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Revista Psicologia Política

versión On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.21 no.52 São Paulo sept./dic. 2021

 

DOSSIÊ BIOPOLÍTICAS E COVID-19

 

Entre vírus e humanos: a responsabilidade como resposta diante do SARS-coV-2

 

Between viruses and humans: responsibility as a response in the face SARS-coV-2

 

Entre virus y humanos: la responsabilidad como respuesta al SARS-coV-2

 

 

Caio Henrique de Mendonça Chaves IncrocciI; Adriano BeirasII; Maria Juracy Filgueiras ToneliIII

IMestrando no Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/ SC, Brasil. E-mail: caio_incrocci@hotmail.com
IIProfessor Adjunto do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/ SC, Brasil. E-mail: adrianobe@gmail.com
IIIProfessora Titular do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/SC, Brasil. E-mail: juracy.toneli@gmail.com

 

 


RESUMO

Neste artigo busca-se compreender como se dá a apreensão de determinadas características fisiológicas dos vírus por ficções criadas por humanos, a fim de explorar como é distribuída a responsabilidade pelos números de casos e óbitos por doenças virais na pandemia de SARS-CoV-2. Esta reflexão se dá sob uma ótica não humana e feminista e toma como delineamento metodológico a noção de SF de Donna Haraway, pelas quais é possível situar a relação entre humanos e vírus em determinados contextos globais e nacionais, considerando seus formatos e efeitos. Os debates partem da noção de antropoceno, articulado também por Ailton Krenak, explorando como os vírus são convocados às narrativas que justificam casos e mortes por doenças virais. Por fim, argumenta-se que as ficções criadas sobre estas criaturas compõe as narrativas autoindulgentes do antropoceno, que viabilizam desresponsabilizações.

Palavras-chave: SARS-CoV-2; Antropoceno; Responsabilidade; Pandemia; HIV.


ABSTRACT

This article seeks to understand how certain physiological characteristics of viruses are apprehended by fictions created by humans, in order to explore how the responsibility for the numbers of cases and deaths from viral diseases in the SARS-CoV-2 pandemic is distributed. This reflection takes place from a non-human and feminist perspective and takes as methodological outline the notion of String Figures by Donna Haraway, through which it is possible to situate the relationship between humans and viruses in certain global and national contexts, considering their formats and effects. The debates start from the notion of Anthropocene, also articulated by Ailton Krenak, exploring how viruses are summoned to the narratives that justify cases and deaths from viral diseases. Finally, it is argued that the fictions created about these creatures compose the self-indulgent narratives of the Anthropocene, which enable disclaimers.

Keywords: SARS-CoV-2; Anthropocene; Responsibility; Pandemic; HIV.


RESUMEN

Este artículo busca comprender cómo ciertas características fisiológicas de los virus son aprehendidas por ficciones creadas por humanos, con el fin de explorar cómo se distribuye la responsabilidad por el número de casos y muertes por enfermedades virales en la pandemia del SARS-CoV-2. Esta reflexión se desarrolla a partir de una perspectiva no humana y feminista y toma como esquema metodológico la noción de String Figures (SF) de Donna Haraway, a través de las cuales es posible situar la relación entre humanos y virus en determinados contextos globales y nacionales, considerando sus formatos y efectos. Los debates parten de la noción de Antropoceno, también articulada por Ailton Krenak, explorando cómo los virus son convocados a las narrativas que justifican casos y muertes por enfermedades virales. Finalmente, se argumenta que las ficciones creadas sobre estas criaturas componen las narrativas autoindulgentes del Antropoceno, que posibilitan los descargos de responsabilidad.

Palabras-clave: SARS-CoV-2; Antropoceno; Responsabilidad; Pandemia; VIH.


 

 

Introdução

O problema a ser tratado neste artigo é de pensar como os vírus são convocados a compartilhar a responsabilidade pelos casos e mortes por doenças virais. Logo, buscamos explorar as condições de criação de uma natureza para os vírus, a partir das narrativas teleológicas que racionalizam e essencializam sua agência no mundo, pelas quais são justificadas operações de extermínio decorrentes de encontros mortais entre humanos e vírus, simbolizados pela doença.

Para tanto, tomaremos o conceito de antropoceno, como é abordado por Donna Haraway, articulada aos pensamentos de Ailton Krenak e Eduardo Viveiros de Castro, enquanto chave analítica para pensar a responsabilidade nos eventos decorrentes da pandemia de SARS-CoV-2 no ano de 2020. As análises que se desdobram partem de eventos noticiados na mídia brasileira, neste período, os quais serão explorados sob três perspectivas. A saber: em uma perspectiva global, compreendendo a inserção dos vírus em desastres naturais, a fim de delinear a noção de antropoceno enquanto uma chave para pensar a responsabilidade; em um segundo momento, pensar a convocação dos vírus pelas metáforas militares, propostas por Sontag (2007), tal como alguns de seus efeitos no contexto brasileiro; e, por último, a partir de uma leitura da gestão da pandemia no Brasil, em seu primeiro semestre, a fim de pensar como se deu a apreensão dos vírus e a distribuição da responsabilidade pelo governo federal.

Enfatizamos que, embora seja essencial pensar na distribuição diferencial dos números de casos e mortes de Covid-19, considerando as interseccionalidades e os marcadores sociais da diferença, este não é feito o foco desse texto, de forma que não pretendemos adentrar com profundidades estes debates, por hora. Destarte, os debates que serão apresentados têm por objetivo de compreender a inserção dos vírus nos contextos mencionados acima, os quais serão pensados principalmente a partir dos números totais de mortes e casos de Covid-19, ou ainda do número de mortes de profissionais de saúde.

Entretanto, diante da compreensão da impossibilidade de pensar os efeitos desta pandemia sem considerar estes atravessadores, tal como de outras epidemias virais que serão recuperadas, os debates e articulações teóricas propostas para pensar a questão da responsabilidade buscam dialogar com autores que pensam a partir de alguns grupos mais vulnerabilizados nestes contextos.

O método proposto para este artigo se origina na teoria de Donna Haraway (2016), e será inspirado pelo conceito de SF (String Figures1). Estas que podem ser definidas como padrões de interação situados no tempo e espaço, nos quais atores humanos, animais, tecnológicos, microscópicos, dentre outros, combinam-se em múltiplos nós (plural de nó) constituindo a si próprios e produzindo efeitos. Trata-se de modelo que possibilita compreender como estas criaturas se combinam sob determinadas condições, de forma a viabilizar ou inviabilizar a vida. Modelo no qual a relação se faz unidade mínima de análise (Haraway, 2016).

Assim, ao alocar a relação em primeiro plano, as SF se propõem como deslocamento de uma perspectiva que busca purificar a agência dos seres que se combinam para situá-la em determinado contexto e contingência, pensando em termos dos efeitos decorrentes desta combinação (Haraway, 2016).

Em termos procedimentais, as SF orientam um processo simultâneo de rastreamento e storytelling. Rastreamento por implicar em um processo de rastrear histórias, fatos e ficções científicas, herdadas pelas criaturas que se tocam, as quais possibilitam compreender como agentes humanos e não humanos se articulam no presente e produzem efeitos materiais e recontá-los (Haraway, 2016). E, storytelling, ou narração de histórias, pois diz respeito a um processo de recontar estas histórias, ou ficções, a fim de explicitar uma modesta, mas radical, reconfiguração da realidade, de modo que se torne mais vivível para as partes que se encontram (Haraway, 2016).

Para a autora, por meio destas narrativas contadas por humanos, convocamos agentes não-humanos para nossas ideologias, orientando formas de existência no mundo (Haraway, 2004). Assim, as ficções delineiam como os mais variados participantes nas SF se constituem como sujeitos e objetos nos encontros com as demais, modulando os critérios sob os quais se dá essa relação.

Logo, diante desse modelo, é possível compreender algumas das nuances pelas quais determinadas espécies, no encontro conosco, são recrutadas para nossas complexas dinâmicas sociais, tornando-se, ou tornando-nos, mais ou menos matáveis.

Assim, diante desta breve apresentação do método, salientamos que o objetivo aqui proposto parte do esforço de explorar como os vírus são convocados por diferentes narrativas criadas por nós (humanos), as quais estabelecem os termos desta relação, para compreender alguns nós (plural de nó) deste emaranhado. Trata-se de buscar compreender como emergem histórias sobre o SARS-CoV-2, em comparação a outros vírus, no contexto da pandemia. São narrativas que se valem da apreensão parcial da sua existência de forma a validar determinadas práticas políticas e sociais.

Tomando as contribuições de Norma Santos, Maria Teresa Vilela Romanos e Marcia Wigg (2015), vírus, enquanto patógenos, são considerados aqui como criaturas compostas de um código genético cobertos por uma capa de proteína, cuja replicação só é viabilizada a partir do contato destes com hospedeiros vivos que apresentem estrutura genética e fisiológica compatíveis, em relação parasitária. E, neste texto, importa considerar como são convocados como agentes que compõem nós (plural de nó), de modo que algumas de suas características conhecidas sejam apreendidas por determinadas narrativas humanas, dando forma a esta relação.

Cabe destacar que não será realizada uma análise exaustiva dos eventos nacionais da pandemia do novo coronavírus, mas, sim, uma busca por explorar alguns cenários, contos, histórias e ficções sobre os vírus e alguns dos efeitos decorrentes deste processo em semelhanças e diferenças com outros contextos e outros vírus. Apreender seus atores, suas agências, suas causas e efeitos.

 

2. Delimitando o antropoceno

No final do ano de 2019, foi noticiado o surgimento de um novo vírus, descoberto na cidade de Wuhan, na China. Ainda não era possível prever que este se espalharia rapidamente pelo o restante do mundo, chegando ao Brasil em 26 de fevereiro de 2020 (SanarMed, 2020). Pouco tempo depois, mais precisamente em 11 de março deste mesmo ano, a Organização Mundial da Saúde declarou o mundo sob estado de pandemia (UNA-SUS, 2020), condição que se caracteriza por um número elevado de pessoas infectadas por uma mesma doença, distribuídas pelo território geográfico mundial.

Embora, nos primeiros meses da epidemia, já tivéssemos perspectivas de vacinas que possibilitassem uma resposta em nível biomédico a sua ação, ainda não tínhamos prospecto de uma alternativa farmacológica que controlasse sua replicação em nível mundial em curto prazo. Assim, o vírus continuou matando.

Entretanto, o que se pretende argumentar é que estes casos e mortes são eventos situados e contextualizados e, portanto, não podem ser pensados a partir da agência individual de um ou outro agente, sejam os humanos, as vacinas ou os vírus. O que está em jogo é precisamente a relação. Logo, para começar a explorar este processo, recuperamos alguns dos debates acerca das mudanças climáticas que foram evidenciados no período da pandemia de SARS-CoV-2, com o objetivo de delimitar um contexto mais amplo onde estes emaranhados se dão.

A relação entre humanos e vírus não é evento recente, tal como a articulação destes atores com desastres ambientais. Segundo Scott (2020), 31% dos surtos virais que acometeram a população humana mundial, entre os anos de 1980 e 2013, são decorrentes dos processos de devastação de determinados ambientes por humanos, assim como 65% das doenças que surgiram neste ínterim têm origem em zoonoses.

Pensando a partir da ligação entre o surgimento de novos vírus com a destruição de biomas naturais, John Scott (2020) argumenta que as conexões que ligam estes fenômenos são múltiplas. Para o autor, a retirada de animais de diversas espécies de seus habitats naturais, tendo como causa principal o desmatamento, aumenta seu contato direto com humanos e, neste processo, é facilitada a transmissão de doenças destas espécies para nós.

Considerando as modificações genéticas que acontecem também nos vírus durante a infecção, como apontado por Ho et al. (2020), Avery (2020) explica que, ainda que um tipo de vírus não seja programado geneticamente para infectar determinada espécie de criaturas, o contato frequente entre estes pode causar transformações genéticas que permitam aos patógenos se ligarem às células de um novo hospedeiro. Possibilita, dessa forma, que as doenças "pulem" entre seres de espécies diferentes.

Esse processo tem sido utilizado para explicar a transmissão dos vírus da Ebola e Zika para os humanos (Avery, 2020), e a transmissão do vírus de imunodeficiência de chimpanzés para humanos, originando o HIV (Bertolotto, 2020). Estudos iniciais, também, apresentam indícios de que o vírus da Covid-19 componha este grupo de agentes etiológicos originados em animais não-humanos (Avery, 2020).

No que diz respeito aos impactos ambientais decorrentes do aquecimento global, em matéria recente publicada pelo portal Uol (2017) que recupera pesquisas acerca do impacto do aquecimento global nas calotas polares, indica-se que as mudanças climáticas - as quais se acredita terem relação com as emissões de carbono, juntamente com a exploração de camadas de gelo até então intocadas, conhecidas como permafrost, por meio de processos de mineração e extração de petróleo - têm contribuído para o ressurgimento de patógenos adormecidos, como vírus e bactérias ainda desconhecidos. São agentes que podem apresentar afinidade com o genoma humano a ponto de originar novas doenças, contra as quais não há tecnologias suficientes que permitam criar respostas medicamentosas eficazes a tempo para evitar a mortalidade (Uol, 2017), como pode ser percebido no caso do SARS-CoV-2.

Bertolotto (2020) lança mão deste panorama das correlações entre vírus, humanos e desastres naturais, para argumentar que a combinação dos efeitos dos desflorestamentos, juntamente com o derretimento das camadas de permafrost, situados num esquema internacional pautado pela globalização, opera de forma a viabilizar pandemias como a do SARS-CoV-2.

Pensando em articulações entre ecologia e política, os efeitos da pandemia têm mostrado emaranhados interessantes. Como exemplo, tem-se que é possível evidenciar a redução emissões de carbono, as quais, até o dia 15 de maio deste ano, teriam diminuído cerca de 5,7% em relação ao ano anterior (EcoDebate, 2020). Por outro lado, durante a pandemia, os alertas de desmatamento da floresta amazônica, no Brasil, aumentaram em 63% em relação ao mesmo mês no ano anterior, 2019 (Thomaz, 2020). Ainda no contexto brasileiro, em reunião ministerial, cuja gravação foi divulgada em 22 de maio deste ano (Lira, 2020), o ministro do meio-ambiente Ricardo Salles sugere que a atenção midiática dada à pandemia deveria ser utilizada de modo que fossem aprovadas reformas infralegais, sem despertar a atenção da população. Aponta-se, desta forma, intersecções entre ecologia, política e pandemia que geram efeitos ainda mais complicados.

Diante desse cenário, tal como destaca Bertolotto (2020), a emergência do SARS-CoV-2, em escala pandêmica, alavancou discussões que já estavam em curso, as quais buscam evidenciar efeitos complexos decorrentes da relação entre seres humanos e o planeta Terra. Em entrevista recente publicada pelo portal da Editora n-1, Eduardo Viveiros de Castro (2020) comenta acerca da administração do vírus do Covid-19 no contexto brasileiro, diante uma leitura da era geológica compreendida como antropoceno:

o desmatamento, o aumento das trocas transcontinentais, a circulação de homens no globo, a disseminação de monoculturas (vegetais e animais), a intensificação das relações entre a espécie humana e as outras espécies, sobretudo selvagens, cujo habitat é invadido pelos humanos... tudo isso cria, com efeito, novas gerações de pandemia. (Viveiros de Castro, 2020, pp. 7-8)

Ainda segundo o autor, os sérios agravos ambientais que alavancaram a pandemia, associados às graves condições econômicas e políticas no Brasil, têm possibilitado um genocídio intencional de algumas populações, dentre estas as populações indígenas, contra as quais os vírus têm sido utilizados como ferramentas de limpeza étnica pelo próprio Estado do qual dependem (Viveiros de Castro, 2020).

Como exemplo desta situação, no dia 11 de agosto de 2020, a organização humanitária Médicos Sem Fronteiras - MSF, foi impedida de atuar em comunidades indígenas no estado do Mato Grosso do Sul, pelo órgão vinculado ao Ministério da Saúde a Secretaria Especial de Saúde Indígena - SESAI (Carta Capital, 2020a). Segundo a reportagem da Carta Capital, publicada em 21 de agosto do mesmo ano, mais de cinco mil pessoas ficaram sem atendimento na região, em situação de pandemia, devido às ações do governo.

Diante destas discussões, é possível compreender um cenário global, no qual os vírus, dispostos em pandemia, se inserem na relação já estabelecida entre seres humanos e a natureza, emergindo como mais um dos efeitos do processo de exaustão dos recursos naturais, como apontado por Viveiros de Castro (2020). As mais de um milhão de mortes2 por Covid-19 podem ser facilmente associadas a um fim do mundo causado pelo vírus, como aquele descrito na série de filmes de ficção científica Resident Evil, produzido pela Sony Pictures, no qual é retratada uma Terra arrasada, completamente sem vida.

Todavia, as consequências multifacetadas da pandemia de SARS-CoV-2, observadas até então e descritas acima, implicam, todavia, em ao menos duas leituras: uma de que, caso o fim do planeta Terra esteja ocorrendo, não está acontecendo da maneira que estamos acostumados a representar; e, outra que, ainda que os vírus causem estas mortes, não são os únicos responsáveis por elas.

A partir destes dois pontos, não se pretende argumentar que os vírus não matam e nem que não seja imprescindível nos atentar para a destruição dos biomas naturais, causada pelos seres humanos. Trata-se de compreender os efeitos das narrativas contadas sobre nós (humanos) sobre os vírus e as mortes por doença viral.

Para compreender um pouco melhor como este debate é proposto, recuperamos algumas discussões acerca do antropoceno, realizadas por Haraway (2016), no qual a autora lança mão deste conceito para pensar a relação entre humanos, natureza e as noções de fim de mundo. Cunhado por Eugene Stoermer no ano de 1980 a fim de evidenciar um período geológico marcado pelas transformações dos humanos na natureza, o conceito de "antropoceno" foi popularizado no campo científico a partir da década de 2000, estendendo-se nos estudos pós-humanistas e nas ciências sociais como demarcação de um período geológico, uma ferramenta teórica e um modelo para contar a história da espécie humana (Chiodi, 2017; Haraway, 2016). O antropoceno tem sido recuperado, sob diferentes perspectivas, para pensar os efeitos ecológicos da agência humana na terra os quais abrangem, por exemplo, as emissões de carbono, o desmatamento e o aquecimento solar.

Haraway (2016), entretanto, posiciona-se contrária à utilização do conceito de antropoceno. Para tanto, a autora elenca alguns motivos que sustentam a sua perspectiva, dentre os quais sintetizamos os três mais relevantes para a continuidade da discussão: (a) por compreender que a noção de antropoceno desconsidera as relações entre os seres humanos e outras espécies terrestres nos impactos geológicos no planeta; (b) que, para que fosse compreendido como uma era geológica, o início do antropoceno deveria remontar ao início do capitalismo, de forma a ser chamado, portanto, de 'capitaloceno'; (c) por entender que não são todos aqueles que pertencem à espécie humana que podem ser responsabilizados por impactos geológicos de tal porte, ignorando atravessamentos como classe social, raça e gênero, ou mesmo a agência de atores não-humanos nesse processo (Chiodi, 2017).

Diante destes argumentos, Haraway (2016) conclui que o antropoceno evoca a existência de um único mundo, homogêneo, não marcado por diferenças sociais - ou seja, não situado - o qual desconsidera as relações por meio das quais é constituído e se encontra vias de acabar. Questionar a utilização deste conceito, todavia, não implica em desconsiderar as transformações humanas na terra, tal como seus efeitos desastrosos que incorrem em tantas mortes. Haraway defende que o antropoceno e o capitaloceno são evocados não como uma era geológica, mas como fronteiras, as quais demarcam as urgências "de contínuas extinções, genocídios, miséria e extermínios multiespecíficos" (Haraway, 2016, p. 54 - tradução livre).

Pensar o antropoceno implica, portanto, em considerar a urgência destes mundos em vias de acabar, denotando a pressa para encontrar mundos alternativos, a fim de torná-lo o mais curto possível (Haraway, 2016). Tal processo não pode ser pensado sem considerarmos uma determinada produção de diferenças, sustentadas nas dicotômicas relações que emergem nesse cenário, que dividem quem são os responsáveis pelas ações que repercutem nestas urgências, como apontado por Viveiros de Castro (2020), e quais espécies e atores sofrem as consequências.

Paralelamente às noções apresentadas por Haraway (2016) e pensando a relação entre a espécie humana e a Terra, Krenak (2019) lança mão do antropoceno para explorar os efeitos decorrentes de determinada noção de humanidade. Para o autor, esta era geológica é pautada por um aparato que condiciona a pensar somente 'um' tipo de humanidade possível, a qual é produzida e sustentada por narrativas e práticas de desresponsabilização para/com o planeta. É uma ideia segundo a qual "a única possibilidade para que comunidades humanas continuem a existir é à custa da exaustão de todas as outras partes da vida" (Krenak, 2019, p. 23). Deste modo, essa humanidade, descrita por Krenak, medeia suas relações com a Terra pela mercadoria, desagregando-nos da natureza da qual dependemos para continuar existindo de fato.

Neste tempo nomeado antropoceno, portanto, é fabricado um tipo de humanidade, na qual só cabem os "humanos muito humanos" (Krenak, 2019, p. 35), delimitando marcos que estabelecem dualidades baseadas nas diferenças que os distanciem dos quase-humanos. Estes últimos são alocados e se alocam fora do esquema de controle do planeta, submetidos a todo tipo de extermínio, pela fome, genocídio, pobreza e, inclusive, pelas epidemias.

Em outra ocasião, Haraway (1999) traz a natureza como resultado de uma produção discursiva pela qual se operam efeitos materiais. Para a autora, com frequência, as narrativas modernas evocam noções de natureza de forma a essencializar dicotomias e oposições no âmbito social, pelas quais se produz diferença (Haraway, 1999). É justamente na criação de uma humanidade, que se produz ontologicamente oposta à natureza, que são justificadas a morte e o extermínio daquilo que é tornado natural e, portanto, oposição, como os desflorestamentos e genocídios de populações indígenas. Neste processo, opera justamente a desresponsabilização por estas mortes.

Retornando à noção de antropoceno sob a condição de uma fronteira, como destaca Haraway (2016), esta implica em delimitar um conjunto de discursos e práticas cuja operação se dá simultaneamente em duas vias: hierarquiza as criaturas terrestres (dentre estas os humanos), essencializando suas diferenças, a fim de estabelecer quais vivem ou morrem na Terra; e generaliza a agência humana, ocultando a produção de diferenças entre estes humanos e os demais atores (humanos e não humanos), de sorte a dificultar o rastreamento das responsabilidades por estas mortes. A ficção de um apocalipse universal, possível e agendado - para o dia 31/12/2020, segundo o Relógio do Clima (Climate Clock) - compõe um rol de histórias pelas quais são borradas as linhas de responsabilidade que ligam aqueles humanos aos impactos ambientais de tamanha magnitude e, dos quais, dificilmente são feitos alvos imediatos das consequências destas ações.

Diante deste dilema, em termos de encontrar respostas alternativas aos mundos que se findam no antropoceno, Haraway (2016) questiona:

Como podemos pensar em tempos de urgências sem os mitos de apocalipse auto-indulgentes e auto-realizadores, quando cada fibra do nosso corpo está entrelaçada, e até cúmplice nas redes de processo que devem ser engajadas e repadronizadas de algum modo? (Haraway, 2016, p. 35 - tradução livre)

A autora aponta a necessidade de práticas que produzam response-hability, em um jogo com a língua inglesa, unindo "responsabilidade" e "habilidade de resposta" (Haraway, 2016). Tal conceito diz respeito às práticas pensantes que ponham em evidência as relações entre os mais variados atores emaranhados em determinado contexto, para, desta forma, rastrear as responsabilidades de cada um daqueles que se constituem nelas, viabilizando a produção de respostas (Haraway, 2016).

Pensando diante da pandemia de SARS-CoV-2, este esforço diz respeito a um exercício de rastreamento para compreender a quem pode ser atribuída a responsabilidade pelos casos e mortes por Covid-19, para, desta forma, saber a quem ou o quê direcionar nossa resposta. Trata-se de compreender por quais narrativas convocamos as demais espécies para nossas ideologias, nossas representações, orientando formas de existência no mundo. Frente ao contexto da emergência do SARS-CoV-2 e a partir do questionamento elaborado por Haraway (2016), propomos pensar: como os vírus, configurados nas pandemias e epidemias, são convocados pelas narrativas mortais e autoindulgentes características do antropoceno?

 

3. As metáforas bélicas

Para nos lançarmos nesta direção, portanto, acreditamos ser necessário compreender como se deu a apropriação dos vírus pelas narrativas políticas nos anos mais recentes à apreensão de sua existência. Começamos por recuperar as metáforas militares de Sontag (2007), a qual apresenta leituras da trajetória recente de humanos e vírus a partir da produção de diferenças. A autora enfatiza o protagonismo dessas metáforas militares, ou bélicas, nas campanhas de saúde pública circuladas, principalmente, a partir do início do século XX. Nessas metáforas, aquilo que, de algum modo, põe em risco a integridade do corpo - e, portanto, da vida - no âmbito da saúde, passa a assumir um caráter de invasor, ameaça que agride e ataca a vida, recorrendo a uma semiótica de campo de guerra.

Essas noções surgem já no século XVII, nos escritos do poeta inglês John Donne, o qual compara o corpo a uma fortaleza, ou algo a ser defendido. Donne define, nesse processo, a doença como aquilo que ameaça a integridade desse corpo-fortaleza, comparando-a a um "inimigo invasor, numa "imagem que abrange a catástrofe" (Sontag, 2007, p. 49). Entretanto, essas noções não adquiriram credibilidade até o século seguinte.

Somente a partir dos avanços científicos disponíveis em meados do século XIX, principalmente com o advento do microscópio e das descobertas de Rudolf Virchow, fundador da patologia celular, é que foi possível deslocar o "outro invasor" da doença para os microrganismos que as causavam, que, por sua vez, deveriam ser "combatidos". Segundo Sontag (2007), o vocabulário da medicina tornou-se mais agressivo e as metáforas militares se voltaram aos próprios microrganismos, dentre eles os vírus, passando a compor o vocabulário das campanhas públicas de saúde, principalmente aquelas contra a sífilis, durante a Primeira Guerra Mundial, e a tuberculose, no pós-guerra. Mais recentemente, estas metáforas foram utilizadas em campanhas direcionadas ao HIV, nas quais o invasor a ser detido era o próprio vírus, um ser alienígena que ameaça a vida (Sontag, 2007).

Popularizada ao longo do século XX, a metáfora bélica apresentada por Sontag (2007) se estende no imaginário social, repercutindo em discursos que se valem de jargões militares direcionados aos vírus que são utilizados até hoje, novembro de 2020, de forma que seja possível compreender alguns de seus efeitos materiais, carnais. A fala do diretor-geral atual da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom, em conferência acerca das políticas internacionais acerca de Covid-19, em 11 de fevereiro de 2020, explicita o uso dessa metáfora diante dos eventos da pandemia de Covid-19:

Eu era ministro das Relações Exteriores e discutia o terrorismo e assim por diante, mas um vírus pode ter consequências mais poderosas do que qualquer ação terrorista, e isso é verdade. Se o mundo não quiser acordar e considerar esse vírus inimigo como inimigo público número um, acho que não aprenderemos nossas lições. É o inimigo número um do mundo e de toda a humanidade e é por isso que temos que fazer tudo para investir em sistemas de saúde, investir em preparação, e é por isso que eu sempre digo: é isso que me acorda à noite e deve acordar todos nós. [O vírus] é o pior inimigo que você pode imaginar. Pode causar estragos políticos, econômicos e sociais. (World Health Organization, citado por Segata, 2020, p. 296)

Segata (2020), diante de uma análise deste esquema a partir da noção de biossegurança, argumenta que a fala do diretor-geral da OMS ilustra a forma pela qual as orientações no âmbito da saúde são organizadas a partir de preceitos militares, os quais não apenas se refletem um esquema de política internacional, mas também são direcionados aos próprios vírus.

Voltando ao contexto nacional, na capa do jornal Estado de Minas, publicada em 09 de agosto de 2020, é apresentada a manchete "A guerra que o Brasil perdeu", referindo-se às 100.477 mortes por Covid-19 contadas até a data de sua publicação, e fazendo uma alusão à guerra que o Brasil, como nação, tem travado contra o SARS-CoV-2. É visível aqui a metáfora da guerra no contexto da pandemia. Em outro exemplo, na entrevista concedida à Carta Capital (2020) no dia 27 de junho de 2020, o ex-ministro da saúde brasileiro, Luiz Henrique Mandetta, comenta a transferência da administração da pasta para militares, os quais passaram a recomendar a utilização do fármaco hidroxicloroquina para tratamento de Covid-19, mesmo sem eficácia comprovada no tratamento da doença. Diante desses casos, Mandetta afirma que "médicos não sabem fazer guerra e generais não sabem fazer saúde" (Carta Capital, 2020).

No texto, sua crítica em relação à mudança no protocolo sobre a utilização deste medicamento que, segundo ele, foi orientada por uma lógica militar, denuncia os efeitos adversos de uma gestão bélica da saúde em plano material, ou seja, que repercutem nos números de mortalidade pela doença. Segundo matérias do portal Uol (Machado, 2020) e do site da CUT (2020), ambas publicadas no dia 17 de setembro de 2020, os números de mortes por Covid-19 no Brasil, aumentaram em cerca de nove vezes desde Eduardo Pazzuelo ascendeu ao cargo como ministro interino da saúde, em maio deste mesmo ano.

Mesmo que não intencionalmente, ao explicitar que "médicos não sabem fazer guerra", Mandetta enfatiza uma relação à qual também tem produzido mortes num esquema belicista. Para exemplificar esta relação recuperamos a capa da revista Veja de 25 de março de 2020, com a manchete "Heróis de guerra", a qual se refere aos profissionais de saúde na 'linha de frente' no 'combate' ao novo coronavírus (Veja, 2020).

Dentre esses profissionais, entretanto, alguns apresentaram recusa à comparação com "heróis" frente aos efeitos decorrentes desta noção como destacado na matéria publicada pelo portal Uol, no dia 28 de abril de 2020 (Carvalho, 2020). Segundo a reportagem, a renúncia à alcunha de "heróis", oferecida nos meios de comunicação, justifica-se por desconsiderar os limites humanos - enquanto espécies - desses profissionais de saúde. Invisibiliza, também, a vulnerabilidade ao contágio a que são submetidos e a discriminação sofrida em decorrência do medo de outras pessoas de se contagiarem. Desta forma, são dificultadas ações que promovam estratégias para diminuir a vulnerabilidade deste público ao vírus.

Efetivamente, profissionais de saúde não são heróis, no sentido metafórico do termo. Segundo o relatório oficial do Ministério da Saúde, divulgado por meio da matéria no sítio da Jovem Pan (2020), no total 305 técnicos, 195 médicos e 169 enfermeiros faleceram no Brasil devido complicações por Covid19 no período que compreende o início da pandemia, em 11 de março de 2020, até a data de publicação da matéria, em 06 de agosto do mesmo ano. Para além dos óbitos, ainda foram orientadas medidas de castigo contra os médicos que não seguissem a lógica evidenciada por Mandetta, dispensando aqueles que não prescrevessem o fármaco hidroxicloroquina para pacientes, ainda que sem eficácia comprovada (Lemos, 2020).

Ainda que a fala do ex-ministro não faça menção às metáforas bélicas direcionadas aos vírus, são explicitados alguns dos efeitos decorrentes de sua incorporação quando aplicadas num âmbito político. Dizem respeito a combinações mortais entre humanos e vírus.

Antes de prosseguir com as discussões, cabe salientar que o esforço empregado por Sontag (2007), ao pensar as metáforas militares, difere do modelo teórico das SF, propostas por Haraway (2016). Por um lado, Sontag (2007) propõe uma desmetaforização radical das doenças, de modo com que não sejam atribuídos atributos morais a estas, para que, assim, possam ser tomadas enquanto fenômenos mundanos. Enquanto, para esta última, as SF implicam, necessariamente, em um modelo de narração de histórias contadas sobre as espécies, em vias de pensar encontros mais vivíveis.

Para além, enquanto Sontag (2007) se propõe a pensar as doenças, Haraway (2003) aponta estar mais interessada em pensar as relações interespecíficas, do que a história social das doenças em seus estudos. Questão esta que implica diretamente em pensar os próprios vírus nas SF. Por outro lado, é possível compreender que ambas tratam de pensar em termos de efeitos decorrentes dos modos de nos relacionarmos com as demais espécies, ainda que sejam patógenos, a fim de propor maneiras menos mortais, ou sofridas de se existir com estas criaturas, seja na saúde ou na doença.

Desta forma, tomando a teoria de Haraway (2016) enquanto fio condutor para estas reflexões, é necessário realizar dois apontamentos: ainda que as autoras apresentem divergências no que diz respeito às suas proposições e argumentos, as relações bélicas propostas por Sontag (2007) são recuperadas, aqui, enquanto mais uma narrativa pelas quais os humanos convocam os vírus de modo a compor relações mais ou menos mortais; desse modo, entendemos também que o esforço de se desmetaforizar as doenças e, por conseguinte, os patógenos, compõe parte do esforço de pensar outras relações que sejam mais vivíveis, por assim dizer.

Logo, diante destas reflexões, é possível compreender as metáforas bélicas enquanto um exemplo de histórias que dão forma à relação entre humanos e vírus, as quais são herdadas e orientam a viabilidade de sobrevivência destas pessoas situadas nestes contextos.

Pensando a partir da distribuição da responsabilidade, diante deste cenário, é possível compreender as metáforas bélicas como mais uma ficção do antropoceno. Ao passo que emerge a associação dos vírus à da noção de inimigo, ou até assassino, são ocultadas as condições nas quais sua replicação é favorecida por dinâmicas criadas pelos humanos.

Assim, tal como no uso metafórico do signo de heróis, dados aos e às profissionais de saúde, é possível compreender um processo no qual são justificadas as mortes, que não podem ser unicamente lidas pela ação parasitária dos vírus. Em outras palavras, ainda que o SARS-CoV-2 mate, torna-se insuficiente a explicação de que seja o responsável único por estas mortes.

É necessário sublinhar, entretanto, que a metáfora da guerra, explorada até então, e a noção de fim de mundo, mencionada anteriormente, orientam leituras distintas no que diz respeito à responsabilidade. Se, de um lado, a noção de fim de mundo, invocada pela noção de antropoceno, implica na urgência de se pensar fins de mundo que estão chegando para alguns, dos quais a causa se mostra difusa; de outro, a guerra implica na identificação explícita de um inimigo, ainda que fictício, o qual deve ser eliminado.

Entretanto, novamente tomando a responsabilidade como chave de leitura, em ambos os casos, são borradas as relações contingentes que orientam quem ou o que deve ser responsabilizado por estas ocorrências. Em outras palavras, o que tentamos identificar é que tanto no cenário apocalíptico, quanto no bélico, as mortes são ocultadas sob uma única causa para estas mores, o vírus.

 

4. Rastreando responsabilidades

Se os vírus não se fazem os únicos responsáveis por estas mortes, como fica o problema da responsabilidade? Se, diante destas argumentações, é possível compreender que a associação destes com determinados segmentos da população não passa de uma ideia criada, quem a cria e quem deve ser responsabilizado? Ou quem a opera no âmbito político? Ou quem produz informação com base neste conhecimento? Ou quem repete para os amigos e família? Ou quem só ignora, por que não é problema seu?

Retornando à Haraway (2016), pensar diante das SF implica, necessariamente, compreender a responsabilidade dos atores envolvidos nestes emaranhados, para, desta maneira, criar respostas reais e possíveis aos mitos do antropoceno. Pensar que o víru seja os único culpado pela pandemia, ou mesmo resumir este processo a noções generalistas como o capitalismo, o liberalismo, os governos, ou o sistema torna-se pouco produtivo. É necessário indicar a quem cabe a responsabilidade. Por outro lado, são tantos os responsáveis possíveis, que os indicar, um por um, seria impossível em apenas um artigo.

Assim, o que gostaríamos de explorar brevemente é como tem operado a desresponsabilização, aliada à distribuição da responsabilidade, no caso da pandemia de SARS-CoV-2, pelas quais se sustenta essa relação descrita nestes moldes. Trata-se de ilustrar um panorama nacional de como tem se produzido as narrativas de responsabilização e desresponsabilização pelos casos de Covid-19, diante de alguns debates e eventos decorrentes no ano de 2020.

Nos dois primeiros meses após a declaração de estado da pandemia pela OMS, março e abril de 2020, foi possível verificar certa tensão entre as esferas federal, estaduais e municipais no que diz respeito à gestão do vírus no Brasil. Ao passo que o então presidente da república evitava tomar atitudes enérgicas no enfrentamento da pandemia, prefeitos e governadores viram-se na necessidade de apelar ao Supremo Tribunal Federal - STF, em vias de viabilizar medidas mais eficientes de gestão da pandemia localmente (Brígido, 2020; Estado de Minas, 2020)

Esta tensão se estendeu até junho do mesmo ano quando, diante do agravamento da pandemia em território brasileiro, prefeituras e estados voltam a cobrar do governo federal o reajuste do orçamento previsto para o manejo da pandemia. Diante da decisão do STF, mencionada pouco acima, Jair Bolsonaro faz um tweet, no qual escreve que a responsabilidade é dos governos estaduais e municipais (Mota, 2020).

Simultaneamente, estabeleceram-se conflitos acerca das recomendações de medicamentos comprovadamente ineficazes no tratamento da Covid-19, realizadas pelo presidente, como mencionado anteriormente. Esta tensão causou a saída de dois Ministros da Saúde em um intervalo menor de um mês, Luiz Henrique Mandetta em 16 de abril de 2020 (Shalders, 2020) e Nelson Teich, em 15 de maio (Andrade, 2020).

As polêmicas envolvendo a hidroxicloroquina persistiram na esfera federal ainda com o então ministro da saúde Eduardo Pazuello. Este que, em meados de agosto, comentou acerca da falta de demanda do fármaco hidroxicloroquina por parte dos profissionais de saúde (Correio do Povo, 2020). Ao longo do mês de junho foram realizadas compras substanciais dos insumos para a distribuição do medicamento, chegando ter em estoque aproximadamente 1,8 milhão de comprimidos, número 18 vezes maior do que os anos anteriores (Portinari, 2020).

Ainda no que diz respeito ao uso de medicamentos ineficazes para tratamento de Covid-19, Jair Bolsonaro, em coletivo de imprensa no dia 19 de outubro de 2020, defendeu o uso do vermífugo nitazoxanida, popularmente conhecido como "Anitta". Nesta ocasião, é utilizado um gráfico retirado de um banco de imagens, para sustentar a defesa de seu uso para tratamento de Covid-19 (TV Democracia, 2020).

E, como último evento a ser destacado nesta sessão:

No mesmo dia em que os maiores hospitais do país divulgaram uma pesquisa provando que a cloroquina não serve para Covid-19 e ainda pode ter efeito adversos no coração e no fígado, Bolsonaro saiu correndo atrás das emas do Palácio da Alvorada com uma caixa do remédio na mão. (Kotscho, 2020, p. s/p)

Somente neste breve período citado até então, que se estende de 27 de março a 18 de agosto de 2020, foram contabilizados 5.221.429 novos casos de Covid-19 no Brasil 3.

Para compreender como a responsabilidade é distribuída nestes casos, tornamos brevemente a Segata (2020). Diante dos debates estabelecidos no campo da biossegurança, o autor debate a questão de como os governos se preparam para orientar medidas de segurança contra determinada ameaça, e, desta forma, constituem práticas de desresponsabilização para com os efeitos decorrentes deste cenário, no caso, a pandemia (Segata, 2020). Explica que a preparação é construída com base em informações imprecisas acerca daquilo do qual buscam se defender, estas que consistem em "evidências em construção, rumores em investigação e intensa comunicação incompleta" (Segata, 2020, p. 292).

Este processo se configura como uma política da incompletude que orienta a produção de grande quantidade de medidas de enfrentamento, ao passo que se apresenta como justificativa caso os efeitos decorrentes destas medidas repercutam em insucessos (Segata, 2020). Nas palavras do autor:

O que se nota, assim, é que as tecnologias de preparação não implicam, necessariamente, estarmos informados e materialmente prontos para não sofrermos os efeitos de uma crise sanitária. Antes, elas formam um emaranhado de elementos negociáveis que podem fundamentar tomadas de decisão mais ou menos precárias, empregadas para o governo da vida. (Segata, 2020, p. 295)

O que se percebe, também, neste processo, é a frequência com que informações não científicas, metafóricas e distópicas são utilizadas para sustentar estas políticas de preparação (Segata, 2020). A cloriquina, a Anitta, a Ema, o gráfico falso, compõem, simultaneamente os papéis de agentes e focos discursivos que configuram este panorama, os quais, associados à imagem do vírus, tomado como inimigo último pelo diretor geral da OMS, como visto acima, são convocados a compartilhar a responsabilidade por estes números.

Como argumenta Butturi (2020), comparando a apropriação do medicamento nos cenários políticos da aids e da Covid-19, a perspectiva biomédica assume centralidade nos discursos e práticas políticas voltados ao vírus, configurando-se como mais um campo de disputa de verdades no e pelo qual o discurso científico e a crença assumem o mesmo patamar.

Logo, temos de um lado os discursos que comprovam a ineficácia do medicamento, e, do outro, a defesa de sua utilização pelas instâncias governamentais (Butturi, 2020). Diante desta ambiguidade, e sem organização política efetiva daqueles afetados pelo SARS-CoV-2, como houve no caso de HIV, em que foram reivindicados os direitos da população, é operada uma política de morte sobre estes corpos (Butturi, 2020).

Segata (2020) também menciona o manejo destes medicamentos como parte desta política da incompletude. Não apenas os vírus são responsabilizados por estas mortes, mas o sucesso de sua ação em diferentes corpos, levando à sua morte por doença viral, passa a ser justificada pelo próprio remédio. Em outras palavras, ainda que os vírus não sejam os protagonistas nestes discursos apontados acima, a maneira com que se narra sua ação parasitária justifica a criação de uma resposta, uma contramedida, uma reação imunológica (Haraway, 1999), igualmente produzida no campo discursivo.

A cloroquina, ou a "Anitta", surgem nesse horizonte também como atores neste emaranhado de humanos e vírus como mais um mito do antropoceno. Ao mesmo tempo em que não impedem as mortes por Covid-19, são administradas como se sua eficácia fosse comprovada. Caso o insucesso ocorra, culpa-se a falta de informação (Segata, 2020), de sorte que, tal como ocorre com o SARS-CoV-2, a cloroquina não pode ser culpada por estas mortes.

Retornando a Haraway (2016), ao debater o antropoceno, esta atenta para a ineficácia de depender exclusivamente de soluções tecnocráticas, as quais surgem como soluções milagrosas que pouco contribuem para a construção de soluções eficazes (Chiodi, 2017). Neste caso, os fármacos que compõem o infame "kit covid", a cloroquina e a Anitta, as quais, repetindo, não apenas são comprovadamente ineficazes no tratamento de Covid-19, mas, ao serem apresentadas como soluções viáveis, admitem que medidas efetivas continuem não sendo tomadas.

Cabe salientar que a culpabilização das próprias pessoas que se vêem infectadas por determinados vírus, também compõe este cenário de desresponsabilizações e responsabilizações. Este fenômeno não é recente e tem sido observado como estratégia política desde a emergência do HIV (Pelúcio &Miskolci, 2009). Analisando o contexto do surgimento da epidemia da aids, Pelúcio e Miskolci descrevem a configuração da SIDAdanização, que implica também em uma responsabilização individual dos sujeitos infectados pela contração e manejo do vírus em seus corpos, em vias de que estes sujeitos possam ser lidos enquanto cidadãos, ou seja, normalizados.

Segundo os autores, também diante da noção de risco, foi possível orientar estratégias de medidas de prevenção ao vírus no âmbito comportamental empregadas pelos estados e presente nas políticas públicas, uma vez que o vírus do HIV foi rapidamente associado à sexualidade, produzindo uma noção de risco voltada para as práticas sexuais (Pelúcio & Miskolci, 2009). Neste processo, surgem discursos pelos quais os sujeitos são feitos agentes de suas condutas sexuais, de modo que o controle da epidemia deixa o âmbito social e externo, para ser de domínio interno dos sujeitos e grupos associados ao risco (Pelúcio & Miskolci, 2009).

Processo semelhante pode ser observado no caso da pandemia de SARS-CoV-2 (Butturi, 2020; Junqueira & Prado, 2020; Segata, 2020). A responsabilização individual pelo manejo do vírus, ou mesmo do remédio, assume papel central nos discursos oficiais. Cabe ao indivíduo a responsabilidade pela compra e correta utilização de máscara e álcool em gel, pela manutenção do distanciamento social, por conhecer os sintomas (dentre suas múltiplas possibilidades) da Covid-19 e, consequentemente, por procurar o atendimento médico na hora certa, nem antes nem depois do necessário.

É precisamente neste jogo em que se borram as linhas de interação pelas quais se pode rastrear os verdadeiros responsáveis por esta situação, viabilizando, assim, a continuidade destas mortes. A distribuição da responsabilidade, aliada a uma constante desresponsabilização do governo federal pelas mortes efetivadas pelos vírus, pode ser compreendida, no campo discursivo, como processos que maculam estas combinações entre humanos e vírus, em uma extensa rede de atores que se emaranham e cujos efeitos repercutem nos números esdrúxulos apresentados até então.

Salientamos ainda que, embora este contexto se apresente em uma perspectiva diferente daquela pensada nas metáforas bélicas, tomando a relação com os vírus como foco, os atores aqui apresentados são dispostos de maneira semelhante. Ainda que, no que diz respeito aos eventos recuperados, os vírus assumam um papel secundário, há uma produção constante acerca destas criaturas, de forma a convocá-las para determinados modelos de relação.

Seja pela descrição constante, ainda que errônea, acerca de sua estrutura fisiológica, que seria inativada pelo consumo de substâncias aleatórias, seja na transferência da responsabilidade pela sua ação a diferentes esferas da gestão pública, como se sua ação fosse orientada por demarcações político-geográficas. Destarte, tanto na sessão anterior, quanto nesta, há uma operação similar de construção de uma noção de vírus. Assim sendo, o esforço empregado neste texto diz respeito justamente em explorar como opera a relação nos emaranhados das SF.

 

5. O que cabe aos vírus

Retornando ao vírus, não cabem narrativas inocentes pelas quais se opera a desresponsabilização pelas mortes, como nos alerta Haraway (1999, 2016). O vírus mata. No entanto, a maneira pela qual se morre de uma doença viral e quem morre no contato com ele são questões que estão além de seu alcance. Até onde se sabe, os vírus não discriminam intencionalmente os humanos infectados por eles (Oliveira, 2020). Logo,

ainda que haja uma mecânica biológica mais ou menos padronizável e conhecimentos e técnicas para o seu manejo, situações locais de injustiça e de vulnerabilidade social e as próprias experiências de saúde e doença ou aquelas de risco e cuidado tensionam e limitam essa universalidade. (Segata, 2020, p. 288)

A partir da reflexão que propomos aqui, não pretendemos sugerir que os vírus sejam uma construção humana utilizada para agenciar mortes. Eles existem por conta própria desde antes de nós (Santos et al., 2015), e, provavelmente, continuarão existindo depois de nossa passagem pela Terra. Como afirma Haraway (1999), as demais criaturas terrestres não podem ser lidas como um delírio metafísico muito menos um conto ficcional.

Na linha de raciocínio apresentada pela autora (1999, 2008), trata-se de sobressaltar como sua existência passa um processo de racionalização e objetificação, pelo qual é possível criar uma ideia de essência associada aos vírus, uma teleologia, a qual passa a mediar semiótica e materialmente a relação entre nós (humanos + vírus), atuando como produtora destes corpos. Repetindo, para a autora, não há criatura ou objeto que preexista às suas relações, de modo que existam como tais anteriormente a ela, constituindo a si mesmos no mundo, num processo individual e autopoiético (Haraway, 1999, 2008, 2016).

No aparato de produção corporal, descrito por Haraway (1995, 1999), os corpos e os objetos, como produtos de um conhecimento científico, configuram-se como um nó semiótico-material, cujas fronteiras

se materializam na interação social entre humanos e não humanos, incluindo máquinas e outros instrumentos que medeiam trocas em interfaces cruciais e que funcionam como delegados das funções e propósitos de outros atores. (Haraway, 1999, p. 124 - tradução livre)

Ainda que os vírus existam sem nós (humanos), busca-se compreender como sua existência é cooptada e transformada na relação conosco, convocada para nossas ideologias, de forma que os efeitos resultantes deste encontro não podem ser reduzidos exclusivamente à sua ação parasitária. Neste aparato, os discursos, científicos e não científicos compõem este emaranhado produzindo estes organismos e objetos.

Diante destas reflexões, é possível compreender que o conhecimento produzido acerca dos vírus no campo da biologia se alia às narrativas criadas sobre eles, emergindo como mais um ator na relação entre humanos e vírus. De um lado, a qualidade parasitária, e eventualmente assassina, destas criaturas é ressaltada e fixada à sua representação, de outro, a disseminação de informações falsas sobre suas propriedades genéticas orientam formas ineficazes de tratamento. Logo, estes processos se combinam dando forma a estes nós (simultaneamente: humanos + vírus, plural de nó) nas SF.

Segundo Haraway (1999), ainda que os vírus surjam como fantasias fantasmagóricas, não o são. Entretanto, ao serem configurados pelas metáforas e ficções que o fabricam simbolicamente, viabiliza-se ocultar as condições de sua própria fabricação. São fundadas, neste processo, narrativas que retiram a constituição e ação dos vírus do âmbito relacional, por meio de teleologias que essencializam sua função, pela qual se opera a desresponsabilização pelos números de casos e óbitos.

Assim, no emaranhado que compreende humanos e vírus, surge uma miríade de atores que são conjurados em vias de dividir a responsabilidade por estas mortes causadas pelos vírus- os medicamentos e os infectados, por exemplo. Por outro lado, "A própria busca febril por determinar uma gênese para a doença nos revela muito sobre as fantasias e os medos de uma cosmologia cultural própria do Ocidente" (Pelúcio & Miskolci, 2009, p. 132). O que, em outros termos, implica em evidenciar os processos pelos quais criamos uma natureza aos vírus.

 

6. Considerações finais

O esforço empregado ao longo deste artigo, portanto, trata justamente de explorar algumas das nuances dos encontros entre humanos e vírus em determinados contextos de forma a viabilizar ou não algumas vidas. A noção de antropoceno surge neste interstício como uma ferramenta teórica utilizada para explicitar articulações entre estes atores pelos quais se distribui a responsabilidade, em processos simultâneos de responsabilização, desresponsabilização e compartilhamento destas responsabilidades.

Assim, apresentamos um panorama parcial de interações em emaranhados que juntam humanos, vírus, relações internacionais, ecologia etc., as quais orientam modos e possibilidades de vida diante de cenários efetivamente virais. Buscamos apontar, por meio deles, como os jogos políticos levam em consideração estes atores a fim de determinar determinadas estratégias de gestão de epidemias e pandemias.

A fabricação de determinadas naturezas para os vírus, operam em ao menos três vertentes: justificando uma gestão imprecisa deste patógeno sustentadas pelas políticas de incompletude; pela noção de inimigos que permite a desresponsabilização dos atores humanos que, de fato, são os responsáveis pelo agenciamento de determinados fins de mundo; e justificando extermínios de alguns humanos pela responsabilização individual de seu manejo.

Logo, retomando a noção de antropoceno, segundo Haraway (2016) e Krenak (2019), como debatido no início deste texto, faz-se pungente enfatizar que estas ficções produzidas sobre estas criaturas, surgem como narrativas autoindulgentes características antropoceno. Cabe ressaltar, portanto, que resumir a relação entre humanos e vírus à própria promessa de morte, configura-se como o verdadeiro próprio problema ao qual a necessidade de resposta se faz urgente. Para que, desta forma, possamos buscar outras possibilidades de relação com os vírus que não parta de determinados preceitos morais, estes que sustentam determinada noção de vírus utilizada para aplicar genocídios.

Diante destas reflexões, salientamos ainda que este é um primeiro esforço para compreender outras relações possíveis entre humanos e vírus que sejam construídas a partir de possibilidades onde a vida se faça possível, mesmo na infecção. Os limites encontrados diante deste texto implicam também em possibilidade de análises futuras diante desse modelo proposto. Como destacado no texto, um dos desafios é a própria necessidade de apreender relações entre humanos e vírus considerando interseccionalidades, tais como sexualidade, gênero e raça.

 

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Recebido em: 13/11/2020
Aprovado em: 06/10/2021

 

 

1 Figuras de barbante - tradução livre.
2 Dado segundo disponibilizado na plataforma do Google. Recuperado de https://news.google.com/covid19/map?hl=pt-BR&mid=%2Fm%2F02j71&gl=BR&ceid=BR%3Apt-419
3 Os dados apresentados foram retirados do site: https://news.google.com/covid19/map.

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