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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.4 no.2 Ribeirão Preto ago. 1996

 

Skinner e o mundo dentro da pele

 

 

Carolina Lampreia1

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

 

 

A consciência, cerne do debate em psicologia no início do século, voltou a sê-lo, nos últimos anos, agora no âmbito das ciências cognitivas e das neurociências. Estas passaram a ter um papel proeminente na definição dos parâmetros da discussão em outras áreas, particularmente na Filosofia e na Psicologia, nas quais tradicionalmente esta questão tem sido tematizada.

Neurocientistas têm procurado explicar a consciência através do estudo do cérebro, criando teorias eletrofisiológicas dos mecanismos neurais. Na Filosofia, a consciência tem sido analisada a partir de diferentes abordagens. Alguns filósofos têm adotado a posição fisicalista, considerando a consciência um fenômeno estritamente biológico, enquanto outros a têm reduzido seja a estados funcionais seja ao comportamento. Todavia, alguns ainda questionam a possibilidade da experiência subjetiva poder ser compreendida desta maneira e rejeitam qualquer forma de reducionismo. Estas diferentes posições continuam sendo uma tentativa de responder a algumas questões suscitadas pela visão cartesiana de mente, além de procurar superar a solução apresentada pelo behaviorismo.

O sucesso, tanto das primeiras quanto da segunda, pode ser questionado, já que, por diferentes razões, nenhuma destas posições conseguiu realmente escapar dos parâmetros colocados por Descartes. Enquanto os problemas das teorias contemporâneas da mente consistem principalmente em sua volta ao naturalismo, os do behaviorismo consistem, em certo sentido, na reificação dos conceitos envolvidos na análise psicológica e sua conseqüente oposição.

Foram as reflexões filosóficas de Wittgenstein sobre a linguagem que procuraram realmente dissolver esses impasses.

Neste contexto, duas questões são de especial interesse para a Psicologia, já que estão relacionadas à própria noção de privacidade, e irão nortear minhas análises sobre algumas posições da filosofia contemporânea e a de Skinner. A primeira diz respeito ao estatuto do mental. Procurarei determinar, ao longo deste trabalho, se a posição analisada concebe o mental como algo físico ou não-físico e se ele deve ser visto como algo específico, irredutível a outras categorias, ou não. A segunda questão diz respeito ao auto-conhecimento e será desdobrada nas seguintes subquestões: 1. sobre o status privilegiado desse conhecimento. Ou seja, se há uma diferença entre o conhecimento de estados mentais na primeira e na terceira pessoa; 2. qual a relação entre a consciência e o objeto da consciência, i.e., se podemos concebê-los como existindo separadamente e, 3. se a consciência de um objeto pode ser um objeto de consciência.

O objetivo deste trabalho é inserir a posição de Skinner no contexto do debate filosófico contemporâneo, procurando analisar em que medida sua argumentação e questionamentos ainda têm alguma contribuição a oferecer a

Inicialmente, procurarei apresentar uma breve síntese da origem e do panorama atual do debate filosófico sobre a questão da consciência. A seguir será apresentada e analisada a posição de Skinner.

 

A CONSCIÊNCIA NO DEBATE FILOSÓFICO

O Cartesianismo

A origem dos parâmetros do debate filosófico contemporâneo sobre a consciência deve ser encontrada em Descartes. Foi ele quem colocou o quadro de referência dentro do qual o debate ocorre, já que mesmo aqueles que procuraram opor-se a ele fizeram-no adotando sua lógica dualista. Torna-se importante, então, caracterizá-lo de maneira a melhor compreender as próprias categorias que são alvo do debate.

A preocupação inicial de Descartes foi com relação à questão da possibilidade e certeza sobre o conhecimento da realidade surgida a partir da revolução científica nos séculos 16 e 17. E, através de suas Meditações, ele chegou à conclusão de que o único conhecimento do qual não se pode duvidar é o conhecimento de nossos próprios estados mentais. Isto caracteriza o primeiro componente central de sua concepção de mente.

A mente é vista por Descartes como transparente a si mesma, já que nada parece mediar nossos estados mentais e nosso conhecimento deles. Este conhecimento é automático e imediato; ele é direto e tem um status privilegiado. Neste sentido, todos os estados mentais são conscientes, o que acarreta uma equivalência entre mente e consciência. A validade desta concepção de mente pode ser questionada analisando-se de que forma se dá o nosso conhecimento dos estados mentais dos outros. Segundo a formulação cartesiana, há uma diferença entre o conhecimento que temos de nossos próprios estados mentais e o dos estados mentais dos outros, i.e., respectivamente, na primeira e terceira pessoa. Este último deve ser inferido ou mediado pelo comportamento. A questão que se coloca, então, é sobre a validade do conhecimento dos estados mentais em um e outro caso. Se realmente tivermos autoridade sobre o conhecimento que temos de nossos estados mentais, então as crenças dos outros sobre nossos estados mentais são meras conjecturas e, na verdade, nunca temos conhecimento genuíno dos estados mentais dos outros. Este argumento parece inaceitável, já que deixas comportamentais nos permitem dizer o que os outros estão pensando ou sentindo. Por outro lado, se as conexões comportamentais forem essenciais para os estados mentais, como parecem sê-lo, então o conhecimento direto de nossos próprios estados mentais não pode revelar o que é essencial a esses estados. Isto coloca em questão o status privilegiado de tal conhecimento. O problema, então, é explicar como o conhecimento sobre nós mesmos é possível e como tem um status especial, se o tiver (ver, por exemplo, Rosenthal, 1991a).

Este tipo de formulação acarretou o segundo componente central da concepção cartesiana de mente, segundo o qual os fenômenos mentais são nãofísicos. Os dois tipos principais de características que distinguem os estados mentais, i.e., que os torna únicos, são as propriedades intencionais e as qualidades sensoriais. Com relação à primeira característica, isto significa considerar que os estados mentais têm conteúdo proposicional, ou seja, eles são sobre algo como, por exemplo, pensar, desejar, esperar, duvidar. A questão que se coloca é: como um estado físico pode ser sobre algo? Quanto à segunda característica, i.e., o caráter qualitativo das sensações, também se pode questionar: como pode um estado físico ter, por exemplo, a sensação característica de uma dor? E, também se pergunta: como pode qualquer processo físico manifestar consciência? A conclusão é que, se nenhum estado físico pode ter tais propriedades, então os fenômenos mentais devem ser não-físicos.

O problema com este tipo de formulação é que, se os processos mentais forem não-físicos, fica difícil compreender as conexões entre processos mentais e processos corporais e como os estados mentais surgem no curso do desenvolvimento evolutivo. Além disso, há a dificuldade em dizer o que significa algo ser não-físico (ver Rosenthal, 1991a).

Este tipo de apresentação da problemática acarretou uma tentativa tradicional de reformulação da visão cartesiana da consciência. Contudo, procurarei argumentar, no final deste trabalho, que os problemas do cartesianismo vão além desta formulação. Existem outras questões envolvidas.

A análise, a seguir, das diversas teorias contemporâneas da mente procurará apresentar as diferentes posições a respeito da questão do estatuto e especificidade da experiência subjetiva, enquanto a questão do auto-conhecimento será vista a partir de diferentes filósofos que abordaram de maneira mais específica a noção de consciência.

As Novas Teorías da Mente e a Noção de Consciência

O questionamento acerca do cartesianismo, a biologização da mente, a partir de Darwin, o positivismo lógico, assim como a revolução cognitiva decorrente do desenvolvimento das ciências da computação, levaram ao abandono da posição cartesiana original e a diferentes teorias da mente.

Ao conceber os fenômenos mentais em termos evolutivos, Darwin fez com que todas as posições substituíssem a mente não-física pelo cérebro. Contudo, enquanto algumas reduziram o mental ao cerebral, outras não o fizeram. Algumas mantiveram a especificidade da experiência subjetiva, enquanto outras reduziram-na a diferentes categorias.

O dualismo de propriedade é uma teoria que considera que, embora não haja nenhuma substância além do cérebro físico, este possui um conjunto especial de propriedades características da inteligência consciente, que são não-físicas no sentido de não poder ser reduzidas ou explicadas apenas em termos dos conceitos das ciências físicas. Elas requerem uma ciência dos fenômenos mentais autônoma.

Dois autores - Searle e Nagel - analisam a noção de consciência em termos muito próximos ao dualismo de propriedade. Searle (1992) concebe a consciência como um aspecto biológico do cérebro. Contudo, ele se opõe às teorias que pretendem reduzir a experiência subjetiva ao cérebro físico. Os estados e processos mentais conscientes têm uma característica especial não possuída por outros fenômenos naturais: a subjetividade. A ontologia dos estados mentais é uma ontologia da primeira pessoa.

Nagel (1991) também argumenta contra as explicações reducionistas do caráter subjetivo da experiência consciente, por serem elas logicamente compatíveis com sua ausência. Se analisada em termos de estados funcionais, a experiência consciente poderia ser atribuída a robôs que se comportassem como pessoas, apesar de não experienciar nada. Assim como Searle, Nagel considera impossível defender o fisicalismo porque cada fenômeno subjetivo está ligado a um ponto de vista único.

Outros dois autores - Armstrong e Rosenthal - também parecem admitir uma capacidade dada que nos permitiria um conhecimento direto de certos tipos de estados internos. Armstrong (1984) refere-se à consciência introspectiva que é, normalmente, de um tipo relaxado sendo, contudo, possível um escrutínio introspectivo. Haveria fenômenos mentais dos quais não estamos conscientes, mas dos quais podemos tornar-nos conscientes redirigindo a atenção.

Assim como Armstrong, Rosenthal (1991b) também considera que nem todos os estados mentais são conscientes, e sim apenas aqueles que forem acompanhados de um pensamento de segunda ordem. Como raramente os pensamentos de segunda ordem são conscientes, seria preciso ter um pensamento de terceira ordem, i.e., um pensamento sobre um pensamento que é sobre um pensamento. Neste caso, um estado consciente de segunda ordem é um estado introspeccionável e a introspecção do estado mental consciente é o pensamento de terceira ordem.

Mas Rosenthal (1991b) faz uma ligação entre consciência e linguagem ao considerar que fazemos discriminações mais finas à medida que dominamos conceitos mais sutis sobre várias qualidades sensoriais distintas e que perceber estados intencionais particulares também exige um sistema elaborado de conceitos.

Place (1992) também parece considerar a linguagem relevante para um certo tipo de consciência ao se referir a uma consciência lingüística/social, que seria um sistema de disposições lingüísticas controladoras do comportamento, compartilhadas por uma comunidade lingüística. Esta consciência lingüística seria superimposta à consciência biológica/privada.Começamos, assim, a encontrar, com Rosenthal e Place, um novo tipo de abordagem que lança mão de outras categorias - no caso a linguagem - para compreender e analisar algumas formas de consciência. Suas posições talvez possam ser vistas como um elo intermediário entre os enfoques não-reducionistas e os mais reducionistas que serão vistos a seguir.

A redução de estados mentais a estados cerebrais é característica da teoria da identidade e do materialismo eliminativo, que sofreram a influência das neurociências. A primeira considera que cada tipo de estado ou processo mental é numericamente idêntico a algum tipo de estado ou processo físico no cérebro. E o segundo nega a possibilidade de uma redução dos conceitos da psicologia de senso comum para os das neurociências. Seu quadro de referência é considerado uma concepção falsa e enganadora das causas do comportamento humano e da natureza da atividade cognitiva. Os conceitos da psicologia de senso comum devem ser eliminados.

Outra forma de reducionismo dos estados mentais é representada pelo funcionalismo. Sob a influência das ciências da computação, ele nega a idéia de correspondência entre estados físicos e mentais e identifica estes últimos a estados funcionais. O aspecto essencial ou definidor de qualquer tipo de estado mental é o conjunto de relações causais que ele tem com efeitos ambientais, com outros tipos de estados mentais e com o comportamento. Não importa o hardware e sim o software.

Finalmente, temos o behaviorismo filosófico que, sob a influência do positivismo lógico, reduziu os estados mentais ao comportamento. Falar sobre emoções, sensações, crenças e desejos não é falar sobre episódios internos, mas uma maneira abreviada de falar sobre padrões de comportamento atuais e potenciais (ver Churchland, 1984 e Searle, 1992).

Os dois autores que serão apresentados a seguir - Ryle e Malcolm podem ser vistos como se aproximando desta última posição. Contudo, não pretendo enquadrar nenhum dos autores vistos em nenhuma das diferentes teorias, por considerar perigosa qualquer tentativa de rotulação.

Ryle (1949) analisa cinco conceitos de consciência da linguagem ordinária por considerar que tanto Descartes quanto os filósofos têm operado com um conceito de consciência que tem pouca afinidade com quaisquer dos conceitos ordinários. As teorias oficiais sobre a consciência são, para ele, confusões lógicas. O conhecimento que temos sobre nós mesmos.existe mas não é conseguido através da consciência ou da introspecção. Ele consiste dos mesmos tipos de coisas que podemos encontrar nas outras pessoas e envolve os mesmos métodos; envolve o conhecimento de processos e disposições de comportamento. Diferentemente de todos os autores vistos anteriormente, Malcolm (1984) não pretende, em nenhum momento, dizer o que é a consciência, porque, para ele, este conceito não representa um "olho" interior. O que há são diferentes usos do termo "consciência". No primeiro, poderíamos falar de "consciência transitiva", com o significado de consciente de algo ou consciente de que. Neste uso, requer-se um objeto. Malcolm discute então a questão da relação entre consciência e o objeto da consciência, e questiona as posições que admitem suas existências distintas. Ele observa que há mais de um conceito de consciência transitiva. Há, por um lado, um conceito de consciência que permite a possibilidade de descobrir se um objeto de nossa consciência, por exemplo, uma luz que pisca, existiu ou não durante o período em que já não tínhamos mais consciência dele. Mas, por outro lado, há outro conceito de consciência que não permite tal descoberta como, por exemplo, a consciência de uma sensação corporal. Malcolm conclui que a relação entre consciência e os objetos da consciência não tem uma resposta única e que não podemos afirmar que a dor e a consciência da dor têm existências distintas, porque o uso normal, na vida real, de expressões como "dor", "sentir dor", "sensação de dor", "consciência da dor", liga todas elas em uma conexão conceptual com o comportamento humano, as reações e ações que são manifestações de dor. Ou seja, há uma ligação entre a linguagem da dor e o resto de nosso comportamento. Seguindo o mesmo tipo de lógica, Malcolm questiona a possibilidade de a consciência de um objeto ser um objeto da consciência. Ele considera que quando dizemos, por exemplo, que vemos a cor azul, nosso relato parece referir-se a dois elementos à cor azul e ao nosso vê-lo -, mas para ele isto é uma ilusão gramatical, já que o relato deriva unicamente de uma observação da cor e não da consciência. Ademais, na linguagem ordinária diz-se que uma pessoa é autoconsciente quando reflete muito sobre suas próprias atitudes, interesses, personalidade. Tal autoconsciência seria estimulada e nutrida pelas observações dos outros sobre nós. Assim, é a nossa própria pessoa que se torna um objeto de nosso estudo.

O que concluir destas diferentes análises da consciência?

O dualismo de propriedade, assim como Searle e Nagel, defende uma ontologia da primeira pessoa com um conhecimento dos estados interiores nãomediado, i.e., direto e privilegiado, persistindo dentro do quadro apresentado por Descartes. Armstrong e Rosenthal parecem fazer o mesmo ao defender tanto a possibilidade da consciência de um objeto poder ser um objeto de consciência quanto a separação entre consciência e objeto da consciência, sem se referir a nenhuma mediação, exceto em alguns casos para Rosenthal. Neste caso, ainda persiste um problema que é o mesmo de Place e Ryle. Embora não haja mais o privilégio da primeira pessoa, persiste a separação entre consciência e objeto da consciência.

Esta problemática é explicitada por Malcolm. Ele é o único dos autores revistos a abandonar uma visão objetivista de consciência e a reificação dos conceitos, ao seguir uma abordagem wittgensteiniana. Ao analisar os diferentes usos do termo na linguagem ordinária, ele questiona existências distintas para a consciência e o objeto da consciência, assim como o fato de a consciência de um objeto ser um objeto da consciência.

Mas, antes de dizer algo mais a respeito deste tipo de análise, convém examinar a posição de Skinner.

 

O ESTATUTO DA MENTE E O AUTOCONHECIMENTO EM SKINNER

Gostaria de iniciar a apresentação de Skinner analisando os principais pressupostos que caracterizam seu antimentalismo. Isto nos permitirá melhor compreender sua posição quanto ao estatuto do mental e a questão do autoconhecimento, i.e., sua reformulação da noção de consciência.

Skinner (1974) parte de dois pressupostos antimentalistas que, junto com sua visão de ciência, irão fundamentar todas as suas análises acerca do mental e, portanto, da consciência. Em primeiro lugar, ele rejeita a noção de uma mente não-física, considerando que o que há são eventos privados físicos, i.e., estímulos e respostas do próprio corpo do organismo. Em segundo lugar, Skinner rejeita a noção de livre arbítrio e de uma determinação interna do comportamento. Tanto os eventos privados, que poderiam ser considerados causas do comportamento, quanto o comportamento têm origem em fatores externos antecedentes. Sendo os eventos privados produtos colaterais das contingências de reforçamento e não tendo eles o poder de interferir na relação existente entre comportamento e meio, as "verdadeiras" causas do comportamento deverão ser encontradas nos fatores ambientais.

Este é um dos argumentos de Skinner para adotar o comportamento como objeto de estudo da Psicologia, e não a consciência. O outro argumento está relacionado a seu objetivo em fazer da Psicologia uma ciência, o que envolve uma série de sub-argumentos.

Skinner (1969) diz que:

Se a psicologia é uma ciência da vida mental - da mente, da experiência consciente -, então ela deve desenvolver e defender uma metodologia especial o que ainda não foi feito com sucesso. Se, por outro lado, ela é uma ciência do comportamento de organismos, humano ou outro, então ela é parte da biologia, uma ciência natural para a qual estão disponíveis métodos testados e altamente bem sucedidos, (p. 221)

Skinner escolheu a segunda opção, por acreditar na uniformidade e determinação do comportamento, tornando possível a adoção do método das ciências naturais. Isto o levou a ter como objetivo a previsão e controle do comportamento, o que, por sua vez, tornou necessária a adoção de fatores físicos quantificáveis - o estímulo e a resposta -, que ele estendeu à análise dos eventos privados.

Além disso, a posição de Skinner a respeito de uma ciência da subjetividade pode ser vista na seguinte formulação:

Diferentes comunidades verbais geram diferentes tipos e quantidades de consciência. As füosofias orientais, a psicanálise, a psicologia experimental, a fenomenologia e o mundo dos assuntos práticos levam à observação de sentimentos e estados da mente muito diferentes. Uma ciência independente do subjetivo seria uma ciência independente das comunidades verbais.(1974, p. 243)

Em suma, Skinner adota o comportamento como objeto de estudo da psicologia, e não a consciência, por duas razões. Em primeiro lugar, porque a consciência também se deve a fatores externos, e nisto consiste o radicalismo de seu behaviorismo. E em segundo lugar, porque a consciência, ou subjetividade, não pode ser estudada segundo os cânones das ciências naturais. Mas isto não significa que ele ignore a consciência. Ao contrário de Watson e seu behaviorismo metodológico, Skinner (1974) considera que a psicologia precisa dar conta da consciência por ser ela de fundamental importância para o autoconhecimento e, portanto, para o autocontrole.

Skinner (1974) refere-se a dois sentidos de estar consciente. No primeiro, ele afirma que dizemos que uma pessoa está consciente de estados ou eventos em seu corpo quando ela está sob seu controle como estímulos. Por exemplo, quando ela responde a um estímulo doloroso gritando. No segundo sentido, "uma pessoa se torna consciente...quando uma comunidade verbal arranja contingências sob as quais ela não apenas vê um objeto, mas vê que o está vendo", (p. 242). Aqui, a consciência é um produto social porque é através das perguntas e afirmações da comunidade verbal sobre eventos privados que a pessoa aprende a descrever alguns estados do próprio corpo. Adquirimos o comportamento de ver sob estimulação de objetos atuais e também adquirimos o comportamento de ver-que-estamos-vendo quando estamos vendo objetos atuais (Skinner, 1969). Isto é, quando observamos que estamos vendo algo, nos observamos no ato de vê-lo, e o ato é diferente da coisa vista. Skinner (1969) enfatiza também uma diferença entre sentimentos e relatar o que sentimos. O sentir é simplesmente responder a estímulos, enquanto o relatar é produto de contingências verbais especiais arranjadas por uma comunidade. Entre as coisas dentro do corpo que são sentidas estão estímulos proprioceptivos e interoceptivos. Também sentimos o comportamento, inclusive o comportamento muito fraco, e condições que precedem ou estão associadas ao comportar-se. Sentimos tanto respostas reflexas autonômicas, como a ansiedade, quanto o comportamento operante. Para Skinner (1969), os estados internos são os "referentes" de nossa descrição de nossos sentimentos e, como tais, estão entre as variáveis independentes que controlam nosso comportamento verbal.

É a comunidade verbal que ensina respostas descritivas de condições internas, usando condições públicas. Por exemplo, ao ver a criança machucarse, a comunidade pergunta ou afirma que está doendo. Eventualmente, a criança passará a dizer "dói", enquanto responde apenas ao evento privado. A comunidade verbal também pode usar respostas colaterais públicas, por exemplo, quando observa a criança comer vorazmente. Assim, a criança pode adquirir a expressão "estou com fome" com relação a estímulos privados colaterais à resposta de comer.

Skinner (1974), contudo, considera o autoconhecimento deficiente porque a comunidade verbal não pode colocar o comportamento autodescritivo sob controle preciso de estímulos privados, já que ela não tem acesso a eles. Isto é, existe o problema da privacidade. Embora devêssemos esperar que uma pessoa fosse ser capaz de descrever suas condições e processos internos particularmente bem, por estar em contato tão íntimo com seu próprio corpo, esta mesma privacidade torna difícil para a comunidade ensinar-lhe a fazer distinções. Assim, se um paciente não consegue relatar com precisão ao médico o que está sentindo, não é porque ele não esteja sendo estimulado de uma maneira clara, é que ele nunca foi exposto às condições de instrução sob as quais aprenderia a descrever os estímulos adequadamente.

A privacidade traz problemas para a comunidade verbal, que não pode reforçar respostas autodescritivas consistentemente, e para a própria pessoa, que não pode descrever ou conhecer eventos que ocorrem dentro de sua pele tão sutilmente e precisamente quanto conhece os eventos do mundo em geral (Skinner, 1969).

Skinner conclui que, embora o mundo privado seja definido anatomicamente como "dentro da pele", as fronteiras são os limites além dos quais a comunidade reforçadora não pode manter contingências eficazes. Contudo, ele admite que:

Existem, é claro, diferenças entre estímulos externos e internos que não são meras diferenças de localização. Estímulos proprioceptivos e interoceptivos têm uma certa intimidade. E provável que sejam especialmente familiares. Estão conosco; não podemos fugir de uma dor de dente tão facilmente quanto de um barulho ensurdecedor. Podem muito bem ser de um tipo especial; os estímulos que sentimos no orgulho ou tristeza podem não se assemelhar de perto àqueles que sentimos na lixa ou no cetim. Mas isto não significa que sejam diferentes quanto ao status físico...não significa que possam ser conhecidos mais facilmente ou diretamente. O que é particularmente claro e familiar ao conhecedor potencial pode ser estranho e distante da comunidade verbal responsável por seu conhecer. (1969, p.230)

Isto nos leva a começar a análise de Skinner pela questão do autoconhecimento. Em certo sentido, no sentido cartesiano, Skinner não admite um conhecimento privilegiado dos estados internos, pois só temos consciência daquilo que a comunidade verbal nos ensina a observar e descrever. Contudo, o conhecimento na primeira pessoa não é confiável, o que leva a crer que temos uma estimulação clara. Isto foi mostrado no exemplo do médico e na última citação apresentada. Ou seja, o conhecimento não é direto mas há um certo privilégio, uma certa intimidade, nas palavras de Skinner.

Sobre a relação entre consciência e objeto da consciência, Skinner admite duas existências separadas. Há, por um lado, os estados internos e, por outro, a descrição desses estados. Isto é explicitado claramente na afirmação de que os estados internos são os referentes da descrição dos sentimentos.

Quanto à questão da consciência de um objeto poder ser um objeto de consciência, a resposta também é afirmativa. Esta separação também é explicitada na afirmação de que o comportamento de ver é diferente do comportamento de ver-que-estamos-vendo.

Enfim, com relação ao estatuto do mental, Skinner, assim como as novas teorias da mente, rejeita a mente não-física cartesiana. Mas, ao contrário da teoria da identidade e do materialismo eliminativo que a substituem pelo cérebro, e do funcionalismo que inclui a participação de estados mentais, ele se refere a eventos privados físicos, i.e., a estímulos e respostas internos. Ele também parece não reduzir os termos psicológicos, como a consciência, a padrões de comportamento, sem levar em conta episódios internos, como o faz o behaviorismo filosófico. Em certo sentido, sua visão é contextualista, por considerar que a consciência depende das comunidades verbais.

Como avaliar a posição de Skinner?

Por um lado, parece-me que ela apresenta uma importante vantagem sobre as abordagens contemporâneas. Skinner não naturaliza a consciência. Ele tem a preocupação de problematizar este conceito questionando a sua origem. A consciência não é vista como uma capacidade mental, mas como um processo de subjetivação que inclui um contexto social. As novas teorias da mente e seus seguidores, ao invés de resolverem o problema da consciência, apresentam um retrocesso, uma volta ao cartesianismo. Elas reificam a consciência, não dão conta da sua origem e a consideram algo dado.

Por outro lado, devido a sua fisicalização, Skinner também se mantém preso aos parâmetros ditados por Descartes, ao seu dualismo. Ele ainda opõe sujeito e objeto e é contraditório quanto à oposição entre o público e o privado (Lampreia, 1992).

Na verdade, o problema do cartesianismo não se resume apenas ao dualismo mente/corpo. Ele envolve uma série de oposições, entre as quais, no presente contexto, a mais importante é a oposição sujeito e objeto, objeto este que pode ser externo ou interno.

No presente caso, vimos que todas as posições filosóficas analisadas, excetuando-se a de Malcolm, admitem a existência separada de um objeto interno que é conhecido por um sujeito. Admitem a separação entre o público e o privado. O que Skinner também faz.

E o que está em discussão é a questão da privacidade. Se ela tem uma existência própria, como advogam os novos cognitivistas; se ela é melhor conhecida através do público, como crê Skinner; ou se ela é constituída pelo público, como defenderia uma abordagem wittgensteiniana. Wittgenstein apresenta uma nova visão de homem, inteiramente constituído pelo social. O privado é inteiramente público porque o significado de nossos conceitos é dado publicamente. Neste caso, não faz sentido pensar em sensações independentes das significações que lhes são dadas publicamente, assim como não faz sentido postular ou discutir a existência ou não existência da consciência. A consciência não é uma coisa a ser definida. Nossa linguagem ordinária apresenta diferentes usos deste conceito, em diferentes contextos. É apenas a visão representacional de linguagem derivada de Descartes que nos faz procurar uma definição verdadeira para os conceitos.

 

Referências Bibliográficas

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(1) Departamento de Psicologia Endereço para correspondência: Rua Marquês de São Vicente, 225 Cep. 22453-900 - Rio de Janeiro - RJ.