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Interações

Print version ISSN 1413-2907

Interações vol.9 no.18 São Paulo Dec. 2004

 

ARTIGOS

 

Análise dos encaminhamentos de crianças com queixa escolar da rede municipal de ensino de Caxias do Sul1

 

Analisys of referral of children with school complaints by the public schools in Caxias do Sul

 

 

Paula Scortegagna*I; Daniela Centenaro Levandowski*, ** II

*Universidade de Caxias do Sul
**Universidade Luterana do Brasil
**Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho teve por objetivo fazer uma análise dos encaminhamentos de crianças com queixa escolar, feitos pelas escolas municipais de Caxias do Sul, ao Serviço de Psicologia do Programa VinculAÇÃO. Foram analisados 111 encaminhamentos referentes à lista de espera de 2002 e 2003, de segunda a oitava séries do Ensino Fundamental. Foi feita uma classificação das queixas em quatro categorias: problemas de aprendizagem, problemas de comportamento, problemas emocionais e outros problemas relacionados a questões escolares. Os resultados mostraram um grande número de queixas por encaminhamento, havendo maior incidência entre os meninos. Percebe-se uma falta de reflexão dos professores acerca do contexto escolar do aluno encaminhado. O estudo indicou a necessidade de um trabalho de intervenção junto às escolas para o esclarecimento do trabalho do psicólogo e para a reflexão sobre as condções do processo de ensino-aprendizagem, especialmente do papel da escola e do professor.

Palavras-chave: Psicologia, Escola, Queixas, Aprendizagem, Encaminhamento.


ABSTRACT

This paper analyses the referral of children with school complaints to a Psychological Service Program by public schools of Caxias do Sul. One hundred and eleven referrals pertaining to the waiting lists of years 2002 and 2003 of Junior and High School were analyzed. Four categories of complaints were found: learning, behavioral and emotional problems and problems related to school issues. The results indicated a large number of referrals and a particularly larger incidence among boys. It also indicated a lack of reflection by teachers concerning the school context. The study suggests the need to work together with the teachers to clarify the work of psychologists and to reflect on the teaching-learning process, especially on the role of the school and the teacher.

Keywords: School, Psychology, Complaints, Learning, Referral.


 

 

Introdução

Diante da grande quantidade de encaminhamentos de crianças e adolescentes com queixa escolar para serviços de atendimento psicológico, estes vêm sendo, segundo Souza (2000), objeto de preocupação no trabalho realizado pelos psicólogos. Torna-se necessário obter uma compreensão dos mesmos, rever suas causas, propor alternativas de trabalho e discuti-las com os profissionais envolvidos nesse contexto. Conforme a autora, denomina-se “queixa escolar” os encaminhamentos de crianças por problemas escolares ou distúrbios de comportamento e de aprendizagem.

Segundo Souza (1997), muitas dessas queixas escolares são entendidas como um problema individual, pertencente à criança encaminhada, sem ser considerado aquilo que se passa na escola, analisando as dificuldades do processo de escolarização como dificuldades de aprendizagem, cujas causas são de caráter estritamente psicológico. Assim, os problemas escolares são entendidos dentro de uma perspectiva de medicalização/psicologização (Boarini e Borges, 1998; Custódio, 1996).

Em pesquisas realizadas com professores e diretores de escolas públicas, observou-se que há uma tendência dos mesmos em acreditar que a maioria dos problemas de aprendizagem tem causas que estão localizadas nas crianças e em seus pais; esta atribuição acaba por considerar o aluno como o responsável por sua dificuldade (Souza, 1997; 2000). Mais especificamente, esses professores e diretores acreditam que as dificuldades escolares têm como causas problemas biológicos e de desnutrição; 92,5% afirmam que o fracasso escolar deve-se a problemas emocionais ou neurológicos das crianças. Somente 22% apontam a existência de distorções no sistema educacional; e apenas 7,5% consideram problemas de funcionamento da escola como causa do fracasso escolar (Souza, 1997).

Diante dessa prática docente, não podemos deixar de lado o fator da realidade social e institucional em que o professor está inserido, a qual muitas vezes determina sua maneira de pensar e agir. Portanto, conforme coloca Aguiar (2000), é fundamental que façamos uma análise, pois somente por meio da compreensão daquilo a que os sujeitos estão submetidos poderemos compreender suas formas de agir, pensar e sentir.

Também podemos destacar a importância de o professor compreender seu aluno diante dessa realidade social e institucional. Conforme Freller (citado por Meira, 2000), o fracasso escolar deve ser entendido não somente por meio de um enfoque psicológico, mas também social e pedagógico, pois a maneira como as crianças se relacionam com a instituição escola, e como esta relaciona-se com as crianças, pode agravar ou cronificar as dificuldades apresentadas pelas mesmas.

Lewis, Dlugokinski e Caputo (citados por Graminha e Martins, 1994) consideram que a criança, a família e a rede social mais ampla a que ela pertence, incluindo-se a escola, podem ser tanto fontes potenciais de risco para o desenvolvimento de desordens emocionais, quanto recursos que devem ser mobilizados para a promoção de um desenvolvimento psicossocial saudável. Assim, a intervenção do psicólogo diante da queixa escolar deve visar não somente a criança e sua família, mas também a rede social mais ampla na qual está inserida.

De fato, Patto (2000) compreende que no rendimento escolar da criança existe a influência de conflitos psíquicos vivenciados por ela, sejam eles decorrentes de sua família ou não. Contudo, afirma que não se pode deixar de considerar que as relações que a escola estabelece com o aluno e sua subjetividade contribuem, modificam ou reforçam quaisquer que sejam esses conflitos.

Atualmente muito se tem falado em uma nova visão da Psicologia Escolar, advinda principalmente de um número crescente de pesquisas realizadas a partir da década de 80, que procuravam analisar criticamente as concepções e o direcionamento que se dava ao atendimento das queixas escolares. Estas pesquisas passaram a propor ao psicólogo novas perspectivas de atuação profissional (Souza, 1997).

Por meio desses estudos, segundo Patto (1987), é que se percebeu os equívocos e incompreensões presentes até então na formação do psicólogo em relação ao atendimento das crianças com problemas escolares, pois focalizavam-se dois aspectos: os alunos e os professores. No que diz respeito aos alunos, a ênfase estava na integração da criança desajustada aos padrões de comportamento desejados e na eliminação dos comportamentos inadequados. Em relação aos professores, buscavase a sensibilização para os aspectos educacionais, auxiliando-os na eficácia de sua tarefa frente ao processo de aprendizagem e suas dificuldades, sem se discutir o que poderia estar influenciando os comportamentos indesejados dos alunos.

Cabral e Sawaya (2001), a partir de considerações históricas da contribuição da psicologia à educação, consideram que a atuação limitada do psicólogo na instituição escolar deve-se à influência do referencial teórico-metodológico advindo da Psicologia Clínica, que focaliza os aspectos individuais do aluno. Existe também uma desarticulação entre a teoria e a prática na formação do psicólogo, bem como a falta de um enfoque sócio-político que lhe permita ter um conhecimento dos dados e informações sobre a situação da educação brasileira.

De fato, historicamente, conforme Netto (1996), a Psicologia Escolar, que foi introduzida no currículo de graduação em Psicologia no ano de 1962, antes era considerada como uma disciplina que auxiliaria os alunos tidos como atrasados ou retardatários escolares, ou as crianças com inteligência anormal. A partir da década de 70, segundo Patto (1997), é que a Psicologia Escolar começou a tomar novos rumos, começando pela troca do nome da disciplina de Psicologia do Escolar e Problemas de Aprendizagem, cujo foco de atenção era o aluno, para Psicologia Escolar e Problemas de Aprendizagem, sendo o foco a instituição. Assim, foram se redefinindo os objetivos da Psicologia Escolar, a partir das teorias crítico-reprodutivas de Althusser e Bourdieu, que começavam a circular no Brasil. Estas traziam o papel ideológico, domesticador e excludente da Escola nas dificuldades de aprendizagem de grande parte das crianças das classes populares, e a possível contribuição da Psicologia à manutenção desse quadro. Iniciou-se, então, o desafio da intervenção psicológica nas escolas e a criação de propostas profissionais inovadoras, visando à melhoria da qualidade da escola que se oferece às crianças das classes populares e à análise da instituição quando se trata de entender seus sujeitos, superando a via estreita e tradicional do diagnóstico e tratamento de desajustados, acreditando-se que todas as crianças têm capacidade de aprender.

Conforme Meira (2000), é importante que os psicólogos escolares rompam com as explicações pseudocientíficas, que buscam situar a origem dos problemas educacionais no aluno e/ou em sua família, e comecem a ter uma visão mais crítica das práticas sociais e escolares que os produzem. Dessa forma, será possível promover modificações que resultem na melhoria da prática docente e do processo ensino-aprendizagem, melhorar o acompanhamento e apoio familiar, bem como desenvolver as possibilidades e potencialidades de cada aluno frente às suas dificuldades no processo de escolarização.

A fim de que se torne viável uma análise da instituição na qual está inserido o aluno com queixa escolar, é necessário que o psicólogo possa ter acesso à escola para observá-la, e a partir de então montar seu plano de trabalho, a fim de minimizar os problemas geradores da queixa – seja na forma de trabalhos de assessoria, seja atuando diretamente junto à escola. Segundo Meira (2000), essas formas de intervenção visam, além do trabalho com alunos, famílias e professores, a uma reflexão e aprimoramento das práticas pedagógicas, e à criação de ações concretas, que garantam à escola a utilização dos conhecimentos psicológicos como um dos fundamentos importantes na elaboração de suas propostas de trabalho.

A escola produz diariamente uma grande quantidade de dados que podem ser analisados pelos psicólogos e equipe escolar, gerando conhecimentos da própria realidade. Esses dados poderão ser usados por todos aqueles que atuam nesse espaço, visando a uma articulação entre conhecimento e experiência, por meio de uma organização mais adequada às necessidades de trabalho (Witter, 1996). Considerando a importância das pesquisas em Psicologia Escolar para o aperfeiçoamento da atuação profissional do psicólogo, e constituindo-se os locais onde os psicólogos atuam excelentes campos para as mesmas (Witter, 1996), o presente trabalho visa fazer uma análise dos encaminhamentos de crianças com queixa escolar realizados pelas escolas municipais de Caxias do Sul ao Serviço de Psicologia do Programa Vinculação,2 a fim de gerar conhecimentos válidos sobre a realidade na qual estamos inseridos, proporcionando uma forma de atuação profissional mais adequada e condizente com as necessidades desse contexto. Como refere Coriat, “para provocar transformações naquilo que temos ao lado, é necessário olhar as coisas muito conhecidas, a partir de outro lugar” (citada por Medeiros, 1997, p. 91).

 

Método

Amostra

Para a presente pesquisa utilizou-se documentação da Secretaria Municipal de Educação de Caxias do Sul referente aos encaminhamentos das crianças com queixa escolar ao Setor de Psicologia do Programa VinculAÇÃO, dos anos de 2002 e 2003, que estavam em lista de espera até maio de 2003, quando foi finalizada a coleta de dados. A amostra foi composta por 111 encaminhamentos de crianças de segunda a oitava séries do Ensino Fundamental para atendimento psicológico no já citado Programa. A Tabela 01 traz de forma mais detalhada a série escolar a que se referia o encaminhamento, bem como idade e sexo da criança.

 

Série

Idade

Sexo F

Sexo M

Nº de Encaminhamentos

07-13

13

32

45

09-18

06

12

18

10-14

03

05

08

11-16

05

16

21

12-16

04

09

13

13-16

02

03

05

14

01

0

01

Total

34

77

111

Tabela 01. Dados demográficos da amostra

 

Optou-se por trabalhar com documentos referentes a encaminhamentos constantes da lista de espera pelo difícil acesso aos dados de alunos que já estão em atendimento, pois estes ficam com os profissionais responsáveis, não estando arquivados nos referidos Núcleos.

A decisão pela utilização de encaminhamentos de crianças a partir da segunda série ocorreu porque nos de pré-escola e primeira série não estavam especificadas as queixas escolares, e sim uma breve história da vida do aluno, semelhante a uma anamnese, o que dificultava a análise, não correspondendo ao objetivo da pesquisa.

Instrumento

Utilizou-se um protocolo para a coleta dos dados especialmente elaborado para esta pesquisa, tendo por base a literatura consultada. O protocolo continha dados demográficos, como idade, sexo e série escolar, o motivo pelo qual o aluno foi encaminhado para o atendimento psicológico, e também um espaço para o registro de observações que fossem consideradas pertinentes.

Delineamento e procedimentos

Realizou-se um estudo documental, de caráter exploratório. Segundo Gil (1995), a coleta de dados tendo como fonte “papéis” caracteriza a pesquisa como documental, diferenciando-se da pesquisa bibliográfica, que também os utiliza, por servir-se de materiais que ainda não foram analisados ou que podem ser reelaborados de acordo com o objetivo da pesquisa. O primeiro passo para o desenvolvimento da pesquisa documental é a exploração das fontes documentais, que no caso da presente pesquisa, referem-se a documentos de primeira mão: encaminhamentos das escolas.

Consultou-se os encaminhamentos feitos ao Serviço de Psicologia do Programa VinculAÇÃO, os quais continham informações do aluno, dados pessoais e familiares, e da queixa escolar. A partir de contato com a coordenação do VinculAÇÃO, foi enviado Ofício à Secretaria Municipal de Educação (SMED), a fim de obter-se a autorização para consultar tais documentos, presentes nos arquivos da lista de espera dos Núcleos do Programa. Após a autorização da Secretaria da SMED, com a utilização do protocolo elaborado, iniciou-se a coleta de dados, tendo-se o cuidado de evitar a possibilidade de reconhecimento dos sujeitos. Foram analisados todos os encaminhamentos para atendimento psicológico que estavam em lista de espera nos quatro Núcleos do Programa VinculAÇÃO. A partir da coleta de dados foi realizado um levantamento das queixas escolares, conforme explicado a seguir.

Resultados e discussão

Para a classificação dos dados obtidos por meio do protocolo referentes às queixas escolares, utilizou-se uma versão adaptada da classificação proposta por Cabral e Sawaya (2001) em pesquisa realizada no município de Ribeirão Preto (SP).3 Esta teve que ser modificada tendo em vista a quantidade e diversidade das queixas contidas nos encaminhamentos, as quais não se ajustavam ao esquema proposto pelas autoras, sendo necessário incluir-se novas categorias.4

A partir de diversas leituras dos protocolos procedeu-se a definição das categorias de classificação e a classificação dos dados propriamente dita. As categorias utilizadas foram: problemas de aprendizagem (dificuldades de aprendizagem, dificuldades cognitivas, dificuldades na leitura, dificuldades na escrita, dificuldades na resolução de cálculos, dificuldades na alfabetização, dificuldade de compreensão, dificuldade na expressão oral e escrita, lentidão para aprender, falta de atenção e concentração, esquecimento, problemas psicomotores); problemas de comportamento (indisciplina, agressividade, hiperatividade, agitação, apatia, cansaço, isolamento/introversão/introspecção, mentira, roubo, choro, dormir durante a aula, absenteísmo, não realização das atividades propostas, desorganização, destruição do material escolar, grito em sala de aula, enforcamento de animais); problemas emocionais (inadaptação, insegurança, nervosismo/ansiedade, tristeza/depressão, auto-estima baixa, imaturidade, dependência, emotividade, labilidade emocional, inibição/ vergonha/timidez, chamar atenção, perfeccionismo, dificuldades afetivas, falta de interesse/desmotivação, problemas de relacionamento com os professores, problemas de relacionamento com os colegas); outros problemas relacionados a questões escolares (problema de fala, gagueira, imaturidade neurológica, deficiência mental); e outras observações. Também foram recolhidos dados em relação aos atendimentos médicos já realizados ou solicitados pela escola. Levantou-se da incidência (freqüências e porcentagens) de cada queixa escolar e demais informações recolhidas na coleta de dados. Os resultados encontram-se mais detalhados nas Tabelas 02, 03, 04 e 05.

 

QUEIXA ESCOLAR

Série

Total4

N

%5

Problemas de Aprendizagem

58

26

08

30

12

02

 

136

100

Dificuldades de aprendizagem6

12

03

01

06

02

   

24

18

Dificuldades cognitivas

     

01

 

01

 

02

01

Dificuldades na leitura

05

02

01

01

     

09

07

Dificuldades na escrita

06

03

01

04

     

14

10

Dificuldades na resolução de cálculos

02

02

 

02

01

   

07

05

Dificuldades na alfabetização

03

01

         

04

03

Dificuldade de compreensão

08

05

01

05

02

   

21

15

Dificuldade na expressão oral e escrita

03

01

         

04

03

Lentidão para aprender

01

02

01

04

01

   

09

07

Falta de atenção e concentração

14

05

02

07

05

01

 

34

25

Esquecimento

02

 

01

       

03

02

Problemas psicomotores

02

02

   

01

   

05

04

                   

Problemas de Comportamento

45

20

14

22

12

05

01

119

100

Indisciplina

05

01

02

06

02

01

01

18

15

Agressividade

09

03

03

05

04

01

 

25

21

Hiperatividade7

04

01

 

01

01

   

07

 6

Agitação

07

 

01

02

02

   

12

10

Apatia

 

03

01

   

01

 

05

 4

Cansaço

 

01

 

01

     

02

 2

Isolamento, introversão, introspecção

05

06

 

01

 

01

 

13

11

Mentira

01

   

01

     

02

 2

Roubo

01

01

         

02

 2

Choro

03

01

02

03

     

09

 7

Dormir durante a aula

   

01

       

01

 1

Absenteísmo

02

01

01

       

04

 3

Não realizar as atividades propostas

05

01

03

02

01

01

 

13

11

Desorganização

03

           

03

 2

Destruir o material escolar

       

01

   

01

 1

Gritar na sala de aula

       

01

   

01

 1

Enforcar animais

 

01

         

01

 1

                   

Problemas Emocionais

44

19

10

21

07

09

01

111

100

Inadaptação

01

           

01

01

Insegurança

04

01

01

01

 

02

 

09

08

Inibição/vergonha/timidez

03

01

 

02

     

06

06

Nervosismo/ansiedade

05

04

 

03

03

01

01

17

15

Tristeza/depressão

01

01

01

   

01

 

04

04

Auto-estima baixa

03

03

 

02

     

08

07

Imaturidade

02

 

01

03

02

   

08

07

Dependência

03

01

01

       

05

04

Emotividade

01

02

         

03

03

Labilidade emocional

03

02

 

01

 

01

 

07

06

Chamar atenção

01

           

01

01

Perfeccionismo

     

01

     

01

01

Dificuldades afetivas

     

01

     

01

01

Falta de interesse/desmotivação

05

01

 

02

02

01

 

11

10

Relacionamento com os professores

01

 

02

   

01

 

04

04

Relacionamento com os colegas

11

03

04

05

 

02

 

25

22

                   

Outros relacionados a questões escolares

07

01

02

03

02

   

15

100

Problema de fala

01

 

02

01

01

   

05

33

Gagueira

01

           

01

07

Imaturidade neurológica

02

01

 

02

01

   

06

40

Deficiência mental

03

           

03

20

Tabela 02. Freqüência e porcentagem das queixas escolares que motivam o encaminhamentode crianças para atendimento psicológico, conforme a série escolar

QUEIXA ESCOLAR
(Motivo do Encaminhamento)


N


%

Problemas de Aprendizagem

136

36

Problemas de Comportamento

119

31

Problemas Emocionais

111

29

Outros Relacionados a Questões Escolares

15

04

Total

381

100

Tabela 03. Freqüência e porcentagem das queixas escolares

A Tabela 03 revela que 36% das queixas apresentadas são relativas aos problemas de aprendizagem, 31% a problemas de comportamento, 29% a problemas emocionais e 15% a outros problemas relacionados a questões escolares. Podemos observar, por meio da alta incidência das mesmas (381), o que Santos (citado por Graminha e Martins, 1994) já mostrava em seu estudo, que as queixas múltiplas são mais comuns nos encaminhamentos do que a queixa única, ocorrendo na maioria dos casos, assim como na presente pesquisa.

Podemos perceber também na Tabela 03 uma grande quantidade de queixas escolares (381) em relação à amostra total do estudo (111 encaminhamentos), ou seja, o número de queixas é aproximadamente três vezes e meio maior que o de encaminhamentos. Conforme Pandolfi (1999), é comum identificar nas escolas a percepção do psicólogo escolar como uma espécie de mágico capaz de resolver todos os problemas que as crianças possam apresentar, em uma tentativa de passar a responsabilidade da ação pedagógica a outra pessoa. Esta tentativa, segundo Martins (1996), acaba afastando a possibilidade de intervenção do psicólogo junto a professores e direção, o que talvez pudesse reduziro número de encaminhamentos aos serviços.

Analisando-se a grande quantidade de informações contidas nos encaminhamentos, verificamos o que Curonici e McCulloch colocam sobre o professor ter dificuldade em fornecer informações a respeito de seu aluno devido a uma abundância de observações de toda ordem – “o passado, o presente, a família, o psiquismo interno, a escola, as observações dos colegas, tudo se mistura (...) em uma bela desordem” (1999, p. 137). Ainda segundo as autoras, imerso nesse excesso de informações, o professor passa a raciocinar em cima do motivo pelo qual determinado problema se coloca, ao invés de se perguntar como ele se perpetua. Desse modo, o professor perde a oportunidade de introduzir uma mudança no problema que se apresenta, mesmo tendo a possibilidade de obter informações suficientes para isso dentro de seu campo profissional.

Segundo Souza (1997), grande parte dos professores utiliza como alternativa o encaminhamento para atendimento psicológico e médico, o que leva a questionar as características de formação de professores e especialistas em educação. Esta, acrescida aos desafios enfrentados na prática docente diária, parece estar enfatizando explicações psicológicas para os problemas escolares. Conforme a autora, o encaminhamento de uma criança para o psicólogo em função de um problema de aprendizagem traz implícita uma relação de causa e efeito que ainda não está comprovada

Muitas vezes a escola rotula como doença ou incapacidade, culpabiliza e estigmatiza alguns alunos por um fracasso que não é só seu. A manutenção do fracasso escolar pela escola ocorre pela incapacidade de entender as necessidades dos alunos para tentar sair do lugar de incapazes em que foram confinados (sem precisar recorrer a outros profissionais especialistas como médicos, psicólogos). “O êxito escolar não revela saúde mental, assim como o fracasso escolar não significa doença” (Freller, 1997, p. 133).

No levantamento realizado, o maior número de encaminhamentos para atendimento psicológico (45) são de crianças que estão cursando a segunda série do ensino fundamental (ver Tabela 01), estando ainda em processo de alfabetização, segundo Souza (1997). A pesquisa foi realizada no mês de maio, início do ano letivo, período em que os alunos ainda são ingressantes na escola, e o grande número de encaminhamentos parece indicar que os professores já acreditam que as crianças apresentam problemas de aprendizagem nesse momento. Em sua pesquisa, Souza (1997) constatou que a maioria dos encaminhamentos feitos aos profissionais de psicologia refere-se a problemas vividos pelas crianças no processo de aprendizagem escolar, tanto no início do processo de alfabetização, quanto na sua continuidade nas primeiras séries.

Comparando-se a quantidade de encaminhamentos da segunda série (45) com as demais séries escolares, pode-se observar uma diminuição na terceira (18) e quarta séries (8), havendo um aumento na quinta série (21), e por fim uma diminuição nas últimas – sexta (13), sétima (5) e oitava séries (1). Conforme Graminha (1994), há grande dificuldade de se decidir quando uma criança está realmente apresentando “distúrbio emocional” e requerendo ajuda de um profissional, pois esta se encontra, por sua própria natureza, em um estado de mudança e desenvolvimento contínuos. Assim, segundo a autora, um comportamento infantil pode ser considerado distúrbio em uma determinada idade e estar dentro dos limites da “normalidade” em outra (grifo das autoras). Isso leva a pensar na necessidade de se conhecer, quando da solicitação de atendimento psicológico, o que é esperado das crianças em cada nível etário, e de compreender as fases de seu desenvolvimento quando da solicitação de atendimento psicológico.

As queixas mais freqüentemente referiam-se a meninos (77) do que meninas (34, ver Tabela 01), o que corrobora os resultados de diversas pesquisas realizadas desde a década de 60, conforme refere Souza (1997). Nos encaminhamentos para atendimento psicológico a predominância é para o sexo masculino, sendo que a maioria dos comportamentos em que os meninos superam as meninas faz parte dos chamados “problemas de conduta”, enquanto os comportamentos em que estas superam os meninos fazem parte dos chamados “problemas de personalidade”. Tendo vários estudos demonstrado a prevalência de encaminhamentos de crianças do sexo masculino, e considerando, segundo Graminha (1994), que existem diferenças entre os sexos na manifestação de problemas emocionais e comportamentais no decorrer do desenvolvimento, é imprescindível que se possa ter um conhecimento prévio dos comportamentos esperados conforme o gênero da criança, para que se possa compreender e avaliar os desvios de conduta da infância.

Voltando-nos mais especificamente às categorias estabelecidas para a classificação das queixas escolares, podemos verificar na Tabela 03 a grande incidência de queixas escolares entre as três primeiras categorias citadas: problemas de aprendizagem (136), problemas de comportamento (119) e problemas emocionais (111). Segundo Graminha, Martins e Miura (1996), quando as crianças apresentam dificuldades escolares, elas comumente são tidas como apresentando paralelamente outros problemas de ordem emocional e comportamental, o que podemos verificar na presente pesquisa.

Marturano e Parreira (1996) compreendem que existe uma relação entre baixo rendimento escolar e problemas emocionais/comportamentais, pois estes tanto podem ser decorrentes das dificuldades escolares, como serem precedidos pelas mesmas, causando-as. Uma criança com baixo rendimento escolar pode apresentar dificuldades quanto a suas habilidades sociais, que associadas a falhas educacionais e condições familiares, podem agravar-se.

Em relação aos achados da Tabela 03, Nutti (2003) também comenta que os problemas de aprendizagem não estão centrados apenas no aluno, mas relacionam-se a problemas de ordem psicopedagógica e/ou sócio-culturais. Referindo as idéias de Pain, Nutti (2003) comenta que a dificuldade de aprendizagem é como um sintoma, que pode ser determinado por fatores orgânicos; fatores específicos da criança, que não são passíveis de constatação orgânica, mas que se manifestam na área da linguagem, organização espacial e temporal, entre outros; fatores psicológicos e fatores ambientais, estando aqui incluída a escola.

Fernández (1991) compreende que as dificuldades de aprendizagem estariam relacionadas tanto a causas internas à estrutura familiar e individual, como a causas externas à mesma, devendo-se considerar aqui o docente e a própria instituição escolar. A partir dos resultados detalhados na Tabela 02, percebe-se que em nenhum momento houve uma indicação ou reconhecimento de problemas da instituição e/ou dos docentes que poderiam estar causando ou contribuindo para o agravamento das dificuldades dos alunos.

De acordo com os resultados expressos na Tabela 02, as queixas de falta de atenção e concentração (34), muito freqüentemente citadas na categoria problemas de aprendizagem, podem estar associadas ao rótulo de hiperatividade, presente na categoria problemas de comportamento, “diagnóstico” atualmente bastante utilizado pelos professores (cabe lembrar que na presente pesquisa apenas um caso foi diagnosticado pelo médico neurologista como de TDAH). Sendo o tratamento de TDAH de abordagem múltipla (Fichtner, 1997), englobando intervenções psicossociais e psicofarmacológicas, podemos também pensar que tais queixas de falta de atenção e concentração e hiperatividade estejam motivando também os encaminhamentos ou atendimentos neurológicos. Como podemos ver na Tabela 06, 28% das crianças encaminhadas para atendimento psicológico já receberam algum atendimento neurológico ou foram encaminhadas para tal.

Ainda na categoria problemas de aprendizagem, cabe ressaltar que em 21 encaminhamentos encontrou-se como queixa dificuldades de compreensão, o que, para Boruchovicht (2001), podem estar ligadas à dificuldade de aquisição e retenção da informação por parte do aluno, sendo assim necessário o desenvolvimento de estratégias de aprendizagem antes, durante e após seu desenvolvimento (aprendizagem). Também podemos entender, como hipótese, que essa dificuldade de compreensão possa ser dos próprios professores em relação ao aluno e sua realidade, pois na pesquisa notamos a alta incidência de queixas escolares nos encaminhamentos, muitas vezes desnecessários, ou até mesmo observações que não seriam motivos de indicação para atendimento psicológico, parecendo não ter a escola muita clareza da função de tais instrumentos.

Na categoria outros problemas relacionados a questões escolares (Tabela 02) estão incluídos dados de imaturidade neurológica (06) e deficiência mental (03). Na Tabela 05, em outras observações, aparecem complicações na gestação e/ou parto (11), doenças na infância (07) e Síndrome de West (1). Podemos perceber, por meio desses dados fornecidos pela escola, que muitas vezes esta relaciona as dificuldades de aprendizagem aos problemas citados, “como se a organicidade por si só determinasse e explicasse o problema de aprendizagem. O organismo alterado provê o terreno no qual se torna mais fácil alojar-se o problema de aprendizagem, mas não é determinante” (Fernández, 1991, p. 38). Não podemos negar a relação desses aspectos, mas também não podemos admitir tais questões como explicação suficiente ou como causa determinante. Assim, a autora conclui que se tenta encontrar a relação particular do sujeito com o conhecimento e o significado do aprender.

Na categoria problemas emocionais, sua alta incidência (111) nos encaminhamentos leva a pensar no papel que a emoção tem na constituição da inteligência, que segundo Piaget (1997), é uma condição desta, mas não é suficiente. Dentro dessa perspectiva, o autor coloca que o afeto (emoção/sentimento) explica a aceleração ou o retardamento da formação das estruturas cognitivas, aceleração no caso de interesse e necessidade, retardamento quando a situação afetiva torna-se obstáculo para o desenvolvimento intelectual, mas não a sua causa. Portanto, há uma correspondência entre afeto e cognição, e não uma sucessão.

Podemos observar na categoria acima (Tabela 02), que a maior quantidade de queixas refere-se a problemas de relacionamento com os colegas (22%). Smith, Cowie e Blades (1998) entendem que problemas de relacionamento entre colegas em idade escolar estão geralmente ligados à agressividade ou timidez dessas crianças, o que verificamos na pesquisa. Na categoria problemas de comportamento, o maior índice de queixa foi a agressividade (21%), e na categoria problemas emocionais, nervosismo/ansiedade foram citados em 15% dos casos, o que pode nos fazer pensar que essas emoções, muitas vezes, estão sendo expressas por meio de problemas de relacionamento entre colegas.

Como citado acima (Tabela 02), na categoria problemas de comportamento, a maior incidência é de agressividade (21%). Segundo Souza (1997), essa é uma das queixas mais freqüentes dos professores de escola pública aos psicólogos escolares. Trindade (2001) entende que a agressividade é um “problema” (grifo das autoras) que só pode ser compreendido em uma perspectiva transdisciplinar e de múltipla causalidade, não sendo relacionado somente ao orgânico ou social. Diz o autor que devemos nos perguntar o que está por trás da agressividade expressa, o que a criança está buscando com essa conduta. Ao mesmo tempo, é necessário lembrar que a agressividade também faz parte da condição humana, e que certos atos agressivos são até necessários e justificados.

Para Marcelli (1998), cada pessoa compreende a priori e intuitivamente o que quer dizer agressividade, mas é necessário que se distinga primeiramente a agressividade como estado ou potencialidade ou conduta agressiva observável, pois considerar uma criança agressiva depende daquele que a observa. Assim, deve-se ter claro o que a escola considera agressividade, sendo esse termo tão amplo. Nem sempre os encaminhamentos continham algum tipo de esclarecimento nesse sentido.

Também na categoria problemas de comportamento, a incidência da indisciplina (15%) leva a pensar no significado que é atribuído à mesma, pois conforme Souza (1997), a escola não é somente um espaço para o racional e para a produção intelectual, onde não pode haver a brincadeira, sendo esta considerada no contexto escolar, muitas vezes, como “bagunça” (p. 103). Não se trata também de brincar o tempo todo, mas de proporcionar, por meio da integração entre o lúdico e o conteúdo, uma aprendizagem significativa.

Na Tabela 04 constam dados dos encaminhamentos referentes a solicitações de avaliação neurológica e atendimentos já realizados por médicos neurologistas.

 

 


Série


N


%8

    2ª

    3ª

    4ª

    5ª

    6ª

Encaminhados para neurologista

 3

02

-

02

-

-

-

07

06

Atendidos por neurologista

14

05

02

01

02

-

-

24

22

Total

17

07

02

03

02

-

-

31

28

Tabela 04. Atendimentos neurológicos

Pode-se verificar, por meio dos encaminhamentos ou atendimentos neurológicos das crianças (28% sobre o total dos encaminhamentos realizados), a presença da medicalização do fracasso escolar, em consonância com a prática escolar de encaminhar para serviços médicos as crianças que não correspondem às expectativas da escola (Patto, 2000). Essa medicalização do fracasso escolar surgiu no início do século com a abordagem psiconeurológica do desenvolvimento humano, a qual enfatizava a importância das causas físicas no fracasso escolar, sendo necessários exames complementares, de caráter médico-orgânico e neuropsicológico, no sentido de apurar um defeito orgânico, uma disfunção glandular, um transtorno neuropsíquico qualitativo etc, que por força influiriam na apreciação do nível intelectual da criança com dificuldades escolares (Patto, 2000).

 

QUEIXA ESCOLAR

Série

Total4

N

%5

Outras Observações9

54

21

07

21

18

03

02

126

100

Complicações na gestação, parto

04

04

 

01

02

   

11

09

Doenças na infância

02

03

01

 

01

   

07

05

Problemas familiares
Relacionamento familiar
Agressividade dos pais ou responsáveis
Uso de drogas por familiares
Alcoolismo na família
Abuso sexual
Separação dos pais
Morte na família

45
26
03
02
02

09
03

12
06

01
01
01
03

06
02

01


01
02

15
06
02
01
01
01
04

13
07
02



03
01

03
02




01

02
01




01

96
50
07
04
05
02
22
06

76
40
05
03
04
02
17
05

Queixas somáticas

 

02

         

02

01

Síndrome de West10

01

           

01

01

Dores de cabeça

01

     

02

   

03

02

Enurese

01

           

01

01

Tiques

     

01

     

01

01

Uso de álcool e cigarro

     

01

     

01

01

É ameaçado

     

01

     

01

01

Falta de cuidados pessoais

     

01

     

01

01

Rigidez corporal

     

01

     

01

01

Tabela 05. Outras observações descritas pelas escolas nos encaminhamentos.

Na Tabela 05, em outras observações, percebe-se que há uma grande incidência de problemas familiares (referidos em 96 dos 111 encaminhamentos analisados), que por vezes a escola considera como causadores das dificuldades dos alunos ou de seus comportamentos, motivando assim seu encaminhamento. Conforme Freller (1997), diante da queixa dos professores em relação a seus alunos, os psicólogos devem procurar, juntamente com eles, entender em cada criança os sentidos expressos por seu comportamento ou por sua dificuldade de aprender, escutando esses comportamentos como um “sintoma”, não apenas produto de mecanismos intrapsíquicos e de relações familiares, mas principalmente das práticas escolares. Nesses casos, é fundamental articular a história familiar e pessoal da criança com sua história escolar.

Patto (1997) também comenta como algo bastante comum nas escolas públicas o fato de se situarem as causas das dificuldades escolares nos alunos e em suas famílias, sendo o ambiente familiar o que impede ou dificulta o desenvolvimento de habilidades e capacidades necessárias a um bom desempenho escolar. Este muitas vezes é considerado como “desestruturado”, pobre de estímulos, de contatos afetivos, de interesse dos adultos pelo destino das crianças, as quais necessitariam de atendimento psicológico em virtude de sua condição familiar e social. Tais caracterizações do ambiente familiar foram encontradas nos encaminhamentos analisados.

Conforme Graminha, Martins e Miura (1996), a literatura clássica sobre psicopatologia infantil faz referência a diversos fatores que podem ter um significado etiológico, direto ou indireto, para os problemas psicológicos ou psiquiátricos infantis, como: complicações pré e perinatais, alcoolismo dos pais, punição física da criança, condição de criança adotada, psicopatologia paterna, temperamento difícil, conflitos familiares, separação dos pais, entre outros. Muitos desses fatores foram mencionados pelos professores nos encaminhamentos analisados no presente estudo. Embora as evidências sugiram que estes são fatores que implicam no desenvolvimento da criança, para considerá-los como determinantes de risco é importante uma avaliação dos múltiplos fatores presentes na vida da criança, incluindo-se os encontrados nela própria, na família, na comunidade e em outros segmentos do ambiente, como a escola, pois o processo de desenvolvimento resulta da interação entre os mesmos. Segundo as autoras, “o risco implica na possibilidade, mas não na certeza de que a exposição a um agente tenha um efeito adverso” (p. 155). Dessa forma, é necessário que o psicólogo possa criar, juntamente com a escola, um espaço para a reflexão, analisando com os professores suas práticas pedagógicas que “produzem ou mantêm o fracasso escolar” (Souza e Machado, 1997, p.42), pois tanto a criança como a família, e também a escola, podem ser fontes potenciais de recurso para a saúde mental infantil (Graminha, Martins e Miura, 1996).

Outro fato que merece destaque é a quantidade de explicações fornecidas pelos professores em relação às queixas escolares, ou visto de outro modo, a quantidade de informações que os professores dispõem sobre seus alunos, as quais por vezes vão além daquelas necessárias para a realização de um trabalho pedagógico adequado.

Curonici e Mcculloch (1999) ressaltam que alguns dos maiores problemas nas escolas referem-se à atuação dos professores como “terapeutas”, formulando hipóteses e julgamentos sobre as dificuldades dos alunos, atuando fora de seu campo profissional, criando confusões entre funções/papéis/finalidades, e assim perdendo de vista sua tarefa pedagógica.

 

Considerações finais

Por meio dos encaminhamentos realizados pelas escolas aos serviços de psicologia podemos verificar que há um grande número de queixas, sendo estas em maior número referentes aos problemas de aprendizagem, mas havendo também grande incidência de problemas de comportamento e emocionais. Estes resultados levam a pensar na hipótese de que para as escolas da cidade de Caxias do Sul não está ainda bem claro como e quando devem ser realizados os encaminhamentos, tendo em vista a grande quantidade de informações e observações sobre os alunos. Tais informações parecem ter sido descritas sem uma compreensão prévia, até mesmo para comprovar a necessidade de sua presença no encaminhamento, ou a necessidade de um atendimento psicológico para o aluno. Trata-se, então, de ajudar o professor a transformar a queixa em uma demanda entendida.

O que se pretende nesta pesquisa não é culpabilizar os professores pelos problemas apresentados pelas crianças, e sim esclarecer que eles devem ser entendidos dentro de uma perspectiva que englobe o próprio sujeito, sua família, meio social e ambiente escolar, incluindo-se os professores e a instituição. Conforme Salvador (1999), o desenvolvimento do indivíduo se dá na interação entre a bagagem biológica-hereditária e a bagagem cultural própria do grupo que acolhe o ser humano, mediado em primeira instância por seus responsáveis mais próximos, e em uma dimensão mais ampla pelas instituições, valores e organização social da qual esse grupo faz parte. Nesse sentido, percebe-se a necessidade de auxiliar os professores, orientá-los para que possam realizar os encaminhamentos de uma maneira que facilite a comunicação entre os profissionais, agilizando o atendimento psicológico.

Ao considerarmos que as causas das dificuldades apresentadas pelos escolares podem ser tanto internas como externas ao indivíduo, é necessário que possamos ter um melhor esclarecimento dos encaminhamentos, a fim de poder discutir e refletir a que estão relacionadas essas causas, para assim, posteriormente, encaminharmos o aluno ao profissional responsável. Isto não significa que não existam causas orgânicas, emocionais ou decorrentes de situações familiares, mas que também devemos refletir sobre a questão pedagógica, sobre o relacionamento que o professor estabelece com seu aluno, o que muitas vezes propicia ou agrava o problema apresentado. Considerando-se que um observador não observa tudo, pois a observação vem de uma escolha, e a partir dela se formulam as hipóteses, o trabalho do psicólogo deve ser o de ampliar esse campo de observação, fazendo com que o professor possa pensar em outras hipóteses, pois quando ele considera que o problema está no aluno, torna-se incapaz e impotente para buscar soluções no seu próprio terreno.

Nessa perspectiva, não devemos esquecer que muitas vezes o professor, como refere Fernández (1991), é vítima de um sistema que o usa como algoz. Por isso é importante que ele também possa ser escutado, que se ofereça um espaço onde ele possa refletir sobre seu trabalho e sobre si mesmo, o que facilitaria o desenvolvimento de sua tarefa. O trabalho do psicólogo deve ser feito juntamente com o professor, para que ele se sinta capaz de contribuir, de ajudar seu aluno, descobrindo que ele mesmo tem competência para agir.

Há muito ainda a refletir e acrescentar a respeito da área da Psicologia Escolar, que a cada ano se torna uma área mais evidenciada dentro da Psicologia devido à importância e contribuição que tem a dar aos profissionais envolvidos com a educação. Assim, este trabalho não se encerra por si mesmo, pois teve como um de seus objetivos proporcionar um espaço para a reflexão das práticas profissionais por meio de um novo olhar sobre o próprio contexto no qual estamos inseridos.

 

 

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Endereço para correspondência
Paula Scortegagna
Rua Visconde Pelotas, 449 / 302 – Centro
95020-180 Caxias do Sul-RS
Tel: (54) 9927-8082
E-mail: paulascorte@terra.com.br

Daniela Centenaro Levandowski
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Recebido em 01/12/03
Versão revisada recebida em 11/08/04
Aprovado em 21/09/04

 

Notas

I Psicóloga pela Universidade de Caxias do Sul.
II Docente da Universidade de Caxias do Sul e da ULBRA/Santa Maria; Doutoranda em Psicologia do Desenvolvimento (UFRGS)
1Trabalho de Conclusão de Curso realizado pela primeira autora, sob a orientação da segunda, apresentado em julho de 2003 na Universidade de Caxias do Sul/RS.
2O Programa VinculAÇÃO, iniciado em abril de 1999, é uma proposta da atual administração da Prefeitura de Caxias do Sul, que oferece serviços à comunidade escolar (pais, professores, alunos e escola) da rede municipal nas seguintes áreas: psicologia, fonoaudiologia, serviço social, psicomotricidade, atividades artísticas e atividades corporais. A primeira autora realizou seu estágio curricular de Psicologia Escolar neste serviço.
3No artigo publicado por Cabral e Sawaya (2001), a classificação dos motivos dos encaminhamentos das crianças aos serviços de Psicologia do município foram provenientes da análise temática das descrições feitas pelas psicólogas entrevistadas, verificando-se as maiores incidências das respostas por meio de um levantamento.
4No presente estudo foi necessária a inclusão de outras categorias temáticas para a classificação da queixas escolares, inclusive com maior detalhadamento, o que levou à adaptação do modelo utilizado por Cabral e Sawaya (2001). Isso talvez tenha sido necessário em função das diferenças quanto à procedência dos encaminhamentos ou das diferenças culturais regionais, uma vez que os estudos foram realizados em estados diferentes.
5O total de queixas encontradas não corresponde ao número de protocolos analisados, tendo em vista que em um protocolo havia referência de várias queixas escolares.
6Optou-se pelo cálculo das porcentagens em função do número total de queixas de cada categoria.
7 Colocou-se essa nomenclatura conforme a descrição da escola, pois nesses casos não havia especificação da dificuldade de aprendizagem a que se referia.
8 Apenas um caso foi diagnosticado por médico neurologista; as demais referências são diagnósticos colocados pela escola.
9 A porcentagem foi calculada sobre o total de encaminhamentos consultados (111).
10 Este item foi considerado como Outras Observações pois não estava claro se os dados descritos referiam-se ao motivo do encaminhamento ou se eram observações que a escola considerava como importantes para o psicólogo no seu atendimento ao aluno.