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Ciências & Cognição

On-line version ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.14 no.1 Rio de Janeiro Mar. 2009

 

ENSAIO

 

A necessidade de contribuições da ciência cognitiva para o aumento da produtividade do trabalho humano nas organizações

 

The need for contributions of cognitive science for increase the productivity of human work in organizations

 

 

Thaís Spiegel; Vinícius Carvalho Cardoso

Grupo de Produção Integrada (GPI), Escola Politécnica/Universidade Federal do Rio de Janeiro (Poli/UFRJ), Rio de janeiro, Rio de Janeiro Brasil
Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE), UFRJ, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

 

 


RESUMO

Este ensaio foi motivado pela percepção de uma tendência de aumento da importância do trabalho cognitivo nas organizações. Assim, a partir da perspectiva de se buscar o aumento de produtividade do trabalho amplamente debatida nas áreas de conhecimento da Engenharia de Produção, Administração de Empresas e correlatas; este texto sugere que há limitações teóricas e práticas nessas áreas para lidar corretamente com o trabalho cognitivo. Estas limitações, possíveis indícios da necessidade de revoluções científicas sugeridas por Kuhn, clamam por novos métodos para analisar, projetar e avaliar essa natureza de trabalho. Argumenta-se que resultados comprovadamente melhores de aumento de produtividade passariam pelo desenvolvimento de novos métodos e ferramentas adequadas ao trabalho cognitivo, e não da adaptação dos métodos tradicionais. Por fim, indica-se a importância de contribuições dos corpos teóricos da Ciência Cognitiva na lacuna identificada em projetos de pesquisa multidisciplinares.

Palavras-chave: trabalho cognitivo; produtividade; teoria organizacional.


ABSTRACT

This essay was motivated by a perceived trend of the rising relevance of cognitive work in organizations. Adopting the perspective of increasing productivity in organizations, widely discussed in Production Engineering, Management and related areas, this text argues that there areas have several theoretical and practical limitations to deal properly with cognitive work as a research object. These limits, what Khun could consider clues for the need of scientific revolutions, seem to claim for new methods to analyze, design and evaluate this kind of work. We suggest that to achieve raisings of productivity should deal with developing new techniques and methods to consider cognitive work, instead of adapting traditional methods. Finally, it's pointed out that Cognitive Science theoretical framework is fundamental to this issue.

Keywords: cognitive work; productivity; organizational theory.


 

 

1. Introdução: a mudança na natureza do trabalho

Seja sob o título de a "Terceira Revolução Industrial", a "Nova Economia", "Era da Informação" ou "Sociedade do Conhecimento", há consenso que a velocidade dos avanços tecnológicos tem proporcionado impactos significativos no funcionamento das organizações1.

Como resultado destes avanços, diversos autores vêm afirmando que o trabalho está cada vez mais baseado em conhecimento e, neste sentido, seus resultados são cada vez mais dependentes da "força mental" em comparação à força estritamente física. De Masi (2005a: 407; 2005b: 186, 239) ressalta que a crescente automação provocada pela tecnologia da informação2 elimina a necessidade de trabalho repetitivo e burocrático (executivo), liberando o potencial humano para executar as atividades de maior valor agregado, notadamente a criação.

Drucker (2002: 134) acrescenta a essa visão que o principal desafio das organizações no século XXI é a gestão. Neste paradigma, estariam dentro do escopo da gestão das organizações principalmente, as atividades de tomada de decisão e inovação, já que as demais atividades transacionais encontrar-se-ão cada vez mais automatizadas.

Alinhado com estas visões, Cardoso (2004: 1) expõe que conforme evoluem as tecnologias de gestão e produção, bem como as práticas profissionais e sociais, o papel do homem nas organizações se modifica, e, conseqüentemente, sua importância acompanha estas modificações. Nos dias de hoje, cada vez mais o papel dos seres humanos nas organizações vem se restringindo às atividades de natureza mais complexa que ainda não são passíveis de delegação a sistemas automatizados. Neste sentido, cada vez mais, espera-se do homem justamente aquilo que lhe diferencia de todos os demais recursos da organização, a inteligência.

De Masi (2005a: 407; 2005b: 186, 239) mostra ainda que esse tipo de trabalho baseado no conhecimento sempre existiu, de modo que a principal diferença é a preponderância do trabalho mais cognitivo sobre o trabalho predominantemente braçal. Isso se manifesta em diferentes tipos de organizações:

• Nas organizações que realizam processos produtivos repetitivos, geralmente produtores de bens, ou seja, as manufaturas clássicas. A partir de tecnologias como a automação, o papel principal do homem no processo de trabalho muda, saindo de realizar tarefas repetitivas para decidir sobre as exceções que fogem do controle do sistema técnico. Nesses casos, obviamente, grande quantidade de conhecimento por parte dos trabalhadores é requerida. (Castells, 1999).
• Nas organizações que empregam a criatividade e o conhecimento como "insumo" ou como "produto", tais como instituições de ensino, laboratórios de pesquisa, agências de publicidade e centros cirúrgicos (De Masi, 2005a, 2005b).
• Nas organizações que produzem serviços, cada vez mais importantes na economia, constituindo o centro da atividade econômica da maioria dos países e já respondendo pela maior parte do crescimento dos novos empregos (Lovelock e Wright, 2005).
• Nas organizações onde o trabalho requer a tomada de decisões difíceis, seja por tempo e/ou por responsabilidade, tais como a polícia, bombeiros, equipes de atendimento médico de emergência, organizações militares, governos e altos gestores (Beach, 1997; Klein, 1999).

Associa-se a essa modificação a iminência do estabelecimento amplo de uma sociedade (e de organizações) em rede, como ressaltam Castells (1999) e Hayes e colaboradores (2008), a partir do fenômeno da Globalização, onde inclusive se questiona o centralismo da organização como objeto de análise das teorias da administração, em detrimento da rede. Num contexto mais amplo, somam-se também questões de ordem ambientais e éticas na conformação desta nova configuração do trabalho humano.

 

2. Delimitando o objeto: trabalho cognitivo

Nonaka e Takeuchi (1995) argumentam que, conforme apregoa a filosofia oriental, corpo e mente são indissociáveis e funcionam como um todo, único. Ou seja, trata-se de (re)afirmar que todo trabalho dito braçal também possui uma componente mental e que, vice versa, o trabalho dito mental também precisa do corpo. Na literatura de Administração de Empresas e afins, os termos "trabalho braçal" ou "trabalho manual" normalmente são utilizados para se referir às atividades que dependem pouco dos conhecimentos e expertises3 humanas para sua execução, ou seja, pouco intensivas em conhecimento. De forma análoga, os termos "trabalho mental" e "trabalho cognitivo" normalmente designam as atividades que demandam predominantemente o uso de conhecimentos e expertises humanas, tipicamente executadas por especialistas. Entretanto, como se pode verificar a seguir, o critério de diferenciação adotado neste artigo não será apenas o grau de utilização do conhecimento na atividade.

Vimos que ao passo que a tecnologia avança, a complexidade do trabalho humano nas organizações aumenta. Isto ocorre tanto porque os novos dispositivos tecnológicos automatizam as atividades puramente mecânicas e/ou lógicas, restringindo a atuação das pessoas às atividades que exigem características específicas da inteligência humana, quanto porque estas atividades são acrescidas de inovações mais freqüentemente, ampliando a sofisticação do conhecimento necessário para executá-las4. Assim, pode-se dizer que há um processo acelerado de intelectualização da mão-de-obra em curso e que, no futuro, o papel das pessoas na organização será cada vez mais distinto dos demais recursos.

É possível esperar que, expandidas as possibilidades de automação, em algum momento reste aos seres humanos apenas às funções produtivas de analisar evidências e cenários, criar soluções, decidir cursos de ação e orientar o desenvolvimento das pessoas e dos processos organizacionais, entre outras da mesma natureza. Acompanhando esta percepção de que o grau de automação é decisivo na distinção entre os tipos de trabalho, para simplificar a linguagem do trabalho e delimitar o escopo no que diz respeito ao tipo de atividade humana a ser estudado, referir-se-á a "trabalho mental" ou a "trabalho cognitivo" para denotar o tipo de atividade que não está automatizada.

A partir desta definição, formula-se um objeto de pesquisa que seria necessariamente dinâmico e com, pelo menos, dois vieses de análise. No primeiro viés, considerar-se-ia aquele trabalho que não pode ser automatizado por limitações tecnológicas. Como exemplo de atividades que se enquadram no objeto de pesquisa delimitado, temos aquelas que dependam de criatividade, sensibilidade, interpretação e contextualização, tais como a decisão, negociação, ensino, aprendizado e inovação. Contudo, ressalta-se que este tipo de trabalho não é restrito a alta gerência das organizações. As tarefas desempenhadas por enfermeiras e pelo corpo de bombeiro são exemplos que ilustram bem a relevância destas características, como a sensibilidade e a contextualização são críticas para a interpretação dos resultados e como a ausência destas pode ter consequências danosas.

No segundo, encontra-se o trabalho que, no estágio atual da tecnologia, é passível de automação, mas que por questões de viabilidade econômica não está automatizado. No caso do processo de tomada de decisão, por exemplo, toda vez que o problema a ser resolvido for "lógico", passível de modelagem e programação, não se estaria referindo a um trabalho cognitivo. Uma vez que apesar da base de conhecimento necessária a sua realização, há condição de modelar o problema e "empurrar" sua solução para um agente não humano. Entretanto, a não automatização das decisões, isto é, a manutenção destas como atribuição dos indivíduos devido fundamentalmente ao custo atualmente associado a essas tecnologias, configura-as como cognitivas de acordo com o segundo viés.

A evolução dessas duas perspectivas expostas acima tem, respectivamente, um foco mais de ciência e tecnologia, e outro mais de inovação e aplicação tecnológica. É interessante notar que pesquisar o objeto em ambas as frentes implica em, de certa forma, dedicar-se a finalidade de restringir cada vez mais o trabalho humano à natureza cognitiva, mas, também, tornar este trabalho cognitivo mais "humano", ou saudável.

Os aplicativos de Inteligência Artificial ilustram esta questão para o primeiro viés. À medida que novas tecnologias são desenvolvidas, como o desenvolvimento de agentes racionais, por exemplo, que combinam informações e tomam ações para atingir objetivos. Tarefas, que antes eram atribuídas aos indivíduos, passam a serem desempenhadas por computadores.

 

3. A busca pela maior produtividade

O comportamento da eficiência produtiva ao longo do tempo, particularmente a produtividade do trabalho, "é um dos fenômenos mais estudados nos negócios, na economia e no comportamento organizacional" (Hayes et al., 2008: 301). Segundo os mesmos autores, as tentativas de explicar os índices e as causas de melhorias observadas e prever níveis futuros têm alimentado múltiplas teorias de crescimento econômico, estrutura industrial e vantagem competitiva.

Do ponto de vista histórico, observamos que o interesse por este fenômeno não é recente. Esta percepção é corroborada pelo relato de Antunes Jr. (1998) sob o ponto de vista histórico da evolução dos sistemas produtivos ao longo dos períodos: Pré-Paradigmático, Paradigma da Melhoria das Operações e Paradigma da Melhoria nos Processos.

O primeiro período, o Pré-Paradigmático, se dá após a primeira Revolução Industrial com um marco importante no aumento da produtividade industrial que foi a divisão do trabalho. Esta percepção é amplamente difundida por Adam Smith em 1776 (Smith, 1996) em a "A Riqueza das Nações: investigação sobre sua natureza e suas causas". Ao atribuir a criação da riqueza das nações também ao aumento de produtividade do trabalho, o autor se justifica da seguinte forma:

"Esse grande aumento da quantidade de trabalho que, em conseqüência da divisão do trabalho, o mesmo número de pessoas é capaz de realizar, é devido a três circunstâncias distintas: em primeiro lugar, devido à maior destreza existente em cada trabalhador; em segundo, à poupança daquele tempo que, geralmente, seria costume perder ao passar de um tipo de trabalho para outro; finalmente, à invenção de um grande número de máquinas que facilitam e abreviam o trabalho, possibilitando a uma única pessoa fazer o trabalho que, de outra forma, teria que ser feito por muitas." (Smith, 1996: 68)

Em seguida, no âmbito do Paradigma da Melhoria das Operações, destacam-se duas vertentes importantes de avanços, a primeira relacionada à padronização de ferramentas e medidas e ao aperfeiçoamento das técnicas de produção. A segunda foi o desenvolvimento da Administração Científica, com a separação entre os gestores e os operários. Esta segmentação contribuía ainda mais para desapropriar o conhecimento acerca do processo produtivo dos trabalhadores, recorrendo à especialização de homens a operações específicas como vetor para o ganho de eficiência. Drucker (1999: 111) defende que a contribuição mais importante da Administração no século XX foi o aumento, em 50 vezes, da produtividade do trabalhador manual em fabricação.

Por fim, no paradigma da melhoria nos processos, constata-se que a lógica do anterior, que encara o processo como um conjunto de operações, levava "à falsa suposição de que, melhorar as operações automaticamente conduziria à melhoria nos processos e, em consequência, nos Sistemas Produtivos" (Shingo, 1996: 221 apud Antunes Jr., 1998: 87). Neste novo Paradigma, estabelece-se uma clara diferença entre os fins que estão diretamente relacionados com as melhorias nos processos, e as consequências econômicas daí advindas e os meios que muitas vezes estão relacionados com a melhoria das operações, porém, sempre tendo em vista o aumento do desempenho do processo como um todo.

Observa-se que em todos estes paradigmas as teorias estão fortemente orientadas para a melhoria do desempenho da manufatura, onde o trabalho é predominantemente braçal. No entanto, retomando a expectativa de um cenário onde há preponderância do trabalho cognitivo, a replicação dos métodos forjados na tradição manufatureira para lidar com esta natureza de trabalho traria, certamente, restrições à capacidade de se criar eficiência e eficácia nos sistemas produtivos contemporâneos.

Abaixo são expostas algumas percepções sobre as teorias existentes, descrevendo-as a partir de duas vertentes, as teorias nas quais não são contempladas as particularidades afetas a natureza do trabalho e as que diferenciam. Em relação às teorias da primeira vertente pode-se questionar a aplicabilidade da divisão do trabalho como estratégia para melhoria do desempenho. Tal como apresentada por Adam Smith, a divisão do trabalho proporcionaria ganhos na medida em que o trabalhador adquiriria maior destreza nas atividades que desempenhava. Entretanto, esta premissa pode não se mostrar verdadeira quando o objeto deixa de ser um operário produzindo o corpo ou a cabeça do alfinete e passa a ser o de um operador de mesa na bolsa de valores. Neste último exemplo, as múltiplas habilidades desenvolvidas, através das experiências as quais o indivíduo foi submetido no desempenhar de diversas atividades, podem conformar ações melhores no futuro.

A segunda indicação de Adam Smith referia-se a eliminação do tempo entre o término de uma atividade e o início da seguinte. Sobre esta, uma primeira questão que se coloca é o desconhecimento e a imprevisibilidade associada às atividades de natureza mais complexa e criativa. Enquanto antes, na lógica da Administração Científica e da atividade manufatureira, a preocupação centrava-se na melhor forma de executar a tarefa, no contexto atual o foco muda para a identificação de qual é a tarefa a ser desempenhada (Drucker, 1999). Assim, quando esta questão coloca-se, a orientação de evitar a passagem de uma atividade para outra se torna secundária e possivelmente não aplicável. Há ainda questões associadas à previsão da ocorrência das atividades (Klein, 1999). Em uma fabrica escura5, por exemplo, faria sentido colocar um trabalhador disponível para cada tipo de incidente possível? Como o "problema" pode nunca ocorrer, ao colocar pessoas de prontidão, pode-se estar desperdiçando recurso.

A noção da curva de aprendizado também pode ter resultados contrários aos esperados se aplicada irrestritamente. Quando assumimos que as pessoas passam a fazer melhor e com mais produtividade ao longo do tempo, a tendência é submeter os trabalhadores a uma série de experiências (Endsley et al., 2003), treinamentos e avaliações especializados. Porém, ao submeter um profissional a uma situação repetida vezes, há também o desenvolvimento de um sentimento de autoconfiança. Esta tendência, se tornada excessiva, pode levar a um comportamento descompromissado, descuidado e/ ou desatento que ocasiona o erro, apesar dos êxitos nas diversas situações anteriores (Thagard, 2000).

A orientação inicial que contempla uma distinção entre os tipos de trabalho encontra-se no paradigma da melhoria das operações, com a indicação de que sejam separadas as atividades do gerente e do operário (Taylor, 1990). Esta separação, apesar de diferenciar as atividades, possui como pano de fundo uma visão de que "o operário não pensa". Entretanto, esta não é uma distinção razoável em algumas organizações, como as profissionais6, por exemplo. Nestas os trabalhadores que estão na "ponta" possuem uma autonomia grande para decidir e recorrem o tempo todo a uma grande base de conhecimento e, principalmente, expertise.

 

4. Problematização: a necessidade de uma nova abordagem para teoria das organizações

Conforme visto anteriormente, a Teoria Organizacional desenvolveu ao longo do tempo um conjunto de conceitos, métodos e abordagens visando o aumento da produtividade do trabalho. Entretanto, tal corpo teórico apresenta limitações quando o objeto de estudo trata-se do trabalho cognitivo.

Boff (2000: 12) corrobora desta percepção ao ressaltar que, apesar dos inúmeros apontamentos para a discussão, são apresentados poucos modelos que identificam a maneira como as atividades são realmente realizadas. As iniciativas de pesquisa que se aproximam do objeto surgiram nos anos 90 e dão ênfase à produtividade dos trabalhadores de conhecimento7, empenhadas em estabelecer claras diferenças entre os setores de serviços e produção e separar tarefas estruturadas e procedimentos de rotina das atividades ligadas ao trabalho de conhecimento. Davis e colaboradores (1991) estabeleceram uma base teórica para entender a natureza do trabalho de conhecimento e como as atividades desse segmento podem produzir melhores resultados. Thomas e Schmidt (1992) desenvolveram a base de um sistema para apoiar atividades de trabalho de conhecimento com o objetivo de reduzir os problemas e aumentar o desempenho dessas atividades.

Outras tentativas de tratamento do objeto provêm do campo da Ergonomia (Guérin et al., 2001; Vidal e Petzhold, 2003; Iida, 2005), seja na vertente francesa, com abordagem física, prescrevendo a cadeira ideal, a distância da tela do computador, a temperatura adequada, entre outros; seja no viés anglo-saxão, denominado atualmente de Engenharia de Sistemas Cognitivos (Vicente, 1999; Hollnagel e Woods, 2005; Crandall, el al., 2006; Woods e Hollnagel, 2006), preocupado com a usabilidade dos sistemas, a forma pela qual o homem lida com a complexidade, como os artefatos são utilizados, entre outros.

No âmbito da Administração de Recursos Humanos (Walker, 1980; Serson, 1985; Becker et al., 2001; Gramigna, 2002; Chiavenato, 2005) há orientações em relação às boas práticas da "gestão de pessoas", por exemplo, quanto a melhoria dos métodos para determinação do tipo de capacitação que os trabalhadores devem ser submetidos. Contudo, estas teorias buscam o estabelecimento de padrões comprovados empiricamente pelo comportamento diretamente observável. Assim, as discussões giram normalmente em torno de curvas de aprendizagem e experiência, a partir das quais se infere que com o tempo e a escala, a atividade é desempenhada de forma mais produtiva. Um exemplo adicional pode ser visto nas estratégias motivacionais, nas quais se orienta que as pessoas sejam motivadas, pois apesar de não se saber ao certo a explicação acredita-se que um indivíduo bem motivado produza mais.

Ainda na literatura de "gestão", em particular a que trata de Cultura Organizacional, Gestão de Conhecimento, Learning Organizations (Organizações que Aprendem), Capital Intelectual, dentre outros temas correlatos, na maioria dos casos, volta-se a prescrever a criação de condições ambientais que tornem os locais de trabalho melhores no sentido de induzir o trabalhador a ter "boa vontade" e recursos suficientes para criar conhecimento e produzir intelectualmente (Senge, 1990; Schein, 1992; Nonaka e Takeuchi, 1995; Gratton, 2004).

Estes trabalhos apresentam contribuições importantes, mas reforçam a limitação do conjunto de métodos disponíveis para aumentar a produtividade do trabalho em si, quando o objeto migra para uma configuração preponderantemente cognitiva. Neles, os processos cognitivos do trabalhador não são evidenciados, seguem sendo tratados como uma "caixapreta". Esta abordagem simplificada do objeto induz os pesquisadores a trabalharem de modo mais especulativo e, consequentemente, com margens de erro maiores.

Ao investigar o problema, no processo de "abrir a caixa", depara-se com o que diferencia este tipo de trabalho dos demais, o aparato cognitivo dos trabalhadores. Segundo Boff (2000: 39), "processos cognitivos são considerados mediadores entre os estímulos recebidos do ambiente e as respostas geradas". Em outras palavras, um indivíduo recebe informações e incorpora essas informações aos seus modelos mentais (confirmando-os ou modificando-os), permitindo que a situação captada seja representada e, conseqüentemente, sejam produzidos resultados (solução de problemas, tomada de decisões e geração de idéias, por exemplo.).

Best (1992) propõe que os processos cognitivos são eventos mentais que transformam continuamente os estímulos externos em códigos abstratos. Uma vez criados (transformados), os códigos podem ser reduzidos ou elaborados. A redução é um processo importante que permite ao indivíduo armazenar o significado da informação e não todos os seus detalhes. A elaboração de um código é a capacidade cognitiva de fazer ligações com outros códigos que tenham atributos em comum. O armazenamento e a recuperação de códigos são processos cognitivos relativos à memória. Através da redução, esses processos são capazes de proporcionar a reconstrução de códigos que fazem parte do conhecimento do indivíduo. Finalmente, os processos cognitivos criam códigos que são utilizados pelas pessoas para o trabalho, para tomar decisões, estudar, dirigir etc. Esse processo é a peça mais importante para ser tratada no contexto do trabalho cognitivo.

 

5. Conclusão: encaminhamentos a partir da identificação do problema de pesquisa

A importância do processo cognitivo está baseada em duas premissas: (1) o trabalhador precisa gerenciar a informação (buscar, selecionar, processar, compreender) para desenvolver suas atividades; e (2) o resultado das suas atividades não é apenas um produto, mas também conhecimento, que pode ser armazenado como novo conhecimento ou nova informação.

Quando definimos o trabalho cognitivo como aquele conjunto de atividades não automatizadas, assumimos implicitamente a hipótese de que é tudo aquilo que não conhecemos, não entendemos ao certo como funciona, e por isso, não somos capazes de automatizar. Afinal, para automatizar seria necessário, por exemplo, um projeto de engenharia reversa; ou seja, desmontar para entender o mecanismo de funcionamento. Entretanto, como estamos lidando com o cérebro humano, o caminho que se coloca para desmembrar as partes é o estudo do que já foi e está sendo desenvolvido na Ciência Cognitiva8.

A Ciência Cognitiva tem abordado a investigação de conhecimentos a partir de uma perspectiva de investigação fundamental. A meta primária de cientistas cognitivos é compreender a natureza da inteligência humana e como ela funciona (Farrington-Darby e Wilson, 2006: 23). Nas palavras de Howard Gardner:

"Os cientistas cognitivos procuram entender o que é conhecido - os objetos e sujeitos do mundo externo - e a pessoa que conhece - seu aparelho perceptivo, mecanismos de aprendizagem, memória e racionalidade. Eles investigam as fontes do conhecimento: de onde vem, como é armazenado e recuperado, como ele pode ser perdido? Eles estão curiosos com as diferenças entre os indivíduos: quem aprende cedo ou com dificuldade." (Gardner, 2003:18)

Anderson (2000: 4) indica que esse objetivo "tem valor para proporcionar uma base de entendimento para outras ciências (psicologia clínica, economia e ciência política, por exemplo)". Além disso, a ciência cognitiva fornece conhecimentos para permitir o desenvolvimento de aplicativos específicos, desenvolvidos com a premissa de que "se nós realmente entendermos como as pessoas adquirem conhecimentos, então seremos capazes de melhorar a sua formação intelectual e consequentemente o seu desempenho". (Anderson, 2000: 4).

Apesar de a cognição figurar entre os focos de pesquisa mais antigos da humanidade (Keil e Wilson, 1999; Gardner, 2003; Thagard, 2007), é ainda um assunto com muitos pontos em aberto em todos os campos que a tem como objeto. Tendo permitido que se acumulasse um imenso acervo a seu respeito, bem como um sem número de questões a responder. Há muito pouco tempo, relativamente a outros campos, as áreas correlatas à gestão das organizações, ingressaram neste grupo de interessados. Este envolvimento recente somado com a falta de interlocução com as disciplinas que tradicionalmente lidam com a questão da cognição humana podem ser alguns dos elementos que explicam a configuração de uma lacuna de tecnologia para aumentar a produtividade do trabalho cognitivo.

Sob a ótica do progresso científico, estas limitações apontam para a necessidade de melhorar os métodos de pesquisa e explorar o tema sob diferentes perspectivas. Na visão de Thomas Kuhn9, esta incapacidade dos métodos disponíveis de lidar com as novas questões que se colocam pode ser um indício da instauração da fase de crise. Por outro lado, se adotada a concepção de Imri Lakatos10, estes indicariam a necessidade de rever o cinturão protetor.

Deste modo, embora o "processo de trabalho humano" e as organizações sejam temas já estudados amplamente pela Teoria das Organizações, acredita-se ser necessária uma nova abordagem, na qual sejam incorporadas, na base teórica, as explicações sobre o elemento central deste novo tipo de trabalho, a cognição humana. Portanto, este trabalho reconhece e incorpora os aspectos cognitivos como essenciais para adequar os métodos que visam o aumento da produtividade do trabalho.

A ênfase, o direcionamento da pesquisa não é o desenvolvimento de teoria no campo da Ciência Cognitiva11, como é característico de um programa de pesquisa nessas áreas do saber, mas sim o uso, a aplicação dessas teorias no contexto real de trabalho. No âmbito da Teoria das Organizações o relevante são as "ferramentas" da Ciência Cognitiva. Em outras palavras, a necessidade é da transformação das pesquisas básicas desses campos em pesquisas aplicadas em Teoria das Organizações e também da transformação das pesquisas aplicadas em realidade.

Esta proposição é resultado natural do processo de análise do problema. Diante da questão de pesquisa, os métodos de análise e solução de problema direcionam para o estudo do problema. Na busca pelo entendimento do objeto, depara-se com a cognição como um aspecto fundamental no estudo de um tema baseado fortemente na capacidade intelectual do homem. Diante da identificação deste elemento diferenciador, o caminho aponta para a exploração dos processos cognitivos. Segue-se então que a teoria, pela forma como é designada, induz aos corpos de conhecimento da Ciência Cognitiva como fonte de informação para o entendimento da cognição.

Em suma, frente aos dois conjuntos de mudanças (na natureza do trabalho e nas organizações), a abordagem proposta neste documento é que a Teoria Organizacional caminhe rumo a conceitos basais diferentes para aumentar a produtividade do trabalho cognitivo nas (redes) de organizações, tipicamente o que Kuhn chamaria de um novo paradigma12. Espera-se que a Teoria das Organizações deixe de se basear apenas nas fontes construídas a partir de uma natureza de trabalho diferente da que se espera que seja preponderante no futuro.

 

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Submetido em 30/01/2009
Revisado em 17/03/2009
Aceito em 18/03/2009

 

 

Notas

(1) "Sempre que duas ou mais pessoas se unem para se ater a um propósito comum uma organização é formada. Organização, a estrutura sobre a qual os indivíduos se unem, é essencial ao alcance de um objetivo comum" (Carson, 1967:1). As organizações são entendidas neste trabalho como "unidades sociais (ou agrupamentos humanos) intencionalmente construídas e reconstruídas, a fim de atingir objetivos específicos. Incluem-se as corporações, os exércitos, as escolas, os hospitais, as igrejas e as prisões; excluem-se as tribos, as classes, os grupos étnicos, os grupos de amigos e as famílias" (Etzioni, 1984).
(2) Entendida num sentido amplo, como a "utilização casada da expertise tecnológica disponível em informática, engenharia de sistemas, eletrônica, mecatrônica e telecomunicações, incluindo redes de computadores e internet" (Cameira, 2003: 3).
(3) Refere-se aos mecanismos intrínsecos de desempenho superior de um especialista, isto é "aquele que tenha adquirido uma habilidade especial ou conhecimento de um assunto específico através de formação profissional e experiência prática" (Keil e Wilson, 1999: 298)
(4) Alinhado a percepção de que, atualmente, são necessários muitos conhecimentos, interdisciplinares e complexos, para gerar uma inovação, De Pellegrin (2006) coloca que a base de conhecimento necessária para inovar é extremamente complexa, principalmente quando são analisadas determinadas áreas, como robótica, nanotecnologia e biotecnologia.
(5) Uma fábrica escura caracteriza-se por ambientes povoados por robôs e máquinas que dispensariam a presença humana para a operação, linhas de produção 100% automatizadas.
(6) A forma profissional de organização aparece onde quer que o trabalho operacional de uma organização seja dominado por trabalhadores habilidosos, que usem procedimentos difíceis de aprender ainda que bem definidos. Isso significa uma situação que é tanto complexa como estável. Complexa o suficiente para exigir procedimentos que só possam ser aprendidos por meio de treinamento intensivo, porém estável o suficiente para que seu uso possa se tornar padronizado. (Mintzberg et al., 2003: 315)
(7) O trabalho de conhecimento, ainda que com grandes sobreposições, não designa o mesmo objeto delimitado nesta pesquisa como trabalho cognitivo. O termo "trabalho de conhecimento", popularizado por Peter Drucker, foi proposto inicialmente por Fritz Machlup (1962) no final da década de 50, quando os computadores passaram a ter uso comercial. Machlup era um economista interessado em como o conhecimento era criado e distribuído e qual a sua importância econômica. Atualmente o seu significado está associado a concepção de Drucker (1988) para classificar trabalhadores de conhecimento como especialistas em gestão e profissionais. Na visão do autor, estes trabalhadores do conhecimento se diferenciam pelas seguintes características: educação formal (é requerida educação formal deste trabalhador, como um fator da complexidade das tarefas que irá desempenhar); aplicação de conhecimento teórico e analítico (além do conhecimento teórico, demanda-se deste trabalhador a capacidade de análise e decisão); aprendizado contínuo (o trabalhador do conhecimento precisa acompanhar a velocidade das mudanças e da produção de conhecimento da sociedade atual, estando em processo de contínuo aprendizado); especialista (o trabalhador do conhecimento é perito no domínio em que atua); e trabalho em equipe (a capacidade de trabalhar em equipe é necessária à transferência e aproveitamento do conhecimento do grupo). Adicionalmente, Reich (1991) considera o trabalhador de conhecimento um indivíduo "analítico-simbólico", que possui habilidades variadas como identificação de problemas (marketing, propaganda, assistência ao cliente), solução de problemas (pesquisa e desenvolvimento de produto, produção) e intermediação de informações (finanças, prospecção, contratação).
(8) Preocupados com um objeto diferente e vindo de outra tradição, emerge em meados de 1950 a Ciência Cognitiva como a integração de disciplinas que já lidavam com a questão da mente humana. Segundo Fetzer (2001: 15), a Ciência Cognitiva é "uma nova disciplina com uma antiga história (...) que está encontrando novas maneiras de atacar velhos problemas". Essas novas maneiras devem-se fundamentalmente aos esforços integradores que as seis disciplinas (Filosofia, Psicologia, Neurociência, Inteligência Artificial, Linguística e Antropologia) que a constituem passaram a desempenhar.
(9) Thomas Kuhn (1995) propõe que o progresso científico tem um caráter revolucionário. Segundo o autor, uma revolução implica no abandono de uma estrutura teórica e sua substituição por outra. A descoberta da anomalia começa com "o reconhecimento de que, de alguma maneira, a natureza violou as expectativas paradigmáticas que governam a Ciência Normal" (Kuhn, 1995: 78). Segue-se, a partir da descoberta das anomalias, uma exploração mais ou menos ampla das mesmas. Durante este período, os cientistas normais tentarão ajustar estas anomalias ao seu Paradigma. Porém, se estas anomalias vão se acumulando, fugindo de controle, por assim dizer, então se instaura uma crise de Paradigmas. A crise é resolvida como resultado de um conjunto de saltos qualitativos que fazem emergir a "Nova Ciência Normal". Estes saltos qualitativos correspondem às chamadas revoluções científicas. É precisamente esta ruptura, esta descontinuidade qualitativa que constitui uma "Revolução Científica". Este salto qualitativo permitirá, via a constituição de uma nova teoria, a solução de um grande número de problemas o que fará com que esta nova teoria torne-se amplamente aceita pela comunidade científica. Configura-se, então, uma nova Ciência Normal.
(10) A principal característica que sustenta a lógica da Metodologia dos Programas de Pesquisa Científica (MSRP) de Imri Lakatos é a continuidade com que as diversas teorias são criadas, ajustadas e conectadas pelos adeptos do programa, para o crescimento da ciência. Esta continuidade evolui a partir do estabelecimento de um novo programa de pesquisa e de algumas regras metodológicas: algumas definindo que caminhos de pesquisa evitar (heurística negativa) e outras definindo que caminhos perseguir (heurística positiva). Na idéia de heurística negativa, pode-se racionalmente decidir por não permitir refutações ao núcleo duro enquanto o conteúdo empírico corroborado do cinturão protetor de hipóteses auxiliares continue crescendo. Assim, o cientista pode decidir conscientemente pela não explicação, naquele momento, de uma anomalia, para não se desviar do caminho de investigação que está seguindo. No entanto, se o programa pára de antecipar novos fatos, aí sim, o seu núcleo duro deve ser abandonado (Lakatos, 1970).
(11) Não cabe aqui tratar dos limites da cognição humana do ponto de vista biológico, porém são provavelmente nestes que se encontram os pontos de ruptura da ciência normal no campo das Ciências Cognitivas ou, dito de outra forma, os portões da ciência pós-normal, onde provavelmente o processo cognitivo será efetivamente um recurso a ser gerenciado, com pouca ou nenhuma intermediação do homem que o detém. Não restam dúvidas de que a partir de descobertas como estas e todos os seus desdobramentos tecnológicos possíveis, estaremos sim ante um novo paradigma, que provavelmente altera de forma determinante as bases dos estudos organizacionais, na medida em que os indivíduos não serão mais tão misteriosos.
(12) O termo Paradigma pode assumir diversos significados, entretanto, segue-se aqui os dois sentidos essenciais propostos por Kuhn (1995) para compreender a noção de Paradigma. No primeiro é "uma constelação de crenças, valores, técnicas etc, partilhadas pelos membros de uma comunidade" (Kuhn, 1995: 218) e no segundo envolve a noção do desenvolvimento de "soluções concretas do quebra-cabeça como modelos ou exemplos," que "podem substituir regras explícitas como base para a solução dos restantes quebracabeças da Ciência Normal" (Kuhn, 1995: 218).

Thaís Spiegel é Graduada em Engenharia de Produção (Poli/UFRJ), Mestranda em Engenharia de Produção (PEP/COPPE/UFRJ). Atua como Pesquisadora do Grupo de Produção Integrada (GPI/COPPE/UFRJ). Endereço para correspondência Centro de Tecnologia - LabCIM, bloco I, fundos bloco D. Cidade Universitária, Ilha do Fundão, Rio de Janeiro. RJ 21941-972. Telefone: +55-21-2562-7415 ou +55-21-25627416. E-mails para correspondência: thais@gpi.ufrj.br e thaisspiegel@gmail.com.
V.C.Cardoso é Doutor em Engenharia de Produção (COPPE/UFRJ). Atua como Professor (Poli/COPPE/UFRJ) e como Pesquisador (GPI/Poli/COPPE/UFRJ). Endereço para correspondência Centro de Tecnologia - LabCIM, bloco I, fundos bloco D. Cidade Universitária, Ilha do Fundão. Rio de Janeiro, RJ 21941-972. Telefone: +55-21-25627415. E-mails para correspondência: vinicius@gpi.ufrj.br e vinicius.cardoso@gmail.com.

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