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Revista da SPAGESP

versión impresa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.23 no.2 Ribeirão Preto jul,/dic. 2022

http://dx.doi.org/https://doi.org/10.32467/issn.2175-3628v23n2a4 

https://doi.org/10.32467/issn.2175-3628v23n2a4

ARTIGOS

 

Programa ACT com casais: repercussões na dinâmica familiar

 

ACT program with couples: repercussions on family dynamics

 

Programa ACT con parejas: repercusiones en la dinámica familiar

 

 

Milena Carolina Fiorini1; Mauro Luís Vieira2; Carolina Duarte de Souza3; Elisangela Böing4; Maria Aparecida Crepaldi5

Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis-SC, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo qualitativo buscou compreender as repercussões de um treinamento parental (Programa ACT) na parentalidade, coparentalidade, conjugalidade e no comportamento infantil. O Programa tem como foco a melhoria das práticas educativas dos pais e a sigla ACT significa ação, devido ao caráter dinâmico da intervenção, que abrange orientações, atividades e discussões em grupo. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas com três casais heteroafetivos que participaram da intervenção e foram submetidos à análise categorial temática. Os resultados indicaram melhoria na parentalidade e redução de problemas de comportamento dos filhos. A participação de ambos os pais promoveu repercussões favoráveis não apenas na coparentalidade e na conjugalidade, mas na dinâmica familiar como um todo. Este estudo sugere que a participação de duplas coparentais em programas de treinamento tende a potencializar a aplicação do conhecimento, beneficiando o desenvolvimento da criança.

Palavras-chave: Coparentalidade; Relações familiares; Treinamento de pais; Psicologia da criança; Programa ACT.


ABSTRACT

This qualitative research sought to understand the repercussions of the ACT Program on parenting, coparenting, conjugality, and child behavior. ACT is a parenting training program focused on improving parenting practices. Data were collected through semi-structured interviews with three heteroaffective couples who participated in the intervention and submitted to thematic categorical analysis. The results indicated an improvement in parenting and a reduction in children's behavior problems. The participation of both parents promoted favorable repercussions not only on coparenting and conjugality but on family dynamics as a whole. This study suggests that the participation of coparental pairs in training programs tends to enhance the application of knowledge, benefiting the child's development.

Keywords: Coparenting; Family relationships; Parent training; Child psychology; ACT Program.


RESUMEN

Esta investigación cualitativa buscó comprender las repercusiones del Programa ACT en la crianza, la crianza compartida, la conyugalidad y el comportamiento del niño. ACT es un programa de capacitación para padres enfocado en mejorar las prácticas de crianza. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas semiestructuradas con tres parejas heteroafectivas que participaron de la intervención, y sometidas a análisis temático categórico. Los resultados indicaron una mejora en la crianza de los hijos y una reducción en los problemas de conducta de los niños. La participación de ambos progenitores promovió repercusiones favorables no solo en la coparentalidad y la conyugalidad, sino en la dinámica familiar en su conjunto. Este estudio sugiere que la participación de parejas coparentales en los programas de capacitación tiende a mejorar la aplicación del conocimiento, beneficiando el desarrollo del niño.

Palabras clave: Coparentalidad; Relaciones familiares; Formación de padres; Psicología infantil; Programa ACT.


 

 

O Programa ACT para Educar Crianças em Ambientes Seguros é um treinamento universal destinado a mães, pais e cuidadores de crianças com idade entre zero e oito anos, desenvolvido nos Estados Unidos em 2001, pela Divisão de Prevenção da Violência da American Psychological Association (APA, 2016). O Programa ACT busca atuar na modelagem do comportamento parental, promovendo ambientes saudáveis, seguros e estáveis na primeira infância (Weymouth & Howe, 2011). A intervenção vem sendo implementada em diversos países e os estudos científicos foram predominantemente quantitativos, com foco na avaliação das práticas educativas parentais, ou seja, nas estratégias adotadas pelos cuidadores para estimular a ocorrência de comportamentos desejados e extinguir problemas de comportamento do filho (Macana & Comim, 2015).

As práticas educativas parentais podem ser positivas ou negativas. Práticas positivas abrangem o equilíbrio entre disciplina, autoridade, carinho, atenção e sensibilidade às necessidades dos filhos, atuando como mecanismos de proteção ao desenvolvimento da criança. Por outro lado, práticas educativas negativas acontecem quando os pais são muito permissivos, negligentes ou autoritários (Macana & Comim, 2015) e podem envolver violência física e/ou psicológica, constituindo-se como fatores de risco ao desenvolvimento infantil (Altafim, 2017).

Dentro do enfoque sistêmico, a Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano (Bronfenbrenner, 2005) preconiza que o desenvolvimento da criança e o sistema familiar se influenciam de forma recíproca, além de ambos estarem suscetíveis a fatores de ordem contextual, desenvolvimental e transgeracional. A transgeracionalidade refere-se aos padrões relacionais que se repetem ao longo das gerações familiares (Falcke & Wagner, 2005) e influenciam as práticas educativas dos pais de acordo com a experiência que estes vivenciaram com os seus próprios pais. Assim, a forma como os membros da família se relaciona e mantém os seus vínculos, ou seja, a dinâmica familiar, consiste no elemento mais importante de desenvolvimento nos primeiros anos de vida, repercutindo na aprendizagem de habilidades cognitivas e socioemocionais (Gulliford et al., 2015; Pereira et al., 2015).

O significado do termo parentalidade, avaliado sob o panorama sistêmico, abrange o conjunto de atividades realizadas pelos pais a fim de assegurar a sobrevivência, o desenvolvimento e a socialização da criança, e envolve a interação entre as características dos pais, da criança e do contexto (Barroso & Machado, 2010). A constituição da parentalidade é consequência da integração entre a trajetória de desenvolvimento e os padrões transgeracionais dos cuidadores, o temperamento do filho, a conjugalidade e a coparentalidade (Belsky & Jaffee, 2006).

A coparentalidade, ou seja, a maneira como os pais compartilham entre si as funções de cuidado e educação dos filhos, repercute positiva ou negativamente no desenvolvimento da criança (Feinberg et al., 2012). Com base no Modelo da Estrutura Interna e Contexto Ecológico de Feinberg (2009), a coparentalidade é fruto da inter-relação entre quatro componentes: acordo/desacordo nas práticas parentais (nível de entendimento entre a dupla coparental a respeito de assuntos referentes à criança: cuidado, educação, decisões sobre necessidades práticas e emocionais); divisão do trabalho relacionado à criança (divisão das responsabilidades e obrigações relativas à rotina); suporte/sabotagem da função coparental (qualidade e grau do suporte recíproco entre os pais no que diz respeito às expressões de reforço, apoio emocional e autoridade); e gestão conjunta das relações familiares (modelação das interações familiares entre a dupla coparental e a criança, e também com outros membros da família). Feinberg et al. (2012) conceberam, ainda, a dimensão de proximidade coparental, relacionada ao nível em que a coparentalidade reforça a intimidade do casal.

Ao atuar na modelagem do comportamento dos pais, um dos focos do Programa ACT é estabelecer melhorias no comportamento da criança (Altafim, 2017; Pedro, 2016), dada a associação entre o emprego de práticas educativas positivas e a melhoria do comportamento do filho (Gulliford et al., 2015; Holtrop et al., 2015). Os problemas comportamentais na infância podem ser categorizados em externalizantes ou internalizantes. Os comportamentos externalizantes são expressos preponderantemente quando a criança estabelece relacionamentos interpessoais: envolvem hiperatividade, problemas de conduta, agressividade física e verbal e condutas antissociais. Já os comportamentos internalizantes são evidenciados predominantemente em relação à própria criança: dizem respeito a sintomas emocionais, como depressão, ansiedade, isolamento e fobia social (Böing & Crepaldi, 2016).

Achados de pesquisas quantitativas demonstraram a efetividade do Programa ACT na melhoria das práticas educativas parentais (Altafim, 2017; Knox & Burkhart, 2014; Pedro, 2016; Pontes, 2015; Weymouth & Howe, 2011), além de diminuição de problemas comportamentais da criança (Altafim, 2017; Pedro, 2016). Um dos pontos centrais do Programa ACT é orientar os pais na compreensão e aplicação da disciplina positiva, ou seja, de estratégias educativas sem violência (Silva, 2011). A disciplina positiva envolve o reforço positivo de comportamentos adequados; a ajuda dos pais à criança para resolução de conflitos e expressão de emoções; e o cuidado em relação ao próprio comportamento parental na frente do filho (Altafim et al., 2018).

Nesse sentido, é importante citar um estudo quantitativo realizado por Altafim et al. (2021), com 143 mães brasileiras de crianças de 3 a 8 anos, participantes do Programa ACT. Os resultados da análise de equação estrutural evidenciaram que a intervenção propiciou aumento da disciplina positiva e da regulação emocional e comportamental das mães. Observou-se, ainda, que a regulação emocional e comportamental dessas mães impactou na diminuição de problemas comportamentais do filho. De acordo com a interpretação das autoras, a participação no Programa fortaleceu as habilidades de autorregulação materna, o que, por sua vez, auxiliou na redução de práticas educativas negativas, tornado as mães correguladoras positivas para o comportamento da criança.

Dentre as poucas pesquisas qualitativas realizadas com o Programa ACT, o estudo internacional de abordagem mista de Portwood et al. (2011) contou com 271 participantes recrutados em agências de serviço social e centros de programas parentais. Um subconjunto da amostra participou de grupos focais, e os achados qualitativos revelaram aumento nas práticas educativas positivas, no nível de conhecimento sobre o comportamento infantil e no controle da raiva. Em âmbito nacional, os achados da investigação de Camargo (2016), com oito mulheres em situação carcerária e com pelo menos um filho com idade entre um e oito anos, sugeriram aumento do nível de conhecimento das mães em relação ao desenvolvimento da criança e aos comportamentos difíceis esperados para cada faixa etária, bem como às estratégias de disciplina positiva.

Outros estudos qualitativos foram desenvolvidos em Portugal. A pesquisa de Leça (2018), com seis mães e dois pais com filhos de dois a cinco anos, demonstrou melhorias nas práticas educativas parentais, na regulação emocional dos pais, no conhecimento sobre desenvolvimento infantil e no relacionamento entre pais e criança. O estudo de Ferreira (2019), focado na perspectiva de oito dinamizadores do Programa ACT (sete mulheres e um homem), por sua vez, identificou melhorias na regulação emocional dos pais, além de mudanças positivas na dinâmica familiar dos participantes, com destaque para o relacionamento entre pais e criança e a criação de um ambiente mais calmo na família. Também em Portugal, Ramos et al. (2019) realizaram uma pesquisa com nove mães e um pai de crianças de três a oito anos. As autoras observaram ampliação das práticas educativas positivas e da regulação emocional dos pais e dos filhos.

A análise desses estudos qualitativos, somados à pesquisa quantitativa de Altafim et al. (2021), sinaliza que a regulação emocional dos pais parece ser um fator significativamente influenciado pela participação no Programa ACT. A habilidade dos cuidadores em compreender e abordar as suas próprias emoções é decisiva no processo de desenvolvimento da regulação das emoções do filho (Pereira et al., 2017), sendo que a desregulação emocional tende a gerar práticas violentas punitivas, que se associam a problemas de comportamento da criança (Pereira et al., 2017).

É importante citar, ainda, os achados da pesquisa de Barros et al. (2019), que revelaram o repasse das aprendizagens para o(a) parceiro(a) que não participou da intervenção e a melhoria do relacionamento familiar como um todo, o que pode estar relacionado a mudanças na relação coparental e/ou conjugal. A literatura indica que a coparentalidade e a relação conjugal estão em interação dinâmica e constante (Böing & Crepaldi, 2016; Costa et al., 2017), além de relações positivas entre coparentalidade, práticas educativas parentais e conjugalidade, e destas, com o comportamento infantil (Feinberg & Kan, 2008; Mosmann et al., 2018).

Com base nas informações apresentadas, para além dos benefícios proporcionados pelo Programa ACT sustentados pela literatura científica, presume-se que a intervenção venha a interferir positivamente em outros aspectos do sistema familiar. Portanto, o objetivo específico deste estudo foi compreender as repercussões do Programa ACT na parentalidade, na coparentalidade, na conjugalidade e no comportamento da criança, na perspectiva de casais participantes, dada a lacuna de estudos científicos sob essa ótica. Infere-se que a visibilidade do Programa, quando explorada a partir das dinâmicas conjugal e coparental, venha a potencializar a proteção do desenvolvimento infantil.

 

MÉTODO

PARTICIPANTES

A implementação do Programa ACT em uma cidade da região sul do Brasil foi realizada em oito instituições, em caráter gratuito, totalizando dez grupos de intervenção, com 94 concluintes. Destes, apenas seis pessoas constituíam casais (três homens e três mulheres), ou seja, participaram deste estudo qualitativo os três casais heteroafetivos que finalizaram o Programa ACT, independentemente se os parceiros estiveram no mesmo grupo ou em grupos separados, e que cumpriram os critérios de inclusão, a saber: (1) pais e mães biológicos ou adotivos casados ou em união estável pelo período mínimo de seis meses; (2) com participação mínima em seis sessões; e (3) com pelo menos um filho (biológico ou adotivo) de dois a oito anos em comum, com desenvolvimento típico. Todos os participantes eram brancos e de classe média ou alta. As informações a respeito desses casais podem ser observadas na Tabela 1. Foram atribuídos nomes fictícios tanto para os pais quanto para as crianças, a fim de resguardar o anonimato dos participantes.

Tabela 1

 

PROCEDIMENTO

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH) da Instituição de ensino na qual os autores estão vinculados, sob o nº de parecer 2.766.095 e CAAE 86396218.4.0000.0121. Seguiu os parâmetros éticos de Pesquisa com Seres Humanos nas Ciências Humanas e Sociais, da Resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde. A participação dos casais foi voluntária, respaldada pela garantia do anonimato e pela assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Em termos práticos, o Programa ACT é estruturado em grupos de seis a doze pessoas, inclui uma reunião prévia e oito sessões semanais subsequentes, com duração de duas horas cada. Os encontros são interativos e geralmente iniciam com uma reflexão em grupo acerca da temática a ser trabalhada, seguida da exposição dialogada com apresentação de conteúdos e/ou vídeos. Os participantes realizam atividades individuais ou em grupo, que envolvem estudos de casos, discussões, vivências, dinâmicas e elaboração de materiais. Por fim, há um fechamento conjunto, com propostas de tarefas a serem realizadas em casa, com os filhos.

As sessões seguem a seguinte sequência: 1º encontro: Reunião prévia do Programa; sessão 1: Compreensão do comportamento e desenvolvimento infantil; sessão 2: A violência na vida das crianças; sessão 3: Manejo da raiva no adulto; sessão 4: Como ajudar a criança na regulação emocional, incluindo o controle da raiva; sessão 5: A influência dos meios eletrônicos no comportamento infantil; sessão 6: Disciplina e estilos parentais; sessão 7: Disciplina voltada a comportamentos positivos; e sessão 8: A função dos pais, no sentido de promover ambientes seguros para as crianças (Silva, 2011).

Os grupos de intervenção do Programa ACT foram estruturados e implantados entre julho de 2018 e julho de 2019. Após a finalização dos grupos, em agosto de 2019, a pesquisadora entrou em contato por telefone com os três casais que haviam concluído a intervenção e atendiam aos critérios de inclusão, explicando os objetivos da pesquisa e convidando-os a participar de uma entrevista semiestruturada. O roteiro dessa entrevista abarcou sete perguntas amplas sobre as mudanças provocadas pela participação no Programa ACT na parentalidade, na coparentalidade, na relação conjugal e no comportamento dos filhos.

A pesquisadora realizou as três entrevistas em dias/horários distintos, entre os meses de setembro e outubro de 2019, uma com cada dupla coparental (ou seja, com a participação conjunta de pai e mãe), em uma sala do serviço de atendimento psicológico da instituição de ensino. Cada encontro teve duração média de duas horas. Com a devida autorização registrada pelos participantes, as três entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas na íntegra.

ANÁLISE DOS DADOS

Para a organização e análise dos dados, utilizou-se o Software ATLAS.ti versão 8.0. Optou-se por analisar o material coletado com base na análise categorial temática de Bardin (2011). Na pré-análise, as transcrições foram lidas minuciosamente e posteriormente decompostas. O corpo de análise foi definindo de forma dedutiva, a partir da similaridade dos conteúdos sobrepostos e com base no referencial teórico que compõe o estudo (parentalidade, conjugalidade, coparentalidade e comportamento da criança). Já na exploração dos dados, o material foi codificado, a partir de 400 unidades de contexto, em 48 unidades de registro (temas centrais), que constituíram os elementos de análise. As classificações dos elementos de análise foram estruturadas em 14 subcategorias, sintetizadas, então, em seis categorias, respeitando-se os princípios fundamentais da análise de conteúdo proposta por Bardin (2011): exclusividade, homogeneidade, pertinência, objetividade, fidelidade e produtividade.

Posteriormente à primeira categorização realizada pela pesquisadora, uma sistematização do material em categorias, subcategorias, elementos de análise e exemplos (vinhetas das entrevistas) foi encaminhada para avaliação independente de duas juízas experts no campo de conhecimento da pesquisa. Uma das juízas é psicóloga, mestre e doutora em Psicologia; a outra juíza também é psicóloga, mestre e doutoranda em Psicologia. Ambas pesquisam temáticas relacionadas a desenvolvimento psicológico e dinâmica familiar.

O processo de avaliação das juízas foi realizado a partir da leitura do esquema de categorização e escolha pelas opções "concordo, concordo com alterações ou discordo". Em caso de discordância, as juízas foram solicitadas a sugerir as devidas alterações. A pesquisadora recebeu as duas avaliações e revisou o processo de categorização, buscando contemplar as contribuições de ambas as juízas, o que resultou no total de 11 subcategorias e cinco categorias finais, conforme ilustrado na Tabela 2. O tratamento dos resultados, terceira e última fase da análise categorial temática proposta por Bardin (2011), será apresentado nos próximos itens.

Tabela 2

 

RESULTADOS

Os resultados estão organizados em cinco categorias e suas respectivas subcategorias.

CATEGORIA 1: REPERCUSSÕES NA COPARENTALIDADE

A primeira categoria envolve os resultados experienciados pelos participantes no que diz respeito ao envolvimento conjunto e recíproco de ambos os pais nos cuidados e na educação dos filhos. A categoria 1 é composta por três subcategorias: Melhoria do acordo e suporte coparental; Melhoria da proximidade coparental; Reflexões acerca da divisão do trabalho relativo ao cuidado da criança.

Melhoria do acordo e suporte coparental

Os resultados obtidos enfatizaram o aumento do acordo e do suporte entre pai e mãe em relação à prestação de cuidados e às rotinas educacionais do filho, conforme evidenciado por um pai: "Teve muito mais acordo na forma como a gente conduz as coisas do dia-a-dia do nosso filho, da forma como lidar com a escola, com as atividades dele, a escolha das coisas que ia fazer ou não ia fazer" (Alex, 30). Observou-se, ainda, um alinhamento das práticas educativas adotadas pelo casal, mediante aquisição de maior compreensão sobre as limitações do(a) parceiro(a) e do aumento da qualificação dos comportamentos positivos um do outro em relação à criança: "Eu acho que a gente tem um olhar mais crítico do comportamento, das ações de um e do outro, mas a gente chega e fala: foi legal o que você fez" (Cris, 31).

Os participantes fizeram colocações que sugeriram a potencialização da melhoria na coparentalidade ocasionada pela participação de ambos os pais, fator que estimulou o estabelecimento de maior acordo e suporte entre o casal: "Os dois estarem participando? Eu achei muito interessante, pois o ACT não terminava aqui, a gente ia conversando no dia seguinte, e quando a gente vinha e voltava. Então fez toda a diferença" (César, 33).

Melhoria da proximidade coparental

Essa subcategoria retrata o nível de intimidade do casal, bem como a inter-relação entre conjugalidade e coparentalidade da dinâmica da família. Os depoimentos dos casais demonstraram que as aprendizagens advindas do ACT possibilitaram o reconhecimento de que a satisfação conjugal, os conflitos do casal, a qualidade do casamento e a relação coparental influenciavam-se reciprocamente. Nesse sentido, os resultados indicaram melhoria da satisfação com o relacionamento conjugal, refletida pelo aumento da harmonia e do diálogo entre o casal, conforme citação de um pai: "Ela [esposa] foi se ajustando em relação ao Gabriel [filho] e, naturalmente, esse comportamento acaba indo para o casal também. Porque você começa a entender um pouco mais as reações e os sentimentos do outro" (César, 33).

Foi possível observar, também, o aumento da reflexão dos pais sobre a repercussão das questões conjugais no comportamento da criança, bem como as tentativas da dupla coparental em melhorar a comunicação, a fim de proteger o filho: "Você percebe que quando você está discutindo, parece que ele [filho] tenta intermediar a situação, e para ele [filho] também fica um conflito interno. Então, eu acho que, nesse sentido, sim, o programa colaborou" (Bruno, 47).

Reflexões acerca da divisão do trabalho relativo ao cuidado da criança

A terceira subcategoria da coparentalidade diz respeito às reflexões dos pais sobre a divisão do trabalho relacionado ao filho, que envolve a divisão de tarefas domésticas, financeiras, legais e de saúde da criança. Foi perceptível que a participação no programa não teve grande repercussão na divisão do trabalho relativo ao filho, especialmente entre casais que já tinham uma rotina definida, como pode ser observado no exemplo: "Mas com as rotinas da casa, como pai e mãe, continua igual, assim, a divisão de tarefas" (Alex, 30). Por outro lado, houve aumento do nível de reflexão dos pais, o que validou uma divisão justa do trabalho relativo à criança de acordo com a perspectiva do casal, conforme exposto por uma mãe: "Eu reconheço que eu consegui refletir muito mais sobre essas questões, eu acho que as divisões de tarefas são fundamentais" (Ana, 30).

CATEGORIA 2. REPERCUSSÕES NA PARENTALIDADE

A categoria 2 refere-se à ampliação do conhecimento dos pais sobre os fatores que compõem a parentalidade, no sentido de garantir a sobrevivência e propulsionar o desenvolvimento do filho. Essa categoria envolve a aprendizagem sobre práticas educativas parentais e desenvolvimento infantil e é composta por duas subcategorias: Compreensão sobre os determinantes da parentalidade e Melhoria das práticas educativas parentais.

Compreensão sobre os determinantes da parentalidade

Envolve a compreensão por parte dos pais sobre os fatores que influenciam a parentalidade. Essa subcategoria inclui reflexões referente ao próprio modelo de educação, ou seja, à perspectiva transgeracional da parentalidade, que presume a repetição dos estilos parentais empregados pela família dos pais: "A gente tentar romper com aquilo que a aprendeu como certo, dentro de casa, com os nossos familiares. E eles [familiares], questionam: 'Mas até então estava tudo certo, porque agora vocês querem fazer diferente?' 'Gente, exatamente, é uma mudança', essa é a resposta" (Cris, 31).

Esta subcategoria também contém elementos que denotam a tentativa dos pais em adotar um estilo parental diferente do próprio modelo parental e/ou com imposição de regras e limites, porém sem autoritarismo, conforme exemplo: "Eu acho que eu não estava falando de maneira correta com meu filho, acho que eu deveria ser mais brando, talvez ser menos intrusivo: usar da autoridade, mas não ser autoritário, como a gente discutiu algumas vezes. Acho que isso pra mim, pelo menos, ajudou bastante" (Alex, 30).

Por fim, essa subcategoria abarca a compreensão do processo de desenvolvimento infantil, incluindo os fatores que caracterizam o comportamento e o processo do desenvolvimento emocional da criança em diferentes faixas etárias, além das particularidades que envolvem o temperamento do filho. O relato de uma mãe expressa uma mudança de perspectiva, no sentido de compreender, reconhecer e validar as emoções e os sentimentos da criança. "Uma questão que ajudou muito foi tentar entender qual é o sentimento dele [do filho]. Muitas vezes se ficava meio estressado com a relação e não se entendia muito o porquê que ele [filho] tinha aquela atitude, então eu acho que nisso o Programa colaborou muito" (Ana, 30).

Melhoria das práticas educativas parentais

Essa subcategoria denota a diferenciação realizada pelos pais entre práticas educativas parentais positivas e negativas, bem como a busca pela substituição de punição e coerção por estratégias de disciplina positiva. Os resultados indicaram que os pais passaram a estabelecer estratégias de controle, orientação, cuidado e socialização da criança por meio de comportamentos de afeto, empatia e atenção em relação ao filho, enfatizando as habilidades positivas da criança: "A gente está com uma abordagem nova, que vem com o curso, que é estimar as coisas positivas que as crianças fazem. Isso ajuda muitas vezes a conseguir algo que você imaginaria que não ia conseguir" (Alex, 30).

Observou-se, também, melhoria do diálogo entre pais e filhos nas situações de resolução de conflitos e de estabelecimento de regras e limites: "Esclarecer os fatos, buscar o que aconteceu, entender, e prestar atenção na criança, se ela está ouvindo, e dialogar melhor com ela. (Bia, 38); além do reconhecimento da importância da regulação emocional dos pais: "Se você está um pouco estressado, vai acabar não entendendo como o seu filho está. E quando a gente está mais tranquilo, o clima fica mais saudável, e fica mais fácil de lidar com as coisas" (Bruno, 47).

CATEGORIA 3: REPERCUSSÕES NO COMPORTAMENTO DA CRIANÇA

A categoria 3 reflete as mudanças positivas no comportamento da criança, envolvendo melhoria nas habilidades sociais e na regulação emocional do filho. Essa categoria sugere que a mudança de comportamento dos pais ocasionadas pelas aprendizagens do Programa ACT repercutiram positivamente no comportamento da criança e possui duas subcategorias: Melhoria dos comportamentos externalizantes e Melhoria nos comportamentos internalizantes.

Melhoria dos comportamentos externalizantes

Esta subcategoria relaciona-se à diminuição da irritabilidade e da agressividade da criança nas interações sociais posteriormente à participação dos pais no Programa ACT. Os participantes indicaram que houve redução de comportamentos agressivos verbais e/ou físicos da criança no âmbito familiar e em outros contextos: "A gente entende como um divisor de águas, no comportamento. Às vezes, ele [filho] se revoltava um pouco comigo. Esse tipo de situação de agressão direta não acontece mais" (Cris, 31). Os participantes falaram, ainda, sobre como os problemas de comportamento agitado/hiperativo, tornaram-se menos frequentes: "Depois do grupo, a gente passou a compreender um pouco melhor isso, e eu percebi mudanças significativas no Fábio [filho]" (Ana, 30). Os pais indicaram, também, aumento da facilidade da criança em aceitar e cumprir regras: "Depois do Programa, que a gente aplicou as coisas em casa, os conceitos que a gente aprendeu, eu percebi que ele [filho] está aceitando mais o que o pai e mãe dizem" (Bia, 38).

Melhoria nos comportamentos internalizantes

Esta subcategoria refere-se às repercussões positivas nos comportamentos introspectivos do filho, podendo envolver redução de ansiedade, depressão, insegurança e tristeza. Conforme elucidado por este exemplo: "hoje eu percebo que o Fábio [filho] está mais responsável. Ele só está com elogios na escola. Antes ele não estava bem... teve algum uns comportamentos meio estranhos, de insegurança" (Ana, 30). Os resultados apresentam aspectos que remetem à redução da insegurança e à ampliação da estabilidade emocional e de comportamentos empáticos/afetivos por parte do filho.

CATEGORIA 4: REPERCUSSÕES NA DINÂMICA FAMILIAR

Essa categoria envolve as repercussões percebidas pelos participantes no que diz respeito à dinâmica familiar como um todo, abarcando questões de integração, comunicação, afetividade, coesão e satisfação. A categoria 4 se divide em duas subcategorias: Aumento da coesão e da satisfação familiar e Aumento da integração da criança ao contexto familiar.

Aumento da coesão e da satisfação familiar

Esta subcategoria refere-se ao aumento do investimento nos momentos em família e na valorização da afetividade entre todos os membros, conforme exemplificado pelo seguinte relato: "Hoje a gente tem uma conexão muito boa, é um negócio impressionante... O carinho que a gente manifesta na nossa casa. É como a unidade da família. Isso é muito precioso para nós" (César, 33). Os resultados sugerem que a participação dos pais no Programa ACT mobilizou reflexões sobre a importância da coesão familiar para o desenvolvimento do filho, melhorando a satisfação da família.

Aumento da integração da criança ao contexto familiar

Esta subcategoria reflete o reconhecimento da importância da relação entre pais e filho, bem como o aumento da integração da criança nas atividades familiares. Conforme retratado pelo depoimento: "o curso ajudou nisso também, que é você perceber que a criança faz parte da família, faz parte daquele cenário, faz parte das decisões, claro que no seu período certo... E uma coisa leva a outra. Então acho que isso é o legal do curso" (Alex, 30). O Programa ACT despertou nos participantes a compreensão de que a criança é beneficiada pelo fato de se sentir pertencendo à família, participando das decisões. Esse aumento da integração à família gerou, ainda, melhoria no nível de confiança dos filhos nos pais e na comunicação familiar.

CATEGORIA 5: REPERCUSSÕES EM DIFERENTES CONTEXTOS RELACIONADOS À FAMÍLIA

A categoria 5 abarca a influência das aprendizagens do Programa ACT nos contextos que fazem parte do cotidiano da família, como amigos, familiares, profissionais; além de outros participantes do Programa. Essa categoria compreende as consequências benéficas do Programa para além dos participantes, ou seja, o alcance de uma amplitude maior em termos de comunidade. A categoria 5 contém duas subcategorias: Mudanças nos contextos extrafamiliares e Importância do compartilhamento de experiência com outros pais.

Mudanças nos contextos extrafamiliares

Esta subcategoria diz respeito ao emprego e compartilhamento de experiências e aprendizagens positivas do Programa ACT nos contextos que fazem parte do cotidiano da família, conforme retratado pela fala de uma participante: "as sugestões que eram apresentadas para tentar resolver aqueles conflitos a gente consegue transpor pra muitas situações nossas... De trabalho, de família e de vida" (Cris, 31). Os resultados indicaram que os pais buscaram levar às famílias, aos amigos e até à escola os conhecimentos adquiridos, na busca de aprimorar as novas estratégias de educação e cuidado com o filho.

Essa subcategoria também se refere à ampliação do discernimento acerca da confiabilidade de profissionais e materiais sobre educação e cuidado de crianças, em momentos nos quais os pais necessitam buscar contextos de ajuda: "o programa até nos ajuda a procurar orientação fora desse cenário pra dizer: 'não faz sentido o que ela [profissional de educação infantil] está falando'. Vamos esquecer e passar para outra pessoa?" (Alex, 30).

Importância do compartilhamento de experiência com outros pais

Esta subcategoria envolve a valorização do compartilhamento de ideias e experiências com outros pais ao longo do Programa, tendo em vista que a conexão com outras pessoas contribuiu para gerar reflexões e aprendizagens de estratégias úteis para educar as crianças, de acordo com este exemplo: "as situações que eles [outros pais participantes] apontaram no programa foram com os filhos, mas a gente vive em sociedade e essas situações acontecem o tempo todo, em todos os lugares" (Bruno, 47). Foi notável, ainda, a aceitação das limitações da parentalidade e a consequente diminuição da culpa, como pode ser observado neste relato: "durante o curso, eu achava que eu era a pior mãe do mundo. Depois que eu comecei a ouvir o problema do amigo, da amiga, falei: 'a minha rédea está super ok'. A gente precisa só identificar o pontinho que não está legal" (Ana, 30).

 

DISCUSSÃO

Por meio deste estudo, buscou-se compreender as repercussões do Programa ACT na parentalidade, na relação coparental e conjugal e no comportamento do filho, na perspectiva de casais. Um ponto que merece destaque é que as respostas das duplas coparentais indicaram a amplitude das mudanças positivas ocasionadas pelo Programa ACT para além dos fenômenos em pauta, dado que os relatos dos participantes demonstraram influências importantes também no que diz respeito à dinâmica familiar como um todo e a outras esferas do contexto da família.

O presente estudo sugere que o Programa ACT tende a afetar os elementos que compõem a parentalidade. Os principais aspectos evidenciados pelos depoimentos dos pais foram a ampliação dos comportamentos de empatia, afeto, atenção e diálogo com a criança. Essas estratégias compõem a disciplina positiva (Altafim et al., 2018) e tendem a interferir positivamente no comportamento da criança (Altafim et al., 2021; Gulliford et al., 2015; Holtrop et al., 2015; Pereira et al., 2015), atuando como mecanismos de proteção ao desenvolvimento infantil.

Ao considerar as melhorias nas práticas educativas parentais, os resultados foram condizentes tanto com pesquisas de caráter quantitativo (Altafim, 2017; Altafim et al., 2021; Knox & Burkhart, 2014; Pedro, 2016; Portwood et al., 2011; Weymouth & Howe, 2011) quanto qualitativo (Ferreira, 2019; Leça, 2018; Portwood et al., 2011; Ramos et al., 2019). A influência positiva do Programa ACT na regulação emocional parental também é consonante com achados anteriores (Altafim et al., 2021; Camargo, 2016; Ferreira, 2019; Holtrop et al., 2015; Leça, 2018). Parece que a apropriação dos conteúdos do Programa ACT pelos pais proporciona maior habilidade de autorregulação, o que tende a evitar o uso de práticas educativas negativas e amplificar o emprego de práticas educativas positivas, resultando na habilidade na gestão de comportamentos difíceis do filho e de conflitos familiares (Leça, 2018; Ramos et al., 2019).

O aumento do nível de conhecimento sobre desenvolvimento infantil proporcionado pelo Programa ACT já foi identificado por outros pesquisadores (Altafim, 2017; Camargo, 2016; Ferreira, 2019; Weymouth & Howe, 2011). Essa compreensão constitui-se como um recurso parental significativo, à medida que ajuda os pais a entenderem o que podem ou não esperar da criança em termos de cognição e habilidades sociais/emocionais, de acordo cada faixa etária (Knox & Burkhart, 2014), consolidando a reciprocidade das interações entre as características da criança e dos cuidadores (Bronfenbrenner, 2005). Além disso, possibilita o reconhecimento da parentalidade como uma tarefa bastante desafiadora, o que tende a diminuir a culpa dos pais e contribuir para que eles identifiquem e valorizem o potencial de desenvolvimento particular de cada filho, promovendo o bem-estar da criança (Pereira et al., 2015).

Os relatos dos pais evidenciaram o reconhecimento do autoritarismo e da punição como estratégias negativas de educação, bem como a evitação desses métodos, o que reforça os resultados de investigações que demonstraram redução de práticas educativas negativas dos pais após a participação no Programa ACT (Altafim et al., 2021; Portwood et al., 2011). Consoante com a concepção de parentalidade prevista por Belsky e Jaffee (2006) e pela Teoria Bioecológica de Bronfenbrenner (1996), foi possível observar a repercussão da transgeracionalidade, ou seja, da transmissão de valores, crenças e padrões de comportamento ao longo da história familiar na parentalidade (Falcke & Wagner, 2005). Os participantes conseguiram identificar padrões relacionais de sua trajetória familiar em termos de educação e cuidado que influenciam o relacionamento com o filho.

No que diz respeito à relação coparental, apesar do Programa ACT não abordar especificamente essa temática, observa-se que os apontamentos dos casais foram condizentes com melhorias em importantes dimensões da coparentalidade, descritas por Feinberg (2009). A dimensão suporte/sabotagem da relação coparental, neste estudo, foi condizente com o aumento de atitudes de qualificação dos comportamentos parentais entre o casal, bem como à valorização das práticas educativas parentais adotadas pelo(a) parceiro(a). A gestão conjunta das relações familiares também foi observada por meio da diminuição de conflitos conjugais e coparentais diante da criança e da imposição de limites saudáveis nas relações com a família extensa.

A dimensão acordo/desacordo nas práticas parentais foi contemplada pelo aumento do consenso dos casais referente às práticas educativas parentais. Esse resultado parece corroborar com os indícios de que a coparentalidade pode ser melhorada por meio da participação dos cuidadores em programas de intervenção. Pesquisas longitudinais com o "Family Foundations – FF" (Feinberg & Kan, 2008), por exemplo, têm demonstrado aumento do suporte coparental e da regulação emocional do filho, e diminuição de sintomas psicopatológicos nos pais (Solmeyer et al., 2013). Outro programa com foco na coparentalidade, porém com pais separados/divorciados é o "Pais por Inteiro – Papi", desenvolvido em Portugal por Lamela et al. (2009). Um estudo experimental com o Papi evidenciou melhorias no comprometimento coparental e minimização do conflito entre os pais (Lamela et al., 2009).

Sobre a dimensão da coparentalidade denominada divisão do trabalho relativo à criança, os resultados indicaram que o Programa ACT teve interferência menos significativa. Infere-se que o baixo nível de mudanças nessa dimensão relaciona-se ao fato de que os participantes desta pesquisa já exercitavam a divisão de tarefas previamente à sua participação no Programa. Por outro lado, os pais pontuaram a geração de maiores reflexões por parte de um ou de ambos os membros da dupla coparental, o que indica que o Programa ACT colaborou para validar a forma como o casal dividia o cuidado e a educação do filho, e/ou para gerar questionamentos a fim de pensarem em possíveis reconfigurações na dinâmica coparental. Pontua-se, ainda, que a coparentalidade não denota a obrigatoriedade de igualdade na divisão das tarefas com os filhos, ficando essa definição a critério de cada casal, e realizada de forma dinâmica, desde que ambos se sintam confortáveis e satisfeitos (Feinberg, 2009).

Ao analisar as melhorias na coparentalidade, deduz-se que a participação da dupla coparental (e não apenas de um dos pais, como ocorreu em grande parte dos estudos) gerou maior apropriação, compartilhamento e reforço das aprendizagens advindas do Programa ACT. Supõe-se que o reconhecimento, a avaliação e a melhoria conjunta nas práticas educativas dos participantes possibilitaram maior nível de acordo, suporte e aprimoramento na gestão conjunta do cuidado e da educação da criança. Essa análise é pautada nas relações positivas estabelecidas pela literatura entre práticas educativas parentais positivas e coparentalidade (Böing & Crepaldi, 2016; Feinberg & Kan, 2008; Lamela et al., 2009; Mosmann et al., 2018). As transformações positivas na relação coparental ocasionadas pela participação no Programa ACT representam modelos de interação para os filhos, que, por sua vez, tendem a reduzir comportamentos considerados inapropriados, a partir da observação e da experiência direta com os pais.

Alguns pesquisadores encontraram associações positivas entre conflito coparental e maior ocorrência de sintomas externalizantes e internalizantes da criança (Feinberg & Kan, 2008). A coparentalidade cooperativa, por sua vez, foi relacionada com menor incidência de problemas comportamentais do filho (Costa et al., 2017; Mosmann et al., 2018; Teubert & Pinquart, 2010). Esses achados indicam a importância de trabalhar a relação coparental como uma estratégia para a promoção da saúde psicológica infantil. Dentro desse escopo, a presente pesquisa sugere que o Programa ACT é efetivo na redução de problemas de comportamento e na melhoria da regulação emocional da criança, conforme dados constatados por estudos anteriores (Altafim, 2017; Knox & Burkhart, 2014; Weymouth & Howe, 2011).

A diminuição de problemas comportamentais da criança pode representar uma resposta positiva em relação à redução dos maus-tratos e da punição, sendo que em muitos casos, essas práticas ocorrem devido à falta de conhecimento dos pais sobre desenvolvimento infantil (Knox & Burkhart, 2014) e à habilidade limitada de autorregulação parental (Altafim et al., 2021). Portanto, a modelagem do comportamento parental proporcionada pelo Programa ACT pode afetar positivamente a forma como o casal se relaciona e educa/cuida conjuntamente o filho, o que tende a produzir mudanças favoráveis no microssistema da criança, ou seja, no contexto mais imediato e direto do cotidiano (Bronfenbrenner, 2005).

De acordo com os relatos dos participantes, o Programa ACT influenciou positivamente a relação conjugal, principalmente no que se refere à diminuição dos conflitos, à melhoria na satisfação conjugal e à ampliação do diálogo entre a dupla coparental. No entanto, isso parece acontecer por uma via indireta e sistêmica, relacionada à dimensão da proximidade coparental, que pressupõe que a coparentalidade tende a reforçar ou restringir o nível de intimidade do casal (Feinberg et al., 2012).

Ao aplicarem os conteúdos e técnicas consensualmente na relação com a criança, é possível deduzir que os cônjuges incorporaram as aprendizagens, que, por sua vez, afetaram positivamente a dinâmica do casamento. Esse resultado pode indicar que a coparentalidade apresenta maior valor preditivo ou de mediação frente à conjugalidade, quando se avalia o impacto conjunto dessas variáveis no comportamento da criança (Lamela et al., 2009; Teubert & Pinquart, 2010).

Ao considerar as repercussões do Programa ACT na dinâmica da família, fica evidente o quanto pode ser positiva a inclusão de ambos os pais na intervenção. Apesar da ausência de outros estudos com casais para uma análise comparativa, os resultados desta pesquisa indicam maior apropriação e reforço conjunto dos conteúdos aprendidos, e, consequentemente, interferências benéficas em importantes subsistemas familiares. Ainda pensando na repercussão do Programa ACT no sistema familiar, foi perceptível o aumento da valorização da família e melhoria na comunicação entre os membros, no sentido de maior aproveitamento dos momentos entre os pais e a criança, assim como retratado por Lessa (2018) e Ferreira (2019). Em concordância com os achados de Altafim et al. (2018) e Gulliford et al. (2015) também se observou a inclusão do filho em conversas e atividades diversas.

Outra constatação importante foi a iniciativa mencionada pelos casais em disseminar os conhecimentos adquiridos com a participação no Programa ACT a outros contextos. Uma das causas dos maus-tratos contra a criança praticados no âmbito da família é a falta de conhecimento dos cuidadores sobre desenvolvimento infantil e estratégias mais positivas de educação (Knox & Burkhart, 2014). Dessa forma, a disseminação das aprendizagens por parte dos participantes tende a gerar reflexões e possíveis mudanças construtivas no comportamento de outros pais, favorecendo que mais crianças cresçam em ambientes psicologicamente saudáveis. Assim como no estudo de Portwood (2011), os pais avaliaram de forma favorável a possibilidade de troca de informações com outros participantes, o que tende a produzir uma sensação de acolhimento e potencializar o aprendizado.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O diferencial desta investigação encontra-se no fato de clarificar como o Programa ACT apresenta potencial para melhorar a parentalidade, a coparentalidade e a dinâmica familiar. Quando ambos os pais participam do Programa, a apropriação das aprendizagens e a aplicação dos conhecimentos adquiridos parecem ser intensificadas no sistema familiar e também na rede de contatos da família. No que se refere à conjugalidade, essa constatação também é válida, porém com repercussão menos representativa se comparada ao sistema familiar como um todo.

Algumas limitações desta pesquisa precisam ser apontadas. A primeira diz respeito ao fato de que houve participação de poucos casais nas intervenções realizadas. Complementando essa informação, cita-se, também, a inviabilidade de incluir no estudo outros dados sociodemográficos que poderiam trazer perspectivas diversificadas, como informações de cunho educacional e financeiro das famílias. Além disso, os participantes do estudo foram predominantemente brancos e de classes média ou alta, fato que pode ter gerado um viés nos resultados encontrados, mesmo que essa questão não tenha sido foco de exploração.

No que tange a sugestões para futuras pesquisas, em termos metodológicos, a realização de entrevistas com pais e mães separadamente talvez contribua com resultados diferentes ou complementares. Podem ser exploradas, ainda diversas configurações familiares, como casais homoafetivos ou divorciados, bem como casos em que o cuidado da criança é compartilhado por cuidadores que não sejam os pais. Diferentes contextos socioeconômicos e culturais também devem ser considerados, tanto para fins de enriquecer os dados como para oportunizar que mais pessoas tenham acesso a intervenções como o Programa ACT.

Esta pesquisa reitera que programas de intervenção parental como o ACT são estratégias efetivas de melhoria na dinâmica familiar para a promoção da saúde psicológica na infância. Por fim, espera-se que os resultados encontrados contribuam para o aperfeiçoamento de profissionais da área de desenvolvimento infantil e como subsídios para a implementação de programas de treinamento para pais/casais em políticas públicas no contexto brasileiro.

 

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Endereço para correspondência
Milena Carolina Fiorini
E-mail: milenacf.psicologa@gmail.com

Submetido: 09/09/2021
Revisado: 03/03/2022
Aprovado: 15/03/2022

 

 

1 Milena Carolina Fiorini é doutora em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina.
2 Mauro Luís Vieira é professor titular do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina.

3 Carolina Duarte de Souza é doutora em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina.
4 Elisangela Böing é docente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina.
5 Maria Aparecida Crepaldi é professora titular do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina.

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