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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.4 no.1 Ribeirão Preto abr. 1996

 

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

 

Trocas interativas entre mãe e criança com atraso de desenvolvimento: um sistema de análise

 

 

Silvia Regina Ricco Lucato Sigolo1

Universidade Estadual Paulista

 

 

Embora os pais não constituam os únicos agentes socializadores da criança, a família continua sendo vista como a maior arena de socialização. Isto reflete a suposição de que mesmo a socialização podendo ocorrer em qualquer momento do ciclo vital, a infância constitui uma fase extremamente importante, pois é vista como um período particularmente maleável no que diz respeito a aquisição de habilidades sociais, atributos de personalidade e valores sociais e culturais.

Deste ponto de vista, as crianças são socializadas principalmente por meio da participação na interação dentro de relações estreitas entre pares íntimos e construídas ao longo do tempo. As relações, em cada estágio da vida, envolvem co-regulação e os indivíduos nunca chegam a ser livres de exigências reguladoras de pares íntimos, a menos que se tornem isolados socialmente. Esta visão implica que as relações com os pais sejam co-construídas e continuamente reconstruídas com suas crianças (Maccoby, 1992).

Os estudos de socialização têm evidenciado cada vez mais a prevalência de ciclos de influências mútuas e sucessivas nos processos de interação paiscriança. Não há dúvidas de que esta relação é única em um número de aspectos, especialmente na sua assimetria. Embora se conceba que a influência entre os pares seja bidirecional, não se pode negar grandes discrepâncias entre pais e jovens crianças, no que se refere ao poder e à competência (Newson, 1977; Marfo, 1990; Maccoby, 1992).

Baseando-se nesta perspectiva, este estudo objetiva inicialmente discutir os sistemas de análise do processo interativo descritos na literatura e, em seguida, propor formas de avaliar algumas variáveis do processo interativo entre mãe e criança com atraso de desenvolvimento, consideradas relevantes à promoção da competência infantil.

 

PROPOSTAS DE ANÁLISE DO PROCESSO INTERATIVO

Há um crescente corpo da literatura interessado na qualidade e na natureza do processo de interação entre pais e criança portadora de atraso de desenvolvimento. Este conhecimento tem sido gerado em dois ambientes principais: acadêmico (pesquisa básica e aplicada) e clínico (educação especial e estimulação essencial). Pesquisadores de cada uma destas áreas têm sido estimulados a investigar interações pais-criança por diferentes interesses e tradições (Sigolo, 1994).

Como salientam Towle, Farran e Comfort (1988), pesquisadores acadêmicos têm examinado o desenvolvimento social inicial através de sistemas de codificação e escalas de avaliação criados para um estudo específico. Como os estudiosos tornam-se mais interessados na natureza bidirecional do processo de interação pais-criança, seria natural que estendessem sua atenção ao estudo das interações envolvendo crianças comprometidas.

Paralelamente, educadores especiais e profissionais envolvidos com programas de intervenção estão tomando-se interessados em interações destas díades.

Marfo (1990) coloca que, a partir da segunda metade dos anos 80, começou a ser evidenciada uma mudança significativa no enfoque dado aos programas de intervenção que envolviam a participação dos pais. Estes passam da ênfase tradicional no ensino das habilidades básicas em vários domínios do desenvolvimento para um foco menos didático e mais difuso: o processo de interação pais-criança.

Cada vez mais, profissionais começam a procurar as variáveis que influenciam o desenvolvimento cognitivo e social de crianças especiais, dentro do contexto das relações pais-filhos. Esta tendência está sendo reconhecida gradativamente como uma direção bem-vinda e promissora para o trabalho de intervenção.

No entanto, os profissionais da área estão sempre defrontando-se com o dilema pesquisa x uso clínico. Towle et aí (1988), no trabalho de revisão das propostas de codificação e escalas de avaliação da interação entre pais e crianças comprometidas no seu processo de desenvolvimento, verificaram uma mudança no foco de atenção dos pesquisadores. Num primeiro momento, estas propostas eram microanalíticas, na tentativa de registrar fielmente o que ocorria, de forma que o auto-relato e escalas de avaliação mais globais supostamente não seriam capazes de apreender o fenômeno. Tais propostas requerem tempo e esforço para sua aplicação e redução dos dados à formas interpretáveis. Gradativamente, os pesquisadores têm-se movido para variáveis mais molares, sugerindo que estas são tão verdadeiras para descrever a interação quanto as observações minuciosas.

A literatura na área tem destacado que a grande maioria dos estudos focalizam a mãe como a principal socializadora da criança, principalmente no período inicial da vida. No que se refere ao comportamento materno, as variáveis mais comumente estudadas parecem ser a afeição, a estimulação, a responsividade e a sensitividade. Dentre as variáveis do comportamento infantil destacam-se o afeto, a estimulação, a iniciativa e a responsividade. E, finalmente, com relação ao comportamento interativo, as variáveis apontadas são a sintonia, sincronia e reciprocidade (Crawley e Spiker, 1983; Price, 1983; Stoneman, Brody e Abbott, 1983; Eizirik, 1986; Hanzlik e Stevenson, 1986; Mahoney, 1988; Colnago, 1991).

A ênfase nestas variáveis é bastante justificável, quando se pensa em estudar a interação mãe-criança nos seus primeiros anos de vida. Pois é nesta etapa do desenvolvimento que tarefas como o estabelecimento da relação afetiva entre mãe e criança, a aquisição dos estágios iniciais da linguagem e comunicação, o incentivo à autonomia e à independência estão no seu período mais promissor.

 

ELABORAÇÃO DE UMA PROPOSTA DE ANÁLISE DA INTERAÇÃO ENTRE MÃE E CRIANÇA COM ATRASO DE DESENVOLVIMENTO

Este trabalho restringiu-se à análise da interação mãe-criança , pois nas díades estudadas as tarefas de cuidado infantil ficavam quase que exclusivamente sob a responsabilidade da mãe.

A proposta de análise da interação foi construída a partir dos registros em vídeo de cinco pares mãe e criança portadora de atraso de desenvolvimento, com idade cronológica variando de 12 a 18 meses, no início do estudo.

As díades foram filmadas em situações de rotina diária (refeição e banho) e de brinquedo livre. As gravações foram realizadas em cinco etapas, por um período de doze meses com intervalos de três meses entre as observações, totalizando 145 sessões com uma duração de 25 horas de registro em vídeo.

Para efeito de maior padronização foram estabelecidos critérios para caracterizar cada uma das situações observadas.

Refeição- Situação que se iniciava quando a mãe posicionava a criança para a tarefa (sentava-a na cadeira ou deitava-a no colo) e o término caracterizava-se quando esta indicava claramente ter concluído a refeição (tendo comido tudo do prato ou rejeitado a comida) ou a mãe encerrava a situação por conta dela.

Banho- O início foi caracterizado quando a mãe começava a despir a criança e o término dava-se quando esta se encontrava totalmente vestida e penteada.

Brinquedo- O início foi determinado quando a mãe ou a criança começavam a manipular os brinquedos ou a interagir entre si e o término caracterizava-se pela interrupção clara da atividade pela mãe (verbalizar ou sair da situação) ou pela criança (choro persistente, sinais de desconforto que a mãe tentava amenizar sem sucesso). Caso nenhum dos membros da díade interrompesse a situação, o pesquisador avisava que a tarefa poderia ser encerrada depois de transcorridos dez minutos aproximadamente.

Á preparação dos dados para análise teve três momentos distintos:

Transcrição das fitas - Foi elaborado um caderno de transcrição para cada situação observada. Cada página do caderno era dividida ao meio no sentido vertical, deixando a coluna da esquerda para registro dos comportamentos da criança e a coluna da direita para os comportamentos da mãe.

Identificação das seqüências - Para este trabalho a interação social acontecia quando um membro da díade dirigia seu comportamento em relação ao outro e este último emitia uma resposta para o primeiro, ou quando um dos parceiros influenciava o comportamento do outro. Sendo assim, a nossa unidade de análise referiu-se à seqüência interativa entendida como uma seqüência de comportamentos desenvolvidos entre os dois membros da díade que se alternam em, pelo menos, uma emissão e uma resposta delineados por um conteúdo inter-relacionado. Para a identificação das seqüências interativas estabeleceram-se os seguintes critérios:

a unidade do conteúdo - definido pela manutenção de dois comportamentos (ou mais) dentro de um mesmo tema;

contiguidade temporal - definido como proximidade temporal de dois comportamentos, cada um referente a um dos elementos do par M-C.

Em contrapartida, a ocorrência oposta ao definido nos critérios determinou a anotação de término de uma seqüência já estabelecida ou a não formação

Identificação das variáveis - As seqüências de interação identificadas nas transcrições foram transpostas de acordo com a ordem de ocorrência, para folhas de papel onde, ao lado das seqüências, reservou-se uma coluna para anotações. Nesse espaço foram anotados todos os aspectos identificados em cada seqüência, passíveis de análise neste estudo. Esse procedimento foi utilizado para as 145 sessões de observação.

Em seguida, o pesquisador identificou as variáveis que mais se destacaram em cada seqüência, elaborando uma primeira versão do quadro de elementos para a realização da análise.

O teste de adequação da proposta de análise deu-se da seguinte forma: num primeiro momento, o pesquisador procedeu à aplicação da mesma às seqüências interativas identificadas nos protocolos de observação e, num momento posterior, prosseguiu-se à análise de seqüências idênticas destacadas dos respectivos protocolos, de modo que a avaliação fosse independente das informações propiciadas pelo contexto da situação observada. Entre um momento e outro transcorreu um tempo determinado para garantir que o pesquisador não recorresse à memória no momento da classificação das seqüências.

O índice de acordo atingido nas duas tarefas de análise ficou em torno de 96%. A alta consistência do pesquisador na classificação das seqüências interativas permitiu considerar esta proposta de análise como adequadamente definida.

 

 

Estudo dos Comportamentos Iniciadores de Contato da Mãe e da Criança

Esta análise visou levantar os comportamentos iniciadores de contato da mãe e da criança nas diferentes situações de rotina diária abordadas neste trabalho.

Definiu-se a ocorrência de comportamentos maternos iniciadores de contato quando a mãe, estando numa situação próxima à criança, apresentava comportamentos dirigidos a esta como: olhar, sorrir, verbalizar, contatar fisicamente ou incentivar novos comportamentos, ou então apresentava uma estimulação que provocasse mudança no fluxo de interação, dando início a uma seqüência interativa.

Definiu-se a ocorrência de comportamentos infantis iniciadores de contato quando a criança, estando numa situação próxima à mãe, apresentava comportamentos dirigidos a esta como: olhar, sorrir, sonorizar, chorar, apontar para, oferecer objetos para, falar, ou então apresentava uma estimulação que provocasse mudança no fluxo de interação, dando início a uma seqüência interativa.

Estudo da Responsividade Materna e Infantil

O estudo da responsividade visava analisar as reações de cada um dos parceiros às iniciativas de interação do outro membro da díade.

As reações da mãe às iniciativas de interação da criança foram classificadas em:

Responsividade Materna - quando a mãe respondia de forma congruente a uma iniciativa de interação da criança, podendo ser através de atenção visual ou concordância ativa;

Não-responsividade materna - quando a mãe, a partir de uma iniciativa de interação expressa pela criança, emitia uma resposta incongruente com a manifestação infantil, dando continuidade à tarefa que vinha executando ou mesmo quando esta agia contingentemente ao comportamento infantil, mas de forma incompatível.

Tomou-se como índice da responsividade materna a proporção das seqüências interativas iniciadas pela criança que obtiveram responsividade por parte da mãe, em relação ao total de seqüências interativas iniciadas pela criança.

Responsividade Infantil - Quando a criança respondia de forma apropriada a uma iniciativa de interação da mãe, podendo ser através de atenção visual, tentativa de concordância ou concordância ativa;

Não-responsividade infantil - a criança, a partir de um comportamento estímulo da mãe, emitia uma resposta incongruente com o estímulo dado, podendo isso ocorrer tanto quando a criança ignorava o estímulo quanto quando ela apresentava um comportamento incompatível com o solicitado.

Tomou-se como índice da responsividade infantil a proporção das seqüências interativas iniciadas pela mãe que obtiveram responsividade infantil em relação ao total de seqüências interativas iniciadas pela mãe.

Estudo da Qualidade da Interação

Esta análise incluiu o julgamento do pesquisador quanto à qualidade da interação. Esta foi avaliada em função da dimensão de mutualidade, definida como o grau em que os parceiros parecem partilhar das mesmas intenções, apresentando trocas comportamentais recíprocas e mutuamente recompensadoras.

Foram levantados alguns indicadores para avaliação desta dimensão, como trocas, nas quais ambos os membros da díade contribuíam ativamente para a interação; os comportamentos de cada membro foram julgados como sendo apropriadamente responsivos ao comportamento do outro; os parceiros pareciam envolvidos em dar continuidade à interação e expressavam prazer ao se engajar nas trocas comportamentais.

Esta dimensão tem como pólo extremo inferior a baixa mutualidade, onde as díades mostravam conflitos, brinquedo e/ou atividades paralelas ou pareciam desorganizadas em suas interações; como ponto intermediário: a mutualidade média, onde os parceiros mostravam um certo grau de reciprocidade, evidenciando a contribuição de ambos para a interação e, finalmente, como pólo extremo superior a alta mutualidade, onde os parceiros pareciam estar em harmonia um com o outro, demostrando trocas comportamentais recíprocas e mutuamente recompensadoras entre mãe e criança.

Tomou-se como índice dos níveis de mutualidade a proporção das seqüências interativas classificadas como mutualidade baixa, média ou alta em relação ao total de seqüências interativas daquela situação analisada.

Variáveis Maternas

Nível de estimulação

Esta análise tinha como objetivo avaliar a forma como a mãe conduzia a situação de tarefa, em função dos estímulos que esta provia para a realização da mesma.

As seqüências interativas focalizadas para essa análise compreenderam aquelas em que a execução da tarefa ficava por conta da mãe, aquelas onde havia o incentivo materno para a participação ativa da criança e ainda aquelas em que a tarefa era realizada em conjunto.

Definiu-se como estimulação restrita a forma de execução da tarefa que se atinha à sua especificidade e exigências.

Definiu-se como estimulação moderada a forma de execução da tarefa onde a mãe estimulava a criança através de objetos ou verbalizações, atendo-se às exigências e especificidade da mesma (ainda presa ao contexto da tarefa).

Definiu-se como estimulação intensa a forma de execução da tarefa em que havia demonstração, por parte do adulto, de brincadeiras, de estimulações verbais.

Tomou-se como medida do nível de estimulação provido pela mãe a proporção das seqüências interativas classificadas como de estimulação restrita, moderada, ou intensa, em relação ao total de seqüências interativas onde foi analisada esta variável.

Diretividade

Esta análise tinha o objetivo de verificar o quanto a mãe regulava ou dirigia o comportamento ou atividade da criança durante as seqüências interativas, podendo ser através de convite, incentivo, sugestão, como também de solicitação, apresentação de modelo e ajuda física; podendo também assumir totalmente a tarefa sem propiciar condições para que a criança participasse; ou ainda interferir no seu desempenho, forçando-a ou impedindo-a de realizá-lo.

Os comportamentos maternos foram classificados em:

Não-diretivos - quando a mãe interagia com a criança sem a preocupação de regular ou dirigir um comportamento ou atividade da criança;

Diretivos/Ação Independente - quando a mãe empregava comportamentos verbais e/ou não verbais para regular ou dirigir um comportamento ou atividade da criança, podendo variar em níveis: diretivo implícito, quando a mãe incentivava, sugeria, ou convidava a criança para realizar uma tarefa e/ou atividade, e diretivo explícito, quando a mãe dava uma ordem, solicitava alguma coisa, dava modelo e/ou ajudava fisicamente a criança a realizar alguma atividade, tarefa e/ou comportamento;

Diretivos/Ação Dependente - quando a mãe se utilizava de recursos para assumir totalmente a realização de uma atividade ou mesmo para impedir que a realizasse, podendo variar em níveis: diretivo/realização, quando a mãe assumia totalmente a tarefa ou atividade, sem a solicitação, ou incentivo da participação da criança e diretivo intrusivo, quando a mãe interrompia abruptamente o comportamento da criança impedindo que esta prosseguisse ou restringisse o comportamento infantil para que esta o realizasse da forma desejada pela mãe.

Tomou-se como medida para o comportamento materno não-diretivo a proporção das seqüências interativas que continham comportamentos diretivos em relação ao total de seqüências interativas de cada situação observada. O mesmo procedimento foi utilizado como medida dos vários tipos de comportamentos diretivos da mãe.

Expressão de afeto

Definiu-se como expressão de afeto positivo toda manifestação de sentimento positivo para o outro membro da díade.

O afeto positivo materno foi avaliado através de sorriso, verbalização afetuosa, apreciação positiva da aparência, elogio para o desempenho da tarefa, contato físico afetuoso, beijo, abraço e carícias dirigidas à criança.

Definiu-se como expressão de afeto negativo toda manifestação de sentimento negativo para o outro membro da díade.

O afeto negativo materno foi avaliado através de repreensão, punição física e/ou verbal, depreciação da criança, ameaça de retirada ou retirada de afeição e ameaça de punição.

Tomou-se como medida para o comportamento afetivo positivo a proporção de seqüências interativas que continham comportamentos afetivos positivos da mãe em relação ao total de seqüências de cada situação observada. O mesmo procedimento foi utilizado como medida do comportamento afetivo negativo materno.

Variáveis Infantis

Expressão de afeto

A expressão de afeto infantil, tanto positivo quanto negativo, foi conceituada da mesma maneira que o foi a expressão do afeto materno.

O afeto infantil positivo foi avaliado através de sorriso, contato físico afetuoso e carícias dirigidas à mãe.

O afeto infantil negativo foi avaliado através de choro, resmungos, gritos e gestos.

Tomou-se como medida para o comportamento afetivo positivo a proporção de seqüências interativas que continham comportamentos afetivos positivos da criança em relação ao total de seqüências interativas de cada situação observada. O mesmo procedimento foi utilizado como medida do comportamento afetivo negativo infantil.

Aquiescência x Oposição

Esta análise tinha como objetivo avaliar o comportamento da criança quanto à sua aceitação ou não frente ao que a mãe realizava ou propunha para esta executar.

Os comportamentos infantis foram classificados em:

Aquiescência - definida como aceitação inteiramente passiva, em que a criança permitia que a mãe executasse a tarefa;

Obediência - definida como aceitação de ordem, incentivo ou sugestão, em que a criança realizava um comportamento pedido e/ou tarefa solicitada;

Oposição ativa - definida como gesto ou verbalização com sentido de negação à ordem, sugestão ou atitude da mãe;

Oposição passiva - definida como choro, choramingo, resmungo, ou indiferença à ordem, sugestão ou atitude da mãe.

Tomou-se como medida para o comportamento infantil de aquiescênciaoposição a proporção das seqüências interativas que continham aquiescência, obediência, oposição ativa ou passiva em relação ao total de seqüências interativas que apresentavam algum tipo de comportamento diretivo da mãe para cada situação observada.

Em algumas ocasiões, a tarefa de avaliar as seqüências interativas, quanto às variáveis propostas, gerou impasses ao pesquisador, o que exigiu a explicitação de critérios. As seqüências, muitas vezes, tornavam-se episódios longos de interação que se modificavam, ao longo de sua aplicação, quanto ao seu significado. Neste caso, a classificação era feita de acordo com o significado que o comportamento dos membros das díades assumiam no decorrer do processo. Por exemplo, uma interação que se iniciava com baixa responsividade materna e que no seu transcorrer revertia para um nível alto, o pesquisador classificava-a como apresentando responsividade materna às iniciativas infantis.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A aplicação desta proposta à cinco díades mãe-criança revelou uma contribuição significativa desse instrumento na determinação de variáveis importantes para o conhecimento da interação mãe-criança, nos primeiros anos de vida (Sigolo, 1994). Este trabalho traz como concepção subjacente a visão do processo interativo como um sistema complexo, no qual as várias dimensões estão inter-relacionadas de forma particular em cada díade, dentro do seu contexto familiar. Preocupou-se, ainda, em operacionalizar as dimensões avaliadas, chegando, em algumas delas, à proposição de classificações de diferentes níveis e subtipos.

O dilema entre a pesquisa e o uso clínico também esteve presente neste estudo. O objetivo primeiro era o de responder a questões básicas do processo interativo entre mãe e criança com atraso de desenvolvimento. No entanto, esta proposta está inserida dentro de uma linha de pesquisa que tem, a curto prazo, a preocupação de descrever o processo interativo e, a longo prazo, de estruturar algumas diretrizes para serviços de educação de pais.

A aplicação desta proposta da maneira como foi concebida, com o rigor metodológico e de análise, pode tornar-se custoso, como salientou Towle et ai (1988). Porém , a proposta gerada constitui um roteiro de variáveis extremamente relevantes a serem consideradas num trabalho clínico. Este instrumento de avaliação da interação permite, a partir da sua aplicação, o levantamento de questões fundamentais para projetos de intervenção envolvendo a família, quando explicita as diferentes dimensões que as díades podem fazer uso quando estiverem interagindo entre si.

Pode-se dizer que esta proposta de análise das trocas interativas entre mãe e criança portadora de atraso de desenvolvimento apresenta-se como um instrumento misto, que permite tanto uma avaliação quantitativa quanto qualitativa, pois utiliza variáveis de diferentes graus de abstração.

Este estudo permite desdobramentos em duas direções. Dentro de uma perspectiva descritiva, há certamente necessidade de futuras pesquisas que esclareçam melhor ou especifiquem mais detalhadamente alguns aspectos das variáveis estudadas. De uma perspectiva prática, é preciso buscar formas mais simples de operacionalizar este instrumento.

 

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