trabajo del psicoanalista, más específicamente la forma en que sus emociones y su mundo interno participan en el proceso psicoanalítico. A partir de este punto, se discute la complejidad de lidiar con la contratransferencia en diferentes abordajes de la técnica. Las diversas narrativas de la contratransferencia forman lo que se denomina continente claroscuro del psicoanalista, en el cual la técnica de la pintura renacentista sirve como metáfora de lo que se revela y de lo que se oculta, alternando luz y sombra, a respecto de las cuestiones emocionales del analista y de cómo repercuten en el proceso analítico. Basado en dos obras literarias que muestran dificultades de contratransferencia, se hace una correspondencia con dos situaciones clínicas ilustrativas.

Palabras clave: psicoanálisis y literatura, narrativas, contratransferencia, persona del analista, romance familiar


RÉSUMÉ

Depuis les origines du mouvement psychanalytique, la psychanalyse et la littérature ont établi un partenariat fructueux. Cependant, la présence marquante de la psychanalyse dans la culture ne correspond pas à un nombre significatif d'oeuvres littéraires dans lesquelles les personnages sont la psychanalyse et les psychanalystes. Dans cet article, on met en évidence quelques oeuvres qui présentent des façons spécifiques de travail des psychanalystes, plus exactement, la manière par laquelle leurs émotions et leur monde intérieur participent du processus psychanalytique. Cela permet de discuter la complexité de travailler le contre-transfert dans des approches différentes de la technique. Les divers récits du contre-transfert composent ce que l'on appelle le continent chiaroscuro du psychanalyste, dans lequel la technique de la peinture de la Renaissance devient une métaphore entre ce qui est révélé et ce qui est caché, dans une alternance de lumière et d'ombre, dans ce qui concerne les questions émotionnelles de l'analyste et comment répercutent- elles sur le processus analytique. On fait une correspondance entre deux situations cliniques qui servent d'illustration, en nous appuyant sur deux oeuvres littéraires qui démontrent des difficultés contre transférentielles.

Mots-clés: psychanalyse et littérature, récits, contre-transfert, la personne de l'analyste, roman familier


 

 

Companheiras de longa data, psicanálise e literatura formam uma das mais bem-sucedidas parcerias da era moderna. Para a literatura, a psicanálise trouxe um novo modo de compreensão dos personagens e do desenvolvimento das estruturas narrativas, além de criar novas ressonâncias na subjetividade atual. Não fosse Freud, um número bem menor de pessoas conheceria a trágica história do rei grego que cumpriu a profecia do oráculo ao matar o antecessor, o pai, e casar com a própria mãe, mulher do rei assassinado. Para a psicanálise, muito se aprende do funcionamento mental pelos exemplos clínicos que a literatura oferece. Mude-se o enredo, troquem-se os personagens. Um fantasma se faz de oráculo, o rei grego agora é um príncipe dinamarquês, um tio está no lugar do rei morto, ao lado da rainha. Ou na Rússia czarista, sem oráculos nem fantasmas, a imagem de um inquisidor, um pai abrutalhado e impulsivo, três filhos, uma mulher jovem. Como no sonho, cadeias associativas inconscientes disfarçam a mesma história que não pode vir à consciência (Miodownik, 2017).

Psicanálise e literatura são narrativas que expressam vivências corporais, sensoriais e emocionais, que se tornarão palavras e contarão histórias.

Os ícones do divã e da poltrona gravaram-se fundo no imaginário cultural. Cineastas e chargistas de humor disseminaram a imagem de um ser múltiplo, o psicanalista, que é ora terno, ora irado, ora frio e distante, ora perverso etc. Personagens buscam saciar a curiosidade e compreender quem é o psicanalista.2 Um indivíduo poderoso a quem os grandes segredos da mente foram revelados? Um sujeito no qual estão presentes as fragilidades humanas mais comezinhas? Quais segredos ele carrega? O que nele deve ser inconfessável aos outros ou até a si mesmo? O que sente e pensa sobre os seus pacientes?

Apesar da proximidade, a psicanálise e os psicanalistas são relativamente pouco presentes como personagens em produções literárias. Destaco alguns exemplos:

• Em O complexo de Portnoy, de Philip Roth, o psicanalista silencioso fala somente no final: "Bom [disse o doutor]. Agora a gente pode começar. Está bem?" (1969/2013, p. 233). Entende-se por essa frase que, após a catarse, chegara o momento de elaborar. No entanto, esse também é um estereótipo do analista "tela em branco" da época. Horas de exposição de uma sexualidade desenfreada, com fortes componentes neuróticos incestuosos, não teriam provocado nenhuma reação de excitação, repulsa ou tédio? Ou seria o distanciamento uma defesa do analista?

• Em Tenho algo a te dizer (2008/2009), Hanif Kureishi apresenta um estudante paquistanês de sobrenome Khan, em Londres, que se inicia na psicanálise ao procurar tratamento com um conceituado psicanalista, também de origem paquistanesa, sobre o qual havia boatos de comportamento não ético. Alusão ao rumoroso caso de Masud Khan (Celenza, 2009)? No enredo, o autor mostra uma psicanálise bem estruturada, porém com uma indagação de fundo: como é possível com tantos dramas pessoais - inclusive a história de um assassinato pretensamente acidental e nunca esclarecido (Édipo?) - o personagem principal tratar e cuidar de outras pessoas?

• Em dois romances, Irvin D. Yalom revela técnica e literariamente as concepções mais recentes sobre a influência das emoções do psicanalista no paciente, desde o envolvimento patológico até a importância curativa da pessoa do analista. Em Quando Nietzsche chorou (1992/2005), aparece o espanto de Breuer, enredado com Anna O., situação clínica exemplar da psicanálise, e com Nietzsche, que de paciente passou a analista do seu analista. Em Mentiras no divã (1996/2006), encontram-se as excitações sexuais e as da busca pelo poder, as fogueiras da vaidade e os narcisismos cotidianos nas instituições psicanalíticas, tudo influenciando as análises que acontecem ao longo do enredo.

Essas breves referências revelam três estilos específicos de psicanalista: o de Roth é distante, focaliza a escuta e evita o contato; o de Kureishi é participante, porém de uma relação unidirecional, na qual o analista decifra a mente do paciente; os de Yalom encarnam a vivência intersubjetiva da relação. Estilos predominantes em épocas distintas, eles mostram em forma literária o que ocorre numa sessão de psicanálise, assim como o funcionamento da mente do psicanalista e a sua participação objetiva e subjetiva no processo psicanalítico, um tema complexo, que elevou a contratransferência ao centro dos debates na psicanálise contemporânea (Green, 1988).

A contratransferência tem uma característica continuamente perturbadora, tanto no sentido de interferência desorganizadora do processo analítico quanto no sentido de revelação de aspectos repetitivos cristalizados, a partir daí favorecendo a abertura para o novo. É o estranho em nós (Freud, 1919/1976a). A abordagem aqui presente procura estabelecer representações verbais e figurativas dessas facetas, que serão exemplificadas através de duas obras literárias acompanhadas de dois relatos clínicos.

 

O continente chiaroscuro

Não é objetivo deste artigo fazer uma revisão sistemática sobre a contratransferência, cuja literatura psicanalítica é substancial (Etchegoyen, 1989; Hinshelwood, 2001). O enfoque proposto se dirige à transformação das narrativas - no sentido de descrição do clima emocional e do trabalho psíquico na mente do analista - da contratransferência.

Sabemos que, para Freud, a contratransferência era um obstáculo ao processo analítico. As metáforas do cirurgião - que põe de lado todos os sentimentos com vistas a realizar a operação necessária - e do espelho - que somente reflete o que o paciente projeta - fundamentaram a norma técnica da época. Essa visão, predominante por um longo tempo, influenciou os pioneiros, com exceção de Ferenczi (1928/1988). No entanto, a contratransferência transparece nas entrelinhas dos trabalhos clínicos de então, revelando-se transbordante de narrativas secretas nos relatos históricos (Dupont, 1995). Freud foi enfático nesse ponto, pois não desconhecia a força das demandas libidinais e agressivas do psicanalista: "O psicoterapeuta analítico tem, assim, uma batalha ... a travar na sua própria mente, contra as forças que procuram arrastá-lo para abaixo do nível analítico" (1914/1969, p. 220).

A indicação de periodicamente o analista se submeter a uma análise pessoal diminuiu o risco dos deslizes técnicos e éticos relacionados à interferência das próprias emoções. Apesar disso, a experiência mostrou que a contratransferência continuava a agir por força da dinâmica inconsciente do analista e - o que foi um ponto de virada - percebeu-se que havia uma sensibilidade especial do paciente para comunicar aspectos que lhe eram próprios a partir da mobilização emocional do psicanalista, por intermédio da identificação projetiva, gerando neste uma compreensão do mundo interno que originava a interpretação (Heimann, 1950; Racker, 1982).

Essa mudança na técnica revelava novas narrativas na teoria - o modelo da relação primitiva mãe-bebê como método de compreensão da relação analítica - e na exposição dos casos, mostrando o que se passava na mente do analista a partir das suas reações contratransferenciais. O senão era que, geralmente, a "culpa" recaía sobre o paciente, sem levar em consideração aspectos da pessoa do analista, conscientes e inconscientes, capazes de influenciar as projeções. Bion sofisticou essa visão ao apresentar a função materna como um continente no qual a angústia do bebê, projetada, é metabolizada e transformada numa ansiedade tolerável, a ser reintrojetada pelo bebê. Hinshelwood chama a atenção para a ênfase no que acontece "dentro da pessoa em quem se projeta a ansiedade" (2001, p. 166). A forma como o analista vivencia, consciente e inconscientemente, as angústias do paciente influi de maneira decisiva no processo psicanalítico.

Novas narrativas, novos desafios, novas controvérsias. Uma vez que a contratransferência não é mais "descartada", surge a questão: o analista deveria sempre traduzir a vivência emocional "provocada" pelo paciente em interpretação ou poderia, por outro lado, revelar algo de si, como uma opinião, ou até exercer um papel provisório, "imposto" pela transferência (Sandler, 1976)? Hinshelwood diz: "Isso nos adverte para um problema duplo, o Cila e Caribdes da contratransferência - congelamento emocional, como o cirurgião frio, ou ser demasiado humano e sair do papel (em última instância, talvez, para relações antiéticas)" (2001, p. 165).

Unir ou separar questões técnicas como a neutralidade, a abstinência, a atenção flutuante e o método interpretativo das idiossincrasias da personalidade e das influências do mundo interno do analista levou a psicanálise contemporânea a um grau de complexidade maior, além do método clássico - nos extremos apontados por Hinshelwood, para evitar que tanto o distanciamento quanto a presença mais "ativa" se transformassem em defesas contra as angústias, as dores e os vazios do paciente, bem como contra os do próprio analista.

Uma diversidade de narrativas, desenvolvimentos da fase anterior, surgiu no campo analítico. O enfoque se direcionou aos aspectos intersubjetivos da relação analítica, à influência mútua entre analista e paciente na formação de um campo dinâmico, em torno do qual (como um terceiro elemento na relação) transferência e contratransferência, interligadas e em renovação contínua, se desenvolvem a partir do interjogo de subjetividades, vistas no aqui e agora de cada sessão. Para citar algumas narrativas teóricas e clínicas: a teoria dos campos (Baranger & Baranger, 2010), o terceiro analítico (Ogden, 1996), o sonho-a-dois (Cassorla, 2016), a psicanálise relacional norte-americana (Greenberg, 2001). Novos instrumentos técnicos surgiram no repertório psicanalítico: a escuta empática, a autorrevelação do analista, a simbolização a partir do enactment. Essas referências teóricas e clínicas, além de outras, têm fundamentação coerente, o que provoca intensos debates entre partidários e não partidários de cada uma delas.

Em relação às diversas teorias da intersubjetividade na clínica, Jacobs, apesar de entusiasta e praticante, destaca:

Um dos problemas que percebo no nosso campo é que tendemos por vezes a ter uma ideia quase mágica de que aquilo que o analista experiencia pode ser automaticamente traduzido como aquilo que foi transmitido pela mente do paciente. ... Carregamos a nossa própria história, conflitos, preconceitos com cada paciente em cada momento. ... o que o paciente nos transmitiu passa pelo viés da nossa psique. (2006, p. 148)

Bruce Fink (2015), analista lacaniano norte-americano, critica as teorias da intersubjetividade e relacionais porque, ao seu ver, colocam o imaginário do psicanalista como representação do que seria o inconsciente do paciente, alcance esse que só seria possível nas franjas do discurso. Retoma a visão lacaniana da concepção de Freud da contratransferência como obstáculo à análise: "Em muitos casos, a transferência pode não ter nada a ver com eles [os pacientes] enquanto a contratransferência estiver fazendo o papel principal" (p. 161). Por outro lado, é preciso perguntar se o analista lacaniano, ao exercer a escansão das sessões, também não o faz devido a uma contratransferência não percebida.

A visão intersubjetiva da relação analítica é abrangente para lidar com as várias injunções vinculadas à presença e à participação das emoções do analista durante o processo. Há métodos para fazer avaliações ao longo da sessão, como a escuta da escuta (Faimberg, 2010). No entanto, as críticas são consistentes, porque muitas vezes é difícil para o analista diferenciar se o que emerge na contratransferência é sobre a relação ou somente sobre ele próprio. Acontece nas melhores análises.

As narrativas contemporâneas são plenas de emoções e se esmeram em demonstrar modos de funcionamento da mente do analista durante as sessões. Uma parte significativa, porém, recai em momentos-chave, muitas vezes dramáticos, ocasionados por impasses. Uma gama de emoções circulantes na análise, que surgem na forma bruta, pode levar a resistências, paralisações e abandonos da análise. Causas não faltam: um dia ruim do analista; momentos narcísicos que precisam ser satisfeitos através dos pacientes; insatisfação com o próprio trabalho com determinado paciente; angústias desconhecidas, desencadeadas pelo que o paciente traz; novas edições e não reedições que surgem em cada relação (Lutenberg, 2015); e por aí vai. Quem não passou pela situação na qual me vi por vezes de, no mesmo instante em que dizia algo ao paciente, perceber que não devia ter dito, porque era um sentimento meu sobre ele que eu "descarregava"?

Por outro lado, as emoções e os pensamentos erráticos gerados por elas participam, de forma consciente ou inconsciente, de momentos elabora-tivos cotidianos. O relato de um paciente sobre os pais me deixava indignado com estes. Disse então que ele esperava que eu reagisse assim (dramatizei o momento falando alto): "VAMOS PARAR DE FAZER ISSO COM ELE". Logo a seguir, o paciente trouxe um diálogo em que reconheceu a dificuldade e a culpa de se ver diferente dos pais. Outro exemplo: pensei em consolar a sensação de menos-valia de uma paciente revelando-lhe que um filme visto no fim de semana me fez lembrar ela. Contive-me e diluí o impulso inicial em interpretação, com aparente bom resultado. Ficou-me a pergunta: a revelação teria um efeito mais transformador no contexto daquela análise, como um entusiasta da autorrevelação entenderia que sim?

As emoções do analista durante a sessão se alternam entre a profundidade e a superfície do mundo interno. Revezam-se entre a luz e a sombra. São acionadas e "agem" nas duas áreas, sombra (Ics e Pcs) e luz (Pcs e Cs).3 O que o paciente traz para a sessão vai formando o contorno da sombra, ao mesmo tempo que faz emergir a luz que clareia ou que cega.

Seguindo a metáfora, ocorreu-me pensar a contratransferência como um conceito que representa um continente no mundo interno do analista, com as características da técnica de pintura do chiaroscuro.4 Em linhas gerais, essa técnica teve a sua predominância na pintura renascentista, e o seu potencial foi explorado de forma pioneira por Leonardo da Vinci, com seguidores em épocas posteriores. A ênfase nas gradações de luz e sombra busca a harmonia entre essas duas áreas, a ponto de que não se saiba se é a sombra que define a luz, ou vice-versa ("Chiaroscuro", 2019). Um destaque especial nessa técnica é concedido a Caravaggio. Gombrich afirma:

Até mesmo o seu modo de lidar com luz e sombra contribui para tal propósito: em vez de conferir leveza e suavidade ao corpo, a sua luz é dura e ofuscante no contraste com as sombras profundas. Ao mesmo tempo, porém, apesar de todo o estranhamento que causa, reveste a cena de uma honestidade sem concessões. (2013, p. 299)

Não se pretende aqui criar uma figurabilidade resolutiva para a questão das zonas de luz e sombra que a contratransferência estrutura em cada processo analítico. A intenção é ilustrativa, para mostrar a complexidade que a prática nos apresenta. A ideia do chiaroscuro harmônico, no estilo introduzido por Leonardo, caracteriza o bom funcionamento da transferência-contratransferência, mais presente no tratamento das neuroses. No entanto, a harmonia não é estanque, porque mesmo nessas análises vêm à tona aspectos psicóticos, ou se chega ao momento da regressão à falha ambiental (Winnicott, 1954/1978), ou há períodos em que a dupla funciona em estado de não sonho (Cassorla, 2016). A luz dura e ofuscante no contraste com as sombras profundas do estilo Caravaggio surge nos momentos desarmônicos do chiaroscuro neurótico, mas é nos quadros borderline e similares que a encontramos com frequência, relembrando que pode ser uma luz reveladora, cuja elaboração leva o processo adiante, ou uma luz que cega o analista, impelindo-o a atitudes antianalíticas de toda espécie. Entre os riscos estão o analista "perder a cabeça", como na tela Salomé recebe a cabeça de são João Batista, ou o analista perder-se em si mesmo, como no quadro Narciso.

 

 

 

Zeno

Voltemos à literatura e à clínica. O romance A consciência de Zeno (1923/1984), de Italo Svevo, é considerado o primeiro romance psicanalítico, não só porque a psicanálise e um psicanalista aparecem como personagens, mas também porque foi um dos pioneiros do estilo narrativo chamado de fluxo de consciência, próximo ao que entendemos como livre associação. A relação do autor com a psicanálise e com o movimento psicanalítico italiano envolve pontos importantes para a compreensão da obra. Discuti esses aspectos num trabalho anterior (Miodownik, 2007).

O analista, na verdade um psicanalista selvagem, aparece somente na primeira página, revoltado com o insucesso do seu método. Ele havia pedido ao paciente, Zeno, que escrevesse a sua autobiografia. "Os estudiosos de psicanálise torcerão o nariz a tamanha novidade." Se Zeno, "no momento crítico, não se tivesse subtraído à cura, furtando-me assim os frutos da longa e paciente análise destas memórias, seria outro o resultado" (p. 7). Quanto às memórias escritas que compõem o romance, o analista, num primor de comportamento antiético, as expõe por vingança pelo fracasso sofrido.

Quem já recebeu em análise pacientes como Zeno - obsessivamente repetitivos, arrogantes, com pouca capacidade de simbolização, incapazes de representar mentalmente as emoções e os pensamentos sobre si mesmos e sobre os outros, quase impermeáveis às intervenções em nível verbal - conhece as reações extremas pelas quais o analista passa: irritação, raiva, tédio, desesperança. Não são poucos os momentos em que o analista se pergunta para que serve a análise com esses pacientes.

Era o que eu estava me perguntando por volta do sétimo ano da análise de Italo. As mesmas queixas, a mesma dificuldade para aceitar a sua participação nos inúmeros problemas pessoais e relacionais. Vínhamos falando disso e do seu pedido de diminuição de mais uma sessão na semana como algo representativo da sua concepção de que eu talvez não o estivesse ajudando (como eram habitualmente as suas queixas sobre os outros). Sempre que eu trazia esse assunto, ele negava: "Todos dizem que eu estou diferente, melhor, mais aberto do que antes" Provavelmente, como o "analista" de Zeno, eu estivesse falando da minha frustração. Havia momentos nos quais Italo se punha a pensar e se reconhecia no que eu falava para ele, mas quase de imediato negava a validade das minhas palavras com um discurso contrário. Se ele estava diferente lá fora, na análise o problema era comigo, ou era meu.

Um dia, ao atendê-lo à porta, estendo a mão para cumprimentá-lo. Logo lembro que isso só aconteceu na primeira entrevista. Naquele instante, com ele se dirigindo para a sala, digo: "Nós nunca mais nos cumprimentamos na entrada". Ainda em pé, ele responde: "Também estranhei". Eu achava que ele não me estendia a mão. Ele diz que não estendia a mão porque achava que eu não o fazia. Algo na nossa comunicação não estava em sintonia.5

O assunto ressurge em várias sessões. Numa delas, Italo fala sobre o conto de Guimarães Rosa "A terceira margem do rio", do qual gosta muito - um filho que, numa das margens, convive com o pai estacionado num barco no meio do rio, numa "distância ótima" segundo as palavras dele. A seguir, traz um sonho em que vai a um restaurante cujo nome expressa um gesto carinhoso em língua estrangeira. Ao ler o cardápio, diz que "nada ali é interessante'. Digo que o meu gesto de estender a mão nos surpreendeu, e ele não parece saber se é interessante ou não a aproximação que tivemos. Alguns meses depois, Italo diz que "a análise deu o que tinha que dar" (curiosamente o ouvi falando isso num tom favorável) e que vai interrompê-la.

O que foi descrito é característico de uma transformação a partir de um enactment. No início da análise, Italo centrava as suas falas em torno de práticas sexuais com tons perversos. Mais que excitação, parecia querer me provocar um sentimento repulsivo. Não tive a impressão de haver ficado especialmente incomodado, exceto uma vez em que reagi com desagrado pela maneira como ele tratou uma parceira. Na mesma sessão, o meu incômodo se expressou através de uma interpretação claramente agressiva, o que percebi logo a seguir (conforme mencionei alguns parágrafos atrás). Italo voltou o olhar para mim prenhe de raiva, e até achei que fosse interromper a análise. Provavelmente nos assustamos. A partir daí, ele procurou outras formas de me provocar, como ao descobrir que me incomodava permanecendo longos períodos em silêncio.

Algo se desenvolveu na sombra. Os aspectos sádicos presentes nas suas práticas sexuais - que não foram falados nem pensados devido ao susto - dificultou a ambos lidar com a necessidade dele de um vínculo afetivo ho-moerótico comigo. O resultado foi que o sadismo acabou por ser exercido de parte a parte de forma simbiótica, no dia a dia da relação, no que Bleger (1977) chamou de enquadre mudo. Quando se abriu um canal a partir da mão estendida, de Guimarães Rosa e do sonho, ele parece ter ficado inseguro com a perda da distância ótima e interrompeu a análise. Talvez a minha escuta sobre o "deu o que tinha que dar" como uma afirmação favorável à análise tenha sido o entendimento empático de que o trabalho que fizemos foi o possível para ele.

Ou estaria eu aliviado com a saída de Italo? Com a contratransferência, estamos sempre às voltas com as incertezas do que está na luz e do que está na sombra.

 

Marilyn

O romance Marilyn últimas sessões (2006/2008), de Michel Schneider, é um misto de reportagem e construção ficcional. Dos livros citados aqui, certamente é o mais restrito em termos literários. Tem tinturas sensacionalistas e construções inverossímeis, além de muitas vezes aparentar ser um libelo da psicanálise francesa contra a psicanálise norte-americana, ecoando as palavras de Freud como personagem em Ragtime, de Doctorow: "A América é um erro, um erro gigantesco" (1975/2007, p. 41).

No entanto, conta uma história triste: o sofrimento, o desamparo e o desespero de um mito do cinema, glorificado até hoje no imaginário cultural; a conduta errante de um mito da psicanálise americana, autor de um celebrado livro de técnica; o fracasso de uma relação analítica.

Não é incomum. Pacientes sedutores e autodesvalidos. Analistas seduzidos a ser o objeto redentor dos pacientes. Foi o caso de Norma Jeane Mortenson, a famosa atriz Marilyn Monroe, e de Romeo Greenschpoon, o célebre psicanalista Ralph Greenson. Quem foi quem (Norma ou Marilyn, Romeo ou Ralph) nessa trágica análise, plena de narrativas contratransferenciais?

Marilyn já havia feito análise com Anna Freud e Marianne Kris, esposa de Anton Kris, um dos pioneiros da psicologia do ego. Foi por elas encaminhada para Greenson, tarimbado em atender a nata de Hollywood. Quando tudo começou? O que o levou, fora do seu padrão técnico, a pensar "Fiz como com os nossos esquizofrênicos: pôr no primeiro plano as necessidades e o trabalho psíquico da minha paciente e, no segundo, os meus objetivos pessoais de terapeuta" (Schneider, 2006/2008, p. 182)? Ou a "deixar de reconhecer o erro de tratamento que consistiu em levar Marilyn para a sua casa e depois fazer dela um membro da família"? Ou a zangar-se "com o comportamento patológico dela, e a sua mulher aconselhar a atriz a, de preferência, ficar com eles nas noites em que a sessão se prolongasse até tarde"? Ou a permitir "que ela o chamasse ao Beverly Hills Hotel para que ele lhe aplicasse uma intravenosa de Pentotal ou Amital" (p. 49)?

Quem atende pacientes graves e regredidos sabe da importância que é para eles ter um analista disponível, que dê conta de necessidades psíquicas elementares. Ainda assim, mesmo descontando a clara má vontade do autor com Greenson, é surpreendente a narrativa contratransferencial do caso. É possível supor que Greenson tenha se proposto a fazer com Marilyn (a real ou a fictícia) uma experiência emocional corretiva, nos termos de Franz Alexander (French & Alexander, 1946), na qual o analista exerce de forma consciente e diretiva uma função que não foi realizada pelo objeto primário - por exemplo: supere-goico, se faltou limites, ou curioso, se houve indiferença. No caso em questão, Greenson funcionava por vezes como crítico a atitudes e comportamentos dela, sempre com a racionalização de protegê-la da autodestrutividade. Em outros momentos, pretendia ser o objeto sempre disponível e não frustrador.

Fairbairn (1943/2001b) mostrou que se ilude o analista ao imaginar que ser o bom objeto que faltou ao paciente é suficientemente analítico. O vínculo com o objeto frustrante ocorreu a partir de uma identificação primária, à qual o paciente, devido à sua condição de dependência absoluta, ficou aderido por uma questão de sobrevivência psíquica. Não há segurança em abrir mão desse vínculo primitivo, já que não há garantias de que o novo objeto não vai repetir o trauma primitivo. A mudança depende de um longo processo de elaboração, como em todas as análises.

Atuar como um pretenso bom objeto que faltou ao paciente vai ao encontro de algum desejo ou necessidade primitiva do analista, que desembocará numa narrativa contratransferencial. Gabbard (2003) apresenta o caso de uma paciente chamada Jenny (curiosa a semelhança com o nome de batismo de Marilyn), em que o Dr. N fica comovido com as tragédias da paciente e a trata de um modo especial. Após algum tempo de análise, ela diz que ter uma relação sexual com ele é o que a salvará e ameaça suicidar-se caso o analista não passe uma noite com ela. Depois de muita insistência e de muitas ameaças, o Dr. N, premido por um mundo interno povoado de perdas trágicas, cede aos apelos de Jenny, imbuindo-se de uma "missão salvadora". No livro, Schneider nos faz crer que haveria atração e culpa por uma vivência incestuosa - o Romeo original tinha uma irmã gêmea, Juliette: "Conversando com ele [Freud] sobre tragédia grega e personagens patológicos em cena, compreendeu que Romeu e Julieta eram, em Shakespeare, amantes malditos, marcados para a morte" (2006/2008, p. 34).

O caso Marilyn-Greenson traz outro complicador não explicitado, mas insinuado. Geralmente situações como essa encobrem uma transferência erótica, o que é sempre perturbador e ameaçador para a mente do analista, pelo que desperta na contratransferência.6

Quando Micaela entrou na sala, notei a elegância no vestir. Associei isso ao que me chamava a atenção nas últimas semanas: ela estava uma mulher atraente. Após uma separação conjugal tumultuada, Micaela vinha retomando suas atividades sociais, das quais se afastara por completo. Surpreendia-se olhando para homens e sendo vista por eles. Chegou a ensaiar aproximações, porém se mostrou decepcionada com os encontros, além de perceber que não deixava de pensar no ex-marido. Questionava se valia a pena encontrar novos sofrimentos e se perguntava se não seria melhor deixar tudo como estava antes.

Digo ter ficado com a impressão de que, da perspectiva dela, eu estaria sugerindo que ela tivesse outros relacionamentos e com isso criando embaraços. Micaela diz que, ao contrário, gostou quando eu mencionei na sessão anterior que cabia a ela decidir o que era melhor, até mesmo, se fosse o caso, retornar ao ex-marido. "Antes de começar a análise aqui, consultei uma terapeuta corporal que insistiu que seria bom para mim conhecer outras pessoas."

Considerando o meu sentimento na entrada, permaneci atento. Teria eu expressado, através de um tom de voz ou da ênfase numa situação relatada, alguma sedução ou excitação sobre aquele momento dela que desse a entender, da mesma forma que a terapeuta corporal, que eu gostaria de vê-la mais erotizada, conhecendo outras pessoas?

Micaela conta um sonho em que um homem mais velho se encosta nela. Briga com ele, o agride, mas depois fica ansiosa, com medo de ser processada por ele. Associa com uma situação ocorrida num banco, em que um homem mais velho reclamou que ela se demorava no caixa eletrônico. Discutiu com ele. "Não imaginou que eu fosse tão brava." Digo:

Micaela, esse homem mais velho assediando você, deixando você brava: falamos sobre isso outro dia e agora há pouco, e continuo a achar que você não está gostando do que as suas mudanças recentes fazem despertar. Tenho a impressão de que você está brava comigo porque faço você sofrer com essas mudanças.

Ela ri: "Até que o cara do banco parecia mesmo com você". Pensa: "Você tem razão. Com o Dr. G, eu me inseri na ideia dele de que o importante era ficar bem comigo, não precisar dos outros".

Durante muitos anos, Micaela fizera análise com o Dr. G por conta de um episódio depressivo. A postura dele sempre foi acolhedora, e nota-se que, de forma direta ou sutil, sugeriu ser ele um portador da forma ideal de se relacionar com o mundo. Ajudou-a muito e, à medida que saía da depressão, ela o ouvia embevecida. Repentinamente o Dr. G avisou que dali a duas semanas mudaria de cidade e indicou um colega para retomar a análise, a quem ela não procurou.

O Dr. G não teria suportado a admiração erotizada de uma mulher-menina menos deprimida, menos regredida? Uma mulher-menina edipiana seria um risco maior? No nosso processo, Micaela passou a notar as diferenças na forma e no conteúdo entre o Dr. G e mim. Como visto antes por meio de Fairbairn, ele confirmou não ser digno de confiança, ainda que fosse para ela um bom objeto. Por que correr riscos no "namoro" comigo? Quem garantia que eu não a "processaria", como nos quadros de Caravaggio, perdendo a cabeça com abusos no setting, ou reagindo narcisicamente, sem considerar as demandas analíticas dela, como o Dr. G, que foi embora assustado com o que emergiu das suas próprias sombras?

Naquele momento, foi importante eu perceber que havia ali uma mulher atraente. Foi uma luz que clareou questões fundamentais de Micaela e da nossa relação analítica.

 

O romance familiar do psicanalista

Estaria a literatura devendo o grande romance psicanalítico, que narrasse as angústias já centenárias com os pacientes, com o pluralismo teórico-clínico, com as questões institucionais e com as emoções dentro e fora do setting que nós, psicanalistas, temos de conciliar? Provavelmente a dívida da psicanálise com a literatura é maior. E se há algo que foi se modificando ao longo desses mais de 100 anos foram as narrativas psicanalíticas, agora mais plenas das emoções da relação analítica, presentes nas sessões e na mente do psicanalista durante a sessão.

Vieram à luz as histórias nas quais os pacientes tornam os psicanalistas personagens involuntários através da transferência-contratransferência. Uma das grandes reflexões contemporâneas diz respeito a quanto o analista contribui para criar os personagens, seja mediante a percepção dos pacientes das características do analista, seja mediante o desejo, consciente ou inconsciente, do analista de participar da criação do personagem.

Freud (1909/1976b) mencionou a fantasia infantil que a criança tem de imaginar uma origem mais nobre do que aquela que efetivamente lhe cabe. A atividade imaginativa costuma ser revivida, por exemplo, em devaneios do adulto ou na leitura de romances, quando há uma identificação com personagens geralmente heroicos. São resquícios do narcisismo, conceito que ele veio a desenvolver posteriormente. Psicanalistas sofrem pressões externas e internas para se transformar em personagens que, em outras eras, sonharam ser. O mais surpreendente é que também se transformam em personagens que nem se davam conta de que sonhavam ser. Se o psicanalista volta sempre à sua própria análise através dos seus pacientes, por conhecer novos aspectos do seu mundo interno ou re(conhecer) os antigos, também é verdade que a relação analítica é uma cocriação narrativa.

Jacobs (2006) critica a severidade com que Franz Alexander foi visto dentro da psicanálise norte-americana, o que levou a uma descaracterização das suas contribuições. Entende que foi um dos poucos a reconhecer a importância de o analista fornecer ao paciente uma nova experiência, além da interpretação, que "tende a promover a modificação gradual das formas costumeiras de pensar e de estar no mundo" (p. 147). Frequentemente nos deparamos com mais este Cila e Caribdes da nossa prática: a técnica ou a pessoa do analista. Talvez os problemas surjam quando escolhemos apenas uma das opções. No caso de Greenson, este parece ter feito uma clara opção em relação a Marilyn.

Provavelmente um dos pontos mais apaixonantes deste ofício impossível seja o fato de podermos ser esses personagens, os nossos e os dos outros.7 O analista sempre tem de lidar com o que ele é, com o que desejaria ser e com o que desejaria não ser. Por isso, precisamos de análise e de estar diante do escrutínio dos colegas. Freud ofereceu os seus sonhos para que a posteridade o interpretasse. Hoje temos as narrativas da contratransferência, as expressões da vivência emocional e do trabalho da mente do analista. É óbvio que nem tudo vem à luz, porque seria um clarão cegante. Todos nós temos oráculos, fantasmas, inquisidores, reis e rainhas que continuam a agir nas sombras, mas na maior parte do tempo os trazemos à luz devidamente inseridos no simbólico.

 

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Correspondência:
Bernard Miodownik
Rua Figueiredo de Magalhães, 219/408
22031-000 Rio de Janeiro, RJ
Tel.: 21 2549-8734
betchkov@uol.com.br

Recebido em 29/3/2019
Aceito em 14/6/2019

 

 

1 Texto vencedor do Prêmio Revista Brasileira de Psicanálise, conferido durante o XXVII Congresso Brasileiro de Psicanálise, realizado em Belo Horizonte (mg), de 19 a 22 de junho de 2019.
2 Tradicionalmente na nossa língua, o artigo o engloba os dois gêneros. No texto, esse aspecto será mantido.
3 A interrelação dinâmica nessa imagem de luz e sombra pode ser aplicada ao modelo estrutural freudiano (id, ego, superego), ao modelo kleiniano (posição esquizoparanoide, posição depressiva), ao modelo de Fairbairn (1944/2001a), em que um ego central mantém uma troca dinâmica com estruturas egoicas de funções opostas, e a outros.
4 Mantive a terminologia original por entender que uma tradução simples, como claro-escuro, não comporta o jogo de luz e sombra que essa técnica implica.
5 Ao escrever, eu me dei conta das histórias que fazem parte do folclore psicanalítico institucional - e que muitos dizem não ser tão folclore assim - sobre discussões intermináveis a respeito da possível perda da neutralidade e da abstinência ao estender a mão ou não para o paciente. Talvez eu tenha inconscientemente escolhido esse ato para "quebrar o gelo" estéril e defensivo de ambos. O fato de estar relacionado a um debate do século passado também é importante por trazer à luz algo dos primórdios da nossa relação, como se verá adiante.
6 No Psychoanalytic Eletronic Publishing (pep Web), quando se procura por transferência erótica, obtêm-se 1.868 resultados. Para contratransferência erótica, encontram-se 630 resultados.
7 No caso da análise de formação, o fato de cada integrante da dupla isoladamente ou ambos em conjunto se tornarem personagens do imaginário institucional (mestre e discípulo, transmissão missionária e outros) cria um campo específico que pode vir a se sobrepor à relação. Essa questão talvez esteja na raiz da procura por reanálises, por vezes quase imediatamente após o termino da formação analítica.

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