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Vínculo

versão impressa ISSN 1806-2490

Vínculo vol.14 no.1 São Paulo  2017

 

ARTIGO

 

O atendimento em grupo operativo no CRAS: relato de uma experiência

 

The attendance in the CRAS operating group: report of an experience

 

Tratamiento en grupo operativo en los servicios de CRAS: informe de una experiencia

 

 

Anelisa Morais Maia*

Centro de Referência da Assistência Social - CRAS

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo relata uma experiência de atendimento em um grupo de acompanhamento familiar realizado em um CRAS da região metropolitana de São Paulo. Neste grupo a coordenadora utiliza da teoria e metodologia dos grupos operativos de Pichon-Rivière, relacionando esse atendimento com os objetivos do PAIF (Serviço de Proteção e Atendimento Integral às Famílias) de fortalecimento dos vínculos comunitários, desenvolvimento de potencialidades, autonomia e funções protetivas das famílias e indivíduos.

Palavras-chave: assistência social; psicanálise; grupo; famílias; grupo operativo.


ABSTRACT

The following article reports an assistance experience in a family support group implanted on a Social Work Reference Center (in Portuguese, Centro de Referência de Assistência Social, CRAS) located in the metropolitan region of Sao Paulo. In this specific group, the coordinator uses the theory and the methodology of the PichonRivière operating groups, associating the attendance with the Service of Protection and Integral Assistance to Families (in Portuguese, Serviço de Proteção e Atendimento Integral às Famílias, PAIF)'s goals of having community bonds strengthened, potentials development, autonomy and protective functions of families and individuals.

Keywords: social assistance; psychoanalysis; group; families; operating groups


RESUMEN

el presente artículo reporta una experiencia de tratamiento en un grupo de acompañamiento familiar realizado en un Centro de Referencia de Asistencia Social (en portugués, Centro de Referencia de Asistencia Social, CRAS) de la región metropolitana de Sao Paulo. En este grupo, la coordinadora utiliza la teoría y metodología de los grupos operativos de Pichon-Rivière, relacionando ese servicio a los objetivos del Servicio de Protección y Atención Integral a las Familias (en portugués, Serviço de Proteção e Atendimento Integral às Famílias, PAIF) del fortalecimiento de los lazos comunitarios, potencial de desarrollo, la autonomía y las funciones protectoras de las familias e individuos.

Palabras clave: asistencia social; psicoanálisis; grupo; familias; grupo operativo.


 

 

A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E O ATENDIMENTO NO CRAS

A Política de Assistência Social é recente, tendo surgido no Brasil no ano de 2004. Ela se tornou um direito do cidadão, buscando romper com práticas assistencialistas e de favores, os quais marcaram este tipo de atendimento por muitos anos, onde a assistência aos menos favorecidos era ofertada por entidades e órgãos religiosos especialmente. Para romper com essas práticas, surgiram leis e diretrizes de oferta de Serviços contínuos, que tem como objetivos promover a proteção social das famílias através da oferta de bens materiais (programas de transferência de renda, benefícios emergenciais e continuados) e Serviços que proporcionem o desenvolvimento da autonomia e protagonismo dos usuários e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. De acordo com as diretrizes, é necessário ofertar esses Serviços às pessoas que recebem programas e benefícios, posto que somente a provisão de bens materiais não suprem as necessidades subjetivas para o desenvolvimento da autonomia e fortalecimento de vínculos.

A Política dividiu o atendimento em dois tipos: a Proteção Social Básica e a Proteção Social Especial. A primeira relaciona-se ao atendimento preventivo às situações de risco e violações de direitos e a referência de atendimento é o CRAS (Centro de Referência da Assistência Social), e a Proteção Especial se refere aos atendimentos às famílias em situações de risco e violações de direitos (situações de violência, abandono, negligência e demais violações) e a referência de atendimento é o CREAS (Centro de Referência Especializado da Assistência Social).

"O Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família- PAIF consiste no trabalho social com famílias, de caráter continuado, com a finalidade de fortalecer a função protetiva das famílias, prevenir a ruptura de seus vínculos, promover seu acesso e usufruto de direitos e contribuir na melhoria de sua qualidade de vida. Prevê o desenvolvimento de potencialidades e aquisições das famílias e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, por meio de ações de caráter preventivo, protetivo e proativo" (Orientações técnicas sobre o PAIF, vol 1, MDS, 2012 pag. 12).

A fim de alcançar estes objetivos as diretrizes da Política indicam a realização de atendimentos particularizados às famílias, visitas domiciliares e o atendimento em grupos (tanto os de caráter continuado ou não e por meio de oficinas). Mas ao se pensar nesses objetivos referentes à convivência, fortalecimentos de vínculos, autonomia, desenvolvimento de potencialidades, acreditamos que um dos principais meios para se alcança-los seja através das ações em grupo. Acredita-se que as ações coletivas apresentam muitas qualidades que vão de encontro a esses objetivos, tais como, facilitam a reflexão, pois há a troca de experiências, dúvidas e visões de mundo entre os participantes; proporcionam a construção de vínculos entre os participantes e entre estes e o Serviço; proporcionam diferentes vivências, especialmente aquelas embasadas no diálogo e na cooperação; provocam a participação dos usuários, possibilitando o desenvolvimento da autonomia e protagonismo, dentre outros aspectos.

Por acreditar na importância desse tipo de atendimento, apresento nesse artigo considerações acerca do atendimento grupal no CRAS. Trabalhar com grupos não é tão simples quanto parece, por isso torna-se importante ao coordenador de grupos ter conhecimento sobre as teorias de grupo e aprimorar o seu manejo. Para isso foi utilizado a teoria da Psicanálise, especialmente da Psicanálise das Configurações Vinculares, de Pichon-Rivière.

 

A TEORIA DE PICHON-RIVIÉRE SOBRE GRUPOS OPERATIVOS

A Psicanálise coloca o desenvolvimento humano como sendo possível e marcado pela presença de outro. É através dos cuidados de outro ser humano que vai se formando o aparelho psíquico individual, as fantasias, surgindo os diversos mecanismos de defesas. Ávila (2016) coloca que a criança que nasce já havia nascido muito antes no imaginário de seus pais, desde quando estes eram crianças e pelos pais de seus pais, formando uma corrente transgeracional. Já nascemos com as fantasias dos outros sobre nós, que influenciam na dinâmica familiar, ou seja, para a Psicanálise, o ser humano é um ser relacional que é "formado" psiquicamente pelos vínculos sociais.

A Psicanálise, através de Freud, teve início como uma teoria da psique humana individual, mas foi se desenvolvendo através dos anos e de outros teóricos, buscando responder e atuar frente a outras demandas que surgiam para além da neurose. Especialmente quando tratamos da atuação em instituições, onde o número de pessoas que procuram por atendimentos é grande, suas demandas e níveis de sofrimento são diversos, entende-se que o atendimento em grupo tem fornecido boas respostas, de acordo com diversos relatos de experiências e estudos. Há vários autores psicanalíticos que escreveram sobre o trabalho com grupos, cujas teorias contribuem com nossa prática no CRAS, mas o presente artigo se restringe na descrição de uma experiência com grupo operativo.

Pichon-Rivière (1982) construiu uma teoria das relações vinculares (Psicanálise Vincular), onde diz que as primeiras relações sociais a que o indivíduo está submetido formam vínculos que são internalizados pelo sujeito, formando assim seu mundo interno composto por estruturas vinculares internalizadas. Neste mundo interno os objetos introjetados irão se relacionar, por isso para ele, este mundo interno também é um grupo. O ser humano vive em grupo e tem um grupo (de vínculos internos) dentro de si, formado pelas representações de seu mundo externo. Esse "conjunto de experiências, conhecimentos e afetos com os quais o indivíduo pensa e atua" (pag. 78) e que é formado ao longo da vida do sujeito, Pichon deu o nome de Esquema Referencial. Ele tem aspectos conscientes e principalmente inconscientes, que interferem de forma crucial na leitura de mundo do indivíduo, fazendo muitas vezes com que este mantenha comportamentos e sentimentos estereotipados.

Seus critérios de saúde e doença estão relacionados com o grau de estereotipia e flexibilidade que o indivíduo apresenta em suas relações internas e externas. Se a relação com o mundo externo é rígida, estereotipada, reprodutora do mesmo padrão de entendimento e relacionamento dos vínculos primários, gera dificuldade de aprendizado e doença. Já, se o indivíduo consegue apreender novas formas de se vincular, de apreender o objeto e de entrar em contato com este, ele se relaciona com a realidade de forma mais saudável, pois para Pichon, saúde é movimento.

Em relação à atuação com grupos, Pichon iniciou o método do grupo operativo, sendo este "um conjunto de pessoas com um objetivo comum" (pag. 59). Através da experiência em grupo, as pessoas tem a possibilidade de vivenciar novas experiências de aprendizagem e de vinculação, visando o rompimento de estereótipos, que geram alienação. Há no grupo uma tarefa que deve vir acompanhada de reflexão: tarefa e pensamento precisam andar juntos para que não haja alienação. Para o autor aprendizagem é toda forma de mudança de conduta, interna e externamente, que enriquece a personalidade. Mas o rompimento dos estereótipos de conduta gera ansiedade, e por isso, gera resistência também, sendo que o coordenador do grupo deve estar atento ao surgimento destas. À medida que o homem atua sobre a tarefa, esta se modifica e ele também. No trabalho do grupo operativo busca-se revisar o Esquema Referencial do sujeito, especialmente em seus aspectos inconscientes, buscando a transformação das formas de ser estereotipadas e assim ampliando as possibilidades de atuação do indivíduo. Essa transformação ocorre através da aprendizagem, que rompe com a estereotipia, dando lugar às formas dinâmicas e plásticas.

O conceito de tarefa em um grupo operativo está simultaneamente ligado aos seres humanos que a executam, pois o que importa é como estes a realizam e a aprendizagem que é adquirida, através da análise do Esquema Referencial e de sua progressiva modificação.

Pichon descreve diversos tipos de ansiedades, que são desencadeadas pelo tema ou tarefa no grupo. São elas: momento paranoide, momento fóbico, momento contra fóbico, momento obsessivo, momento confusional, momento esquizoide, momento depressivo e momento epileptoide. Para o autor, é preciso trabalhar com um nível ideal de ansiedade, que não seja muito intenso a ponto de paralisar o trabalho e nem muito baixa ou ausente, a ponto de não elucidar o interesse das pessoas pela tarefa. Durante o funcionamento do grupo, através da observação dos demais membros e da alternância de papéis entre as pessoas, estas encontram possibilidades de novas aprendizagens através do rompimento com a estereotipia. "O grupo operativo que chega a se constituir em equipe que aprende consegue implicitamente uma certa retificação de vínculos estereotipados e, portanto, um certo grau de efeito terapêutico" (Bleger, 1980, pag. 70).

No caderno "Concepção de Convivência e Fortalecimento de Vínculos" (2012), elaborado pelo MDS (Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome), encontramos o seguinte texto:

"De qualquer modo, a relevância reside em reconhecer que na convivência se constituem ligações/vínculos entre as pessoas e que estas vivências determinam modos de se relacionar, e também, que algo se passa nestes momentos, da natureza do intangível, que não se pode controlar , mas que incide na aprendizagem dos sujeitos que participam deste encontro. Portanto as cristalizações também podem ser desarticuladas nas situações de convivência resultando no estabelecimento de vínculos mais flexíveis. Não apenas repetição, mas também criação de novos modos de agir e de se relacionar" (Concepção de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, 2012, MDS, pag 21)

Assim, para se alcançar os objetivos do PAIF, é possível entender que a abordagem grupal é essencial, proporcionando a participação, no sentido de movimento e de compartilhar, em contraposição à passividade, muitas vezes vivenciada pelo público atendido. "Só aquele que participa pode ser e sentir-se cidadão" (Concepção de Convivência e de Fortalecimento de Vínculos, pag. 22, citando Muñoz, 2004).

 

UM BREVE RELATO SOBRE O ATENDIMENTO EM GRUPO OPERATIVO NO CRAS

No dia a dia do trabalho realizado em um CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) da região metropolitana de São Paulo, a equipe já iniciou por diversas vezes a oferta de grupos com famílias, que normalmente mostram-se esvaziados de pessoas e sem a continuidade de participação. Situação esta que gera frustração e desânimo nos profissionais frente a este trabalho. Os modelos de grupos formados, em sua maioria, são no formato de grupos temáticos, ou seja, com o objetivo de discutir temas diversos com as famílias, os quais tem relação com as situações de vulnerabilidade que elas vivenciam, tais como o acesso aos direitos sociais (saúde, educação etc), questões de gênero, relações familiares, violência doméstica, trabalho infantil, dentre outros.

A oferta de somente um modelo de grupo, do tipo temático, para discutir os "problemas" das famílias não se mostra suficiente para motivar a participação dos usuários nos encontros e nem para se alcançar todos os objetivos propostos pelo PAIF, já citados nesse texto. Há a necessidade de se construir espaços diferenciados de vinculação entre os usuários do serviço e a equipe de atendimento e entre os próprios usuários: espaços estes que tenham uma proposta integrativa e que se caracterizem como espaços de convivência entre as famílias, proporcionando bons encontros, onde as pessoas tenham oportunidade de experienciar novas vivências, ressignificar seus vínculos anteriores, atualizando-os frente à realidade, fortalecendo-os, promovendo a reflexão e um novo agir de rompimento com a subordinação. Assim é possível criar oportunidades de fortalecimento dos usuários para o enfrentamento às situações de conflito e exclusão social em que vivem, para que estes consigam dar novas respostas e ressignificar seus vínculos, dentro da família e na comunidade.

Pensando assim, foi iniciado no CRAS, em agosto de 2016, outro tipo de grupo com as famílias utilizando-se do artesanato. O grupo começou com 4 (quatro) oficinas de artesanato ofertado por uma professora contratada, com o acompanhamento da psicóloga do CRAS (coordenadora do grupo). Após o final do contrato da professora o grupo combinou de continuar se reunindo, sendo que as próprias participantes iriam "ensinar" as técnicas artesanais. O grupo é aberto à entrada de novos participantes, que podem ser tanto encaminhados pelos profissionais que atuam no CRAS como convidados pelas usuárias. Ele acontece quinzenalmente e dura aproximadamente 2 horas. Até o momento tem participado uma média de 5 usuárias por encontro. Há pessoas frequentes e outras que participaram uma vez e não retornaram.

A metodologia do grupo consiste em unir a aprendizagem do artesanato com um momento reflexivo, realizado com os participantes após a confecção da peça. Nesse momento realiza-se uma conversa sobre suas percepções e sentimentos sobre o processo de fazer uma determinada peça artesanal. Durante alguns encontros foi possível perceber que esse processo de aprendizagem repetia algumas sensações e vivências das usuárias fora do grupo, como os sentimentos de insegurança ao fazer algo novo, dúvida na própria capacidade de construir algo, dependência de outros para realizar algumas ações, comportamento passivo ou ativo. Tudo isso começou a ser conversado aos finais de cada encontro, também relacionando-os com alguns aspectos da vida "fora" do grupo. Abaixo encontram-se alguns exemplos de situações com os nomes das usuárias alterados:

Em um dos encontros a Srª Luiza demonstrou receio em utilizar a pistola de cola quente, tendo sido incentivada pela coordenadora do grupo a experimentar. Ela resolveu experimentar e continuou fazendo o artesanato. No final do encontro conversamos sobre isso e relacionamos essa insegurança com outras vivenciadas pelo grupo no dia a dia e na importância de enfrentarmos essas inseguranças para se conquistar o que deseja.

A Srª Luiza sempre levava para os encontros seu filho Márcio de 11 anos. O menino costumava tomar a frente de seus trabalhos diante da insegurança da mãe e ela sentia-se dependente dele. Conversamos com ela sobre isso e sobre como essa dependência estava prejudicando-o na escola, pois o menino faltava aulas para acompanhar a mãe em alguns compromissos seus. Ela relatou depender dele para sair de casa pois sente-se insegura para sair sozinha. Conversamos sobre isso e a encaminhamos para avaliação com o psicólogo da UBS de referência, pois percebemos que o rompimento com esse comportamento estereotipado de sempre sair acompanhada por alguém gerava em Luiza muita ansiedade, sendo a mesma paciente psiquiátrica que faz uso de medicamentos para depressão.

Durante os encontros, ao se fazer o artesanato, vários assuntos da vida das usuárias do Serviço vão vindo à tona e conversamos sobre eles. Muitos desses assuntos são disparados pelo próprio ato de confeccionar alguma peça. Em um dos encontros em que utilizamos retalhos, uma das participantes, a Srª Nilda, ressaltou que a Srª Sirlene deveria estar com algum problema, pois estava utilizando retalhos de cor escura. Sirlene começou a falar sobre um problema que estava passando com a filha adolescente. O grupo acolheu o relato de Sirlene e conversamos sobre isso. No final do encontro, Sirlene relatou estar sentindo-se mais calma.

Durante os encontros percebemos que as mulheres se ajudam, sendo umas mais proativas em solicitar ou proporcionar ajuda e outras mais passivas, mas todas se mostram cooperativas. Conversamos sobre como é depender de alguém para alguma coisa, que existem vários tipos de dependência e cada uma fala sobre como sente a dependência em sua vida. Uma das participantes, a Srª Jerusa fala em vários encontros que o importante é aprender a fazer e não desistir, não importando se ficou feio o trabalho.

Jerusa diz que sempre gosta de sentar perto de alguém que tem facilidade para fazer artesanato e chama essa pessoa de "secretária", ou seja, alguém que vai ajuda-la e encara isso com naturalidade, pois acredita nas relações colaborativas. No dia em que a peça foi feita com costura (técnica que Jerusa conhece bem), ela quem "virou" secretária de outras usuárias, tendo invertido os papéis que estavam se estabelecendo. Conversamos sobre isso e a coordenadora apontou que cada um tem as suas facilidades e dificuldades e estas vão aparecer de acordo com as peças e técnicas utilizadas.

Em outro encontro a Srª Meire relata sua insegurança ao dizer que dificilmente fica satisfeita com seus trabalhos e relata sintomas físicos de ansiedade. Ela diz que era dependente "para tudo" de seu marido e quando este faleceu ela teve que aprender a mexer em banco, enfim, a fazer tudo o que ele resolvia.

Ressaltamos que qualquer pessoa pode ensinar alguma técnica ou peça, mas até o momento somente uma usuária, a Srª Nilda, tem feito esse papel, pois as outras ainda não se disponibilizaram a isso, algumas por insegurança na vivência de um novo papel, o de "ensinar".

De forma geral, os relatos das usuárias ao final dos encontros normalmente são de satisfação e percebemos que elas se sentem capazes de construir algo, contribuindo no desenvolvimento de potencialidades e sentimentos de gratificação e potência. Notamos que muitas apresentam sentimentos de insegurança em seus relatos e o grupo tem se mostrado um espaço propício para compartilharem esses sentimentos e proporcionar possibilidades da vivência de novas condutas ou aprendizagens, segundo Pichon.

Esses são relatos e recortes de alguns encontros, através dos quais se percebe o grupo como um ambiente acolhedor, onde se pode socializar as experiências, proporcionar novas vivências relacionais, fortalecer vínculos comunitários, desenvolver potencialidades e autonomia e também contribuir com a reestruturação vincular. É um espaço aberto à aprendizagem, como preconizou Pichon nos grupos operativos: por trás do aprender artesanato está a riqueza do aprendizado de um novo agir no mundo, da reestruturação de novos vínculos internos e externos. Além disso, o grupo operativo se torna um espaço de fortalecimentos dos vínculos comunitários, de desenvolvimento de potencialidades, autonomia e de funções protetivas (tais como a capacidade dialógica, paciência, tolerância, cooperação etc).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O grupo do artesanato é somente uma possibilidade, que também não atrai a todos os usuários, mas normalmente àqueles que tem algum interesse nesse tipo de atividade. Portanto, diante da dificuldade de participação dos usuários nos grupos e os objetivos que devem ser alcançados pela Política, propõe-se a realização de diversos tipos de grupos operativos no CRAS: grupos com pessoas de várias faixas etárias e intergeracionais, que foquem na execução de uma tarefa prazerosa e concreta, tais como, oficinas de artes, artesanatos, práticas corporais, audiovisual, literatura, jardinagem etc. Assim, através do convívio e construção de vínculos os conteúdos latentes e dificuldades da comunidade poderão ser manifestados, bem como a forma de vinculação de cada membro abrindo-se a possibilidade de novas aprendizagens e a ressignificação destes vínculos, utilizando-se para isso a teoria de Pichon-Rivière. Assim, acredita-se que o modelo de grupo operativo oportuniza essas vivências e a possibilidade de novas aprendizagens e retificação de seus vínculos e repertórios.

Enfim, para a concretização deste trabalho, no sentido da ampliação e diversificação dos grupos com famílias, ficam como desafios a mudança na dinâmica do setor, que vem por anos funcionando como um balcão de programas e benefícios, sendo visto pela comunidade, por alguns trabalhadores e gestores, como um local de atendimento pontual de oferta de bens materiais, orientações e encaminhamentos. Ainda é preciso romper com o ato fundante e a história da assistência social, que é a oferta pontual de bens materiais. Para isso, é necessário transformar paulatinamente a função do setor como também um local de convivência e do atendimento através da formação de espaços de vinculação e desenvolvimento de potencialidades. Para essa construção mostra-se necessário um alinhamento de entendimento entre as equipes e o gestor, que deverá investir em educação permanente para os trabalhadores, supervisões, materiais e recursos humanos necessários para a realização dos grupos.

Além desta questão, conforme Bleger (1980) coloca, a instituição acaba por apresentar a mesma estrutura e problema daquilo que ela se prontifica a atender. É possível perceber, neste município, que na Assistência Social os trabalhadores sentemse despotencializados, assim como os usuários, sem recursos (físicos, materiais e humanos) ou com recursos precários para atender a comunidade, tendo que se virar com pequenas doações de materiais e comprando alimentos e materiais com seus próprios recursos. A manutenção da oferta do PAIF e sua qualidade são sentidas como um favor e não como um direito, sendo na prática uma política precária para pobres. Por fim, toda essa realidade também contribui para a não participação dos usuários nos atendimentos, que são vistos ainda como objetos de uma política e não como seus sujeitos de direitos, sendo a reorganização dos modelos dos grupos do PAIF apenas uma hipótese que não esgota a causa do esvaziamento da frequência das famílias nos grupos, mas indica um caminho a ser trilhado.

 

REFERÊNCIAS

ÁVILA, LAZSLO A. Grupos: Uma perspectiva psicanalítica, São Paulo: Zagodoni, 2016.         [ Links ]

BLEGER, J. Grupos operativos no ensino. In: Temas de Psicologia: entrevista e grupos. São Paulo: Martins Fontes, 1980 (p. 59 a 100).         [ Links ]

Concepção de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, MDS (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome), Brasília, 2012.         [ Links ]

Orientações Técnicas sobre o PAIF, Vol 1, MDS (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome), Brasília, 2012.         [ Links ]

PICHON-RIVIÈRE, E. O Processo Grupal. São Paulo: Martins Fontes, 1982, 8ª edição 2009 p. 1 a 22.         [ Links ]

Política Nacional de Assistência Social – PNAS, MDS (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome), Brasília, 2005.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Anelisa Morais Maia
E-mail: anelisamaia1@yahoo.com.br
Rua nove de julho, 1233, ap 203
Jd Santa Helena Suzano/SP
Tel: (11) 4292-3899 Cel: (11) 981694496

Recebido em: Março de 2017
Revisado em: Abril de 2017
Aceito em: Maio de 2017

 

 

* Psicóloga, com especialização em Violência Doméstica contra a criança e adolescente pela USP (2005). Atuou em instituição de acolhimento de crianças e adolescentes, consultório particular e atualmente trabalha em um CRAS.

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