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Ciências & Cognição

versão On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.15 no.3 Rio de Janeiro dez. 2010

 

Artigo Científico

 

Inteligências múltiplas em ambientes virtuais de aprendizagem: um estudo de objetos de aprendizagem com autoria de crianças

 

Multiple intelligences in learning virtual environments: a study of learning objects authored by children

 

 

Edna Gusmão de Góes BrennandI; Leônidas Leão BorgesII

IUniversidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa, Paraíba, Brasil;
IIInstituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Alagoas (IFAL), Maceió, Alagoas, Brasil

 

 


Resumo

Apresenta os resultados de uma pesquisa através dos quais é constatada a potencalização da emergência de combinações de inteligências em alunos com idade entre 7 a 9 anos do ensino fundamental ao interagirem com conteúdos (imagens, textos, games, livros e músicas) disponibilizados em um Ambiente Virtual de Aprendizagem desenvolvido no âmbito do Projeto Edilivre. A pesquisa-ação foi desenvolvida com a participação de professores e alunos de duas escolas públicas da cidade de João Pessoa, PB, analistas de softwares e designers do Laboratório de Aplicações de Vídeo Digital (LAVID/UFPB). O processo envolveu a implementação de um ambiente virtual interativo com autoria de materiais hipermídia por estes atores. Utilizou-se o aporte teórico das Inteligências Múltiplas de Howard Gardner. Foram analisados 159 conteúdos, nos quais identificou-se, potencialmente, diversas combinações envolvendo as inteligências, a saber: a linguística, a musical, a lógico-matemática, a espacial, a corporal-cinestésica, a intrapessoal, a interpessoal e a naturalista. © Cien. Cogn. 2010; Vol. 15 (3): 126-144.

Palavras-chave: ambiente virtual de aprendizagem; inteligências múltiplas; conteúdo digital.


Abstract

This is about presenting the results of a survey in which enhancement of the emergence of intelligence combinations is found in students between 7-9 years old in the basic education when they interact with contents (images, texts, games, books and music) available in a Learning Virtual Environment developed in the scope of Edilivre Project. The action-research was developed with the participation of teachers and students from the two public schools in the city of Joao Pessoa - PB, software analysts and designers from the Laboratory of Digital Video Applications (LAVID/UFPB). The process involved the implementation of an interactive virtual environment with hypermedia materials authored by these children. The theoretical framework of Howard Gardner's Multiple Intelligences was used. They analyzed 159 contents, where several combinations involving intelligences, were potentially identified, namely linguistic, musical, logical-mathematical, spatial, bodily-kinesthetic, intrapersonal, interpersonal and naturalistic. © Cien. Cogn. 2010; Vol. 15 (3): 126-144.

Keywords: learning virtual environment; multiple intelligences; digital content.


 

 

Introdução

Este artigo contém os dados e resultados parciais de uma pesquisa de doutorado que está sendo desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba (PPGE/UFPB) em parceria com o Laboratório de Aplicações de Vídeo Digital LAVID/UFPB. Apresenta a análise de conteúdos digitais produzidos por aprendizes com idade entre 7 a 9 anos, disponibilizados no ambiente virtual de aprendizagem (AVA) desenvolvido no âmbito do projeto Edulivre, identificando que possíveis combinações de inteligências são potencializadas (estimuladas e/ou valorizadas) no processo de interação dos aprendentes com os conteúdos digitais.

O AVA desenvolvido teve por objetivo possibilitar aos aprendentes dos primeiros anos do ensino fundamental participarem do ciberespaço, como microatores da nova ecologia cognitiva que os engloba, a fim de que se apropriarem das novas linguagens multimidiáticas e multissensoriais, das originais formas de comunicar via tecnologias digitais e seus dispositivos de informação e comunicação. Sua concepção teve como ponto de ancoragem o projeto da inteligência da coletiva proposto por Lévy (1998, 1997). Através da conexão dos múltiplos saberes os indivíduos e grupos humanos reunem suas bases cognitivas a fim de construir intelectuais ou "imaginantes" coletivos. Alinhado a essa perpspectiva, o ambiente virtual se transformou numa ferramenta de aprendizagem dinâmica e aberta, através da qual as capacidades comunicacionais e as potencialidades cognitivas de cada interagente passaram a desenvolver-se e ampliar-se de maneira recíproca e coletiva.

No desenvolvimento do projeto, além da equipe de engenheiros, analistas e designers de software do LAVID/UFPB, participaram colaborativamente da produção dos conteúdos aprendentes e professoras de duas escolas públicas municipais, da cidade de João Pessoa, PB, Brasil. Para a produção dos conteúdos foram consideradas as necessidades, práticas e experiências dos grupos envolvidos valorizando-se os saberes construídos nas comunidades escolares e representaram manifestações das inteligências dos atores de ambas as escolas.

A participação ativa das comunidades escolares como produtoras dos conteúdos digitais transformou o AVA em um mobilizador de acervos culturais e educacionais de qualidade em língua portuguesa e de acesso público, adequado ao perfil intelectual do conjunto dos futuros interagentes1(aprendentes de sete a nove anos) e adaptado aos contextos das escolas envolvidas. Ao todo, foram explorados cento e cinquenta e nove (159) conteúdos, dentre livros, textos, imagens, audios, vídeos e jogos eletrônicos.

Ao final do artigo, apresentamos os resultados advindos da análise dos conteúdos digitais, que representaram uma gama de inteligências contemplando a riqueza da diversidade humana, valorizada e estimulada no contexto educacional e cultural das escolas envolvidas. Deste modo, os resultados permitem admitir que os AVA são potenciais ferramentas pedagógicas úteis e efetivas para uma aprendizagem fundada nas vivências e nas singularidades de comunidades escolares concorrendo para facilitar sua inclusão digital e participação efetiva na novas ecologias cognitivas propiciadas pela inserção de sujeitos sociais em projetos de aprendizagem adequados ao avanço científico e tecnológico.

 

As teorias que fundamentaram a construção e o uso do AVA

O arcabouço teórico utilizado funda-se na constatação que na atualidade, nos situamos no interior de uma nova ecologia cognitiva, expressa na parceria entre tecnologias intelectuais e sistemas inteligentes, traduzindo experiências nunca antes vivenciadas na história da evolução humana. As relações construídas cooperativa e interativamente entre interagentes humanos e máquinas inteligentes, propiciam uma espécie de articulação que não se limita ao simples armazenamento, transformação e transmissão de dados e informações mas permitem a emergência de ricas experiências de aprendizagem articulando a viabilidade da transformação da informação em conhecimento (Assmann, 2000; Lèvy, 1997).

No contexto da tentativa de compreender as novas formas de ecologias cognitivas, a teoria das inteligências múltiplas do cientista norte-americano Howard Gardner se colocou como arcabouço importante e peculiar. Este autor, em sintonia com as transformações sociotécnicas e com os problemas e as oportunidades que se desenvolvem na sociedade contemporânea, apresenta uma visão de inteligência que em nosso ponto de vista é útil ao atual modelo de vida sociotécnica e contempla a riqueza da diversidade humana.

Em sua teoria das Inteligências Múltiplas, Gardner (2001, 2000, 1995) defende uma abordagem diversificada da inteligência humana, manifestando a ideia de que existem outras aptidões para além do raciocínio lógico-matemático e linguístico ampliando e transportando o estudo da inteligência humana para novas direções, tanto teórica quanto metodologica, inclusive no campo da educação com repercussões em escolas de todo o mundo (Chen at al, 2009). Em sua teoria, Gardner defende vigorosamente a existência de uma gama de inteligências relativamente autônomas; somente várias inteligências, funcionando em combinação são necessárias para explicar como os seres humanos assumem papéis diversos, como médicos, engenheiros ou fazendeiros. Advém daí o ponto essencial de sua teoria: não existe apenas uma capacidade mental subjacente; existem várias inteligências, funcionando em combinação (Vasconcelos e Brennand, 2005).

A combinação de inteligências que deu visibilidade à teoria de Howard Gardner foi proposta, inicialmente, a partir do esquema das sete inteligências humanas distintas: linguística, musical, lógico-matemática, espacial, corporal-cinestésica, intrapessoal e interpessoal (Gardner, 1999). Em seu livro "Inteligência: um conceito reformulado" (Gardner, 2001), o autor introduz a possibilidade de quatro novas inteligências: naturalista, espiritual, existencial e moral.2 Neste trabalho, entretanto, no que se refere às crianças de sete a nove anos, que não apresentam distúrbios ou disfunções cerebrais, postulamo-lhes um potencial intelectual advindo de uma combinação singular das seguintes oito inteligências: linguística, musical, lógico-matemática, espacial, corporal-cinestésica, intrapessoal, interpessoal e naturalista.

Ao se referir às múltiplas inteligências, Gardner (1999, 2001) traz à baila a discussão sobre a diversidade de perfis intelectuais e as múltiplas formas de conhecer. E foi assim, fundamentados em sua perspectiva teórica, que enxergamos individualmente cada interagente como singulares, possuidores de perfis de inteligência específicos, apresentando uma combinação única de inteligência. Na visão de Gardner (2000: 59), "graças à evolução, cada um de nós é equipado com estes potenciais intelectuais, que podemos mobilizar e conectar segundo nossas próprias inclinações e as preferências de nossa cultura", contudo o valor maior ou menor que as sociedades emprestam a uma ou outra inteligência, se subordina à cultura inerente e ao tempo e local em que se vive, evidenciando diferenças individuais e entre os diferentes grupos. E é justamente pela multiplicidade de condições biológicas dos indivíduos, dos valores culturais com os quais estão envolvidos e das oportunidades e experiências que lhes foram disponíbilizadas na sociedade, que nenhum aprendente possui exatamente a mesma combinação, sendo cada um uma combinação única de inteligências, que funcionam conjuntamente, de maneira singular e interagindo entre si.

O cultivo de determinada inteligência ou mesmo a combinação de inteligências, não implica que outra não possa ser adquirida ou potencializada e, desta forma, qualquer aprendente sem distúrbios ou disfunções cerebrais, é portador de todas as inteligências ainda que seja diversificado o potencial desta ou daquela. Outrossim, cada um pode alcançar um nível adequado de competência, se lhe forem oferecidas condições apropriadas e oportunas.

 

Metodologia

A produção dos conteúdos disponibilizados no AVA teve como fundamento o entedimento de que nem todos os alunos aprendem ou entendem o material do mesmo modo e que os conteúdos produzidos deveriam representar, para os interagentes, oportunidades variadas de "confluências possíveis" dos modos e formas de conhecer, constituindo-se em opções diversificadas para sua aprendizagem autônoma e livre, respeitando suas idiossincrasias e despertando seu múltiplo potencial intelectual.

As experiências vividas nas oficinas para a produção dos conteúdos, denominadas "Cantos&Contos", se constituiram marco importante para pôr em prática o trabalho colaborativo e interdisciplinar dos grupos, transformando professores e alunos em coautores dos conteúdos disponibilizados no sistema; nas oficinas, destacadas pela lógica da pesquisa-ação que valoriza e instrumenta trocas e enriquecimento mútuo entre os atores da pesquisa (Dionne, 2007; Franco, 2005), implementamos uma dinâmica de trabalho interdisciplinar e colaborativo, aproveitando e articulando o potencial criativo e conectando as diversas competências e saberes de professoras e alunos, com vistas à produção de conteúdos digitais e servindo para formar uma cultura de participação e produção de conteúdos para Web, com as comunidades escolares produzindo, elas mesmas, seus conteúdos e os disponizando no ambiente virtual para serem acessados, compartilhados e ressignificados pelos interagentes do ciberespaço potencializando, assim, suas inteligências individuais e fazendo crescer o poder da inteligência coletiva (Lévy, 1998, 1997).

Fundado no laço social, o projeto da inteligência coletiva, proposto por Lévy (1998, 1997), enaltece a cultura da cooperação, compreendendo o desencadeamento de processos sociais como: a partilha, a troca, a negociação e a auto-organização; assim, engajados na via da inteligência coletiva, os interagentes e as comunidades escolares passam, em rede planetária, cooperativamente, a elaborar e reelaborar seus projetos e recursos e a refinar suas competências visando, indefinidamente, ao enriquecimento de suas qualidades e transcendendo, em tempo e espaço, as inteligências individuais que conformam e implusionam a inteligência coletiva.

Para a produção dos conteúdos, nosso primeiro desafio foi provocar as professoras e alunos a mostrarem e aplicar seus talentos individual e coletivamente, na criação e ressignificação de conteúdos; neste sentido, optamos por aproveitar os trabalhos de sala de aula e os projetos desenvolvidos com a participação dos alunos, fazendo com que a realidade escolar, como espaço de saber local, adentrasse, naturalmente, no processo de produção dos conteúdos digitais, aproveitando e valorizando as competências ali instaladas e os tornando expressões das inteligências individuais e coletivas das comunidades escolares.

Nesta configuração, tomamos as professoras como especialistas no conteúdo mediando e decidindo que termos, conceitos e tópicos os alunos deviam aprender. Se a eles cabia escolher sua opção de aprendizagem, qual conteúdo deveria ser visto ou revisto, em que sequência e por quantas vezes e por quanto tempo, a elas dá orientação necessária para os aprendentes alcançarem os objetivos de aprendizagem propostos na etapa do ensino fundamental que vivenciam. Durante visitas às escolas observamos que as opções de aprendizagem utilizadas pelas escolas em sala de aula eram dramatização, mímica, colagem, dança, poesia, desenho/pintura, aplicação musical ou apresentações, escrita e leitura de textos. Oferecidas aos aprendentes, além de serem maneiras criativas de eles aprenderem o material acadêmico, elas apresentavam oportunidades variadas de aprendizagens, explorando e estimulando diversas capacidades, habilidades e talentos valorizados nos contextos das comunidades escolares

Com a participação das professoras como autoras, produzindo e ressignificando conteúdos, aproveitamos suas competências e seus potenciais criativos no domínio da educação básica possibilitando, daí, a produção de conteúdos úteis e significativos no contexto dos aprendentes dos primeiros anos do ensino fundamental e adequados ao seu perfil intelectual. Vale salientar que, como integrantes dos contextos escolares, com trabalhos e projetos neles reconhecidos, as professoras e os alunos possuíam o perfil de inteligência compatível, isto é: a combinação de talentos, saberes e competências, para criar conteúdos aceitos e valorizados no contexto cultural e educacional das comunidades escolares. Assim, em consonância com as idéias de Gardner (1999, 1996), neste trabalho compreendemos a criatividade e a inteligência como capacidades que não envolvem apenas a mente mas também o contexto cultural dos sujeitos e os campos em que se realizam julgamentos sobre a qualidade e a novidade do trabalho realizado.

Visto que tratamos de conteúdos produzidos em tempos de convergência tecnológica, um dos nossos desafios foi incorporar, a eles, as novas linguagens e novos formatos ensejados pelas TIC na contemporaneidade, produzindo conteúdos multimodais, que apresentassem e combinassem não somente textos e imagens mas também sons e movimento (Lévy, 1997). Em relação à convergência tecnológica, referimos-nos à integração de tecnologias, incluindo as multimidias, para fornecer soluções multidisciplinares oportunizando aos interagentes o acesso às informações e aplicações em qualquer lugar, em qualquer momento, de qualquer tecnologia de rede de acesso, por qualquer dispositivo de comunicação e, ainda, por meio de interfaces fáceis e agradáveis de utilizar (Serra, 2006; Brennand e Brennand, 2007). Nesse momento de convergência, nós nos beneficiamos das potencialidades advindas das linguagens multimidiáticas e multissensoriais para ativar e pôr em concorrência diversos sentidos, emoções, modalidades sensoriais (acústicos, olfativos, hápticos e ópticos) (Carvalhal, 2008) possibilitando, assim, estimular uma combinação maior de inteligências dos aprendentes ao interagirem com os conteúdos digitais produzidos e disponibilizados no AVA, indo além da linguística e da lógico-matemática (Gardner, 2001, 2000).

Aproveitando o potencial criativo de professoras e aprendentes das escolas, foram produzidos e disponibilizados no AVA diversos conteúdos, constituindo-se, os mesmos, em diferentes opções de aprendizagem, nos formatos de vídeo, textos, músicas e imagens. Além deste material selecionamos, na Internet, outros, interessantes e apropriados para crianças na faixa etária de sete a nove anos, no formato de jogos eletrônicos e links, abrindo caminhos e possibilidades para outros conhecimentos e conteúdos, também para além do AVA desenvolvido, os quais após escolhidos passaram a fazer parte do acervo. A tabela 1, seguinte, apresenta os formatos e a quantidade dos conteúdos produzidos, selecionados e disponibilizados no AVA.

 

Item

Gênero

Total

1.

Livro

19

2.

Texto

18

3.

Imagem

32

4.

Áudio

31

5.

Vídeo

21

6.

Jogo eletrônico

38

Total

159

Tabela 1 - Total de conteúdos digitais disponibilizados no AVA.

 

Outrossim, pelo caráter participativo e coletivo da pesquisa-ação, neste trabalho tivemos a preocupação de produzir conteúdos com credibilidade, com todos os envolvidos se responsabilizando técnica, pedagógica e eticamente por aquilo que fôra produzido e disponibilizado no AVA, constituindo assim, todo o grupo de produtores, uma instância de credibilização. Em cada escola uma professora ficou encarregada das atividades de produção no que se referiu à seleção dos alunos e professoras participantes das atividades, à solicitação das permissões para uso da imagem aos pais, mães e responsáveis, ao apoio aos alunos e professoras e às gravações realizadas nos ambientes das escolas. Respeitando a Resolução 196/96 CNI, a todos os participantes era exigida autorização por escrito na qual constavam o objetivo da pesquisa e do material produzido; para os alunos, as autorizações eram assinadas pelos pais ou responsáveis.

O trabalho de produção e seleção dos conteúdos digitais envolveu os grupos durante o período de março a dezembro de 2009.

Com base nos aportes teóricos das inteligências múltiplas de Gardner (2001, 2000, 1995), desenvolvemos ações para identificarmos que combinação de inteligências é potencializada (estimulada e/ou valorizada) nos aprendentes dos primeiros anos do ensino fundamental ao interagirem com os conteúdos produzidos .

 

Interagindo com os conteúdos digitais

Utilizamos, como técnica de análise dos dados sobre as formas de inteligências utilizadas pelos atores na interação com conteúdos digitais dinâmicos e na produção de conteúdos, a Análise de Conteúdos (AC). De acordo com Bardin (1977), ela pode ser entendida como um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos aos conteúdos investigados, considerando as condições de produção e recepção das mensagens. Ressaltamos que o processo de análise e interpretação dos conteúdos foram eminentemente interativos (Laville e Dionne, 1999). Nele, a identificação das possíveis combinações de inteligências se deu analisando-se os conteúdos digitais e inferindo, neles, as potenciais combinações de capacidades, conhecimentos e habilidades estimuladas e/ou valorizadas nos aprendentes, ao interagirem com os mesmos. Como a inferência de conhecimentos na AC advém de conhecimentos relativos às condições de produção e de recepção das mensagens expressas nos conteúdos analisados (Franco, 2005; Bardin, 1977), nós os consideramos inseridos no contexto cultural e educacional no qual foram produzidos e os analisamos respeitando o perfil intelectual dos interagentes (crianças na faixa etária estudada), atribuindo-lhes "um significado e um sentido".

Todo o processo de análise e interpretação dos dados foi realizado respeitando-se os seguintes procedimentos (Franco, 2005):

a) leitura/exploração prévia dos conteúdos digitais;

b) contextualização dos conteúdos a serem lidos/explorados, inferindo-lhes significados a partir do cenário cultural e educacional, onde e de quem o produziu, seus objetivos e suas prováveis utilizações (onde e quem o explora);

c) leitura/exploração intensa e acurada dos conteúdos, objetivando a compreensão dos símbolos, linguagens, simbologias, temas, itens utilizados nos mesmos, com vistas à inferência dos conhecimentos, capacidades e habilidades nele tratadas, e

d) identificação do potencial conjunto de inteligências requeridas, estimuladas e/ou valorizadas nos alunos e alunas dos primeiros anos do ensino fundamental.

Ao todo foram lidos/explorados 159 (cento e cinquenta e nove) conteúdos, dentre livros, textos, imagens, audios, vídeos e jogos eletrônicos (tabela 1).

Em função da especificidade deste artigo e da grande quantidade de conteúdos analisados, selecionamos os procedimentos de leitura/exploração realizados em cinco conteúdos, sendo um de cada gênero (livro, texto, imagem, vídeo e game), para servirem de exemplos das ações desenvolvidas. Os conteúdos escolhidos representam de uma maneira rica o processo de identificação das oito inteligências propostas por Gardner (2001). Ressaltamos que os procedimentos de leitura/exploração relatados se constituiram em procedimentos padrão, repetindo-se de acordo com o tipo de conteúdo explorado, isto é, texto, livro, imagem, vídeo, game ou música.

Festa no quintal

O conteúdo intitulado "Festa no quintal" foi desenvolvido por crianças do primeiro ano do ensino fundamental; e consiste em uma paródia, disponibilizada no AVA em formatos diferentes: texto e música, enfocando o tema o caramujo africano e seus malefícios para a saúde humana. Na época em que o conteúdo fpoi produzido o caramujo africano constituia uma praga local e era encontrado com frequência nos terrenos baldios, áreas verdes e nos quintais e jardins das casas dos aprendentes de uma das escolas envolvidas no projeto. O animal é transmissor de uma série de doenças cujo contágio se dá pelo contato do ser humano sem proteção com o molusco. O conteúdo, então, foi produzido por professores e alunos como maneira de melhor se trabalhar o tema em questão. Apresentamos, abaixo, a letra da paródia:

"Vim da África para o seu quintal. Pular carnaval, vim comer seu vegetal. Vim da África para o seu quintal. Pular carnaval, vim comer seu vegetal.
Vem que tem contaminação, pegação de doença. No lixão, vou zoar e o germe você vai pegar.
Vim da África para o seu quintal. Pular carnaval, vim comer seu vegetal. Vim da África para o seu quintal. Pular carnaval, vim comer seu vegetal.
O que é isso? Balde d'água com sabão. Eu vou me mandar que a galera vai querer me exterminar
Vim da África para o seu quintal. Pular carnaval, vim comer seu vegetal. Vim da África para o seu quintal. Pular carnaval, vim comer seu vegetal." (autor: alunos e alunas do primeiro ano do ensino fundamental da escola AFN, 2008).

Tomando o tema como unidade de análise, identificamos duas inteligências, a saber: a inteligência naturalista, pois o conteúdo alude ao caramujo africano, uma espécie de molusco não endêmica da fauna local, estimulando a capacidade das crianças de reconhecer e classificar espécies da fauna, de promover a categorização de organismos vivos, de construir conhecimentos sobre o mundo vivo e a natureza e de motivar seu interesse pelo mundo natural (Gardner, 2001); e a inteligência espacial, inferida a partir do título "festa no quintal" e da sentença "Vim da África para o seu quintal", estimulando nos interagentes sua percepção espacial, em relação a um lugar, no caso, o quintal, este um terreno, com horta, jardim, atrás de uma casa ou da própria escola.

Ao explorarmos o conteúdo (texto e música), por meio da leitura textual e auditiva, para além das inteligências naturalista e espacial, identificamos, potencialmente duas outras inteligências: a linguística e a musical, possibilitadas quanto ao uso das palavras no texto e dos sons na música para convencer e transmitir informações aos interagentes acerca de um tema (Gardner, 2001, 2000), ou seja, neste caso, o caramujo africano e seus malefícios para a saúde humana.

Ao final da análise da paródia "Festa no quintal", identificamos em nosso estudo uma combinação de quatro potenciais inteligências estimuladas e/ou valorizadas ao explorarem este conteúdo. Para além desta paródia ao todo foram analisados quarenta e nove conteúdos, sendo dezoito (18) textos e trinta e uma (31) músicas, todos produzidos pelos aprendentes dos primeiros anos do ensino fundamental das escolas envolvidas no projeto.

No montante dos textos analisados, identificamos, potencialmente, combinações, envolvendo até cinco inteligências: a linguística, evidenciada em todos os textos; a espacial, a interpessoal e a intrapessoal, identificadas em quatro deles, perfazendo um total de 22%, cada uma, e a naturalista, em 14 (78%) dos conteúdos analisados (gráfico 1).

 

Gráfico 1

Gráfico 1 - Conjunto de potenciais inteligências identificadas nos textos analisados.

 

Em relação ao total das músicas analisadas identificamos, também, potencialmente, combinações envolvendo cinco inteligências: a musical, evidenciada em todos os conteúdos; a naturalista, identificada em vinte um deles, perfazendo um total de 68%; e, com menor frequência, as inteligências espacial, intrapessoal e interpessoal, ambas em sete (22%) dos conteúdos analisados (gráfico 2).

Observando o conjunto de potenciais inteligências identificadas nos textos e nas músicas analisadas verificamos, neles, a proximidade das combinações de inteligências naturalista, espacial, pessoais, identificadas em 22% dos conteúdos. Neste sentido, salientamos que dos quarenta e nove (49) conteúdos (músicas e textos) analisados, trinta e seis, ou seja 73,4% do montante, eram paródias (dezoito ao todo), combinando texto e música sobre um mesmo tema abordado; daí, a semelhança entre as combinações encontradas.

As imagens como textos

Como opção de aprendizagem, as imagens, estando diretamente relacionadas ao sentido da percepção visual, possibilitam aos aprendentes reconhecerem e manipularem padrões de espaço e estimulam sua percepção espacial de objetos e lugares. Sendo assim, a exploração dos conteúdos imagéticos pelos interagentes, por si mesma se torna uma ação potencializadora da inteligência espacial dos mesmos (Gardner, 2001, 2000).

 

Gráfico 2

Gráfico 2 - Conjunto de potenciais inteligências identificadas nos audios analisados.

 

As trinta e duas (32) imagens analisadas através da técnica de AC (Bardin, 1977; Laville e Dionne, 1999) foram produzidas pelas turmas do terceiro e quarto anos de uma das escolas envolvidas, e em vinte e seis delas estava presente o tema "o mosquito da dengue". A repetição dos temas abordados nas imagens foi motivo para uma ligação maior entre as capacidades estimuladas, resultando em uma combinação que se destaca envolvendo as inteligências linguística, espacial, pessoais e naturalista, presente em 25 (78%) dos conteúdos analisados.

Como exemplo do modelo de trabalho adotado para a leitura realizada nos conteúdos imagéticos, tomamos a experiência realizada com o desenho (figura 1), abaixo apresentado, produzido pela aluna, de nove anos, do terceiro ano de uma das escolas envolvidas, quando envolvida em atividades pedagógicas no ambiente das linguagens e das artes.

 

Figura 1

Figura 1 - Imagem produzida pela aluna da escola Prof. Agostinho Fonseca Neto.

 

No ambiente das linguagens e das artes, as atividades envolvendo conhecimentos linguísticos são desenvolvidas, também, com a preocupação de estimular habilidades artísticas. Nas atividades desenvolvidas os aprendentes não são vistos como criaturas exclusivamente racionais, solucionadoras de problemas, mas têm valorizado o seu desenvolvimento social, moral, da personalidade ou emocional e, em assim sendo, toda a produção do aluno é revestida e disposta de maneira estética. Do ponto de vista estético, os desenhos foram referenciados como representações artísticas, pois assim foram produzidos e deverão ser explorados nas atividades de produção do conhecimento linguístico, dirigindo as expressões de inteligências para fins artísticos.

Acerca do desenvolvimento artístico da criança, Gardner (1999, 1994) constata que suas primeiras tentativas com um lápis ou um pincel podem ser percebidas como uma expressão estética. Pois, tais tentativas revelam um impulso criativo e comunicativo, já que a atividade envolve o desejo de comunicar algum tipo de conhecimento ou entendimento ao outro. No período entre 2 e 7 anos de idade, ela passa a conhecer e começa a dominar diversos símbolos de sua cultura. Por volta dos 5 ou 6 anos, elas podem não apenas entender os vários símbolos de sua cultura, mas combiná-los nas formas que os adultos consideram tão notáveis (Gardner, 1999, 1994).

Tratadas as imagens como expressões artísticas dos aprendentes, sua exploração das mesmas pelos interagentes do AVA lhes deve possibilitar, então, conhecimentos estéticos os quais, mais do que orientá-los quanto à observação espacial dos objetos desenhados, lhes oferecem critérios de ser e estar na vida (Gardner, 1999). Isso evidencia a valorização das inteligências pessoais, tanto a da intrapessoal, no que se refere à capacidade dos interagentes de se conhecerem, de construirem um conhecimento ajustado de si mesmos, utilizando-se seus sentimentos e emoções (Gardner, 2001, 2000); quanto a da interpessoal, em relação a capacidade dos interagentes de entender, por meio das imagens produzidas, as intenções, motivações e desejos do próximo (Gardner, 2001, 2000).

No desenho apresentado (figura 1), a aluna se utiliza, também, de palavras para comunicar a ideia da imagem. Por meio delas, ela narra a estória de um gato que foi achado abandonado na rua, alimentado por sua mãe e chamado de Gato de Botas, fazendo referência ao conto de fadas do escritor francês Charles Perrault. Pela utilização das palavras para transmitir uma informação ou uma ideia, identificamos também o potencial do conteúdo para o desenvolvimento da inteligência linguística dos interagentes (Gardner, 2001, 2000).

Ademais, como o tema trabalhado na imagem se refere a um gato que foi encontrado na rua, alimentado e cuidado e nela encontramos a representação simbólica do animal, de uma árvore com frutos, nuvens e o sol, identificamos também o potencial da mesma para desenvolver o interesse dos interagentes pelo mundo natural e a sua capacidade de identificar "tipos naturais" (por exemplo, o gato ou a árvore), atributos importantes para o desenvolvimento das capacidades naturalistas dos interagentes (Gardner, 2001).

Analisando as trinta e duas imagens produzidas pelos aprendentes e disponibilizados no AVA inferimos, potencialmente, uma combinação envolvendo até cinco inteligências, a saber (gráfico 3): a linguística e a espacial, encontradas em todas as imagens analisadas; a intrapessoal e a interpessoal, ambas em trinta (94%) e a naturalista em vinte e seis (81%) das imagens analisadas.

 

Gráfico 3

Gráfico 3 - Conjunto de potenciais inteligências identificadas nos imagens analisadas.

 

Mergulhando na leitura

Para exemplificar as ações desenvolvidas na análise dos livros, escolhemos o livro intitulado Mergulhando na Leitura, produzido no mês de dezembro do ano de 2008; trata-se de uma coletânea de dezesseis textos escritos por aprendentes do quinto ano de uma das escolas envolvidas; todos os textos são resultados de um projeto homônimo desenvolvido na escola, o qual visa estimular a expressão oral e escrita dos mesmos. Neste ponto é importante ressaltar que o Projeto Mergulhando na Leitura, além de ser algo prazeroso, o mergulho na leitura "os levaria numa viagem genial que implicaria numa expansão da compreensão do mundo, da própria vida e, portanto, da capacidade de decifrá-la e transformá-la em algo melhor" (Escola Municipal Professor Agostinho Fonseca Neto, 2008: 2). O projeto, assim, ao tempo em que aprimora a leitura dos alunos, desenvolve sua capacidade de compreensão do mundo e de si mesmos e de regular suas próprias vidas.

Per si, o livro é um meio estimulador da inteligência linguística; por outro lado, explorando os textos produzidos pelos alunos, identificamos potencialmente outras inteligências a eles combinadas, a saber: espacial, intrapessoal, interpessoal e naturalista, valorizadas e estimuladas nos diversos temas por eles escolhidos. Ao analisarmos o livro Mergulhando na Leitura, inferimos que a sua exploração pelos interagentes os expõem, por meio da palavra escrita, aos temas/conhecimentos/capacidades que lhes possibilitam estimular suas inteligências espacial, intrapessoal, interpessoal e naturalista, oferecendo-lhes, deste modo, condições apropriadas e oportunas para o desenvolvimento das mesmas. O livro traz, portanto, em seus conteúdos, o poder de ampliar o potencial intelectual dos aprendentes, para além da inteligência linguística, ao lhes oportunizar, despertar-lhes interesses e valorizar experiências ricas e diversificadas, passíveis de serem mobilizadas e conectadas aos módulos cognitivos, segundo suas próprias inclinações.

O potencial intelectivo múltiplo oportunizado no livro Mergulhando na Leitura também foi observado nos outros dezoito (18) livros analisados. Neste ponto, faz-se mister ressaltar que, do total de dezenove (19) livros analisados, os livros Mergulhando na Leitura e Mais Educação constituiram coletâneas das produções dos alunos do quinto ano, inseridos nos projetos homônimos da escola. Os dezessete outros livros, entretanto, foram produzidos pelos alunos no ambiente das linguagens e das artes e refletem sua percepção estética, denotando-se que eles foram produzidos com a preocupação de desenvolver, nos aprendentes, sua sensibilidade, percepção e imaginação para realizar formas artísticas. Tal como procedemos na análise das imagens, neles identificamos potencialidades para estímulo das inteligências pessoais dos interagentes do AVA.

No montante dos livros constatamos, potencialmente, combinações envolvendo até seis inteligências (gráfico 4), com a linguística, a espacial, a intrapessoal e a interpessoal em todos os livros analisados; no caso da espacial, para além das palavras escritas os autores se utilizaram também de imagens para comunicar e/ou identificar uma ideia no texto. Afora as quatro inteligências acima citadas identificamos, em quatro livros analisados (20%), estímulos à corporal-cinestésica e à naturalista, no caso envolvendo temas que se referiam à prática de esportes (o futebol) e a natureza.

 

Gráfico 4

Gráfico 4 - Conjunto de potenciais inteligências identificadas nos livros analisados.

 

O game "Brincando com Ariê"

O game Brincando com Ariê é um jogo de distribuição gratuita disponibilizado para downloads na internet. Segundo informações do fabricante: kraftaus - estúdio de criação3, seu uso é orientado principalmente para auxílio na alfabetização de crianças. No jogo, o leãozinho Ariê guia os interagentes de maneira lúdica por entre mundos virtuais que simulam uma floresta com árvores, cavernas e lagos; durante o passeio eles vão associando palavras e objetos (figura 2) e, como recompensa da ajuda ao leãozinho, a cada jogo findado a criança ganha um medalha, e é estimulada e convidada a continuar jogando. No jogo eletrônico, os interagentes podem escolher entre a versão em português e hebraico.

 

Figura 2

Figura 2 - Interfaces do jogo Brincando com Ariê. Adaptado de http://www.krafthaus.com.br.

 

Ao todo são disponibilizados quatro jogos aos interagentes, a saber: o jogo de colorir, o jogo da memória, o jogo das frutas e o jogo do caminho.

No jogo de colorir (figura 2a), as crianças são estimuladas a brincar de artista, colorindo criativamente as figuras exibidas na tela do computador; ao todo são doze figuras, com temas infantis: barquinho, aviãozinho, a figura do ariê etc. Com o mouse, os interagentes escolhem a cor e a figura que desejam colorir e após a escolha da figura a colorir, também com o mouse no formato de um lápis de cor, os interagentes passam a colorir a imagem escolhida.

Explorando o jogo de colorir fizemos uso de uma combinação de três inteligências, a saber: a linguística, na utilização de palavras para informar a cor escolhida; a corporal-cinestésica, manifestada no trabalho hábil com o mouse para escolher a cor, a imagem e colorir o desenho, e a espacial, manifesta na utilização de desenhos e na capacidade dos interagentes de reconhecerem os objetos, modificá-los a partir da orientação e percepção espacial dos mesmos (Gardner, 2001, 2000).

No que se refere ao jogo da memória (figura 2b), os interagentes devem descobrir, utilizando o mouse, os objetos iguais escondidos sob um tabuleiro e, quando encontrados, os objetos são identificados por meio de um aviso sonoro. Explorando o jogo, percebemos o estímulo das capacidades, a saber: a linguística, utilizada para identificar, através do uso da linguagem falada, os objetos achados; a sensibilidade espacial, manifesta ao reconhecer os desenhos similares; e revelada na capacidade de antecipar a posição espacial do objeto (memória visual); a habilidade corporal-cinestésica, expressa no manuseio com maestria do mouse, e a capacidade lógico-matemática, associada a utilização da memória operativa para análise e resolução do problema proposto e do raciocínio lógico (operacional) no que se refere ao domínio de funções intelectuais importantes, tais como: a reversibilidade do pensamento, a conservação de qualidades, a classificação operatória e a auto-regulação (Piaget, 1979, 1976, 1971, 1970), todas capacidades necessárias para a criança jogar o jogo.

Em relação ao jogo das frutas (figura 2c), as crianças são desafiadas a escolher, selecionar e encher a cesta com as frutas certas, estimulando sua capacidade de associação visual e coordenação motora. Para resolver o problema do jogo, elas devem utilizar, de forma combinada, as seguintes capacidades: a linguística, necessária para identificar as cestas corretas por meio das exposições escritas postas ao lado de cada utensílio; a corporal-cinestésica, manifesta por meio do uso hábil do mouse; a espacial, utilizando sua capacidade de reconhecer as figuras, a posição das frutas e das cestas na tela, e a capacidade naturalista, referida na competência dos interagentes de reconhecer e classificar as frutas (Gardner, 2001, 2000).

No tocante ao jogo do caminho (figura 2d), os interagentes brincantes são desafiados a desenvolver ações com o intuito de ajudar o leãozinho ariê a atravessar o rio; para isto, eles devem retirar os objetos que se interpõem no caminho do leãozinho ariê e arrumá-los nos locais sinalizados, nos quais constam seus respectivos nomes que, por sua vez, estão dispostos no canto superior direito da tela; para realizar as tarefas, os interagentes são mobilizados a usar, cooperativamente, um conjunto de inteligências, dentre as quais evidenciamos a linguística, por meio do uso das palavras escritas identificando o local para onde deve ser levada a figura; a corporal-cinestésica, manifestando-se pelo uso hábil das mãos por meio do mouse, movimentando a figura e guiando-a pela interface do jogo, e a espacial, necessária para localizar, manipular e mover os objetos, desenhos e figuras na tela, estimulando sua percepção visomotora e tátil.

Seguindo os procedimos relatados acima e respeitando as especificidades de cada um dos demais jogos selecionados e disponibilizados no AVA identificamos, potencialmente, combinações de até seis inteligências (gráfico 5). No montante dos jogos explorados, encontramos as inteligências espacial e a corporal-cinestésica; estamos, pois, tratando de jogos eletrônicos, apresentados na tela do computador e manipulados com o mouse, exigindo dos interagentes a capacidade de associação visual e coordenação motora. Outras inteligências verificadas foram a lógico-matemática, em dezoito (51%), a linguística, em dezessete (49%), e a naturalista, em oito (23%) jogos.

 

Gráfico 5

Gráfico 5 - Conjunto de potenciais inteligências identificadas nos jogos eletrônicos analisados.

 

O vídeo dançando hip hop

O vídeo intitulado dançando hip-hop foi produzido com a participação de aprendentes e professoras de uma das escolas envolvidas no projeto e aborda o tema: direitos da criança e do adolescente (figura 3).

 

Figura 3

Figura 3 - Momentos da evolução do vídeo "Dançando hip-hop".

 

A ideia proposta e nele roteirizada, consistiu em apresentar o Estatuto da Criança e do Adolescente ECA (Brasil, 1990) para a comunidade escolar. No que se refere ao ECA, este fala sobre a proteção integral à criança e ao adolescente e constitui um instrumento legal que os reconhece como sujeitos de direito, garantindo-lhes seus direitos pessoais e sociais. Com a intenção de tornar o vídeo mais próximo da realidade dos alunos das escolas envolvidas, decidimos por produzi-lo sob a linguagem e a estética do videoclipe, caracterizada por uma edição fragmentada e acelerada, com planos curtos, justapostos e misturados, narrativa não-linear e multiplicidade visual (Dancyger, 2003). No videoclipe produzido apresentamos o tema ECA, por meio de música, de imagens e movimentos ritmados executados pelos aprendentes das turmas de terceiro ano do ensino fundamental.

No videoclipe, os alunos cantam e dançam a música "13 de julho", em ritmo de hip hop, ressaltando o dia do aniversário da promulgação do ECA, cuja letra é apresentada a seguir:

"13 é o dia do aniversário do estatuto da criança e do adolescente
A gente sente que tudo vai bem,
Estamos protegidos da violência.
Muitas pessoas estão inocentes,
Sem reconhecer os direitos da gente.
Pois ninguém é indiferente,
O nascer do sol vem muito quente.
Mas, não tira o direito da gente de ir para a escola,
Ter saúde, ter nossa família juntinho da gente.
Cidadania é coisa da gente,
Nós somos crianças e adolescentes.
13 é o dia do aniversário do estatuto da criança e do adolescente
A gente sente que tudo vai bem,
Estamos protegidos da violência." (autor: Jório Silva)

Na música, alguns dos direitos da criança e do adolescente, como o de ir para a escola, ter saúde, ter reconhecida sua cidadania, contemplados no ECA, são nela destacados. Por meio da música 13 de julho o videoclipe estimula a percepção auditiva dos interagentes e sua capacidade de se reconhecerem como cidadãos de direito, de cuidar e serem cuidados, de serem sensíveis ao próximo, aspectos importantes para que os aprendentes construiuam um conhecimento ajustado de si mesmos e do outro, valorizando e estimulando suas inteligências pessoais (Gardner, 2001, 2000).

No vídeo, os alunos dançam, cantam e percorrem os diversos espaços da escola, incluindo a sala de aula, os corredores e o pátio externo.

Assim como a música, a dança, executada com desenvoltura constituiu o atrativo do vídeoclipe. Salientamos que o Hip Hop é um movimento cultural presente entre os aprendentes da escola Santos Dumont, inclusive, conforme observamos durante as visitas à escola, alguns dos participantes do videoclipe são integrantes de grupos de Hip Hop da comunidade em que vivem. É por meio desse movimento cultural que alguns jovens, principalmente os das periferias das cidades, expressam como percebem o mundo, constroem suas identidades (Magro, 2002). No vídeo, ao explorarmos e exaltar a cultura, o ritmo, os passos e os movimentos corporais dos atores estamos estimulando os interagentes a dançar, tornando o mesmo um meio de aprendizagem e de desenvolvimento de suas capacidades corporais.

Ademais, a exploração da linguagem visual do vídeo pelos interagentes lhes possibilita o desenvolvimento da percepção visual, espacial e estética (Maio e Pereira, 2006), estimulando, assim, sua inteligência espacial;por outro lado, o uso da linguagem escrita para identificar o título, os atores e a equipe técnica e pedagógica do vídeo constituiu, também, um estimulador da inteligência linguística dos interagentes do AVA.

Prosseguindo a análise dos outros vinte vídeos produzidos pelas professoras e aprendentes disponibilizados no AVA, identificamos, potencialmente, todas as oito inteligências (Gráfico 6). Em ordem decrescente, encontramos a espacial em todos (100%), a linguística em dezoito (86%), a musical em quinze (71%), as pessoais, ambas em doze (57%), a naturalista em onze (52%) e, em menor intensidade, a lógico-matemática em sete (33%) dos conteúdos analisados.

 

Gráfico 6

Gráfico 6 - Conjunto de potenciais inteligências identificadas nos vídeos analisados.

 

Considerações finais

A análise realizada permitiu pôr em evidência diversas combinações de inteligências potencializadas nos conteúdos digitais disponibilizados no AVA desenvolvido no âmbito do projeto Edulivre. Assim, a partir dos aportes teóricos das Inteligências Múltiplas de Gardner (2001, 2000) diversas potenciais combinações de inteligências foram identificadas nos cento e cinquenta e nove conteúdos digitais produzidos pelos aprendentes e professoras das duas escolas e selecionados na Internet (gráfico 7).

 

Gráfico 7

Gráfico 7 - Conjunto de potenciais inteligências identificadas nos total dos conteúdos analisados.

 

Do total analisado, identificamos a inteligência linguística em 81%, a musical em 42%, a lógico-matemática em 17%, a espacial em 75,5%, a corporal em 28%, a intrapessoal e a interpessoal, ambas em 45%, e a naturalista em 53, 5% dos conteúdos analisados, representando uma gama de inteligências que vai além da lógico-matemática e da linguística e contempla a riqueza da diversidade humana, valorizada e estimulada no contexto educacional e cultural das escolas envolvidas.

Neste ponto vale ressaltar a importância da colaboração de professoras e aprendentes como produtores dos conteúdos digitais. Esta cooperação foi essencial para o enriquecimento do AVA, com conteúdos interessantes, estruturados ao perfil intelectual dos interagentes e reconhecidos no contexto das comunidades escolares. Isso possibilitou transformá-lo em uma potencial ferramenta pedagógica útil e efetiva para uma aprendizagem fundada nas vivências e nas singularidades dos aprendentes dos primeiros anos do ensino fundamental, permitindo-lhes testemunhar e ampliar suas várias habilidades, procedimentos, conceitos e sistemas simbólicos e notacionais.

Como potencial ferramenta útil para realçar as inteligências múltiplas dos interagentes é importante que o AVA desenvolvido se consolide técnica e pedagogicamente como um sistema aberto, dinâmico, amigável, transformando-se cada vez mais em um ambiente rico para a promoção de uma aprendizagem que reconhece os seres humanos como diferentes, os quais aprendem e utilizam sua gama de inteligências de maneiras diversas. Neste sentido, esforços estão sendo desenvolvidos no âmbito do projeto Edulivre para atingir os objetivos anunciados, concorrendo para facilitar a participação de aprendentes de escolas públicas nas transformações do aprender e das reconfigurações do conhecimento ensejadas pelas tecnologias da informação e da comunicação, e, consequentemente, sua inclusão na nova ecologia cognitiva deste novo século.

 

Agradecimentos

Nossos agradecimentos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do ensino Superior (CAPES) pela concessão de recursos para execução deste estudo em forma de bolsa de estudos para Doutorado.

 

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Notas

E.G.G. Brennand
E-mail para correspondência: ebrenna2@uol.com.br

L.L. Borges
E-mail para correspondência: borges.leonidas@gmail.com

(1) Denominamos de interagentes os participantes da interação no ambiente virtual.

(2) As outras três possíveis inteligências: a existencial, a espiritual e a moral, que são discutidas pelo autor em Inteligência: um conceito reformulado (Gardner, 2001), não foram contempladas nesta pesquisa pela incipiência dos temas e pela complexidade de abordá-las em um estudo com crianças.

(3) http://www.krafthaus.com.br.