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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.17 no.2 Brasília Abr.-Jun. 2017

http://dx.doi.org/10.17652/rpot/2017.2.12685 

RESENHA

 

Assédio moral em organizações públicas e a (re)ação dos sindicatos

 

 

Júlia Gonçalves; Lucas Schweitzer

Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil

 

 

Livro: Emmendoerfer, M. L., Tolfo, S. R., & Nunes, T. S. (Orgs.). (2015). Assédio moral em organizações públicas e a (re)ação dos sindicatos. Curitiba: CRV. 276p

Esta resenha apresenta o livro "Assédio moral em organizações públicas e a (re)ação dos sindicatos" organizado por Magnus Luiz Emmendoerfer, professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Viçosa (UFV); Suzana da Rosa Tolfo, professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); e Thiago Soares Nunes, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Administração da UFSC. O principal objetivo da obra é preencher lacunas relacionadas ao conhecimento sobre o assédio moral em organizações públicas e sindicais. Essas esferas prestam serviços públicos para o bem-estar na sociedade, mas carecem de investimento para pesquisas e intervenções sobre o tema. A leitura é indicada para pesquisadores, trabalhadores e profissionais preocupados com a violência decorrente das relações de trabalho, com os direitos humanos e a gestão de pessoas nas organizações. O livro é composto por três partes interdependentes: a construção do conhecimento sobre o assédio moral, o fenômeno em organizações públicas e em organizações sindicais.

No capítulo de apresentação, os organizadores ressaltam a necessidade da discussão do assédio moral quanto problema social que necessita ser enfrentado de forma ampla, com a mobilização dos coletivos e do Estado. Eles propõem um maior suporte para a prevenção e para o combate ao assédio, principalmente no âmbito das políticas públicas. No prefácio da obra, Roberto Heloani e Margarida Barreto discutem o assédio moral como uma violência presente na organização do trabalho, nas formas de administrar e na cultura organizacional. Nessa perspectiva, o assédio é visto além de uma dimensão interpessoal, representando agora a denúncia de um coletivo que está sofrendo, que tem relação direta com a organização do trabalho e é um risco psicossocial com consequências pessoais, organizacionais e sociais.

No primeiro capítulo "Violência no trabalho: Alguns aportes relacionados ao assédio moral no trabalho", as pesquisadoras da Espanha, Leonor M. Cantera Espinosa, Frances M. Cantera e Suzana Pallarès Parejo abordam a violência laboral como um problema internacional, que traz danos à saúde de todas as categorias de trabalhadores. O assédio moral é abordado como um processo composto por fases, exemplificadas por meio de um caso real. Também são apresentadas ferramentas para a intervenção e orientações às vítimas de assédio moral. No segundo capítulo, "A discussão do assédio moral em organizações públicas e sindicais: Situando o debate", Margarida Barreto e Roberto Heloani discutem sobre o assédio moral no contexto das organizações públicas e sindicais. A grande contribuição do capítulo é a postura crítica dos autores em relação aos modelos de gestão pública da saúde e da educação no Brasil. O cenário apresentado, facilitador de atos de violência, é o da privatização dos serviços públicos no bojo das novas formas de gerir o trabalho, com alta demanda, baixos salários, falta de recursos e cobranças por resultados.

No capítulo "Assédio moral organizacional: Especificidades da prática em organizações públicas e atuação sindical", Lis Andrea Pereira Soboll, Joana Alice Ribeiro de Freitas e Fernanda da Conceição Zanini debatem a noção do assédio moral organizacional relacionada às especificidades das organizações públicas e a atuação sindical. É apresentada uma pesquisa sobre o trabalho de professores de uma instituição pública e é discutida a relação entre a violência estrutural da precarização do trabalho e o assédio moral organizacional, destacando os instrumentos abusivos de controle da instituição. As autoras relatam uma intervenção junto ao sindicato da categoria, com a descrição das atividades da Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT), como diagnósticos institucionais e a ação conjunta com o setor jurídico da entidade para os encaminhamentos necessários. Também se destaca a necessidade de que as ações das entidades representativas acolham as demandas individuais e empreendam a análise coletiva do trabalho.

O quarto capítulo, "Produção internacional sobre assédio moral em organizações públicas e em sindicatos", de Nayara Dias Ferraz e Magnus Luiz Emmenderfer, conta com a discussão sobre a produção de artigos publicados em periódicos internacionais na área de turismo, administração e contabilidade que versam sobre o assédio moral. Foram analisados 16 artigos e nenhum deles teve como objetivo principal tratar o fenômeno pela ótica das organizações sindicais ou públicas. Em alguns desses artigos, porém, foram encontradas descrições pontuais ou citações envolvendo um desses âmbitos. Uma importante contribuição deste capítulo é a inclusão das áreas do turismo e da contabilidade, que ainda têm pouco conhecimento produzido que se relacione ao assédio moral.

Outro levantamento sobre a produção bibliográfica compõe o capítulo "O que tem sido escrito na área de administração sobre assédio moral no trabalho no Brasil?", de Thiago Soares Nunes e Mariana Luisa da Costa Lage. Nele, os autores buscam conhecer como e o que foi produzido no período de 2001 a 2013 sobre o tema. A análise destaca o grande número de publicações no ano de 2011, decorrente da popularização do tema no contexto acadêmico e na mídia. O diferencial na construção do capítulo foi o levantamento das principais referências utilizadas nos trabalhos, em que se identificou que há pouca citação de autores internacionais, o que pode significar tanto uma valorização dos autores nacionais, quanto uma busca pequena a respeito do tema em pesquisas internacionais, em geral mais avançadas que as brasileiras.

A segunda parte do livro é iniciada com o capítulo "Assédio moral no trabalho: Interface com a cultura organizacional e a gestão em organizações públicas", de Suzana da Rosa Tolfo, Narbal Silva e Edite Krawulski. Para os autores, as transformações no mundo do trabalho atingiram as organizações públicas, em que as relações não são bem definidas, há ambiguidade de papéis e a violência é encontrada nas relações cotidianas. Eles incluem a cultura organizacional e o modelo de gestão de pessoas como elementos que podem abrigar manifestações de assédio moral nestas organizações. Também apresentam uma análise do papel omisso de gestores na formulação de políticas e nas práticas de gestão de pessoas, e é afirmada a responsabilidade dessa área na prevenção do assédio moral.

No capítulo "A violência psicológica e/ou assédio moral vertical ascendente na prática docente da rede pública", Cristina Maria Fagundes Prisco, Álvaro Roberto Crespo Merlo e Cláudia de Negreiros Magnus identificaram relações conflituosas entre os professores e os alunos do ensino fundamental de escolas públicas estaduais de Porto Alegre-RS e as associaram às práticas de violência psicológica e/ou assédio moral vertical ascendente. Entre as repercussões do assédio, destacadas pelos docentes, estão a depressão, a desmotivação e a decepção com a carreira. As relações conflituosas decorreram dos comportamentos dos alunos, provocando sentimentos como angústia, impotência, frustração e fracasso. Os autores instigam a discussão das agressões vivenciadas em sala de aula e a possibilidade de construção de estratégias eficazes de enfrentamento ao assédio moral.

No capítulo "Caso UFV: Ouvintes dos casos de assédio moral", Letícia Rocha Guimarães e Magnus Luiz Emmendoerfer abordam o assédio moral nas relações de trabalho entre os servidores públicos de uma universidade e descrevem a percepção e a ação de profissionais considerados "ouvintes do sofrimento" (p. 135) em situações de assédio moral. Os autores destacam o entendimento dos profissionais sobre o assédio moral, seu envolvimento com o assunto e os órgãos procurados em casos de assédio. Também abordam o comportamento dos assediados, o relacionamento no ambiente de trabalho após a situação vivenciada, as doenças decorrentes dessa violência e o suporte da instituição às vítimas, destacando a raridade das ações de amparo aos servidores frente ao sofrimento.

No capítulo "Denúncias de casos de assédio moral: O caso da UFSC", Thiago Soares Nunes e Suzana da Rosa Tolfo procuram identificar se vítimas de assédio moral no trabalho, no caso, os docentes e os técnico-administrativos, denunciam a violência sofrida e quais são as características da ação. Os resultados evidenciaram que muitos sujeitos não realizaram queixa na universidade por descrença em mudanças, por falta de provas das agressões, entre outros. Já os que apresentaram queixa afirmaram que não houve a melhoria esperada, sem resolução da reclamação e com "penas" menos duras do que o esperado pelas vítimas. Para os autores, a instituição precisa de medidas para receber as queixas, cultivar valores com os quais os trabalhadores se identifiquem e desenvolver mecanismos para penalizar os agressores.

A segunda parte do livro é finalizada com o capítulo "Processamento e resoluções das denúncias de assédio: O caso da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE/MTE/SC)", de Renato Toccheto de Oliveira, que caracteriza o surgimento do Programa de Prevenção ao Assédio Moral no Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego diante da necessidade de promover a saúde dos trabalhadores. Ao longo do capítulo é relatado o trabalho de construção de materiais de divulgação e elaboração de práticas de prevenção e combate ao assédio moral. Por fim, o autor retrata a necessidade de criação de conhecimentos capazes de subsidiar ações e políticas públicas no combate ao assédio moral. O capítulo "A (re)ação dos sindicatos frente ao assédio moral na administração pública" de Arthur Lobato Magalhães Filho e Robert

Wagner França dá início a última parte do livro. Nele, são apresentadas as particularidades do assédio moral no serviço público, com um panorama do poder judiciário do Estado de Minas Gerais e na forma com que situações de assédio são vivenciadas, considerando a relação do fenômeno com a cultura institucional do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Há destaque para a luta política do sindicato, a importância de denúncias como indicativos para a elaboração de propostas de intervenção e ao conjunto de ações da Comissão de Combate ao Assédio Moral, como um canal de denúncias eletrônico e um plantão de atendimento às vítimas de assédio moral.

No capítulo de Cláudia de Negreiros Magnus, Álvaro Roberto Crespo Merlo e Cristina Maria Fagundes Prisco, intitulado "Assédio moral: Uma experiência de intervenção do sindicato dos servidores através da clínica do trabalho", há uma discussão sobre a participação de um sindicato de servidores do Rio Grande do Sul na formulação de políticas contra a violência no serviço público. O papel dos sindicatos é enfatizado na luta contra a violência por meio de uma clínica do trabalho que faça a crítica social e uma análise das condições e formas de organização do trabalho e dos atravessamentos políticos que as instituições públicas são submetidas. Os autores também tratam da necessidade de espaços de empoderamento aos envolvidos com a violência no trabalho e da urgência de ações de enfrentamento ao assédio.

O capítulo "Combate ao assédio moral no trabalho: Identificando medidas adotadas pelas organizações sindicais de SC", de Ana Carla Fabro e Carla Maehler, é iniciado com discussões sobre as novas configurações do trabalho e situa o assédio moral como fenômeno multicausal, que deve ser combatido e prevenido por organizações sindicais. As autoras discutem o papel das organizações sindicais diante desse cenário, buscando agregar informações sobre a atuação das organizações sindicais de Santa Catarina por meio de uma pesquisa documental nos sites dos sindicatos. Os principais resultados demonstraram um número pequeno de medidas para a violência moral e as denúncias que são acompanhadas pelos sindicatos, bem como o recente aumento da inserção de cláusulas sobre o assédio moral no âmbito dos acordos coletivos.

O capítulo de Gilberto Maurício Frade da Mata e Magnus Luiz Emmendoerfer, intitulado "Esfera pública virtual de combate ao assédio moral e sindicados", identificou evidências de uma esfera pública virtual no Brasil para o combate ao assédio moral no trabalho. Em uma busca na internet pelos termos sindicatos, sindical e assédio moral foram localizados milhões de resultados, mas não foram encontradas mobilizações, estudos, soluções ou discussões online sobre o problema do assédio moral no trabalho. Há, segundo os autores, uma tendência a informar e não a promover espaços de interatividade, divulgação de estudos ou iniciativas para solucionar este tipo de violência. Com isso, torna-se importante a construção de espaços democráticos on-line, nos quais se possa participar, criticar e refletir sobre a temática, o que ainda não existe no Brasil.

A conclusão do livro, escrita por seus organizadores com o título "Assédio moral no trabalho e formas de diagnosticar e intervir", traz uma discussão acerca da violência e de ações de diagnóstico, prevenção e combate ao assédio. Entre os fatores revelados na constituição da dinâmica do assédio, os autores exploram a cultura organizacional, que influencia as práticas e as políticas de gestão, e os componentes organizacionais e pessoais que permitem ações agressivas contra um subordinado, superior ou colega. O capítulo contribui com um levantamento sobre as práticas para diagnosticar, prevenir e combater o assédio moral no trabalho. A constatação é de que há poucas propostas de diagnóstico organizacional, com destaque a identificação de riscos psicossociais, mostrando que os autores pouco têm se focado em identificar variáveis organizacionais que propiciam práticas de assédio. Nas propostas de prevenção, a mudança da cultura organizacional foi a mais citada e, dentre as sugestões de intervenção, há uma prevalência de propostas de que as empresas atuem para coibir práticas de assédio e para evitar sua naturalização no ambiente de trabalho.

A partir da leitura do livro, é possível afirmar a necessidade de um maior número de investigações a respeito do assédio moral, tornando-o objeto central em pesquisas, principalmente em instituições públicas e sindicais, tendo em vista sua repercussão nas relações de trabalho e na sociedade em geral. Ainda é evidente a necessidade de um marco jurídico nacional que ampare e previna tais atos. Para a POT, torna-se um campo em expansão devido à necessidade de desenvolvimento de intervenções efetivas e adequadas ao ambiente de trabalho, isto é, que problematizem os diversos lócus em que o assédio moral ocorre. Além disso, a incidência de casos em organizações públicas educacionais alerta para esse tipo de organização do trabalho, que tem uma importância fundamental na estruturação social, bem como explicita as possibilidades de intervenção dos sindicatos frente ao assédio moral.

 

 

Endereço para correspondência:
Júlia Gonçalves
Departamento de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, CFH, Campus Universitário, Trindade
Florianópolis, SC, Brasil 88040-970
E-mail: julia_psi_@hotmail.com

Recebida em: 26/07/2016
Primeira decisão editorial em: 10/09/2016
Versão final em: 17/09/2016
Aceita em: 17/09/2016

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