SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.73 número2La articulación teórica de la asociación libreConstruction and Validation of Social Anxiety Disorder Exposure and Evaluation Scale - SADEE índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Arquivos Brasileiros de Psicologia

versión On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.73 no.2 Rio de Janeiro mayo/ago. 2021

http://dx.doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2021v73i2p.100-111 

ARTIGOS

 

"Como está o clima?": avaliação das relações no ensino superior

 

"How is the climate?": Assessment of relations in education

 

"¿Cómo está el clima?": evaluación de las relaciones en la enseñanza superior

 

 

Rodolfo Augusto Matteo AmbielI; Ariela Raissa Lima-CostaII; Nelson Hauck FilhoIII

IDocente colaborador. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Campinas. Estado de São Paulo. Brasil. https://orcid.org/0000-0002-3921-8547
IIDocente Colaboradora. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade São Francisco (USF). Campinas. Estado de São Paulo. Brasil. https://orcid.org/0000-0002-5942-6466
IIIDocente colaborador. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade São Francisco (USF). Campinas. Estado de São Paulo. Brasil. https://orcid.org/0000-0003-0121-7079

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A percepção do estudante em relação ao ambiente escolar influencia no nível de envolvimento e na satisfação com o aprendizado. Sendo importante compreender quais fatores são mais importantes para que o estudante se sinta confortável em seu ambiente de estudo. Esse artigo propõe um instrumento que avalia o clima educacional e investiga a relação com satisfação com o curso, satisfação com a instituição e autoavaliação de desempenho. Participaram 663 universitários (M = 22,48 anos; DP = 5,45). Uma análise fatorial exploratória com interceptos randômicos indicou uma estrutura de dois fatores, a saber, Relações com Professores (RP) e Ambiente institucional positivo (AIP). A associação com variáveis externas foi avaliada via path analyses, em que RP foi o melhor preditor de satisfação com o curso e AIP melhor preditor de autoavaliação do desempenho. Espera-se, com este estudo, contribuir para a compreensão dos aspectos facilitadores do processo de aprendizagem.

Palavras-chave: Aquiescência; Universidade; Clima Educacional; Relação Professor-aluno; Satisfação.


ABSTRACT

The students' perception of the school environment influences their level of involvement and satisfaction with learning. It is important to understand which factors are important so the students feel comfortable in their study environment. This article proposes an instrument to assess educational climate and investigates the relation with satisfaction with the undergraduate course, satisfaction with the institution and self-evaluation of academic performance. A total of 663 college students (M = 22.48 years; SD = 5.45) participated. An exploratory factor analysis with random intercepts indicated a two-factor structure, namely, Relation with professors (RP) and Positive institutional environment (AIP). The association with the external variable was assessed via path analyses, where RP was the best predictor of satisfaction with the undergraduate course and AIP best predictor of self-evaluation of academic performance. It is expected that this study contributes to the understanding of aspects that facilitate the learning process.

Keywords: Acquiescence; College; Educational Climate; Relation Professor-student; Satisfaction.


RESUMEN

La percepción del estudiante con relación al ambiente escolar influye en nivel de participación y satisfacción con el aprendizaje. Es importante comprender qué factores son más importantes para que el estudiante se sienta cómodo en su ambiente de estudio. Este artículo propone un instrumento que evalúa el clima educativo e investiga la relación con la satisfacción con el curso, la satisfacción con la institución y la autoevaluación de desempeño. Participaron 663 universitarios (M = 22,48 años, DP = 5,45). Un análisis factorial exploratorio con interceptaciones aleatorias indicó una estructura de dos factores, a saber, Relaciones con Profesores (RP) y Ambiente institucional positivo (AIP). La asociación con variables externas fue evaluada vía path analisis, en que RP fue el mejor predictor de satisfacción con el curso y AIP el mejor predictor de autoevaluación del desempeño. Se espera que este estudio contribuya a la comprensión de los aspectos facilitadores del proceso de aprendizaje.

Palabras clave: Aquiescencia; Universidad; Clima Educativo; Relación Profesor-alumno; Satisfacción.


 

 

As interações que se desenvolvem dentro de instituições de ensino são fundamentais para o desempenho dos alunos. Tais relações vão desde aspectos estruturais até aspectos relacionais e compõem o chamado clima educacional da instituição. O clima educacional pode ser compreendido como a forma com que os alunos e funcionários interagem e percebem afetivamente o meio de ensino. Tanto a relação com os professores como interação com a instituição e com os outros alunos e funcionários são fatores importantes para uma percepção satisfatória do curso, da instituição e do próprio desempenho (Rodrigues, & Liberato, 2016). Dessa forma, o clima educacional desenvolvido no ambiente institucional deve ser foco de atenção de educadores e administradores para garantir um bom desenvolvimento pessoal e profissional dos alunos. Diante disso, esse trabalho propõe uma medida para avaliar clima educacional em instituições de ensino superior, considerando clima como um conjunto de percepções subjetivas da instituição de ensino que engloba aspectos estruturais, relações entre alunos, gestores, professores e outros funcionários (Loukas, 2007).

Os elementos que estão associados ao clima educacional englobam dimensões física, social e acadêmica (Loukas, 2007; Roff et al., 1997). A dimensão física está relacionada à estrutura física de salas de aula, aos laboratórios, à organização da instituição e à disponibilização de espaços e materiais necessários para o bom desenvolvimento do curso. A dimensão social inclui qualidade da relação entre alunos, professores, alunos com professores e outros funcionários, grau de competição, autonomia e poder de decisão de cada um desses atores. A dimensão acadêmica envolve a percepção da qualidade de ensino oferecido pelos professores, expectativa de aprendizado dos alunos pelos professores e pelo próprio aluno. Juntas, essas dimensões integram os aspectos que impactam no desenvolvimento cognitivo, social, emocional e comportamental dos estudantes (Wang, & Degol, 2015).

A forma como o professor estabelece a relação com seus alunos é crucial para o processo de aprendizagem, uma vez que essa é uma das principais relações que se formam no ambiente escolar (Bowman, Hill, Denson, & Bronkema, 2015). No ensino superior, o professor assume três papéis: educador, profissional da área e funcionário da instituição. As formas como esses papéis se entrelaçam e são percebidos pelos alunos são fatores influenciadores sobre o desempenho do aluno dentro do curso. O professor influencia na satisfação que aluno tem com o curso pela forma como demonstra sua competência no desenvolvimento de suas aulas, ao satisfazer tanto papel de educador como de profissional da área (Lizote, Verdinelli, Borba, & Brasil, 2014). A influência do professor em relação à satisfação dos alunos com a instituição se dá pelo fato de ele ser um representante direto da mesma e responder a ela, assim qualquer insatisfação relacionada a ele é diretamente ligada à instituição, que deve se posicionar em relação à qualidade de ensino do professor.

Perceber-se como competente e capaz de exercer suas atividades profissionais é importante para a formação de profissionais capacitados. Os alunos que se percebem de forma negativa, seja por influência dos professores ou do ambiente mais amplo da instituição de ensino têm maior probabilidade de se tornarem profissionais pouco capacitados. Assim, professores considerados bons tendem a incentivar seus alunos a focar mais nas potencialidades e oferecer suporte para as fragilidades identificadas, o que aumenta a autoconfiança e engajamento do aluno, consequentemente, melhorando a percepção do próprio desempenho (Bakhshialiabad, Bakhshi, & Hassanshahi, 2015).

Tais aspectos reforçam a necessidade de se compreender objetivamente melhor o clima educacional em que o aprendizado ocorre. Um importante exemplo de instrumento disponível para avaliação do clima educacional é a Dundee Redy Education Environment Measure (DREEM) (Roff et al., 1997), desenvolvido para estudantes de medicina norte-americanos. O DREEM avalia clima educacional por meio de cinco dimensões, a saber, percepções de aprendizagem, percepção dos professores, autopercepção acadêmica, percepção de clima e autopercepções sociais e baseia sua construção na observação de comportamentos e no discurso das pessoas envolvidas. No Brasil, foi encontrado uma escala para avaliação de satisfação do aluno com o ambiente universitário (Sisto et al., 2008) composta por 35 itens, chamada de Escala de Satisfação Acadêmica Universitária (ESAU). A ESAU avalia percepção do ambiente pedagógico, percepção da afetividade, percepção do ambiente físico e percepção do ajustamento social, com maior foco para a qualidade e quantidade de participação do aluno nas atividades acadêmicas e com itens com descrições mais genéricas sobre sentimento em relação aos professores (e.g. "Gosto de meus professores") e estrutura física (e.g. "Não gosto das instalações da minha Universidade").

Considerando o quão subjetiva e contextual é a percepção de clima educacional, esse artigo propõe uma escala para avaliar esse construto, tendo como base a escala de clima desenvolvida por Roff et al. (1997) e na fala de alunos. O desenvolvimento dessa escala se justifica como uma ferramenta para auxiliar os profissionais envolvidos no processo a pensarem em estratégias que favoreçam o desenvolvimento de um clima educacional saudável, focando em componentes mais específicos envolvidos na relação do aluno com a instituição de ensino. Esse artigo objetiva construir uma escala de autorrelato que avalia clima educacional, voltada para alunos de ensino superior. Como parte integrativa do processo de construção, ainda objetiva-se investigar evidências de validade para a escala, baseada na estrutura interna e relação com variáveis externas, a saber, satisfação com o curso, satisfação com a instituição e autoavaliação de desempenho.

 

Método

Participantes

A amostra foi composta por 663 estudantes universitários de 90 cursos diferentes, entre 18 e 54 anos (M = 22,48 anos; DP = 5,45) sendo 65,9% mulheres, 71,3% de instituições particulares. A maioria dos estudantes cursavam o 4º (31,2%), 2º (20,2%), 6º (13,6%) e 8º período (10,7%). Os cursos mais comuns foram Psicologia (30,1%), Administração (8,0%) e Direito (4,5%).

Instrumentos e materiais

Os participantes inicialmente responderam um questionário sociodemográfico informando sexo, idade, curso, semestre do curso e o tipo de instituição em que estudava. Em seguida foram apresentadas duas perguntas, com resposta em formato tipo Likert de 5 pontos (1= "muito insatisfeito" e 5 = "muito satisfeito"), para avaliar o nível de satisfação com o curso e com a instituição. As perguntas foram, respectivamente, "Atualmente, quanto você está satisfeito com o seu curso atual?" e "Atualmente, quanto você está satisfeito com a instituição de ensino na qual você estuda?". Ainda foi solicitado aos participantes que se autoavaliassem quanto a seu desempenho no curso em uma escala de 0 a 10 pontos, a afirmativa apresentada foi "Considerando seu desempenho no curso de forma geral, dê uma nota para si mesmo, de 0 a 10".

Em um segundo momento foram apresentados os 66 itens construídos para avaliar clima educacional, em que foi solicitado que indicassem o quanto concordavam com a afirmativa em uma escala Likert de 5 pontos (1= "discordo totalmente" e 5 = "concordo totalmente").

Procedimentos

A elaboração dos itens do instrumento foi realizada como parte de uma atividade prática da disciplina Ciência da Medida e Avaliação da Inteligência, do 4º semestre do curso de psicologia da Universidade São Francisco (USF). A disciplina foi ministrada, simultaneamente, em dois campi da USF, pelos dois primeiros autores deste trabalho, abrangendo aproximadamente 90 alunos. Para tanto, adotou-se como referência o texto de Roff et al. (1997), que relatou a construção do DREEM, uma escala de percepção de clima educacional e alunos de medicina norte-americanos.

Os alunos receberam um material com uma breve explicação sobre o instrumento e seus fatores. Após o estudo do material, eles foram divididos em 15 grupos, sendo que três grupos ficaram responsáveis por formular itens relativos a uma das dimensões avaliadas pela DREEM. Além disso, cada grupo deveria formular no mínimo 10 itens para cada dimensão. Portanto, uma primeira versão contou com aproximadamente 30 itens para cada dimensão, totalizando 150 itens. Após a entrega dos itens, os professores juntaram todos em uma planilha eletrônica, divididos por dimensão e leram de forma conjunta cada um. A cada item, discutiam: (a) a pertinência teórica do itens, (b) a clareza e qualidade da escrita e (c) a existência de outro item com conteúdo semelhante. Os itens que não cumprissem os três critérios eram excluídos. Dessa forma, o instrumento teve, em sua versão inicial, 66 itens.

Análise de dados

Primeiramente, as características demográficas dos sujeitos foram avaliadas a fim de caracterizá-los. Em seguida, a qualidade e fatorabilidade dos dados foram avaliadas por meio do índice KMO e do teste de Bartlett. Para realização de uma análise fatorial exploratória, foram empregados três métodos de retenção para determinar a solução com o melhor número de fatores: 1) Minimum Average Partial (MAP; Velicer, 1976), que aponta a solução com a menor média de correlações residuais; 2) Hull (Lorenzo-Seva, Timmerman, & Kiers, 2011), que indica o modelo com o melhor ajuste considerando os graus de liberdade; e 3) análise paralela com implementação ótima (Timmerman, & Lorenzo-Seva, 2011), que compara os autovalores empíricos com autovalores de um banco aleatório criado a partir de uma permutação dos dados originais. Por fim, os parâmetros do modelo foram estimados a partir de uma matriz de correlações policóricas, método mais adequado à natureza ordinal dos itens (Holgado-Tello, Chacón-Moscoso, Barbero-García, & Vila-Abad, 2010). Essas técnicas foram implementadas com o programa Factor 9.2 (Lorenzo-Seva, & Ferrando, 2013) e o pacote psych (Revelle, 2014) para R.

Devido à presença de itens pareados (positivos e invertidos), foi realizada, paralelamente, uma análise de Random Intercept (Aichholzer, 2014). Essa análise combina análise fatorial exploratória com um fator de interceptos randômicos que representam um padrão geral de resposta ou aquiescência, em que o fator de viés de resposta é ortogonal aos outros fatores. Ela é útil para verificar a influência de padrões de respostas na quantidade de fatores sugeridos pelos métodos de retenção. Assim, foi implementado o estimador WLSMV (Weighted Least Square Mean- and Variance-Adjusted) para dados categóricos no programa Mplus 7.11 (Muthén, & Muthén, 2017). Para verificar a pertinência do resultado, foram comparadas as correlações entre os fatores considerando a análise com e sem controle de padrão de resposta.

A relação linear entre os fatores do instrumento e algumas variáveis externas também foi testada. Como uma primeira etapa, avaliaram-se as correlações de Pearson entre os fatores e as variáveis satisfação com o curso, satisfação com a instituição, e autoavaliação de desempenho. Subsequentemente, foram investigadas as associações parciais de cada fator para com as variáveis externas via path analysis, sendo também testadas e controladas diferenças de médias entre homens e mulheres nos fatores ao estimar os coeficientes de regressão do modelo. Para esse propósito, a variável sexo foi codificada como 1 = homem e 2 = mulher, sendo estabelecida como variável preditora dos fatores do instrumento. A path analysis consiste em uma técnica multivariada que possibilita o teste de múltiplas regressões lineares simultâneas entre as variáveis (Kline, 2011). A modelagem foi conduzida com o programa Mplus 7.11 (Muthén, & Muthén, 2017). Foi empregado o estimador da máxima verossimilhança robusto (MLR), que não requer que as variáveis apresentem distribuição normal uni ou multivariada. No contexto da path analysis, um bom ajuste é indicado pelo qui-quadrado não significativo, pelo valor Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA) igual ou abaixo de 0,08, e pelos critérios Confirmatory Fit Index (CFI) e Tuker Lewis Index (TLI) igual ou acima de 0,95 (Hu, & Bentler, 1999).

Considerações éticas

O protocolo de pesquisa foi aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE: 21887613.7.0000.5514). Após a aprovação, o protocolo foi disponibilizado em plataforma digital (Google Forms) e divulgado por meio de mídias sociais (Facebook e Whatsapp). O participante recebia um convite em que era explicado o objetivo da pesquisa, depois era apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Após indicar concordância em participar da pesquisa, o participante era encaminha para uma página que continha o questionário sociodemográfico e os 66 itens da Escala de Clima Educacional. O tempo médio de resposta foi de 13 minutos.

 

Resultados

Os dados se mostraram adequados para a análise fatorial exploratória, KMO = 0,91, teste de Bartlett = 16088,2, p < 0,001. A seguir, foram realizadas as análises de dimensionalidade, cujos resultados sugeriram 2 fatores (método Hull), 6 fatores (método MAP) e 8 fatores (método de Análise Paralela). É possível perceber que as técnicas não concordaram entre si quanto ao número de fatores a serem retidos para a redução dos 66 itens originais. Para auxiliar nessa tarefa da retenção de fatores, foram então excluídos aqueles itens que apresentaram cargas fatoriais abaixo de 0,40. Forçando-se soluções com os diferentes números de fatores sugeridos pelas técnicas de retenção, também puderam ser observados diversos itens que tendiam a apresentar cargas cruzadas, não importando o número de fator da solução. Esses itens foram também excluídos. Disso, resultou um conjunto de 28 itens que, em sua maioria, apresentaram cargas fatoriais acima de 0,40. Esse conjunto foi então sujeito, novamente, às análises de dimensionalidade, que sugeriram duas possibilidades: um (método Hull) e três fatores (métodos MAP e Análise Paralela).

Considerando que os dois primeiros fatores dividiram os itens positivos e negativos (ver Tabela 1), foi realizada uma análise de random intercept. Essa nova análise agrupou os itens positivos e negativos relacionados ao relacionamento com os professores. Além disso, após o controle de viés de aquiescência a correlação entre os fatores alterou, sugerindo a presença da influência de um viés de resposta na estimação do número de fatores (ver Tabela 2). Mediante tais dados, uma solução de dois fatores mostrou-se mais adequada e as cargas fatoriais dos itens estão apresentadas na Tabela 1.

Foi possível interpretar os fatores produzidos pela análise fatorial com controle de aquiescência. O fator 1 foi formado por itens que descrevem uma visão negativa e positiva do desempenho e da atuação dos professores, relacionamento interpessoal inapropriado ou prejudicial com os alunos, e itens sobre de relacionamento saudável e amistoso dos professores com os alunos. Por esse motivo, o fator 1 foi denominado de "Relações com professores". Por sua vez, o fator 2 ficou constituído por itens que descrevem qualidades institucionais, como recursos, eventos e interações positivas fora da sala de aula de maneira geral. Por isso, o fator foi nomeado "Ambiente institucional positivo". Na Tabela 2 são apresentados os valores das cargas fatoriais dos itens em cada fator.

Na etapa seguinte, foram investigadas as correlações lineares entre os fatores do instrumento e as demais variáveis coletadas, satisfação com o curso, satisfação com a instituição e autoavaliação de desempenho. Os resultados estão apresentados na Tabela 3 no que diz respeito à relação dos fatores com as variáveis externas. Os itens 55 a 63 do fator "Relações com professores" foram invertidos para o cômputo do escore bruto. O fator "Relações com professores" apresentou correlações positivas com as três variáveis, especialmente com a satisfação com a instituição e com a autoavaliação de desempenho. O fator Ambiente Institucional Positivo esteve associado significativamente somente com satisfação com a instituição.

Por fim, a contribuição parcial ou única de cada fator na explicação das três variáveis externas, bem como diferenças de médias entre homens e mulheres, foi estimada via path analysis. O modelo apresentou um excelente ajuste aos dados, χ2(3) = 4,356, p = 0,225, RMSEA = 0,045 (IC 95% 0,00 - 0,13), CFI = 0,989 e TLI = 0,944. Os coeficientes de regressão padronizados (betas) podem ser visualizados na Figura.

Há diversos resultados dignos de nota na Figura 1. Verifica-se que os fatores apresentaram um padrão específico de associações com a satisfação com o curso e a instituição, e com a autoavaliação de desempenho. Relações com os professores apresentou uma relação significativa apenas com satisfação com a instituição. O ambiente institucional, positivo, por sua vez, se mostrou positivamente associado ao desempenho autoavaliado.

Quanto às diferenças entre homens e mulheres, coeficientes negativos indicam maiores médias para mulheres (valor 0 na variável sexo), e coeficientes positivos indicam maiores médias para homens (valor 1 na variável sexo). Embora todas as diferenças tenham sido de reduzida magnitude, homens pontuaram mais alto em Relações com professores e em Ambiente institucional positivo.

 

Discussão

Este trabalho se propôs a construir uma escala para avaliar clima educacional em instituições de ensino superior e verificar a relação com variáveis externas. No geral, a análise fatorial exploratória com interceptos randômicos, considerando uma versão de 28 itens, sugeriu uma estrutura de dois fatores com foco na relação com professores (positiva e negativa) e a avaliação do ambiente institucional. Na relação com os professores, o principal conteúdo está relacionado à didática e suporte demonstrado pelo professor e, em relação, ao ambiente institucional, a principal temática está relacionada ao relacionamento com outros alunos, suporte físico e didático oferecido pela instituição. Os fatores são similares aos encontrados por Sisto et al. (2008), com foco na relação com professores e percepção da qualidade da estrutura física da instituição de ensino, com itens contendo descrições mais detalhadas dos comportamentos com professores e instituição que interferem na percepção de um clima educacional saudável.

O primeiro fator, relações com os professores, abrange interações percebidas como boas ou ruins. Esse fator impactou na satisfação com a instituição, mas não nas demais variáveis. A relação foi de baixa magnitude, não obstante. A competência apresentada pelos professores e a didática em sala de aula são percebidas como principais aspectos para o aluno sentir-se satisfeito com a instituição (Wojahn, Ramos, & Carvalho, 2018). Os professores assumem um papel central no ensino, uma vez que é por meio deles que os alunos vão adquirir conhecimentos teóricos e práticos sobre a profissão que estão aprendendo. Assim, quando o professor desconsidera as necessidades dos alunos, demonstra insatisfação com a profissão e pouca competência, além da instituição não dispor de materiais e espaço físicos adequados isso contribui para diminuir a satisfação do aluno em relação à instituição (Lizote et al., 2014).

O segundo fator, Ambiente institucional positivo, favoreceu a autoavaliação do desempenho. Esse fator avalia, principalmente, como o aluno avaliado interage com outros alunos da mesma sala e da instituição, quando essa interação é positiva e há um clima de cooperação e amizade entre os alunos a pessoa avaliada tende a se perceber de forma mais positiva. Entretanto, quando essas relações são permeadas pela competição isso desfavorece que o aluno avaliado se percebe da forma positiva pois pode se comparar considerando parâmetros que o desfavorecem e se perceba menos competente do que o outro (Schreiner, 2009). Ou seja, quanto maior a satisfação acadêmica maior tende a ser o engajamento do aluno no curso e consequentemente, melhor esse aluno se autoavalia (Santos, Polydoro, Scortegagna, & Linden, 2013). Alunos satisfeitos contribuem para o marketing educacional das instituições e aumenta sua competitividade de mercado (Rodrigues, & Liberato, 2016). Com isso, cabe à instituição de ensino não apenas oferecer suporte teórico e prático para o desenvolvimento profissional, mas também estimular relações positivas entre alunos, seja do mesmo curso ou de cursos diferentes.

Os homens apresentaram melhor relacionamento com professores e com avaliação do ambiente institucional. Isso sugere que os homens podem dar mais ênfase nos aspectos sociais da formação acadêmica, enquanto que as mulheres são mais focadas em aspectos estruturais e curriculares. Ou seja, talvez mulheres sejam mais criteriosas do que homens na avaliação da qualidade dos recursos da instituição. No estudo de Chen, Yang e Hsiao (2016), ao verificar quais aspectos melhor prediziam as notas de homens e mulheres, os resultados mostraram que as notas dos homens eram mais influenciadas pelos sentimentos em relação ao curso, enquanto que as notas das mulheres eram mais influenciadas pela estrutura do curso. Apesar de serem influenciados por diferentes aspectos, tanto homens como mulheres apresentaram desempenho semelhante. Esses achados, juntamente com os do presente estudo, sugerem que a diferença de sexo influencia apenas nos aspectos percebidos como mais importantes para garantir um bom desempenho acadêmico, não no desempenho em si.

Os atores atuantes no ambiente acadêmico são alunos, professores, funcionários e instituição. Cada um desenvolve funções que podem atuar como facilitadoras ou dificultadoras do processo de aprendizagem e da vontade do aluno em concluir seu curso, disto dependem uma série de fatores abarcados pelo instrumento desenvolvido. As questões abordadas, apesar de parecerem óbvias, ainda escapam a muitos educadores e gestores que demonstram confusão quando se deparam com um elevado número de reclamações e evasão do ensino superior. Assim, cabe a todos os envolvidos a responsabilidade de garantir um clima educacional saudável e funcional (Bakhshialiabad et al., 2015; Lordache-Platis, 2015).

Compreender quais os principais aspectos relacionados ao clima educacional que influenciam na satisfação com o curso é importante para evitar evasão e baixo desempenho acadêmico (Wang, & Degol, 2015). Esse estudo se propôs a investigar tais aspectos e sua relação com satisfação com curso, satisfação com a instituição e autoavaliação de desempenho. Ainda que tenha trazido importantes contribuições para a área, algumas limitações devem ser observadas. A principal delas é que alunos de apenas uma instituição compuseram a amostra, o que restringiu a variabilidade no clima educacional. Assim, propõe-se que estudos futuros investiguem diferentes instituições para comparação e compreensão dos diferentes climas educacionais e sua influência no processo de aprendizagem. Ainda assim, o instrumento apresentado se mostra como uma ferramenta útil na investigação de clima educacional em instituições de ensino superior.

 

Referências

Aichholzer, J. (2014). Random intercept EFA of personality scales. Journal of Research in Personality, 53, 1-4. https://doi.org/10.1016/j.jrp.2014.07.001        [ Links ]

Bakhshialiabad, H., Bakhshi, M., & Hassanshahi, G. (2015). Students' perceptions of the academic learning environment in seven medical sciences courses based on DREEM. Advances in Medical Education and Practice, 6, 195-203. https://doi.org/10.2147/AMEP.S60570        [ Links ]

Bowman, N. A., Hill, P. L., Denson, N., & Bronkema, R. (2015). Keep on truckin'or stay the course? Exploring grit dimensions as differential predictors of educational achievement, satisfaction, and intentions. Social Psychological and Personality Science, 6(6), 639-645. https://doi.org/10.1177/1948550615574300        [ Links ]

Chen, S. C., Yang, S. J., & Hsiao, C. C. (2016). Exploring student perceptions, learning outcome and gender differences in a flipped mathematics course. British Journal of Educational Technology, 47(6), 1096-1112. https://doi.org/10.1111/bjet.12278        [ Links ]

Holgado-Tello, F. P., Chacón-Moscoso, S., Barbero-García, I., & Vila-Abad, E. (2010). Polychoric versus Pearson correlations in exploratory and confirmatory factor analysis of ordinal variables. Quality & Quantity, 44(1), 153-166. https://doi.org/10.1007/s11135-008-9190-y        [ Links ]

Hu, L., & Bentler, P. M. (1999). Cutoff criteria for fit indexes in covariance structure analysis: Conventional criteria versus new alternatives. Structural Equation Modeling: A Multidisciplinary Journal, 6(1), 1-55. https://doi.org/10.1080/10705519909540118        [ Links ]

Kline, R. B. (2011). Principles and practice of structural equation modeling (3rd. ed.). New york: Guilford.         [ Links ]

Lizote, S. A., Verdinelli, M. A., Borba, J. A., & Brasil, M. L. A. V. (2014). Satisfação dos acadêmicos com o curso de ciências contábeis: Um estudo em instituições de ensino superior privadas. Advances in Scientific and Applied Accounting, 7(3), 407-431. https://doi.org/10.14392/ASAA.2014070305        [ Links ]

Lordache-Platis, M. (2015, April). Importance of the relational capital in universities: The students' and professors' approaches. In J. G. Cegarra Navarro (Org.), European conference on intangibles and intellectual capital (p. 237). London: Academic Conferences International Limited.         [ Links ]

Lorenzo-Seva, U., & Ferrando, P. J. (2013). FACTOR 9.2: A comprehensive program for fitting exploratory and semiconfirmatory factor analysis and IRT models. Applied Psychological Measurement, 37(6), 497-498. https://doi.org/10.1177/0146621613487794        [ Links ]

Lorenzo-Seva, U., Timmerman, M. E., & Kiers, H. A. L. (2011). The Hull method for selecting the number of common factors. Multivariate Behavioral Research, 46(2), 340-364. https://doi.org/10.1080/00273171.2011.564527        [ Links ]

Loukas, A. (2007). What is school climate? Leadership Compass, 5(1), 1-3.         [ Links ]

Muthén, L. K., & Muthén, B. O. (2017). Mplus user's guide. (7th. Ed.). Los Angeles: Muthén & Muthén.         [ Links ]

Revelle, W. (2014). psych: Procedures for personality and psychological research. R package version 1.4.3. CRAN Project.         [ Links ]

Rodrigues, A. S. S., & Liberato, G. B. (2016). Fatores determinantes da satisfação com a experiência acadêmica. Revista Pensamento Contemporâneo Em Administração, 10(2), 18-33.         [ Links ]

Roff, S. U. E., Mcaleeri, S., Harden, R. M., Al-qahtani, M., Uddin, A., Deza, H., Primparyon, P. (1997). Development and validation of the Dundee Ready Education Environment Measure (DREEM). Medical Teacher, 19(4), 295-299.         [ Links ]

Santos, A. A. A., Polydoro, S. A. J., Scortegagna, S. A., & Linden, M. S. S. (2013). Integração ao ensino superior e satisfação acadêmica em universitários. Psicologia: Ciência e Profissão, 33(4), 780-793. https://doi.org/10.1590/S1414-98932013000400002        [ Links ]

Schreiner, L. A. (2009). Linking student satisfaction and retention. Chicago: Noel-Levitz.         [ Links ]

Sisto, F. F., Muniz, M., Bartholomeu, D., Pasetto, N. S. V., Oliveira, A. F., & Lopes, W. M. G. (2008). Estudo para a construção de uma escala de satisfação acadêmica para universitários. Avaliação Psicológica, 7(1), 45-55. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-04712008000100007        [ Links ]

Timmerman, M. E., & Lorenzo-Seva, U. (2011). Dimensionality assessment of ordered polytomous items with parallel analysis. Psychological Methods, 16(2), 209-220. https://doi.org/10.1037/a0023353        [ Links ]

Velicer, W. (1976). Determining the number of components from the matrix of partial correlations. Psychometrika, 41(3), 321-327. https://doi.org/10.1007/BF02293557        [ Links ]

Wang, M., & Degol, J. L. (2015). School climate: A review of the construct, measurement , and impact on student outcomes. Educational Psychology Review, 28: 315-352.. https://doi.org/10.1007/s10648-015-9319-1        [ Links ]

Wojahn, R. M., Ramos, S. P., & Carvalho, L. C. (2018). Proposta de modelo para avaliação da satisfação com a qualidade do ensino. Revista Gestão Universitária na América Latina, 11(1), 1-23. https://doi.org/10.5007/1983-4535.2018v11n1p1        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Rodolfo Augusto Matteo Ambiel
ambielram@gmail.com

Ariela Raissa Lima-Costa
arielalima10@gmail.com

Nelson Hauck Filho
haucknf@gmail.com

Submetido em: 07/05/2019
Revisto em: 11/06/2019
Aceito em: 21/03/2020

Creative Commons License