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Print version ISSN 1413-2907
Interações vol.9 no.18 São Paulo Dec. 2004
ARTIGOS
Análise dos encaminhamentos de crianças com queixa escolar da rede municipal de ensino de Caxias do Sul1
Analisys of referral of children with school complaints by the public schools in Caxias do Sul
Paula Scortegagna*I; Daniela Centenaro Levandowski*, ** II
*Universidade de Caxias do Sul
**Universidade Luterana do Brasil
**Universidade Federal do Rio Grande do Sul
RESUMO
Este trabalho teve por objetivo fazer uma análise dos encaminhamentos de crianças com queixa escolar, feitos pelas escolas municipais de Caxias do Sul, ao Serviço de Psicologia do Programa VinculAÇÃO. Foram analisados 111 encaminhamentos referentes à lista de espera de 2002 e 2003, de segunda a oitava séries do Ensino Fundamental. Foi feita uma classificação das queixas em quatro categorias: problemas de aprendizagem, problemas de comportamento, problemas emocionais e outros problemas relacionados a questões escolares. Os resultados mostraram um grande número de queixas por encaminhamento, havendo maior incidência entre os meninos. Percebe-se uma falta de reflexão dos professores acerca do contexto escolar do aluno encaminhado. O estudo indicou a necessidade de um trabalho de intervenção junto às escolas para o esclarecimento do trabalho do psicólogo e para a reflexão sobre as condções do processo de ensino-aprendizagem, especialmente do papel da escola e do professor.
Palavras-chave: Psicologia, Escola, Queixas, Aprendizagem, Encaminhamento.
ABSTRACT
This paper analyses the referral of children with school complaints to a Psychological Service Program by public schools of Caxias do Sul. One hundred and eleven referrals pertaining to the waiting lists of years 2002 and 2003 of Junior and High School were analyzed. Four categories of complaints were found: learning, behavioral and emotional problems and problems related to school issues. The results indicated a large number of referrals and a particularly larger incidence among boys. It also indicated a lack of reflection by teachers concerning the school context. The study suggests the need to work together with the teachers to clarify the work of psychologists and to reflect on the teaching-learning process, especially on the role of the school and the teacher.
Keywords: School, Psychology, Complaints, Learning, Referral.
Introdução
Diante da grande quantidade de encaminhamentos de crianças e adolescentes com queixa escolar para serviços de atendimento psicológico, estes vêm sendo, segundo Souza (2000), objeto de preocupação no trabalho realizado pelos psicólogos. Torna-se necessário obter uma compreensão dos mesmos, rever suas causas, propor alternativas de trabalho e discuti-las com os profissionais envolvidos nesse contexto. Conforme a autora, denomina-se “queixa escolar” os encaminhamentos de crianças por problemas escolares ou distúrbios de comportamento e de aprendizagem.
Segundo Souza (1997), muitas dessas queixas escolares são entendidas como um problema individual, pertencente à criança encaminhada, sem ser considerado aquilo que se passa na escola, analisando as dificuldades do processo de escolarização como dificuldades de aprendizagem, cujas causas são de caráter estritamente psicológico. Assim, os problemas escolares são entendidos dentro de uma perspectiva de medicalização/psicologização (Boarini e Borges, 1998; Custódio, 1996).
Em pesquisas realizadas com professores e diretores de escolas públicas, observou-se que há uma tendência dos mesmos em acreditar que a maioria dos problemas de aprendizagem tem causas que estão localizadas nas crianças e em seus pais; esta atribuição acaba por considerar o aluno como o responsável por sua dificuldade (Souza, 1997; 2000). Mais especificamente, esses professores e diretores acreditam que as dificuldades escolares têm como causas problemas biológicos e de desnutrição; 92,5% afirmam que o fracasso escolar deve-se a problemas emocionais ou neurológicos das crianças. Somente 22% apontam a existência de distorções no sistema educacional; e apenas 7,5% consideram problemas de funcionamento da escola como causa do fracasso escolar (Souza, 1997).
Diante dessa prática docente, não podemos deixar de lado o fator da realidade social e institucional em que o professor está inserido, a qual muitas vezes determina sua maneira de pensar e agir. Portanto, conforme coloca Aguiar (2000), é fundamental que façamos uma análise, pois somente por meio da compreensão daquilo a que os sujeitos estão submetidos poderemos compreender suas formas de agir, pensar e sentir.
Também podemos destacar a importância de o professor compreender seu aluno diante dessa realidade social e institucional. Conforme Freller (citado por Meira, 2000), o fracasso escolar deve ser entendido não somente por meio de um enfoque psicológico, mas também social e pedagógico, pois a maneira como as crianças se relacionam com a instituição escola, e como esta relaciona-se com as crianças, pode agravar ou cronificar as dificuldades apresentadas pelas mesmas.
Lewis, Dlugokinski e Caputo (citados por Graminha e Martins, 1994) consideram que a criança, a família e a rede social mais ampla a que ela pertence, incluindo-se a escola, podem ser tanto fontes potenciais de risco para o desenvolvimento de desordens emocionais, quanto recursos que devem ser mobilizados para a promoção de um desenvolvimento psicossocial saudável. Assim, a intervenção do psicólogo diante da queixa escolar deve visar não somente a criança e sua família, mas também a rede social mais ampla na qual está inserida.
De fato, Patto (2000) compreende que no rendimento escolar da criança existe a influência de conflitos psíquicos vivenciados por ela, sejam eles decorrentes de sua família ou não. Contudo, afirma que não se pode deixar de considerar que as relações que a escola estabelece com o aluno e sua subjetividade contribuem, modificam ou reforçam quaisquer que sejam esses conflitos.
Atualmente muito se tem falado em uma nova visão da Psicologia Escolar, advinda principalmente de um número crescente de pesquisas realizadas a partir da década de 80, que procuravam analisar criticamente as concepções e o direcionamento que se dava ao atendimento das queixas escolares. Estas pesquisas passaram a propor ao psicólogo novas perspectivas de atuação profissional (Souza, 1997).
Por meio desses estudos, segundo Patto (1987), é que se percebeu os equívocos e incompreensões presentes até então na formação do psicólogo em relação ao atendimento das crianças com problemas escolares, pois focalizavam-se dois aspectos: os alunos e os professores. No que diz respeito aos alunos, a ênfase estava na integração da criança desajustada aos padrões de comportamento desejados e na eliminação dos comportamentos inadequados. Em relação aos professores, buscavase a sensibilização para os aspectos educacionais, auxiliando-os na eficácia de sua tarefa frente ao processo de aprendizagem e suas dificuldades, sem se discutir o que poderia estar influenciando os comportamentos indesejados dos alunos.
Cabral e Sawaya (2001), a partir de considerações históricas da contribuição da psicologia à educação, consideram que a atuação limitada do psicólogo na instituição escolar deve-se à influência do referencial teórico-metodológico advindo da Psicologia Clínica, que focaliza os aspectos individuais do aluno. Existe também uma desarticulação entre a teoria e a prática na formação do psicólogo, bem como a falta de um enfoque sócio-político que lhe permita ter um conhecimento dos dados e informações sobre a situação da educação brasileira.
De fato, historicamente, conforme Netto (1996), a Psicologia Escolar, que foi introduzida no currículo de graduação em Psicologia no ano de 1962, antes era considerada como uma disciplina que auxiliaria os alunos tidos como atrasados ou retardatários escolares, ou as crianças com inteligência anormal. A partir da década de 70, segundo Patto (1997), é que a Psicologia Escolar começou a tomar novos rumos, começando pela troca do nome da disciplina de Psicologia do Escolar e Problemas de Aprendizagem, cujo foco de atenção era o aluno, para Psicologia Escolar e Problemas de Aprendizagem, sendo o foco a instituição. Assim, foram se redefinindo os objetivos da Psicologia Escolar, a partir das teorias crítico-reprodutivas de Althusser e Bourdieu, que começavam a circular no Brasil. Estas traziam o papel ideológico, domesticador e excludente da Escola nas dificuldades de aprendizagem de grande parte das crianças das classes populares, e a possível contribuição da Psicologia à manutenção desse quadro. Iniciou-se, então, o desafio da intervenção psicológica nas escolas e a criação de propostas profissionais inovadoras, visando à melhoria da qualidade da escola que se oferece às crianças das classes populares e à análise da instituição quando se trata de entender seus sujeitos, superando a via estreita e tradicional do diagnóstico e tratamento de desajustados, acreditando-se que todas as crianças têm capacidade de aprender.
Conforme Meira (2000), é importante que os psicólogos escolares rompam com as explicações pseudocientíficas, que buscam situar a origem dos problemas educacionais no aluno e/ou em sua família, e comecem a ter uma visão mais crítica das práticas sociais e escolares que os produzem. Dessa forma, será possível promover modificações que resultem na melhoria da prática docente e do processo ensino-aprendizagem, melhorar o acompanhamento e apoio familiar, bem como desenvolver as possibilidades e potencialidades de cada aluno frente às suas dificuldades no processo de escolarização.
A fim de que se torne viável uma análise da instituição na qual está inserido o aluno com queixa escolar, é necessário que o psicólogo possa ter acesso à escola para observá-la, e a partir de então montar seu plano de trabalho, a fim de minimizar os problemas geradores da queixa – seja na forma de trabalhos de assessoria, seja atuando diretamente junto à escola. Segundo Meira (2000), essas formas de intervenção visam, além do trabalho com alunos, famílias e professores, a uma reflexão e aprimoramento das práticas pedagógicas, e à criação de ações concretas, que garantam à escola a utilização dos conhecimentos psicológicos como um dos fundamentos importantes na elaboração de suas propostas de trabalho.
A escola produz diariamente uma grande quantidade de dados que podem ser analisados pelos psicólogos e equipe escolar, gerando conhecimentos da própria realidade. Esses dados poderão ser usados por todos aqueles que atuam nesse espaço, visando a uma articulação entre conhecimento e experiência, por meio de uma organização mais adequada às necessidades de trabalho (Witter, 1996). Considerando a importância das pesquisas em Psicologia Escolar para o aperfeiçoamento da atuação profissional do psicólogo, e constituindo-se os locais onde os psicólogos atuam excelentes campos para as mesmas (Witter, 1996), o presente trabalho visa fazer uma análise dos encaminhamentos de crianças com queixa escolar realizados pelas escolas municipais de Caxias do Sul ao Serviço de Psicologia do Programa Vinculação,2 a fim de gerar conhecimentos válidos sobre a realidade na qual estamos inseridos, proporcionando uma forma de atuação profissional mais adequada e condizente com as necessidades desse contexto. Como refere Coriat, “para provocar transformações naquilo que temos ao lado, é necessário olhar as coisas muito conhecidas, a partir de outro lugar” (citada por Medeiros, 1997, p. 91).
Método
Amostra
Para a presente pesquisa utilizou-se documentação da Secretaria Municipal de Educação de Caxias do Sul referente aos encaminhamentos das crianças com queixa escolar ao Setor de Psicologia do Programa VinculAÇÃO, dos anos de 2002 e 2003, que estavam em lista de espera até maio de 2003, quando foi finalizada a coleta de dados. A amostra foi composta por 111 encaminhamentos de crianças de segunda a oitava séries do Ensino Fundamental para atendimento psicológico no já citado Programa. A Tabela 01 traz de forma mais detalhada a série escolar a que se referia o encaminhamento, bem como idade e sexo da criança.
Série | Idade | Sexo F | Sexo M | Nº de Encaminhamentos |
2ª | 07-13 | 13 | 32 | 45 |
3ª | 09-18 | 06 | 12 | 18 |
4ª | 10-14 | 03 | 05 | 08 |
5ª | 11-16 | 05 | 16 | 21 |
6ª | 12-16 | 04 | 09 | 13 |
7ª | 13-16 | 02 | 03 | 05 |
8ª | 14 | 01 | 0 | 01 |
Total | 34 | 77 | 111 |
Tabela 01. Dados demográficos da amostra
Optou-se por trabalhar com documentos referentes a encaminhamentos constantes da lista de espera pelo difícil acesso aos dados de alunos que já estão em atendimento, pois estes ficam com os profissionais responsáveis, não estando arquivados nos referidos Núcleos.
A decisão pela utilização de encaminhamentos de crianças a partir da segunda série ocorreu porque nos de pré-escola e primeira série não estavam especificadas as queixas escolares, e sim uma breve história da vida do aluno, semelhante a uma anamnese, o que dificultava a análise, não correspondendo ao objetivo da pesquisa.
Instrumento
Utilizou-se um protocolo para a coleta dos dados especialmente elaborado para esta pesquisa, tendo por base a literatura consultada. O protocolo continha dados demográficos, como idade, sexo e série escolar, o motivo pelo qual o aluno foi encaminhado para o atendimento psicológico, e também um espaço para o registro de observações que fossem consideradas pertinentes.
Delineamento e procedimentos
Realizou-se um estudo documental, de caráter exploratório. Segundo Gil (1995), a coleta de dados tendo como fonte “papéis” caracteriza a pesquisa como documental, diferenciando-se da pesquisa bibliográfica, que também os utiliza, por servir-se de materiais que ainda não foram analisados ou que podem ser reelaborados de acordo com o objetivo da pesquisa. O primeiro passo para o desenvolvimento da pesquisa documental é a exploração das fontes documentais, que no caso da presente pesquisa, referem-se a documentos de primeira mão: encaminhamentos das escolas.
Consultou-se os encaminhamentos feitos ao Serviço de Psicologia do Programa VinculAÇÃO, os quais continham informações do aluno, dados pessoais e familiares, e da queixa escolar. A partir de contato com a coordenação do VinculAÇÃO, foi enviado Ofício à Secretaria Municipal de Educação (SMED), a fim de obter-se a autorização para consultar tais documentos, presentes nos arquivos da lista de espera dos Núcleos do Programa. Após a autorização da Secretaria da SMED, com a utilização do protocolo elaborado, iniciou-se a coleta de dados, tendo-se o cuidado de evitar a possibilidade de reconhecimento dos sujeitos. Foram analisados todos os encaminhamentos para atendimento psicológico que estavam em lista de espera nos quatro Núcleos do Programa VinculAÇÃO. A partir da coleta de dados foi realizado um levantamento das queixas escolares, conforme explicado a seguir.
Resultados e discussão
Para a classificação dos dados obtidos por meio do protocolo referentes às queixas escolares, utilizou-se uma versão adaptada da classificação proposta por Cabral e Sawaya (2001) em pesquisa realizada no município de Ribeirão Preto (SP).3 Esta teve que ser modificada tendo em vista a quantidade e diversidade das queixas contidas nos encaminhamentos, as quais não se ajustavam ao esquema proposto pelas autoras, sendo necessário incluir-se novas categorias.4
A partir de diversas leituras dos protocolos procedeu-se a definição das categorias de classificação e a classificação dos dados propriamente dita. As categorias utilizadas foram: problemas de aprendizagem (dificuldades de aprendizagem, dificuldades cognitivas, dificuldades na leitura, dificuldades na escrita, dificuldades na resolução de cálculos, dificuldades na alfabetização, dificuldade de compreensão, dificuldade na expressão oral e escrita, lentidão para aprender, falta de atenção e concentração, esquecimento, problemas psicomotores); problemas de comportamento (indisciplina, agressividade, hiperatividade, agitação, apatia, cansaço, isolamento/introversão/introspecção, mentira, roubo, choro, dormir durante a aula, absenteísmo, não realização das atividades propostas, desorganização, destruição do material escolar, grito em sala de aula, enforcamento de animais); problemas emocionais (inadaptação, insegurança, nervosismo/ansiedade, tristeza/depressão, auto-estima baixa, imaturidade, dependência, emotividade, labilidade emocional, inibição/ vergonha/timidez, chamar atenção, perfeccionismo, dificuldades afetivas, falta de interesse/desmotivação, problemas de relacionamento com os professores, problemas de relacionamento com os colegas); outros problemas relacionados a questões escolares (problema de fala, gagueira, imaturidade neurológica, deficiência mental); e outras observações. Também foram recolhidos dados em relação aos atendimentos médicos já realizados ou solicitados pela escola. Levantou-se da incidência (freqüências e porcentagens) de cada queixa escolar e demais informações recolhidas na coleta de dados. Os resultados encontram-se mais detalhados nas Tabelas 02, 03, 04 e 05.
QUEIXA ESCOLAR | Série | Total4 | |||||||
2ª | 3ª | 4ª | 5ª | 6ª | 7ª | 8ª | N | %5 | |
Problemas de Aprendizagem | 58 | 26 | 08 | 30 | 12 | 02 | 136 | 100 | |
Dificuldades de aprendizagem6 | 12 | 03 | 01 | 06 | 02 | 24 | 18 | ||
Dificuldades cognitivas | 01 | 01 | 02 | 01 | |||||
Dificuldades na leitura | 05 | 02 | 01 | 01 | 09 | 07 | |||
Dificuldades na escrita | 06 | 03 | 01 | 04 | 14 | 10 | |||
Dificuldades na resolução de cálculos | 02 | 02 | 02 | 01 | 07 | 05 | |||
Dificuldades na alfabetização | 03 | 01 | 04 | 03 | |||||
Dificuldade de compreensão | 08 | 05 | 01 | 05 | 02 | 21 | 15 | ||
Dificuldade na expressão oral e escrita | 03 | 01 | 04 | 03 | |||||
Lentidão para aprender | 01 | 02 | 01 | 04 | 01 | 09 | 07 | ||
Falta de atenção e concentração | 14 | 05 | 02 | 07 | 05 | 01 | 34 | 25 | |
Esquecimento | 02 | 01 | 03 | 02 | |||||
Problemas psicomotores | 02 | 02 | 01 | 05 | 04 | ||||
Problemas de Comportamento | 45 | 20 | 14 | 22 | 12 | 05 | 01 | 119 | 100 |
Indisciplina | 05 | 01 | 02 | 06 | 02 | 01 | 01 | 18 | 15 |
Agressividade | 09 | 03 | 03 | 05 | 04 | 01 | 25 | 21 | |
Hiperatividade7 | 04 | 01 | 01 | 01 | 07 | 6 | |||
Agitação | 07 | 01 | 02 | 02 | 12 | 10 | |||
Apatia | 03 | 01 | 01 | 05 | 4 | ||||
Cansaço | 01 | 01 | 02 | 2 | |||||
Isolamento, introversão, introspecção | 05 | 06 | 01 | 01 | 13 | 11 | |||
Mentira | 01 | 01 | 02 | 2 | |||||
Roubo | 01 | 01 | 02 | 2 | |||||
Choro | 03 | 01 | 02 | 03 | 09 | 7 | |||
Dormir durante a aula | 01 | 01 | 1 | ||||||
Absenteísmo | 02 | 01 | 01 | 04 | 3 | ||||
Não realizar as atividades propostas | 05 | 01 | 03 | 02 | 01 | 01 | 13 | 11 | |
Desorganização | 03 | 03 | 2 | ||||||
Destruir o material escolar | 01 | 01 | 1 | ||||||
Gritar na sala de aula | 01 | 01 | 1 | ||||||
Enforcar animais | 01 | 01 | 1 | ||||||
Problemas Emocionais | 44 | 19 | 10 | 21 | 07 | 09 | 01 | 111 | 100 |
Inadaptação | 01 | 01 | 01 | ||||||
Insegurança | 04 | 01 | 01 | 01 | 02 | 09 | 08 | ||
Inibição/vergonha/timidez | 03 | 01 | 02 | 06 | 06 | ||||
Nervosismo/ansiedade | 05 | 04 | 03 | 03 | 01 | 01 | 17 | 15 | |
Tristeza/depressão | 01 | 01 | 01 | 01 | 04 | 04 | |||
Auto-estima baixa | 03 | 03 | 02 | 08 | 07 | ||||
Imaturidade | 02 | 01 | 03 | 02 | 08 | 07 | |||
Dependência | 03 | 01 | 01 | 05 | 04 | ||||
Emotividade | 01 | 02 | 03 | 03 | |||||
Labilidade emocional | 03 | 02 | 01 | 01 | 07 | 06 | |||
Chamar atenção | 01 | 01 | 01 | ||||||
Perfeccionismo | 01 | 01 | 01 | ||||||
Dificuldades afetivas | 01 | 01 | 01 | ||||||
Falta de interesse/desmotivação | 05 | 01 | 02 | 02 | 01 | 11 | 10 | ||
Relacionamento com os professores | 01 | 02 | 01 | 04 | 04 | ||||
Relacionamento com os colegas | 11 | 03 | 04 | 05 | 02 | 25 | 22 | ||
Outros relacionados a questões escolares | 07 | 01 | 02 | 03 | 02 | 15 | 100 | ||
Problema de fala | 01 | 02 | 01 | 01 | 05 | 33 | |||
Gagueira | 01 | 01 | 07 | ||||||
Imaturidade neurológica | 02 | 01 | 02 | 01 | 06 | 40 | |||
Deficiência mental | 03 | 03 | 20 |
Tabela 02. Freqüência e porcentagem das queixas escolares que motivam o encaminhamentode crianças para atendimento psicológico, conforme a série escolar
QUEIXA ESCOLAR | | |
Problemas de Aprendizagem | 136 | 36 |
Problemas de Comportamento | 119 | 31 |
Problemas Emocionais | 111 | 29 |
Outros Relacionados a Questões Escolares | 15 | 04 |
Total | 381 | 100 |
Tabela 03. Freqüência e porcentagem das queixas escolares
A Tabela 03 revela que 36% das queixas apresentadas são relativas aos problemas de aprendizagem, 31% a problemas de comportamento, 29% a problemas emocionais e 15% a outros problemas relacionados a questões escolares. Podemos observar, por meio da alta incidência das mesmas (381), o que Santos (citado por Graminha e Martins, 1994) já mostrava em seu estudo, que as queixas múltiplas são mais comuns nos encaminhamentos do que a queixa única, ocorrendo na maioria dos casos, assim como na presente pesquisa.
Podemos perceber também na Tabela 03 uma grande quantidade de queixas escolares (381) em relação à amostra total do estudo (111 encaminhamentos), ou seja, o número de queixas é aproximadamente três vezes e meio maior que o de encaminhamentos. Conforme Pandolfi (1999), é comum identificar nas escolas a percepção do psicólogo escolar como uma espécie de mágico capaz de resolver todos os problemas que as crianças possam apresentar, em uma tentativa de passar a responsabilidade da ação pedagógica a outra pessoa. Esta tentativa, segundo Martins (1996), acaba afastando a possibilidade de intervenção do psicólogo junto a professores e direção, o que talvez pudesse reduziro número de encaminhamentos aos serviços.
Analisando-se a grande quantidade de informações contidas nos encaminhamentos, verificamos o que Curonici e McCulloch colocam sobre o professor ter dificuldade em fornecer informações a respeito de seu aluno devido a uma abundância de observações de toda ordem – “o passado, o presente, a família, o psiquismo interno, a escola, as observações dos colegas, tudo se mistura (...) em uma bela desordem” (1999, p. 137). Ainda segundo as autoras, imerso nesse excesso de informações, o professor passa a raciocinar em cima do motivo pelo qual determinado problema se coloca, ao invés de se perguntar como ele se perpetua. Desse modo, o professor perde a oportunidade de introduzir uma mudança no problema que se apresenta, mesmo tendo a possibilidade de obter informações suficientes para isso dentro de seu campo profissional.
Segundo Souza (1997), grande parte dos professores utiliza como alternativa o encaminhamento para atendimento psicológico e médico, o que leva a questionar as características de formação de professores e especialistas em educação. Esta, acrescida aos desafios enfrentados na prática docente diária, parece estar enfatizando explicações psicológicas para os problemas escolares. Conforme a autora, o encaminhamento de uma criança para o psicólogo em função de um problema de aprendizagem traz implícita uma relação de causa e efeito que ainda não está comprovada
Muitas vezes a escola rotula como doença ou incapacidade, culpabiliza e estigmatiza alguns alunos por um fracasso que não é só seu. A manutenção do fracasso escolar pela escola ocorre pela incapacidade de entender as necessidades dos alunos para tentar sair do lugar de incapazes em que foram confinados (sem precisar recorrer a outros profissionais especialistas como médicos, psicólogos). “O êxito escolar não revela saúde mental, assim como o fracasso escolar não significa doença” (Freller, 1997, p. 133).
No levantamento realizado, o maior número de encaminhamentos para atendimento psicológico (45) são de crianças que estão cursando a segunda série do ensino fundamental (ver Tabela 01), estando ainda em processo de alfabetização, segundo Souza (1997). A pesquisa foi realizada no mês de maio, início do ano letivo, período em que os alunos ainda são ingressantes na escola, e o grande número de encaminhamentos parece indicar que os professores já acreditam que as crianças apresentam problemas de aprendizagem nesse momento. Em sua pesquisa, Souza (1997) constatou que a maioria dos encaminhamentos feitos aos profissionais de psicologia refere-se a problemas vividos pelas crianças no processo de aprendizagem escolar, tanto no início do processo de alfabetização, quanto na sua continuidade nas primeiras séries.
Comparando-se a quantidade de encaminhamentos da segunda série (45) com as demais séries escolares, pode-se observar uma diminuição na terceira (18) e quarta séries (8), havendo um aumento na quinta série (21), e por fim uma diminuição nas últimas – sexta (13), sétima (5) e oitava séries (1). Conforme Graminha (1994), há grande dificuldade de se decidir quando uma criança está realmente apresentando “distúrbio emocional” e requerendo ajuda de um profissional, pois esta se encontra, por sua própria natureza, em um estado de mudança e desenvolvimento contínuos. Assim, segundo a autora, um comportamento infantil pode ser considerado distúrbio em uma determinada idade e estar dentro dos limites da “normalidade” em outra (grifo das autoras). Isso leva a pensar na necessidade de se conhecer, quando da solicitação de atendimento psicológico, o que é esperado das crianças em cada nível etário, e de compreender as fases de seu desenvolvimento quando da solicitação de atendimento psicológico.
As queixas mais freqüentemente referiam-se a meninos (77) do que meninas (34, ver Tabela 01), o que corrobora os resultados de diversas pesquisas realizadas desde a década de 60, conforme refere Souza (1997). Nos encaminhamentos para atendimento psicológico a predominância é para o sexo masculino, sendo que a maioria dos comportamentos em que os meninos superam as meninas faz parte dos chamados “problemas de conduta”, enquanto os comportamentos em que estas superam os meninos fazem parte dos chamados “problemas de personalidade”. Tendo vários estudos demonstrado a prevalência de encaminhamentos de crianças do sexo masculino, e considerando, segundo Graminha (1994), que existem diferenças entre os sexos na manifestação de problemas emocionais e comportamentais no decorrer do desenvolvimento, é imprescindível que se possa ter um conhecimento prévio dos comportamentos esperados conforme o gênero da criança, para que se possa compreender e avaliar os desvios de conduta da infância.
Voltando-nos mais especificamente às categorias estabelecidas para a classificação das queixas escolares, podemos verificar na Tabela 03 a grande incidência de queixas escolares entre as três primeiras categorias citadas: problemas de aprendizagem (136), problemas de comportamento (119) e problemas emocionais (111). Segundo Graminha, Martins e Miura (1996), quando as crianças apresentam dificuldades escolares, elas comumente são tidas como apresentando paralelamente outros problemas de ordem emocional e comportamental, o que podemos verificar na presente pesquisa.
Marturano e Parreira (1996) compreendem que existe uma relação entre baixo rendimento escolar e problemas emocionais/comportamentais, pois estes tanto podem ser decorrentes das dificuldades escolares, como serem precedidos pelas mesmas, causando-as. Uma criança com baixo rendimento escolar pode apresentar dificuldades quanto a suas habilidades sociais, que associadas a falhas educacionais e condições familiares, podem agravar-se.
Em relação aos achados da Tabela 03, Nutti (2003) também comenta que os problemas de aprendizagem não estão centrados apenas no aluno, mas relacionam-se a problemas de ordem psicopedagógica e/ou sócio-culturais. Referindo as idéias de Pain, Nutti (2003) comenta que a dificuldade de aprendizagem é como um sintoma, que pode ser determinado por fatores orgânicos; fatores específicos da criança, que não são passíveis de constatação orgânica, mas que se manifestam na área da linguagem, organização espacial e temporal, entre outros; fatores psicológicos e fatores ambientais, estando aqui incluída a escola.
Fernández (1991) compreende que as dificuldades de aprendizagem estariam relacionadas tanto a causas internas à estrutura familiar e individual, como a causas externas à mesma, devendo-se considerar aqui o docente e a própria instituição escolar. A partir dos resultados detalhados na Tabela 02, percebe-se que em nenhum momento houve uma indicação ou reconhecimento de problemas da instituição e/ou dos docentes que poderiam estar causando ou contribuindo para o agravamento das dificuldades dos alunos.
De acordo com os resultados expressos na Tabela 02, as queixas de falta de atenção e concentração (34), muito freqüentemente citadas na categoria problemas de aprendizagem, podem estar associadas ao rótulo de hiperatividade, presente na categoria problemas de comportamento, “diagnóstico” atualmente bastante utilizado pelos professores (cabe lembrar que na presente pesquisa apenas um caso foi diagnosticado pelo médico neurologista como de TDAH). Sendo o tratamento de TDAH de abordagem múltipla (Fichtner, 1997), englobando intervenções psicossociais e psicofarmacológicas, podemos também pensar que tais queixas de falta de atenção e concentração e hiperatividade estejam motivando também os encaminhamentos ou atendimentos neurológicos. Como podemos ver na Tabela 06, 28% das crianças encaminhadas para atendimento psicológico já receberam algum atendimento neurológico ou foram encaminhadas para tal.
Ainda na categoria problemas de aprendizagem, cabe ressaltar que em 21 encaminhamentos encontrou-se como queixa dificuldades de compreensão, o que, para Boruchovicht (2001), podem estar ligadas à dificuldade de aquisição e retenção da informação por parte do aluno, sendo assim necessário o desenvolvimento de estratégias de aprendizagem antes, durante e após seu desenvolvimento (aprendizagem). Também podemos entender, como hipótese, que essa dificuldade de compreensão possa ser dos próprios professores em relação ao aluno e sua realidade, pois na pesquisa notamos a alta incidência de queixas escolares nos encaminhamentos, muitas vezes desnecessários, ou até mesmo observações que não seriam motivos de indicação para atendimento psicológico, parecendo não ter a escola muita clareza da função de tais instrumentos.
Na categoria outros problemas relacionados a questões escolares (Tabela 02) estão incluídos dados de imaturidade neurológica (06) e deficiência mental (03). Na Tabela 05, em outras observações, aparecem complicações na gestação e/ou parto (11), doenças na infância (07) e Síndrome de West (1). Podemos perceber, por meio desses dados fornecidos pela escola, que muitas vezes esta relaciona as dificuldades de aprendizagem aos problemas citados, “como se a organicidade por si só determinasse e explicasse o problema de aprendizagem. O organismo alterado provê o terreno no qual se torna mais fácil alojar-se o problema de aprendizagem, mas não é determinante” (Fernández, 1991, p. 38). Não podemos negar a relação desses aspectos, mas também não podemos admitir tais questões como explicação suficiente ou como causa determinante. Assim, a autora conclui que se tenta encontrar a relação particular do sujeito com o conhecimento e o significado do aprender.
Na categoria problemas emocionais, sua alta incidência (111) nos encaminhamentos leva a pensar no papel que a emoção tem na constituição da inteligência, que segundo Piaget (1997), é uma condição desta, mas não é suficiente. Dentro dessa perspectiva, o autor coloca que o afeto (emoção/sentimento) explica a aceleração ou o retardamento da formação das estruturas cognitivas, aceleração no caso de interesse e necessidade, retardamento quando a situação afetiva torna-se obstáculo para o desenvolvimento intelectual, mas não a sua causa. Portanto, há uma correspondência entre afeto e cognição, e não uma sucessão.
Podemos observar na categoria acima (Tabela 02), que a maior quantidade de queixas refere-se a problemas de relacionamento com os colegas (22%). Smith, Cowie e Blades (1998) entendem que problemas de relacionamento entre colegas em idade escolar estão geralmente ligados à agressividade ou timidez dessas crianças, o que verificamos na pesquisa. Na categoria problemas de comportamento, o maior índice de queixa foi a agressividade (21%), e na categoria problemas emocionais, nervosismo/ansiedade foram citados em 15% dos casos, o que pode nos fazer pensar que essas emoções, muitas vezes, estão sendo expressas por meio de problemas de relacionamento entre colegas.
Como citado acima (Tabela 02), na categoria problemas de comportamento, a maior incidência é de agressividade (21%). Segundo Souza (1997), essa é uma das queixas mais freqüentes dos professores de escola pública aos psicólogos escolares. Trindade (2001) entende que a agressividade é um “problema” (grifo das autoras) que só pode ser compreendido em uma perspectiva transdisciplinar e de múltipla causalidade, não sendo relacionado somente ao orgânico ou social. Diz o autor que devemos nos perguntar o que está por trás da agressividade expressa, o que a criança está buscando com essa conduta. Ao mesmo tempo, é necessário lembrar que a agressividade também faz parte da condição humana, e que certos atos agressivos são até necessários e justificados.
Para Marcelli (1998), cada pessoa compreende a priori e intuitivamente o que quer dizer agressividade, mas é necessário que se distinga primeiramente a agressividade como estado ou potencialidade ou conduta agressiva observável, pois considerar uma criança agressiva depende daquele que a observa. Assim, deve-se ter claro o que a escola considera agressividade, sendo esse termo tão amplo. Nem sempre os encaminhamentos continham algum tipo de esclarecimento nesse sentido.
Também na categoria problemas de comportamento, a incidência da indisciplina (15%) leva a pensar no significado que é atribuído à mesma, pois conforme Souza (1997), a escola não é somente um espaço para o racional e para a produção intelectual, onde não pode haver a brincadeira, sendo esta considerada no contexto escolar, muitas vezes, como “bagunça” (p. 103). Não se trata também de brincar o tempo todo, mas de proporcionar, por meio da integração entre o lúdico e o conteúdo, uma aprendizagem significativa.
Na Tabela 04 constam dados dos encaminhamentos referentes a solicitações de avaliação neurológica e atendimentos já realizados por médicos neurologistas.
| | | |||||||
2ª | 3ª | 4ª | 5ª | 6ª | 7ª | 8ª | |||
Encaminhados para neurologista | 3 | 02 | - | 02 | - | - | - | 07 | 06 |
Atendidos por neurologista | 14 | 05 | 02 | 01 | 02 | - | - | 24 | 22 |
Total | 17 | 07 | 02 | 03 | 02 | - | - | 31 | 28 |
Tabela 04. Atendimentos neurológicos
Pode-se verificar, por meio dos encaminhamentos ou atendimentos neurológicos das crianças (28% sobre o total dos encaminhamentos realizados), a presença da medicalização do fracasso escolar, em consonância com a prática escolar de encaminhar para serviços médicos as crianças que não correspondem às expectativas da escola (Patto, 2000). Essa medicalização do fracasso escolar surgiu no início do século com a abordagem psiconeurológica do desenvolvimento humano, a qual enfatizava a importância das causas físicas no fracasso escolar, sendo necessários exames complementares, de caráter médico-orgânico e neuropsicológico, no sentido de apurar um defeito orgânico, uma disfunção glandular, um transtorno neuropsíquico qualitativo etc, que por força influiriam na apreciação do nível intelectual da criança com dificuldades escolares (Patto, 2000).
QUEIXA ESCOLAR | Série | Total4 | |||||||
2ª | 3ª | 4ª | 5ª | 6ª | 7ª | 8ª | N | %5 | |
Outras Observações9 | 54 | 21 | 07 | 21 | 18 | 03 | 02 | 126 | 100 |
Complicações na gestação, parto | 04 | 04 | 01 | 02 | 11 | 09 | |||
Doenças na infância | 02 | 03 | 01 | 01 | 07 | 05 | |||
Problemas familiares | 45 | 12 | 06 | 15 | 13 | 03 | 02 | 96 | 76 |
Queixas somáticas | 02 | 02 | 01 | ||||||
Síndrome de West10 | 01 | 01 | 01 | ||||||
Dores de cabeça | 01 | 02 | 03 | 02 | |||||
Enurese | 01 | 01 | 01 | ||||||
Tiques | 01 | 01 | 01 | ||||||
Uso de álcool e cigarro | 01 | 01 | 01 | ||||||
É ameaçado | 01 | 01 | 01 | ||||||
Falta de cuidados pessoais | 01 | 01 | 01 | ||||||
Rigidez corporal | 01 | 01 | 01 |