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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.54 no.3 São Paulo July/Sept. 2020

 

OUTRAS PALAVRAS

 

Desesperar, jamais: algumas reflexões sobre o trabalho clínico-psicanalítico durante a pandemia

 

Despair, never: some reflections on clinical-psychoanalytical work during the pandemic

 

Desesperación, nunca: algunas reflexiones sobre el trabajo clínicopsicoanalítico durante la pandemia

 

Désespérer, jamais : quelques réflexions à propos du travail clinique psychanalytique pendant la pandémie

 

 

Tiago Sanches Nogueira

Psicanalista. Doutor em psicologia clínica pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em psicologia clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Membro do Laboratório de Psicanálise, Sociedade e Política (USP)

Correspondência

 

 


RESUMO

Apresentamos algumas reflexões sobre o trabalho clínico realizado durante a primeira fase da pandemia de covid-19 no Brasil. Constatamos que a chegada do vírus deflagrou um inesperado que nos colocou em estado de espera. A permanência nesse estado de espera remonta à des-espera, estado no qual o sujeito imerge na obscuridade de uma zona de exclusão figurada pelo intervalo entre o passado e aquilo que ele é no que projeta. Se tomarmos esse des-esperar como marca do sofrimento singular produzido pela impossibilidade de esperar a espera, constataremos que há certas especificidades a serem consideradas nos tratamentos que dirigimos neste período de pandemia. Assim, fazemos algumas considerações sobre os efeitos da fratura espaçotemporal causada pelo acontecimento-pandemia, estabelecendo ao final algumas diretrizes para o manejo do traumático que possa vir a emergir em nosso trabalho clínico neste momento delicado.

Palavras-chave: psicanálise, pandemia, acontecimento, traumático, desesperar


ABSTRACT

The article presents some reflections on the clinical work during the first phase of the pandemic in Brazil. It is noted that the arrival of covid-19 triggered something unexpected that placed us in a waiting state. The permanence in this waiting state goes back to despair, this state in which the subject immerses himself in the obscurity of a zone of exclusion figured by the interval between the past and what he is in what he projects. If we take this "despair" as a mark of the singular suffering produced by the impossibility of waiting, we will see that there are some specificities to be considered in the treatments we direct in this period of the epidemic. Some considerations about the effects of the space-time fracture caused by the pandemic event are presented. At the end, some guidelines are established for the management of the traumatic event that may emerge in our clinical work at this delicate moment.

Keywords: psychoanalysis, pandemic, event, traumatic, despair


RESUMEN

El artículo presenta algunas reflexiones sobre el trabajo clínico realizado durante la primera fase de la pandemia en el Brasil. Se observa que la llegada de la covid-19 desencadenó una situación inesperada que nos colocó en estado de espera. La permanencia en este estado de espera se remonta a la desesperación, ese estado en el que el sujeto se sumerge en la oscuridad de una zona de exclusión que figura por el intervalo entre el pasado y lo que es en lo que proyecta. Si tomamos esta "desesperación" como una marca del singular sufrimiento producido por la imposibilidad de esperar, veremos que hay algunas especificidades a considerar en los tratamientos que dirigimos en este periodo de la epidemia. Se presentan algunas consideraciones sobre los efectos de la fractura espacio-temporal causada por el evento pandémico. Al final, se establecen algunas pautas para el manejo del evento traumático que puede surgir en nuestro trabajo clínico en este delicado momento.

Palabras clave: psicoanálisis, pandemia, acontecimiento, traumático, desesperar


RÉSUMÉ

Cet article présente quelques réflexions concernant le travail clinique mené pendant la première phase de la pandémie au Brésil. On constate que l'arrivée du covid-19 a provoqué une situation inattendue qui nous a mis en état d'attente. La permanence dans cet état d'attente remonte à « des-espérer », cet état dans lequel le sujet immerge dans l'obscurité d'une zone d'exclusion représentée par l'écart entre le passé et cela qu'il est dans ce qu'il projette. Si nous prenons ce « des-espérer » en tant que marque de la souffrance singulière produite par l'impossibilité d'attendre l'attente, nous constaterons qu'il y a des spécificités à être considérées dans les soins dont nous sommes les responsables dans ce temps d'épidémie. Ainsi, on présente quelques considérations concernant les effets de la fracture espace temporel provoqué par l'évènement pandémie, en établissant, à la fin, certaines directrices qu'envisagent le maniement du traumatique, qui puisse survenir dans notre travail clinique dans ce moment délicat.

Mots-clés: psychanalyse, pandémie, évènement, traumatique, désespérer


 

 

Introdução

A chegada da covid-19 instalou de modo violento um estado de espera em muitos de nós.1 A sensação de progressão temporal de nosso cotidiano sofreu repentinamente uma grande interrupção. A permanência nesse estado de parada instaura um tipo de retorno do mesmo que produz afetos expectantes relacionados ao desejo de retomada do percurso. Ernst Bloch (1959/2005) lembra que tais afetos estão relacionados aos desejos de procura e de contração, e que são ligados à fé, à crença, à angústia e à esperança, afetos muito frequentados por nós neste momento delicado que vivemos. Bloch observa que, nesses afetos, o objeto não está acessível nem se encontra manifesto no mundo acessível. Segundo o autor, é exatamente isso que lança o sujeito na incerteza.

A incerteza, tomada como filha do inesperado, nos mostra que a pandemia se apresenta para nós como um acontecimento que produz certas variações subjetivas, as quais, mobilizadas no campo da surpresa, têm características típicas das experiências traumáticas. Nestas, a chegada do inesperado lança o sujeito em um estado de espera, perturbando não apenas o campo do sentido, mas sobretudo o campo temporal. Tomando como referência as reflexões de Paul Valéry acerca das relações entre tempo veloz e tempo lento na interface das funções de sujeito e objeto, percebemos que a instauração de uma espera como a que vivemos causa um efeito de modulação dos adiantamentos oriundos de um acontecimento: "O que (já) é, não é (ainda) - eis a surpresa. O que não é (ainda), (já) é - eis a espera" (1973, p. 1290). É com tais considerações que iniciamos aqui um diálogo entre psicanálise e semiótica que poderá nos ajudar a pensar algumas questões clínicas acerca dos efeitos subjetivos da pandemia.

 

A des-espera

Propomos um nome para o principal afeto despertado pela ameaça do coronavírus, o des-esperar. Ligado a esse estado de espera que nos parece perpétuo à primeira vista, o des-esperar diz respeito ao não poder esperar a espera que nos foi imposta. Assim, o des-esperar traduz o efeito de negação da possibilidade de o sujeito ser antes de seu objeto, já que, segundo Tatit (1997, p. 54), esta é a fórmula do inesperado: o objeto é antes que o sujeito possa ser. Constata-se, portanto, que a pandemia nos chega como surpresa ("aquilo que já é para o objeto, mas ainda não é para o sujeito"), instaurando uma espera ("o que não é ainda para o objeto, mas já é para o sujeito") que nos faz sofrer.

No que se refere ao inesperado, cabe aqui perguntar qual surpresa trouxe a pandemia, visto que tantas mazelas reveladas por ela já nos são conhecidas. O problema crônico de políticas públicas de saúde, a desigualdade social, a violência do impulso para consumir, a voracidade do mercado, a necropolítica... Por que ainda assim podemos falar de inesperado? Talvez a resposta esteja nesta surpreendente necessidade de isolamento social que a pandemia nos impôs.

Sabemos que a principal medida de prevenção preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para evitar a transmissão em massa do coronavírus foi o isolamento social. Assim, confinados em nossos lares, assistimos estupefatos a disputas de versões sobre origem, diagnóstico, imunização e tratamento da doença, ao mesmo tempo que vivemos dramas privados que ressoam nos dramas públicos (e vice-versa). Acompanhamos também as mais diferentes gestões públicas de combate ao vírus, revelando projetos político-econômicos sinistros, como o gerontocídio. Aliás, a morte trazida pela doença, que a princípio só chegava aos que estavam em grupos de risco (idosos, cardíacos, diabéticos etc.), no Brasil se fez diferente.

Todos os dias ouvimos notícias de pessoas próximas contaminadas, da morte de pessoas conhecidas, ou da indiferença das autoridades em relação àqueles que mais serão atingidos pela pandemia. A reabertura prematura do comércio e da economia em geral nos faz pensar que teremos um pico de contaminações. Além disso, há também a neurose de cada dia, o drama da vida privada dos casais, das famílias. Pessoas que moravam sozinhas passam a viver sós; pessoas que apenas se encontravam em alguns momentos do dia passam a conviver o dia todo, todos os dias da semana. De repente, nos vemos mergulhados em uma realidade próxima àquela apresentada por Sartre em Entre quatro paredes (1944/1977).

A clínica é invadida pela espera. Hoje estamos bem, mas e amanhã? Como estão nossos pais? E nossos amigos e familiares que precisam sair para trabalhar? Como ficarão? Será que vou pegar a doença? E se minha empresa quebrar? A incerteza sobre quando isso tudo vai acabar nos fere, nos desespera. O espectro das necessidades de cada um é muito amplo: de um lado, estão aqueles que precisam romper o isolamento para colocar comida na mesa; de outro, aqueles que precisam sair para fazer compras no shopping. Longe de qualquer julgamento acerca da qualidade dessas escolhas, constatamos graves dificuldades de esperar o tempo da espera. Integrada num arcabouço preexistente de realidade psíquica, a des-espera parece ter a capacidade de sexualizar nossa necessidade.2

 

Corpo e ruptura

O distanciamento e o isolamento social parecem interromper a progressão da vida, incidindo de forma brutal sobre nossa experiência espaçotemporal. Fratura-se a dimensão contínua do sentido de unidade do sujeito, o qual, como sabemos a partir da psicanálise, se constitui enquanto um corpo que integra sujeito e Outro.

Em semiótica, a noção de corpo tem como dublês operacionais os conceitos de foria e tensividade. Segundo Tatit (1997), a foria é um conceito que representa a dimensão contínua do sentido de unidade do ser. Para o autor, ela constitui o próprio sujeito enquanto elemento uno integrado plenamente ao objeto. A fratura dessa unidade corresponde a um ato disfórico que pede recuperação do elo eufórico. É por conter em si a noção de transporte (phoros) que a foria atribui ao sujeito um estatuto temporal. Se tomarmos o próprio sujeito como um elemento uno integrado plenamente ao que em psicanálise chamamos de Outro, veremos que a fratura repentina dessa unidade provocada por determinado acontecimento incidirá, de forma brutal, justamente na experiência temporal do sujeito.

Antes de discutirmos a natureza dessa fratura, vale lembrar que, na leitura lacaniana, o sujeito é o

ser que deve ser captado na fala, como alguém que nunca pode enfim advir nela por inteiro, nesse para-aquém do limiar que no entanto não é dentro nem fora; [para ele] não há acesso ao outro do sexo oposto senão através das chamadas pulsões parciais, onde o sujeito busca um objeto que lhe reponha a perda de vida que lhe é própria, por ele ser sexuado. (Lacan, 1966/1998a, p. 863)

O Outro, por sua vez, é o

lugar onde a fala se confirma por encontrar a troca dos significantes, os ideais que eles sustentam, as estruturas elementares de parentesco, a metáfora do pai como princípio da separação, a divisão sempre reaberta no sujeito em sua alienação primária, apenas desse lado, e por estas vias que acabamos de citar, devem instaurar-se a ordem e a norma que dizem ao sujeito o que ele deve fazer como homem ou mulher. (Lacan, 1966/1998a, p. 863)

Na medida em que é do lugar desse Outro que o sujeito se formula, ele também é eclipsado pelo sentido presente nesse Outro. Será nesse limite que o conceito de Outro poderá ser lido como lugar no qual se produz o efeito de sentido chamado sujeito. Se inicialmente o Outro é encarnado pela mãe, que cumpre a função de atender às necessidades vitais do bebê, sustentando os seus cuidados, posteriormente ele será aquele que conferirá ao eu um destino alienado e preso a uma alteridade. Essa alienação, somada ao processo de separação do Outro, resultará na fantasia fundamental, que será o modo de o sujeito constituir um objeto para o desejo do Outro, viabilizando um acesso a esse Outro através do famigerado objeto a.

Ao ser tomado como objeto pelo sujeito - por intermédio de seus pequenos representantes, a saber: a voz, o olhar, as fezes e o seio -, o Outro se mostra fundido com o sujeito de um modo muito parecido com o que na linguística se chama elemento jectal. O elemento jectal, o ject (como no inglês subject ou no francês jéter), tem dentro dele sujeito e objeto. O ject seria a situação total, que em português e francês escrevemos, respectivamente, sujeito e sujet (que significa "assunto" em francês). Quando o sujeito é assunto (sujet), a princípio ele é objeto, tal como quando dizemos "Vou tratar de tal assunto". Quando o assunto começa a ficar complicado, ele começa a virar o que a semiótica chama de antissujeito (se uma onça come o gado dos fazendeiros, ela é antissujeito; quando os fazendeiros saem para caçá-la, ela vira objeto). Quando o sujeito perde o objeto, inicia-se um processo de retomada de certa harmonia das coisas:

Se tudo está dentro de nós, temos o "objeto" dentro de nós, não há razão para movimento, a narrativa se neutraliza naquele momento. Se nós perdermos o "objeto", temos que ir em busca dele, então ganhamos o sentido, perdemos a harmonia mas ganhamos o sentido. Vivemos neste processo, momentos de harmonia provisória e momentos de busca de alguma coisa. (Tatit, 1999, p. 228)

Constata-se que a mobilidade do elemento jectal faz com que sujeito e objeto caminhem juntos. Encontramos semelhança entre esse elemento e o hypokeimenon,3 termo grego que reenvia o sujeito à sua função de suporte ou submissão à ordem linguageira que diz respeito ao Outro. Esse sujeito, segundo Goldenberg (2018), tem como "substância" um objeto negativo, visto que é definido como produto dos significantes. Como se o sujeito aqui fosse objeto da linguagem (e não o contrário), essa submissão é representada pela barra sobre o S do sujeito ($). Será essa divisão do sujeito barrado que produzirá a falta que o constitui como sujeito em busca de um objeto, orientado por sua fantasia fundamental.

Premissa que guia a busca pelo objeto perdido na operação de alienação-separação, a fantasia fundamental é a janela pela qual enxergamos o mundo, e por isso será no interior dela que qualquer intromissão traumática encontrará ressonância. Segundo Berta, o acontecimento traumático "força as bordas da janela fantasmática, do enquadre da realidade psíquica" (2015, p. 103), e engendra uma perpetuidade do tempo e do espaço que compromete significativamente a leitura da realidade do sujeito.

Assim, observamos que muitos de nossos pacientes, neste momento de pandemia, sofrem não apenas pelos motivos por que nos procuraram anteriormente, mas também pela aparente perpetuidade do tempo e do espaço instalada pela pandemia. Acreditamos que os efeitos de um acontecimento de tal magnitude não podem ser ignorados em nosso trabalho analítico. São necessárias então algumas reflexões sobre o modo de dar tratamento a essa certa desarticulação fantasmática (desarticulação da fantasia fundamental) resultante do encontro com o traumático levantado pela violência do acontecimento-pandemia. Mas antes é preciso entender o que estamos chamando aqui de acontecimento.

 

O acontecimento-pandemia

Por que considerar a pandemia de covid-19 um acontecimento? Para respondermos a tal questão, recorreremos a Slavoj Žižek (2014), autor que define acontecimento como algo traumático, perturbador, que parece suceder de repente e que interrompe o curso normal das coisas; algo que surge aparentemente do nada, sem causas discerníveis, uma aparência que não tem como base nada sólido; a manifestação de uma estrutura circular na qual o efeito acontecimental determina retroativamente suas causas ou motivos.

É possível deduzir da definição de Žižek quatro dimensões do acontecimento: uma dimensão temporal (sucede de repente), uma dimensão espacial (interrompe o curso das coisas), uma dimensão modal (não tem causas discerníveis) e uma dimensão imagético-visual (aparece do nada ou com uma aparência que não tem como base nada sólido). Tais dimensões se apresentam como um complexo de movimento circular marcado pela retroação do efeito do acontecimento sobre o sujeito. Há aqui uma importante referência ao conceito de nachträglich, termo presente na obra de Freud desde as contribuições pré-psicanalíticas, em conexão direta com a questão do trauma e da sua eficácia póstuma. Segundo Bernard Chervet (2009), nachträglich é um termo corrente da língua alemã. Nachträglichkeit articula nach (après/depois) e tragen (portar, suportar). Seu significado semiótico é trazer para um depois (porter vers un après). O keit adiciona o gênero feminino. Estamos, portanto, diante da ideia do a posteriori, do après-coup, que em Freud articula-se ao tempo de uma ação que só produz sentido num momento posterior.

Se o acontecimento pandemia chega para significar retroativamente aspectos subjetivos já existentes da vida do sujeito, ele também implicará a perda do presente e a anterioridade lógica do futuro em relação ao passado. Lacan chamava esse tempo de futuro anterior. A partir dessa construção, é possível revelar como um percurso subjetivo se funda numa atualidade que tem, em seu presente, o futuro anterior. "Que, no intervalo desse passado que ele já é naquilo que projeta, abre-se um furo que constitui um certo caput mortuum4 do significante" (Lacan, 1956/1998b, p. 55).

Há que se distinguir aqui o complexo circular dessa primeira dimensão temporal, que para nós está associada à recepção de um instante no qual o sujeito se vê siderado. Siderante é a qualidade daquilo que indica o incrível, o inacreditável. Alain Didier-Weill (1997) toma essa palavra da tradução de Marie Bonaparte para o termo Verblüffung, que surge no texto de Freud sobre os chistes. É na sideração que o sujeito tem a experiência de um tempo psíquico de latência no qual ele permanece aturdido, pois não encontrou a tradução inconsciente na direção do sentido.

A dimensão imagético-visual cadencia uma espécie de escotomização (supressão de algum elemento daquilo que está sendo visto) da experiência que revela a importância do imaginário na estabilização de uma mínima noção de realidade. Como diz Lacan (1986), o fato de um dado elemento do exterior poder ser absorvível pelo imaginário é o que faz o organismo subsistir como que em um duplo seu, que é o Umwelt, um tipo de bolha que envolve cada espécie. Segundo Safatle (2006), uma das apropriações realizadas por Lacan em relação aos estudos de etologia animal sobre as impregnações imaginárias é a de que o corpo é na verdade uma relação com o próprio meio ambiente de cada espécie viva, determinando a configuração dos objetos presentes no mundo de cada espécie. Tal constatação nasce da afirmação de Lacan de que, "no animal, conhecimento é cooptação, cooptação imaginária. A estruturação do mundo em forma de Umwelt se faz por projeção de um certo número de relações, de Gestalten, que o organizam e o especificam para cada animal" (1986, p. 190).

Por último, temos a dimensão modal e a dimensão espacial, que também se articulam no acontecimento, pois nele o efeito que parece exceder suas causas é também o espaço que se abre pelo oco que separa um efeito de suas causas (Žižek, 2012). O que isso significa? Significa que o efeito que excede a causa se apresenta como um espaço marcado por uma posição de separação entre efeito e causa. Tal separação, aos moldes da causa eficiente aristotélica, promove a passagem do estado de potência ao ato, desencadeada por um intervalo de incubação retroativa. Isso quer dizer que aquilo que já estava lá antes do acontecimento é ativado, fazendo com que a causa seja aquilo que a partir da causa desencadeante (o acidente) continua (temporalidade e fixação) atuando.

Identificamos vários aspectos da atual pandemia com cada uma dessas dimensões. Interrompendo o curso de nossa vida, sem sequer sabermos com certeza a real origem deste mal que nos assola, o coronavírus nos deixou aturdidos, siderados, privados das palavras. Muitos se viram na impossibilidade de de-siderar, ou seja, de seguir o caminho do desiderium, do desejo. A supressão de parte da realidade nos coloca diante de um não sentido (nonsense) que desencadeia a produção de interpretações. Aqui assistimos a uma enxurrada de significados produzidos para dar conta da falta de sentido da pandemia: "O vírus é uma invenção dos chineses"; "É uma forma de atacar a economia mundial"; "É um mal vindo dos que comem carne de animal"; "É um plano para derrubar governos" etc. Tais produções, que apontam para certa impotência do sujeito, parecem inflar o imaginário, dando alguma consistência ao Outro, que estruturalmente é inconsistente.

"O campo do Outro não garante ... em lugar nenhum, em nenhuma medida, a consistência do discurso que se articula nele, em nenhum caso, inclusive no aparentemente mais seguro" (Lacan, 2008, p. 100). Estamos aqui diante do impasse que toda intersubjetividade comporta e que a pandemia tratou de nos revelar: a impossibilidade de a própria linguagem fornecer "uma consistência completa" (Lacan, 2008, p. 24) para o nosso discurso. Eis a nossa maior condição de desamparo.

Aliás, o termo desamparo nos faz constatar que a entrada do bebê no mundo da linguagem inaugura a presença desse Outro, o qual traz a miragem de que há um significante que define o sujeito enquanto aquilo que preenche o lugar da falta do Outro. Se tal miragem introduz o sujeito no mundo do significante, ao mesmo tempo ela o confronta com o fato de que não existe, nessa bateria significante que é a linguagem, um significante capaz de responder pelo seu ser, ou seja, de dizer aquilo que o sujeito representa para o Outro. Tal condição seria a "verdadeira" condição de desamparo experimentada pelo sujeito diante do caráter de irrepresentabilidade da falta de um significante no Outro. É esse "nada" angustiante, atrelado ao "não há significante que me represente para o Outro", que se apresenta como troumatisme (trou significa "furo" em francês), o furo originário presente na constituição do sujeito que será revivido na ocasião do encontro com o acontecimento-pandemia.

A fratura espaçotemporal vivenciada no isolamento exigido pela pandemia dificulta a produção do lugar vazio onde se instala a estrutura simbólica que encobre a verdade do "não há". Tal estrutura impossibilitada pelo acontecimento é justamente o significante da falta no Outro, aquele que dá sustentação ao desejo como sua interpretação (Lacan, 2016).

Segundo Didier-Weill (1997), pacifica-se o significante traumático do "não há significante" através da eficácia de um "há significante" que está presente na mensagem que institui o sujeito como ouvinte. Em outras palavras, quando um Outro endereça uma mensagem ao sujeito, automaticamente se está instituindo um lugar de recepção, um lugar de presença. Essa pacificação não significa que a dimensão da ausência vai ser estancada pela presença significante. Ela vai, ao contrário, ser exaltada, de modo a ser transportada para o campo da significância. Aqui um significante da falta de significante substitui a falta de significante no Outro.

 

Direção para o tratamento durante a pandemia

Qual será a mensagem que esse Outro-pandemia envia para o sujeito? A resposta para tal pergunta terá que ser dada por cada um, já que o singular de cada estrutura fantasmática responderá de maneira diferente às mensagens que chegam do Outro. Não esqueçamos a fórmula da comunicação apresentada por Lacan, segundo a qual o emissor recebe do receptor a sua própria mensagem sob uma forma invertida. O destinatário é o remetente (Goldenberg, 2018). Contudo, isolados, confinados, corremos o risco de nos perdermos em nossas próprias mensagens invertidas escutadas a partir do Outro. Esse Outro tornado consistente devido à dificuldade de estabelecer a alternância rítmica entre o "há significante" e o "não há significante" - dificuldade empreendida pela fratura espaçotemporal originada pelo acontecimento-pandemia - produz certa atualização do traumático que constitui a fantasia fundamental do sujeito (troumatisme).

Faz-se necessário, portanto, pensar modos de dar tratamento a essas intromissões traumáticas que surgem em nossos pacientes no meio da pandemia. Eis aqui algumas diretrizes que podem ajudar o clínico neste momento.

1. O objeto que preenche o espaço clínico daquele que trata do trauma é o espelho. A função de reconhecimento é fundamental para o analista neste momento, pois ela legitima e reitera a importância do outro semelhante como espelho necessário para o resgate daquilo que é exilado da experiência do sujeito no momento de um trauma.

A maneira como a fantasia fundamental é engendrada revela que a experiência originária de nascimento do sujeito se apresenta como um troumatisme, cujo ponto nevrálgico está no modo como se constitui o laço com o Outro. Tal experiência, em nós, encontra-se exilada, justamente por ter sido vivida como uma experiência traumática (experiência de encontro com o há Um/não há Um significante que representa o sujeito para o Outro). Algo dessa ordem será revivido no encontro com um acontecimento traumático como a pandemia.

Tratar o trauma da violência do Outro encarnada no acontecimento-pandemia implica fazer com que o outro, o semelhante, recupere certa função de reconhecimento da existência daquele sujeito. Há aqui um ponto de articulação com o saber produzido pelos textos gregos antigos. O reconhecimento na tragédia grega consiste na mudança da ignorância para o conhecimento. Segundo Duarte (2012), tais mudanças, além de serem utilizadas como recurso estruturador da narrativa - recurso capaz de promover o desenlace de um conflito e dotado de grande apelo emocional -, também são, antes de qualquer coisa, uma resposta às inquietações do homem acerca de sua origem e de sua identidade.

Encontramos na Odisseia o principal modelo desse tipo de reconhecimento que traz à baila aquilo que estamos pensando sobre a função do espelho no tratamento do trauma. No texto de Homero, Ulisses se faz de andarilho mendicante, pois precisa ocultar-se. Sua vida corre perigo em sua própria casa, ocupada pelos mais de 100 pretendentes de Penélope, sua esposa. Sem ter sido reconhecido pela própria mulher, o herói é reconhecido por sua serva Euricleia, através de uma cicatriz na coxa. Ao olhar para o sinal impresso no corpo daquele mendigo, Euricleia recupera a memória de toda a história de Ulisses, tirando do exílio a identidade do rei que precisava, naquele momento, ser um outro. Essa última observação nos leva a nossa segunda elaboração acerca do tratamento do traumático.

2. A função do espelho como duplo: "Não escondo de mim mesmo que há algo escondido em mim".

A função do espelho permite o resgate daquilo que está exilado da experiência. Em outras palavras, a função do reconhecimento introduz uma nova posição subjetiva, que suspende o recalque e introduz o sentimento de Unheimliche. Reconhecer-se como estranho àquilo que está em conformidade ou semelhança com o sistema simbólico do sujeito implica o desvelamento da maneira como o velamento da Coisa (das Ding) foi estruturado.

Mais uma vez, a função do outro semelhante como um espelho, esse pequeno outro na posição de olhar receptivo e de escuta atenta, dá vida a esse segredo. Mostrando que ele tira sua consistência não de um olhar que não vê, mas de um olhar que vê claramente, o outro como espelho institui que essa "coisa humana" exilada da experiência, justamente por ser traumática, não precisa se esconder para estar escondida.

3. A impossibilidade radical de dizer ao Outro "Não sou apenas isso" é, para nós, o núcleo da experiência traumática. O trauma do nascimento do sujeito diz respeito à fundação de um espaço virtual que se constitui como um intervalo entre o sujeito e o Outro, no qual o sujeito poderá dizer "Eu" no momento em que o Outro diz "Tu". Nesse sentido, o tu enunciado pelo Outro está impregnado pela dimensão mortífera do significante, o "tu és", que foi frequentemente trabalhado por Jacques Lacan em diferentes passagens de seu ensino.

A homofonia comentada por Lacan (1997) entre o tu est (tu és) e o verbo tuer, que em francês significa "matar", denota o perigo de o sujeito tomar como verdade o saber contido nesse "tu és" vindo do Outro. Trata-se do poder de destruição de tal designação, que remete ao efeito de redução do sujeito a um "Sou apenas isso que o Outro diz".

Assim, se tomarmos o "tu és" como um saber não subtraído à verdade (verdade do "não há significante" que me represente para o Outro), mas com ela coincidindo, ele resultará numa presença absoluta do Outro, que se tornará radicalmente consistente para o sujeito. Na prática, vemos que um acontecimento como a pandemia leva o sujeito a responder imperativamente conforme "a" verdade supostamente enunciada no "tu és". O impasse aqui diz respeito à luta entre o ser e o sentido. Se o sujeito escolher o sentido que o Outro lhe oferece ao dizer "tu és", teremos consequentemente o seu desaparecimento.

Qual é o sentido que a pandemia oferece ao sujeito? Qual "tu és" está em jogo naqueles que de alguma forma se sentem afetados pela des-espera provocada pela situação atual? Torna-se importante, neste momento, a exploração do sentido recaído sobre o sujeito. Para isso, faz-se necessário operar de modo a delimitar o espaço no qual ele se aloja: o espaço entre o enunciado e a enunciação. O trauma violenta esse espaço onde opera o campo da fala e da linguagem, mostrando que o mundo do silêncio absoluto é, na verdade, habitado pelo terror do silêncio do silêncio: um silêncio que fala. É exatamente o sentido do Outro - tornado absoluto e consistente na pandemia - que impõe esse silêncio ao sujeito.

 

Considerações finais

O trabalho clínico realizado durante a primeira fase da pandemia no Brasil tem mostrado que a chegada da covid-19 deflagrou um inesperado que nos colocou em estado de espera. A permanência nesse estado de espera remonta à des-espera, estado no qual o sujeito imerge na obscuridade de uma zona de exclusão figurada pelo intervalo entre o passado e aquilo que ele é no que projeta. Se tomarmos o des-esperar como marca do sofrimento singular produzido pela impossibilidade de esperar a espera, constataremos que há algumas especificidades a serem levadas em conta nos tratamentos que dirigimos neste momento.

A primeira coisa a considerar é que a subtaneidade com que fomos surpreendidos pela emergência deste drama sanitário mundial e mortal eleva os níveis de tensão de nossa vida. O impacto do acontecimento-pandemia, sobretudo com a imposição do isolamento social, tem o potencial de revelar algo sobre nós, sobre o sujeito, sobre aquilo que nele se mantém em segredo. Estamos aqui diante da angústia do Unheimliche freudiano, o qual, além de dizer algo sobre alguém inquietado pela espera em sua própria casa, também diz da figura do segredo:

A angústia é quando aparece nesse enquadramento o que já estava ali, muito mais perto, em casa, Heim. É o hóspede, dirão vocês. Em certo sentido, sim, é claro, o hóspede desconhecido, que aparece inopinadamente, tem tudo a ver com o que se encontra no Unheimliche, mas é muito pouco designá-lo dessa maneira, pois, como lhes indica muito bem o termo em francês, assim, de imediato, esse hóspede (hôte), em seu sentido comum, já é alguém bastante inquietado pela espera. ... No sentido corriqueiro, esse hóspede não é o Heimliche, não é o habitante da casa, é o hostil lisonjeado, apaziguado, aceito. O que é Heim, o que é Geheimnis (segredo, mistério), nunca passou pelos desvios, pelas redes, pelas peneiras do reconhecimento. Manteve-se Unheimliche, menos não habituável do que não habitante, menos inabitual do que inabitado. (Lacan, 2005, p. 87)

Nesse sentido, é preciso discernir o falso segredo do verdadeiro segredo. Segundo Didier-Weill (1997), é falso todo segredo que, determinado pelo ato de estar escondido num recanto subterrâneo da obscuridade, tira sua consistência do fato de estar abrigado do olhar ou do pensamento do Outro. Esse falso segredo teme o raio de luz pelo qual ele será dissipado. Por outro lado, o verdadeiro segredo não teme a luz, e necessita dela para se revelar. Desse modo, o verdadeiro segredo não é secreto porque o sujeito não saberia ver o lugar em que está dissimulado, mas antes porque ele vê com toda a clareza o que nele próprio se furta à clareza do seu saber.

O analista que enfrenta junto com seus pacientes as adversidades subjetivas trazidas à tona pela pandemia terá o papel de se colocar, desde a função do espelho, no lugar de um olhar receptivo, que pode acolher o segredo que se revela para o paciente como algo traumático. Mostrando que ele tira sua consistência não de um olhar que não vê, mas de um olhar que vê claramente, o analista como espelho institui que essa "coisa humana" exilada da experiência não precisa se esconder para se manter escondida. Mesmo que essa coisa seja "o pior".

Entre a violência de um Outro totalitário - encarnado na figura do vírus5 - e a fala do sujeito, é possível imprimir algo de sua própria subjetividade. Por isso, as reflexões em torno do assujeitamento ao Outro nos fazem constatar que é preciso haver, neste momento, a transmissão de um intervalo que possa fundar um "inter" (inter-dito) que produz descontinuidade entre Outro e sujeito. Talvez assim poderemos realizar, junto com nossos pacientes, a árdua tarefa de não nos tornarmos reféns do presente, dessa versão monolítica de um tempo, desse rumor uníssono e homogêneo (Fuks, 2020).

 

Referências

Berta, S. L. (2015). Localização da urgência subjetiva em psicanálise. A Peste, 7(1),95-105.         [ Links ]

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Correspondência:
Tiago Sanches Nogueira
Travessa Marajó, n. 67, C2
09015-190 Santo André, SP
Tel.: 11 99878-4178
tiagosanchesnogueira@gmail.com

Recebido em 16/7/2020
Aceito em 29/9/2020

 

 

1 Durante o texto, diremos as pessoas de forma genérica, mas vale lembrar que há aqueles que não se sentiram tocados pelo que está acontecendo no mundo. Deixaremos para um outro texto as reflexões sobre aqueles que disseram que a covid-19 era apenas uma gripezinha; aqueles que tentaram nos impor o falso dilema entre saúde e economia; enfim, aqueles que fizeram da pandemia um des-acontecimento, trazendo de volta a urgência de retomarmos o debate sobre a banalidade do mal e sobre a influência da pulsão de morte na política.
2 Slavoj Žižek (2012) recupera o conceito de sexualidade como o nome da passagem da contingência para a necessidade.
3 Traduzido como "suposto", "suporte" ou "posto embaixo de alguma coisa".
4 Os antigos nomeavam caput mortuum (cabeça morta) o resíduo dos experimentos alquímicos.
5 Deixemos para um outro momento as reflexões em torno dos efeitos da violência de outro tirano do nosso presente.

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