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Trivium - Estudos Interdisciplinares

versión On-line ISSN 2176-4891

Trivium vol.7 no.2 Rio de Janeiro jul./dic. 2015

http://dx.doi.org/10.18379/2176-4891.2015v2p.163 

ARTIGOS TEMÁTICOS

 

Berlim de Walter Benjamin às vésperas da Primeira Guerra Mundial sobre a construção da Infância e Juventude

 

Walter Benjamin's Berlin before The First World War on the construction of Childhood and Youth

 

 

Wolfgang Bock

Doutor em filosofia pela Universidade de Bremen (Alemanha), Professor Adjunto do Departamento de Letras Anglo-Germânicas, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rua General Cristóvão Barcelos 24 ap. 701, CEP 22245-110, Rio de Janeiro. Telefone: (21) 2558-9870. E-mail: wolfbock@yahoo.de

 

 


RESUMO

Os livros de Walter Benjamin Infância em Berlim e Crônica Berlinense foram inspirados em suas leituras de Proust, Henri Bergson e Louis Aragon. Benjamin considera a infância seriamente, como um espaço fundamental da experiência. Os processos da escrita e da recordação não podem ser separados. A expressão perda da experiência significa justamente isto - uma avaliação do que foi perdido na infância. Nesses livros, Benjamin nos fala sobre seus anos importantes na escola de Gustav Wyneken e seu período de estudos em Berlim, antes da Primeira Guerra Mundial. Com eles, ganhamos uma visão mais precisa dos temas e movimentos políticos de sua época.

Palavras-chave: MEMÓRIA SOCIAL; JUVENTUDE; EXPERIÊNCIA; ESTÉTICA.


ABSTRACT

Walter Benjamin's books Berlin Chronicle and Berlin Childhood are inspired by his readings of Marcel Proust, Henri Bergson and Louis Aragon. Benjamin takes childhood seriously, as a fundamental space of experience. The processes of writing and remembering cannot be separated. The term loss of experience may just mean exactly that - namely to assess what has been lost with childhood. Benjamin tells us about his important years in the school of Gustav Wyneken and during his time of studies in Berlin before the First World War. With these writings, we gain a more accurate insight of the issues and political movements of his time.

Keywords: SOCIAL MEMORY; YOUTH; EXPERIENCE; AESTHETICS.


 

 

A Vida Escrita

Mas se a torrente das coisas quebra no rochedo do assombro, então não há nenhuma diferença entre uma vida humana e uma palavra (Benjamin, 1931/1985).

Nada de Livros infantis para crianças

Nos seus escritos sobre a infância, Walter Benjamin escreve diferentemente de outros autores. O livro de Giorgio Agamben (2005), Infância e história, por exemplo, persegue uma abordagem segundo a qual as experiências da infância estariam perdidas. Não é O caso Walter Benjamin para Benjamin. Nos seus ensaios Experiência epobreza (1933/1985) e Sobre alguns temas em Baudelaire (1939/1989), ele mostra que embora exista uma perda da experiência [Erfahrungsverlust], a figura de uma reflexiva experiência da perda [Verlusterfahrung] pode ao mesmo tempo desempenhar um papel na elaboração estética. Em Rua de mão única (1928/1987), na Crônica berlinense (1932), em Infância em Berlim por volta de 1900, 19341938/1987) e outros textos, Benjamin parte, de preferência, exatamente de uma necessária destruição da aura da lembrança. Por isso, não há nesses textos, a este respeito, qualquer equivalência com o nostálgico Agamben (2005).

 

 

Benjamin também escreve diferentemente de Erich Kästner, que tenta colocar-se intencionalmente, nas suas lembranças de infância, no mesmo nível das crianças, e escolhe uma linguagem muito simplificada, pretensamente adaptada às crianças e aos adolescentes - uma tendência que também seu aluno James Krüss adota em seus livros infantis. Os escritos de Kästner, Als ich ein kleiner Junge war [Quando eu era um menino], terminam com as seguintes sentenças:

Não tema, caro leitor, já estou calmo. Não segue nenhum meio capítulo, nenhum capítulo elástico. A obra está feita. O livro está pronto. Fim, ponto, areia! (Kästner,1996, p.208).

 

 

Estas frases podem ser a expressão de uma pequena vingança contra Benjamin, cujo livro Infância em Berlim por volta de 1900 contém, precisamente, esses capítulos sobre meias e roupas de baixo. Em seu ensaio Melancolia de esquerda (1931/1986), Benjamin criticara de modo polêmico e forte os poemas neo-objetivos de Kästner como um tipo de lírica voltada para funcionários, pós-expressionista e pequeno-burguesa. Kästner escreve com um enfático Eu a partir de uma forte identificação narcisista com a mãe Ida, que aparece em quase todas as obras, e tudo gira em torno dela também em seu livro de memórias, enquanto que seu pai quase não aparece. Benjamin, ao contrário, vai apagar, na revisão da Crônica berlinense até Infância em Berlim, todos os rastros de um narrador literário em primeira pessoa em favor de uma observação objetiva distanciada. Ele cancela a figura da identificação com a mãe ou com o pai; ao invés disso, trata-se, para ele, do discurso da recusa: "não formar, em nenhum caso, um front com ninguém, nem sequer com minha própria mãe" (Benjamin, 1932/1980, p. 471). Na Crônica berlinense, isto significa algo claramente diferente de Kästner, ainda que não menos imodesto:

Se escrevo um alemão melhor do que a maior parte dos autores da minha geração, devo isso em grande parte à observação, durante vinte anos, de uma única pequena regra: nunca usar a palavra "eu", a não ser em cartas (Benjamin, 1932/1980, p. 475).

Benjamin também não escreve livros infantis, mesmo quando escreve sobre sua infância; tampouco quando dedica Crônica berlinense ao seu filho Stefan, que, à época da sua redação, em 1932, tinha 14 anos. Esses textos não fazem concessões a uma suposta linguagem infantil. O mesmo princípio também vale para a peça radiofônica que Benjamin compôs para a Jugendstunde des Berliner Rundfunks. Embora Benjamin tenha composto peças para a juventude, o tom com que ele se expressa vai além de toda facilidade, é sempre sério e sem uma falsa proximidade. A sorte da literatura infantil, ele argumenta na conferência radiofônica de mesmo nome, consistia exatamente no fato de que "por muito tempo ninguém prestou atenção nela, e o seu azar começou no instante, em que ela caiu nas mãos dos especialistas" (Benjamin 1980, p. 252). Da mesma maneira, deveria ser incluído nas Passagens, que "O anel de Saturno ou Construção em ferro" ["Der Saturnring oder Etwas von Eisenbau"] também não pode ser designado como texto pertencente a dito contexto, ainda que aparentemente esteja no mesmo estilo (Benjamin, 1980, pp.1060-1063).

Com isso, torna-se claro um princípio determinado: Benjamin se volta contra um espaço pedagógico em que as crianças são poupadas e tratadas de modo infantil. Elas deveriam, muito antes, conhecer o mundo. É neste sentido, por exemplo, que se pode compreender as histórias transmitidas pelo rádio, chamadas pelo editor Rolf Tiedemann com o inexato título Aufklärung für Kinder [O Esclarecimento para crianças] - já que "esclarecimento" não é, certamente, um conceito benjaminiano. Sua atmosfera pode ser, no entanto, descrita como um comentário esclarecido, ao tratar de acontecimentos históricos, tais como os processos contra as bruxas, ou de descrições de viagens à China ou à América (Benjamin, 1980, pp. 68-249).

Construção da infância

Benjamin, assim, toma seriamente a infância como um espaço de experiência, mas como um espaço primeiramente construído pelo adulto; a elaboração e a lembrança não são separáveis. O conceito de experiência da perda pode mesmo significar exatamente isto: tentar sopesar o que foi perdido. A própria construção é bastante atual: o âmbito e o meio em que tem lugar a condição de possibilidade dessas experiências e de sua perda são agora criados. Trata-se, em outras palavras, daquela Felicidade da escavação no solo da lembrança [Glück des Spatenstichs ins Erdreich der Erinnerung], que Benjamin descreve nas reflexões metodológicas centrais da Crônica Berlinense:

A Linguagem tornou inequivocamente claro que a memória não é um instrumento para explorar o passado, mas o seu teatro. Ela é o meio daquilo que foi vivenciado assim como o solo é o meio onde estão soterradas as cidades mortas. Aquele que deseja aproximar-se de seu próprio passado soterrado deve se comportar como um homem que cava. Isso determina o tom e a postura das lembranças genuínas. Elas não devem se acanhar de retornar sempre a um e ao mesmo estado de coisas; de espalhá-lo como se espalha a terra, de revolvê-lo como se revolve o solo. Pois estados de coisas são apenas depósitos, camadas que só entregam por meio do mais cuidadoso exame aquilo que constitui os verdadeiros valores que se escondem na terra: as imagens que, destacadas de toda associação anterior, se encontram nos cômodos sóbrios de nossas visões posteriores como ruínas ou torsos na galeria de um colecionador. Certamente, é necessário um plano para realizar escavações com sucesso. Entretanto, é igualmente indispensável o cuidadoso e tateante fincar da pá na terra sombria, e rouba a si mesmo o melhor aquele que preserva em seu escrito apenas o inventário das descobertas, e não também esta alegria sombria do local e do lugar do próprio descobrir. A busca sem sucesso pertence a isso tanto quanto a bem sucedida, e por isso a lembrança não deve proceder narrando, ainda menos relatando, mas antes deve, de modo estritamente épico e rapsódico, tentar o fincar da sua pá em Lugares sempre novos, examinando em camadas sempre mais fundas nos antigos (Benjamin, 1932/1980a, p. 486-487).

O que Benjamin descreve aqui como iterativo, épico e rapsódico é exatamente aquele processo da atualidade no qual o instante e a subjetividade daquele que lembra é já obtido, assim como o suposto objeto da própria lembrança - portanto, em uma imagem que já abarca o próprio observador de modo imanente, donde uma ênfase exterior sobre um narrador em primeira pessoa torna-se desnecessária. Essas imagens são necessariamente não acabadas e formam os fragmentos de uma autobiografia. Benjamin orienta-se aqui por Marcel Proust, cujas notas fragmentárias não se tornam um romance fechado, ainda que se estendam por mais de 5000 páginas:

Lembranças, mesmo quando se estendem, nem sempre apresentam uma autobiografia. E isso certamente não é o caso aqui, nem mesmo para os anos berlinenses, que são aqui o único assunto. Pois a autobiografia tem a ver com o tempo, com o decorrer e com aquilo que constitui o constante rio da vida. Aqui, entretanto, o assunto é um espaço, instantes e inconstâncias (Benjamin, 1932/1980 a, p. 488).

Em outras palavras, Benjamin se volta contra a representação de uma lembrança desconectada e reificada de um enciclopédico "assim aconteceu", em que o próprio cronista não se encontra presente. Em uma carta, de 15/09/1913, à sua amiga Carla Seligson, na qual deseja elucidar sua concepção de juventude, esta subjetividade já desempenha o maior papel:

Pensei esta manhã um pouco mais: ser jovem não significa tanto servir o espírito, mas esperá-lo. Avistá-lo em cada homem e no pensamento mais remoto. Isso é o importante: não podemos nos agarrar a um pensamento determinado. Mesmo o pensamento da cultura jovem deve ser para nós apenas uma iluminação que traz para o brilho da luz o espírito mais remoto. [...] Eu poderia denominar jovem este sentimento constante e vibrante para a abstração do puro espírito. Pois de fato (se não fizermos de nós meros trabalhadores de um movimento) quando mantemos o olhar livre para ver o espírito onde quer que seja, seremos nós a realizá-lo. Quase todos esquecem que são eles mesmos o lugar onde o espírito se atualiza. Entretanto, porque se fizeram rígidos, pilares de um edifício ao invés de vasos, vasilhas que sempre podem receber e conter um conteúdo sempre puro, eles se desesperam com a atualização que sentimos em nós mesmos. Esta alma é aquilo que eternamente atualiza. Cada humano, cada alma que nasce pode trazer a nova realidade. Nós a recebemos dentro de nós e também queremos colocá-la para fora. (Benjamin 1995, p. 175).

A carta é, evidentemente, ainda concebida na linguagem arrogante do Movimento da Juventude Alemã. Aqui já se encontram formas iniciais daquilo que Benjamin vai mais tarde chamar de materialismo antropológico, que seria a atualização da promessa metafísica nos mínimos detalhes, a ponto de levar a metafísica, por assim dizer, a um limite corporal. Ele encontra tais formas, por exemplo, em Georg Büchner na Alemanha ou em Charles Fourier na França.

Ao mesmo tempo, deve-se indicar que Benjamin coloca um segundo sentido já na primeira frase de suas considerações metodológicas da Crônica berlinense. A memória é descrita não apenas como um reservatório, mas também como palco de apresentação, sobre o qual a lembrança atua. O meio dessa apresentação é, no entanto, também a linguagem. A primeira frase do trecho diz consequentemente: "A linguagem tornou inequivocamente claro que a memória não é um instrumento para explorar o passado, mas o seu teatro" (Benjamin, 1932/1980a, p. 465). Não se trata, portanto, para Benjamin, de informações ou fatos, mas de determinadas formas de produção estética: de construções que usam seriamente a tarefa retórica e cenográfica da apresentação.

Crítica e afirmação do Surrealismo

Este acesso estético à infância e à juventude na Crônica berlinense e no livro sobre a infância, está correlacionado igualmente com o acesso surrealista de Benjamin a esse tema. O surrealismo é, segundo um juízo de Adorno, a tentativa de capturar a experiência infantil no seu estado como sensações e choques, como experiências supostamente autênticas. Para Adorno, isso também é feito da perspectiva do adulto e apenas imita, por assim dizer, de forma não clara a percepção infantil e oníricos elementos que possuem, portanto, apenas uma suposta proximidade com o surrealismo, ainda que os seus protagonistas queiram afirmar dita proximidade. Contra isso, deve-se sempre suspeitar do testemunho pessoal dos artistas, opina Adorno com alguma razão, concluindo: "Ninguém sonha assim!" (Adorno, 1986, p. 105). Na verdade, trata-se de um procedimento estético, a saber, a montagem de motivos fragmentários. As formas imagéticas que surgem dali definitivamente não são novas, mas já podiam ser encontradas nos álbuns que os pais dos artistas possuíam:

Assim como o surrealismo acrescenta algo às coisas, nós queremos ver nosso mundo infantil: assim como ele foi. O ovo que a qualquer hora pode escapar do animal nos dias de juventude é tão grande porque nós éramos tão pequenos... (Adorno, 1986, p.103).

Com isso, o surrealismo forma, entretanto, para Adorno, o complemento daquela Nova objetividade pós-expressionista na literatura da República de Weimar, que incluía, ao lado de Franz Mehring e Kurt Tucholsky, exatamente Erich Kästner. O surrealismo coleta agora motivos que aqueles descartaram e provê, assim, igualmente um complemento concreto [verdinglicht] ao positivismo. Em outras palavras: o lugar da lembrança não é o sonho ou a própria lembrança, mas a construção estética destas. Para Adorno, contudo, não resta, após o fim do surrealismo, já no período anterior à guerra, muito mais dele: aquela lembrança é literalmente reificada [verdinglicht], como se dominada pelos resíduos dos fetiches da mercadoria. Por isso, o surrealismo como forma saiu de moda. Adorno conclui suas reflexões com uma afirmação nos termos do psicanalista húngaro Sándor Ferenczi no sentido dos novos sintomas [neue Symptome]', após a Segunda Guerra Mundial, os homens não externavam mais quaisquer desejos, mas antes abriam mão deles primeiramente como manifestações na linguagem.

Adorno adota este juízo radical a partir de sua interpretação dos trabalhos de Benjamin. Benjamin escrevera os primeiros trabalhos sobre o Surrealismo na Alemanha: Sonho kitsch: "Glosa sobre o Surrealismo" ["Glosse über Traumkitsch"], de 1927 e "O Surrealismo. O último instantâneo da inteligência europeia" ["Der Sürrealismus. Die letzte Momentaufnahme der europäischen Intelligenz"], de 1929 - sem compreender, ele mesmo, essa afirmação da figura da retificação (Benjamin, 1980 a) "Glosse über Traumkitsch", (pp. 620-622); e "Der Sürrealismus", (pp. 295-310). Benjamin sabe explicar bem a transição surrealista para o kitsch, o qual remete às formas inautênticas da cultura pop posterior. Assim, trabalhando diferentemente dos próprios surrealistas, como André Breton, Max Ernst, Paul Eluard e Louis Aragon, que constroem um mito da infância e do acesso imediato à lembrança, Benjamin não pretende recusar totalmente essa construção, mas, antes, refletir sobre ela própria. Para isso, ele tenta um novo acesso ao mundo da experiência da criança nos fragmentos de Rua de mão única, Crônica berlinense e Infância em Berlim, nos jogos de rimar e também nos sonhos (Schiavoni, 2006, pp. 373-385; Benjamin, 2009). Isso significa que se trata, para Benjamin, menos de uma educação estética do que de uma práxis estética, que não se orienta por uma pedagogia, mas pelo que está em causa.

Construções correlatas às de Benjamin são aquelas que atualmente tentam construir um âmbito tal como esse, que explode o bastidor da autobiografia, mas ao mesmo tempo, reflete o estilhaço de uma experiência de reflexão na própria escrita. Eu posso aqui apenas indicar tais procedimentos, e remeto o leitor ao filme de Woody Allen A era do rádio (Radio Days, EUA, 1987) ou ao livro e filme do autor sueco Michael Niemi, Populärmusik aus Vittula (Suécia, 2006), filmado pelo sueco-iraniano Reza Bagher.

 

Juventude Como Programa

Autonomia da Juventude

O estado de sonho é o estado cognitivo platônico da criança, que ainda está próxima às ideias e conhece as coisas de que o adulto depois se esquece e que precisa penosamente readquirir indiretamente pelo mundo. Esse contexto de uma criança inocente que conhece surge em Benjamin como resultado de um processo de reflexão no contexto do Movimento da Juventude Alemã, no qual o jovem Walter foi ativo. Ele segue, como um dos seus alunos próximos, o carismático pedagogo Gustav Wyneken. De 1904 a 1906, ele é aluno no internato rural [Landschulheim] de Haubinda, estabelecimento no qual Wyneken trabalha como professor, antes de fundar, em 1907, a Comunidade Escolar Livre [Freie Schulgemeinde] em Wickersdorf, junto a Rudolstadt, também em Thüringen. Wyneken dá a Benjamin, de certo modo, a primeira formação da percepção estética. A respeito disso, Rolf Tiedemann nota que:

A lição que Benjamin recebeu de Wyneken desenvolveu seu poder de julgamento, sobretudo, na questão estética. Benjamin lhe agradece a experiência da autonomia espiritual. A forte orientação espiritual [geistig] da escola, o radicalismo, com o qual Wyneken tentava colocar em obra seu pensamento de crítica cultural, foram enfatizados posteriormente por Benjamin - quando ele abraçou a ideia Wynekeniana - em uma carta a Ludwig Strauss: "você compreenderá que estas ideias não foram tais ou quais, mas sim aquelas que, como fundamentos do fundamento (a saber da educação), determinam espiritualmente não apenas o 'interesse' da busca de reforma, mas muito mais a direção da vida" (Benjamin, 1980, p. 836).

Benjamin sustentou esse ponto de vista contra Strauss, que quer atraí-lo para um sionismo ativo; ele também recusa as pretensões do amigo alegando que um ponto de vista nacionalista judaico lhe parece muito pouco livre. Esse ideal da juventude independente está, para Wyneken, estreitamente ligado a uma estética particular. Novamente, Rolf Tiedemann descreve esta correlação e cita os escritos de Wyneken:

Wyneken procurou resolver em uma vivência comunitária da arte a contradição entre a negação radical da cultura dominante e a necessidade de criar para o ideal representado uma realidade correspondente, de dar uma existência ao jovem como antecipação da humanidade futura: "Para uma estirpe educada com vistas ao serviço cavalheiresco do espírito, a vivência da arte é a mais profunda e importante. Ela é a única que não é dependente da crença, mas, antes, o que se pode ver. Ela é também mais importante que a vivência do conhecimento filosófico, pois o conceito sempre termina por uma negação da realidade, ao passo que a arte abre uma verdade sobre realidade [Überwirklichkeit]. Certamente a vivência da arte não pode preencher a vida, mas ela assegura uma garantia de que o espírito sagrado realmente prevalece no mundo e espera por nós" (Tiedemann, 1990, p. 225).

Bernd Witte manifesta-se de modo semelhante a respeito de Wyneken em sua biografia sobre Benjamin:

A ênfase de Benjamin na lealdade ao seu mestre e suas diferentes tentativas de reunir em torno de si um círculo de alunos podiam estar baseadas na teoria de Wyneken da cultura jovem. Aparado segundo as necessidades da era Guilhermina, o hegelianismo de Wyneken faz aparecer a história mundial como progressiva penetração da natureza e da humanidade através do espírito. O começo do século XX é caracterizado pelo fato de que este "processo de autoconhecimento da natureza" também abarca a juventude. Esta ideologia idealista se dirigia aos alunos mais velhos do Ginásio e aos estudantes universitários, que então eram quase exclusivamente provenientes da média e alta burguesia. Ela fornece a eles a justificação de uma estrutura social hierárquica, tal como reproduzida no modelo educativo pretendido por Wyneken. Subsequentemente, foram designados apenas aqueles produtivos culturalmente, os gênios, como repositórios do espírito e, por conseguinte, como os escolhidos para a condução das comunidades que se auto educam [sic]. Para a massa de jovens, o serviço ao espírito podia consistir apenas na "entrega livre ao auto escolhido [sic] condutor [Führer]" (Witte, 1985, p. 20).

Semelhante construção de uma oposição entre o gênio e a massa também é desenvolvida por Nietzsche na sua segunda consideração extemporânea (Nietzsche, 1988).

Serviço ao espírito [Dienst am Geist], luta [Kampf], lealdade [Treue] também se tornam então as palavras-chave que Benjamin adota como atributos da juventude, assim como também a consciência de pertencer a uma elite que possui uma tarefa pedagógica a seguir. É apenas nessa tarefa que o contexto para as questões políticas e sociais se apresenta. É precisamente isso que significa, para esta terminologia, ser jovem.

Benjamin adota esta posição dualística como necessidade de seguir uma lógica interna do espírito - uma posição que ele mais tarde vai descrever como l'art pour l'art, Simbolismo ou autonomia da obra de arte - para, ao mesmo tempo, seguir aquela tarefa pedagógica que foi absorvida por ele nos seus trabalhos tardios como a tendência da obra de arte para um realismo. Dentro do Movimento da Juventude Alemã - assim ele apresenta seus propósitos nos textos "Metafísica da juventude" ["Metaphysik der Jugend"], "A vida dos estudantes" (1913/1986) ["Das Leben der Studenten"] e outros - ele possui, entretanto, inconfundivelmente uma forte tendência para considerar o segundo campo apenas através do primeiro.

Somente dez anos depois, ele se voltou enfaticamente para Brecht, para o marxismo e para a política. Seu primeiro interesse como aluno e estudante universitário, entretanto, voltava-se certamente para o espírito e suas práxis e não tanto para a estética, ou seja, em outras palavras, explicitamente para a filosofia e não tanto para a arte e para a corporeidade; no fim do Movimento da Juventude Alemã, a relação se deslocou então para a arte, para a estética e para a antropologia. Como isto pode estar associado, no entanto, a uma práxis enfática?

Um ideal ascético

Com isso, aparece aqui outra coisa notável. Os ideais da juventude mencionados acima parecem estranhamente vagos: trata-se de virtudes secundárias estreitamente ligadas a um ideal ascético que programaticamente concerne a uma disposição de ânimo e não a um objeto determinado.

Também a este respeito, Benjamin se apropria, inicialmente, da concepção de Wyneken. Wyneken critica o movimento Wandervogel no sentido de que este teria um empenho superficial em torno da arte e da cultura. Este movimento teria encontrado na canção e na dança uma expressão da alegria juvenil, mas também já se teria satisfeito ao desfrutar disso. Toda formulação artística do Wandervogel tinha como alvo o simples desfrute da disposição de ânimo:

E de fato em um [desfrute] consideravelmente confortável e barato. [...] Não é realmente possível deixar irradiar a essência da arte em toda sua santidade nas almas jovens e ao mesmo tempo transmitir para eles todos os tipos de estilhaços e dejetos da arte em qualquer jogo e desfrute (Wyneken, 1963, p. 87).

Diferentemente do Wandervogel, portanto, a comunidade escolar de Wickersdorfer se incumbe, na apropriação da arte, de um trabalho sério e profundo, associado à privação. Wyneken também coopera significativamente com a assim chamada Meissnerformel que, em 1913, foi anunciada na festa da Juventude Livre Alemã, da qual Benjamin tomou parte, solenemente, com um juramento. Aqui encontramos uma estranha mistura de máximas altamente carregadas de metafísica e, ao mesmo tempo, de seções que parecem extraídas de estatutos jurídicos e regimes dietéticos:

A juventude livre alemã deseja dar forma à sua vida segundo sua própria determinação, assumindo sua própria responsabilidade, na sua veracidade interna. Para esta liberdade interna, ela está unida sob todas as circunstâncias. Para o entendimento mútuo, são celebrados os dias da Juventude Alemã Livre. Todos os eventos coletivos da Juventude Livre Alemã são sem álcool ou nicotina (Freie deutsche Jugend, 1913).

Ao lado da veracidade, entra aqui igualmente o banimento da nicotina e do álcool. E outro assunto é considerado tão tabu que nem mesmo é mencionado: a voluptuosidade sexual. Mal há lugar para o inofensivo conceito de gênero, a saber, os diferentes universos de vida dos homens e das mulheres: o espírito invocado é, como se sabe, masculino, já que não há lugar para o feminino. Wyneken fala de uma vida artística comum para rapazes e moças que deveria ser, no sentido acima, livre de gênero. Segundo sua concepção de coeducação, os rapazes e as moças devem ter aulas juntos na mesma classe. Naquele tempo, em que se queria manter as mulheres longe da educação elevada nos ginásios e universidades, isto era algo inteiramente novo. Mas, ao contrário, isto não significa que se pudesse tratar abertamente de práticas hedonistas e sexuais. No Movimento da Juventude Alemã, foi fomentado, antes, muito mais um peculiar ascetismo, e a liberdade da sexualidade (não para a sexualidade!) provavelmente não foi mencionada, junto ao ascetismo da nicotina e da aguardente, porque até falar sobre isso era um tabu.

Benjamin também era, evidentemente, abstinente de álcool e nicotina e se declarava a favor de um despotismo idealista. Assim, seu amigo Fritz Heinle termina seu texto Die Jugend com as palavras: "Apenas vegetarianismo e abstinência, política e habilidade parecem valer para o futuro" (Benjamin, 1980, p. 865).

Podemos supor que Benjamin, que à noite expôs um programa quase idêntico, diferencia-se pouco de Heinle neste ponto: "A Europa é composta de indivíduos (nos quais há o masculino e o feminino) e não de homens e mulheres", diz programaticamente na sua carta de 23/06/1913 a Herbert Blumenthal, endereçada de Freiburg; e, na sua carta de 21/11/1912 a Ludwig Strauss, esclarece que vive abstinente, mas que a razão disso é desenvolver uma clareza espiritual para o pensamento de Wickersdorfer (Benjamin, 1995). Em outras palavras, nesta época, ele não estava tão interessado em estética quanto em um espírito livre! Entretanto, pouco depois, Benjamin vai afastar-se do Movimento da Juventude Alemã e, como enfatizado em seu segundo projeto de dissertação, vai situar a arte e a linguagem mais fortemente no núcleo do seu trabalho. O primeiro projeto, que ele começa em Berna, deveria ocupar-se de uma crítica filosófica de Kant. Abandoná-lo-á em favor da dissertação sobre a Crítica de arte no Romantismo Alemão e fará, com isso, da crítica de arte, um programa (Bock, B. 1980 b) . Isto se expressa igualmente no "Prefácio de crítica do conhecimento" do livro sobre o drama barroco, onde se trata da hegemonia da arte e de sua apresentação frente à filosofia pura. Restos do primeiro projeto de dissertação encontram-se no ensaio Sobre a filosofia vindoura (Benjamin, 1980). Sem renunciar à filosofia, Benjamin acentua mais fortemente a arte, agora como um todo, e dali se forma, ulteriormente, a figura da reflexão sobre a infância, que nós descrevemos no começo, e que substituirá as primeiras formas do interesse na juventude.

 

A Aura Do Eros Pedagógico

Para o Benjamin do tempo da Primeira Guerra Mundial, a juventude devia concentrar-se, assim, em torno do espírito ascético, mas isso se mantém em uma estranha relação com o fato de que o próprio Wyneken perdeu várias vezes seu posto de professor por causa de contatos sexuais pederásticos com jovens alunos, a ponto mesmo de ir preso. Não se trata, contudo, de forma alguma, de um pecadilho, como as manifestações de solidariedade da comunidade escolar querem sugerir, ao quererem absolvê-lo de toda responsabilidade. Muito pelo contrário, uma peculiar construção de temas sexuais abertos e secretos desempenha aqui um papel, o qual está presente até no movimento pedagógico mais jovem, da Odenwaldschule e da Bielefelder Laborschule até a Kinderkommune in Nürnberg: as crianças são frequentemente cuidadas e amadas pelos pedagogos, e estes são amados por aquelas. Michel Foucault investiga essa relação na sua história da sexualidade a partir do exemplo de Platão e seus alunos (Foucault, 1977).

Nós podemos, assim, supor que o jovem Benjamin, que contava entre os seguidores mais entusiasmados de Wyneken, foi inspirado também por esse Eros pedagógico. Embora se possam fazer apenas especulações insatisfatórias sobre contatos sexuais diretos entre Benjamin e Wyneken ou outros professores, é possível dizer, por outro lado, que Benjamin cresce dentro dessa aura do Eros pedagógico, identificando-se com ela quando jovem. Possivelmente essa aura também carrega, de uma maneira particular, o discurso artístico e a educação artística - e vale ainda para ela que venha a ser abandonada quando desejamos desenvolver-nos ulteriormente. Como a ironia, ela representa uma forma que deve ser ultrapassada por razões objetivas.

Benjamin: um desamparado

Benjamin permanece, mesmo após deixar o Schullandheim Haubinda, partidário de Wyneken. Como o programa docente em Haubinda chegava apenas até o Realgymnasium sem a Ober stufe, ele retorna, em 1907, a Berlim, realizando, em 1912, seu Abitur e, em seguida, estudando nessa cidade e em Freiburg. Benjamin escreve artigos para o periódico de Wyneken, Der Anfang.

Aqueles anos são muito influentes para Benjamin; ele nunca mais vai perder o que então aprende e experimenta. Há diferentes pontos de vista de interpretação que podem ser pensados a partir dos escritos de Benjamin: o de um intelectual "liberal" da República de Weimar, que lida com Hugo von Hofmannsthal, mas também com Carl Schmitt e Stefan George; o de um escritor marxista de esquerda, que apoiou a Revolução Russa e é amigo de Asja Lacis e Bert Brecht; o do intelectual da Escola de Frankfurt, que ama Nietzsche e a arte; o do teórico da mídia, que escreve sobre história do cinema e da fotografia, e que procura aproximar-se da escola de Warburg e antecipa a mídia digital; além disso, a imagem do germanista inovador, que investiga a alegoria barroca e interpreta seu significado para a obra de arte moderna e pós-moderna; a imagem do conhecedor do romance francês e primeiro tradutor de Proust e Baudelaire; ou ainda a imagem do cabalista judaico, que pensa conjuntamente religião e teoria, arte e conhecimento.

Todos estes pontos de vista podem ter seu direito, embora permaneça sempre aberto o modo como eles se relacionam uns com os outros, porque todos se unem, ainda que de forma contraditória. Assim, Max Horkheimer, em nome de Hans Cornelius, na Universidade de Frankfurt, rejeita o livro sobre o Barroco que Benjamin entregara ali como tese de habilitação, como obra supostamente de um Deutschnationalen próximo aos futuros fascistas. Benjamin, aparentemente, tinha o dom de fazer-se passar pelo respectivo amigo como partidário das próprias preocupações deles. Pode-se deduzir de sua correspondência que Scholem não compreende de modo algum por que Benjamin começa algo com Adorno, enquanto este não reconhece o que estimula Benjamin em Brecht e Lacis, e assim por diante. O enigmático é assim uma figura benjaminiana e o fragmento "O coelho da páscoa escondido" ["Der enthüllte Osterhase"], cujo assunto é o esconderijo nas nuvens, é inteiramente típico de sua personalidade (Benjamin, 1980, pp. 398-400).

A linguagem como meio de reflexão

Umas das figuras mais importantes para o esclarecimento da fisionomia benjaminiana é, portanto, este contexto do Movimento da Juventude Alemã, que ainda lhe possibilitou escrever sobre as experiências da infância quando ficou mais velho. O fato de que ele não tenha recaído na atitude de muitos integrantes do Movimento da Juventude Alemã - que, como locutores de programas de rádio para crianças ou como autores de livros juvenis, se tornam semelhantes a "profissionais da juventude" - não apenas conta muito a seu favor, mas também permite compreender sua própria figura de pensamento da infância. Diferentemente, portanto, de Erich Kästner, Franz Mehring ou Kurt Tucholsky, Benjamin figura entre os vanguardistas e seus textos estão, ao mesmo tempo, entre os mais difíceis e os mais fáceis da língua alemã. Ele reflete esses extremos, que aqui se tocam, já na sua primeira teoria da linguagem, segundo a qual nós hoje nos encontramos caídos no pecado original da linguagem e as relações da palavra com o objeto, mas também das línguas entre si, estão sujeitas a grandes tensões, e suas semelhanças não são mais reconhecíveis. Ao mesmo tempo, encontram-se secretos movimentos de concentração nessa dispersão, segundo os quais se chega novamente a uma convergência entre conceito e objeto, a saber, a uma literalidade. Essa teoria da linguagem surge em 1916, portanto imediatamente após o período ativo no Movimento da Juventude Alemã, que durou aproximadamente entre 1911 e 1915, e podemos partir do fato de que Benjamin refletiu ali também a experiência daquele período inicial. A linguagem é, para Benjamin, o meio da reflexão como da apresentação [Darstellung]; ela é, por isso, significativa, pois traz em si uma verdade especial.

As cartas a Wyneken e a Buber

O pensamento mostra-se, de modo exemplar, em duas cartas do período de transição, em que ele se despede do Movimento da Juventude Alemã e, com o apoio da linguagem, adquire uma distância no pensamento. Refiro-me às suas cartas a Gustav Wyneken de 09/03/1915 e a Martin Buber de 17/07/1916. Em ambas, trata-se da questão de como se posicionar em relação à guerra. Para Benjamin, o ideal da juventude reunida em torno de Wyneken era inseparavelmente ligado ao pacifismo. Após estourar a Primeira Guerra Mundial, Wyneken abandonou esta postura e, em lugar dela, convocou em uma leitura, em novembro de 1914, a juventude a tomar parte na guerra. Com isso, entretanto, todos os temas conciliatórios de uma juventude internacional estavam novamente perdidos. Sob signos comuns, as fronteiras da nacionalidade - falando marxistamente, o interesse do capital nacional - deveriam ser superadas: poderia ter sido outro século, caso estas forças da juventude tivessem vencido e não se dividido em um movimento da juventude judaico e um völkisch - o qual seria então uma das tropas nucleares do Nacional-Socialismo, fincando simultaneamente com isso as raízes da Segunda Guerra Mundial. De resto, não apenas a organização dos estudantes realizou este retrocesso para o nacional, mas também, quase contemporaneamente, os social-democratas alemães - o partido comunista ainda não tinha sido fundado - bem como as comunidades e associações culturais judaico-alemãs em torno de Martin Buber. Buber apelava, em seu periódico Der Jude, igualmente às virtudes nacionais alemães e queria ganhar Benjamin para compor uma convocação correspondente para combatentes judaicos ativos no front.

Benjamin voltou-se contra ambos os apelos. Na sua carta a Martin Buber, ele reflete, em geral, sobre as conformidades internas a leis que estão na base da linguagem como distância do objeto:

É uma opinião amplamente difundida, e em quase todos os lugares disseminada como uma coisa evidente, que a literatura, o mundo moral e as ações humanas podem influenciar quando houver temas à mão para a ação. O propósito da literatura política é movimentar os homens para determinadas ações por toda espécie de temas. Neste sentido, a linguagem é, portanto, apenas um meio de uma divulgação mais ou menos sugestiva dos temas que determinam interiormente as almas dos atuantes. É característico deste modo de ver que ele não leva em consideração de modo algum uma relação da linguagem com a ação na qual a primeira seria um meio para a segunda. Esta relação diz respeito em uma medida similar a uma linguagem impotente e degradada a mero veículo, e à escrita como uma ação pobre e fraca cuja fonte não está em si mesma, mas nos temas que são pronunciados e expressos. Pode-se, ainda, discutir sobre estes temas, objetando outros contra eles, e por este caminho (em princípio] a ação é colocada no final como o resultado de um processo de cálculo examinado por todos os lados. Cada ação que permanece na tendência expansiva da série palavra por palavra me parece terrível e tanto mais devastadora quando toda esta relação da palavra e da ação, como é o caso entre nós em uma medida sempre mais crescente, é efetiva como um mecanismo para a realização do verdadeiro absoluto (Benjamin 1995, pp. 325-326).

E também aqui ele se refere, em seguida, a uma propriedade da própria palavra, a saber, aquela de operar por si só e de tirar as suas consequências mais interessantes justamente no enigmático, e não onde se tratasse de uma função comunicativa ou propagandista da linguagem.

A particularidade da verdadeira linguagem de não se deixar pôr a serviço de uma meta política exterior não deve ser agora qualificada incondicionalmente como estética; mas, para Benjamin, ela constitui sua tendência mais importante. Também aqui se mostra novamente uma peculiar formação idealista linguística de uma estética em Benjamin.

 

Para Além Da Escola E Do Ensino Superior

A escola: uma tortura; a universidade: um pântano

A mesma crítica que Benjamin externa com relação ao uso intencional da linguagem pode ser aplicada às intenções de uma educação, qualquer que seja o seu objetivo. Pois não se deve supor que Benjamin teria visto em uma educação estética forças contrárias a uma falsa socialização. Nós podemos, muito antes, partir do fato de que ele se volta contra uma educação organizada como um todo, e no seu juízo destrutivo sobre a escola Guilhermina também não deixa de lado a universidade alemã.

Benjamin compreendia-se como partidário de Gustav Wyneken. Quando ele deixa Haubinda e retorna a Berlim, funda ali imediatamente uma célula Wyneken: um círculo de discussão e um grupo de seguidores da ideia de uma comunidade escolar, tal como Wyneken estabeleceu em Wickersdorf. A partir da perspectiva wynekeniana, ele vê todo o seu extenso período escolar como uma tortura que consistia, em grande parte, nas orgias de pancadas do professor, nos eventos esportivos praticados com um fraudulento militarismo e na perseguição dos colegas. Os lugares na Crônica berlinense em que ele descreve a época escolar em Berlim são claros a este respeito: ele odeia a escola e nunca mais entra nela após o Abitur - toda nostalgia de formandos lhe é estranha:

O conjunto do edifício, austeramente elevado próximo à linha ferroviária da cidade, dissemina uma fragilidade triste e solteirona. Ainda mais (do que) as vivências que eu tive lá dentro, provavelmente é graças a esse seu exterior que eu não guardo desde então praticamente nenhuma lembrança alegre dali. Desde que eu o deixei, não tive nem ao menos uma vez o pensamento de voltar ali (Benjamin, 1932/1980 a, p. 507).

Deste julgamento tampouco as universidades alemãs estão excluídas, as quais Benjamin descreve, em uma carta a Ernst Schoen de 25/10/1914, globalmente como um pântano. Schoen, ao que parece, havia recusado a escola e o ensino superior:

Você encontrou dentro de si, na impossibilidade de encontrar-se na escola, a única maneira que eu chamo viver, antes que nós desejássemos por isto, e isto se tornou a impossibilidade de adentrar, com a intenção que fora prescrita, aquele pântano que hoje é o ensino superior.

Trata-se apenas disso - que você sabe mais profundamente, pois nunca o experimentou tanto como eu - do fato de que este ensino superior é capaz de envenenar ainda mais nossa virada para o espírito. Trata-se, novamente, apenas disto: eu decidi percorrer os anúncios das preleções. Eu vi a ofuscante brutalidade com a qual os pesquisadores se exibem perante centenas, não se evitam uns aos outros, antes se invejam, e, por fim, falsificam, de modo refinado e minucioso, o respeito dos emergentes por eles, com medo dos agora crescidos, dos precoces e dos apodrecidos. A mera avaliação da minha timidez, do meu medo, da minha aplicação como estudante, e tudo o mais que é assustador na minha indiferença, na minha frieza, na minha incultura, horroriza-me. Nenhum indivíduo mantém-se fora disso, pois ele tolera a comunidade dos outros. Em toda universidade eu conheço apenas um pesquisador, e que ele tenha conseguido, isto é perdoado (talvez) apenas em função de seu total isolamento e desprezo por estas coisas. Ninguém está a sua altura; e eu compreendo a completa necessidade, de nós aproveitarmos a possibilidade de então dirigir para a própria vida, pois o aspecto desta infâmia é indescritivelmente degradado (Benjamin, 1980, pp.257-258).

Benjamin descreve aqui, ao que parece, a organização do acesso aos únicos eventos educacionais que os estudantes combinam entre si. A atmosfera deve ter sido muito parecida com aquilo que hoje nós conhecemos nas autoridades de imigração de qualquer país: uma máfia dos fortes e influentes se outorga determinados privilégios. Aparentemente, essa prática era encoberta pelos professores universitários. O único cientista que Benjamin quer excluir aqui é o historiador berlinense Kurt Breesing, e devemos, portanto, partir do fato de que esse julgamento abarcava todos os outros professores universitários com os quais Benjamin estudou: Heinrich Rickert em Freiburg bem como Georg Simmel e Ernst Cassirer em Berlim.

Como estudante universitário, portanto, Benjamin foi um outsider que, sobretudo, interessava-se pelas ideias de Wyneken e as abraçava. Quando foi estudar em Freiburg, em 1911, ele tinha em mente menos sua própria formação do que a fundação de um grupo wynekeniano, de cuja manutenção ele se encarregaria nos pontos essenciais. Em uma carta endereçada a Wyneken que foi conservada, de 19/06/1913, ele se mostra como alguém que consulta periódicos na biblioteca a mando de seu mestre. Ele se qualifica como "herói da reforma escolar" e "vítima da ciência", o que não deve ter sido de modo algum formulado ironicamente (Carta de junho de 1912 a Herbert Belmore. Benjamin, 1995, p. 41). Ao mesmo tempo, ele escreve para o periódico de educação Der Anfang, editado por Wyneken. Em 1913, Benjamin volta a Berlim e ali se engaja na construção de uma assim chamada sala de debates na qual os jovens pudessem reunir-se para eventos culturais sem adultos. Ele aluga juntamente com Ernst Jöel um apartamento o assim chamado "lar" [Heim]. Ali se suicidarão com gás, em 8 de agosto de 1914, os amigos Fritz Heinle e Rika Seligson, oficialmente em protesto contra a Primeira Guerra Mundial.

Benjamin é partidário da ala ascética radical do Movimento da Juventude Alemã. O programa é um "serviço ao puro Espírito da juventude ainda não apodrecida". Com isso, ele se afasta dos seus colegas Ernst Joël, Georges Barbizon e Siegfried Bernfeld, que eram conscientemente atuantes na política. A própria facção do espírito puro contra um engajamento político e social é, porém, igualmente dividida. De nada adiantou que Benjamin se elegesse, em 1913 e 1914 como presidente do corpo estudantil de Berlim. Suas ideias, que ele reúne nos escritos Metafísica da juventude [Die Metaphysik der Jugend] e Vida dos estudantes (1913/1986) [Das Leben der Studenten], não encontram partidário, de modo que ele se afasta, decepcionado com o grupo.

Precipitam-se então os acontecimentos. Em 28 de julho de 1914, estoura a Primeira Guerra Mundial. Em 8 de agosto, os amigos se suicidam no lar; Benjamin os encontra, ao que parece, de manhã, depois de receber a carta de despedida. Benjamin fica chocado. Ele tenta elaborar o abalo em um ciclo de 50 sonetos sobre os dois amigos e escreve no inverno de 1914/15, durante a guerra, o ensaio sobre Hölderlin, celebrando como herói o poeta que morre e a crítica como forma de devoção aos artistas (Benjamin,1980, pp. 105-125). Em dezembro do ano seguinte, deixa Berlim e dirige-se para Munique e, então, para a neutra Suíça.

A carta de despedida para Wyneken

Quando, em 9 de março de 1915, Benjamin envia a carta a Wyneken, este já tinha convocado, em novembro de 1914, os jovens para participar da guerra. Benjamin, entretanto, já se afastara dele antes, quando criticara, em uma carta a Ernst Schoen, do verão de 1914, a diferença entre o professor como pessoa e aquilo que ele ensina:

Eu, pelo menos, e amigos comigo, abandonamos cada vez mais fortemente aquela imagem da educação que Wyneken fornece lá. Torna-se claro para mim: ele era - e talvez ainda seja - um grande educador e, no nosso tempo, um dos maiores. Sua teoria fica muito aquém da sua intuição (Benjamin, 1980, p. 885).

Na própria carta lê-se, então:

Caro senhor Doutor Wyneken, eu lhe peço que receba estas linhas que se seguem, em que eu rompo com o senhor totalmente e sem reservas, como a última prova de lealdade, e apenas desse modo [...] contra você mesmo, eu devo confessar que você é para mim como o mais rigoroso amante destes jovens que amam o espírito. Certa vez o senhor afirmou sobre meninos e moças: "A lembrança de que eles foram uma vez companheiros na obra mais sagrada da humanidade, que, aos pares, olharam 'no vale Eidophane, no mundo das Ideias, esta lembrança formará o contrapeso mais forte contra a guerra social dos sexos, que sempre houve, mas que no nosso tempo ameaça estourar em radiantes chamas, e pôr em perigo os bens para os quais a humanidade está designada como guardiã. Aqui, na juventude, onde ainda podem ser humanos no sentido nobre da palavra, eles podem ter visto ao menos uma vez a humanidade realizada. Conceder esta vivência grande e insubstituível é o sentido próprio da educação comunitária". A Θεωρία é cega no senhor, o senhor cometeu horrível e sórdida traição contra as mulheres que amam os alunos do senhor. O senhor sacrificou, por fim, os jovens ao Estado, que lhe tomou tudo. A juventude, entretanto, pertence apenas aos que contemplam, aos que a amam e, nela, sobretudo as ideias. Ela escapou das suas mãos errantes e vai continuar a sofrer indescritivelmente. Viver com ela é o testamento que vou arrancar do senhor (Benjamin 1995, pp. 263-264).

É notável como é difícil para Benjamin escrever essa carta. Já um ano antes, em 14/04/1914, ele redigira uma "carta aberta" a Wyneken para se defender contra a acusação de que queria, juntamente com Heinle e outros, remodelar em seu sentido a redação do Anfang, que estava nas mãos de Georges Barbizon e Siegfried Bernfeld (Benjamin, 1995, pp. 202213). Também a "carta aberta" foi formulada com muito esforço e maneirismos, aquele escritor, normalmente tão eloquente, se contorcia. Já é notável também, entretanto, a distância em relação ao professor que vai aumentar nitidamente na carta de despedida. Não obstante, Benjamin quer justificar-se, sem renunciar à causa comum. A esse respeito, salta à vista a passagem sobre o amor. Wyneken foi abordado em um duplo superlativo como "o mais rigoroso amante destes jovens que amam o espírito". No próximo parágrafo, Benjamin se refere ao tema idealista das formas livres de sexo e gênero no espírito. Aqui, entretanto, Benjamin está disposto a negar a Wyneken o espírito. Ao mesmo tempo, curiosamente, a convocação dos jovens para a guerra não foi abordada abertamente, mas o pensamento recebe a forma de uma traição às mulheres. Benjamin argumenta aqui, portanto, de modo mais asceticamente rigoroso do que Wyneken, a quem reprova a perda destes ideais.

Daí resultam duas conclusões: em primeiro lugar, ele não é partidário de nenhuma estética em particular; ele quer, antes, seguir uma pura - e, portanto, filosófica - espiritualidade, frente à qual mesmo a diferença de gênero se torna insignificante. Ao mesmo tempo, ele adota uma valorização da posição estética. Na Crônica berlinense, torna-se claro que ele, à época, já tivera contato sexual com prostitutas. Essa moral dúbia era normal para sua geração; e esse mundo ainda não fora abarcado nas reflexões do espírito. O médico Martin Gumpert, que pertencia ao círculo interno do grupo, emprega nas suas lembranças, que apareceram em 1939 em Estocolmo, uma linguagem aberta e dá uma representação esclarecedora da atmosfera do grupo na época:

Participava mesmo uma grande quantidade de moças. Nós não éramos uma liga masculina. Mas não acontecia nada equivalente à libertinagem dos anos do pós-guerra. Elas eram essencialmente nossa audiência, e nós precisávamos delas quase exclusivamente para nossas superestruturas ideológicas, dentro das quais elas desempenhavam um papel mais importante do que na realidade. O conceito "jovem moça" envolvia, para mim, todos os ingredientes do delicado, precioso, enigmático. O conceito "mulher" era algo demasiadamente poderoso, violento, quase sinistro. Acima de tudo, era característico desta época que eu vivesse nos "conceitos". Eu procurava resolver e definir todos os elementos da existência, descobrir sua essência dúbia, sua diversidade, seu segredo. Nada era insignificante, cada folha, cada objeto tinha um significado metafísico por trás de sua determinação factual, que permitia elevá-lo a um símbolo cósmico. Era um tipo de sentimento panteísta do mundo, que fazia da coisa mais imunda algo solene e santo. Eu tinha retornado a Deus. [...] A política era tomada como algo não espiritual e inferior. Não ocorria a ninguém que ela poderia melhorar as coisas. Este antagonismo entre o "Idealismo" da burguesia e o "Materialismo" da classe trabalhadora teve um papel fatal no desenvolvimento do Nacional Socialismo, que surgiu depois da guerra a partir da burguesia. O movimento hitlerista jogava com ambos os instrumentos. Ele dava ao trabalhador a "ideia", pela qual ele ansiava como alemão, e ao burguês a meta "materialista", de que o seu desespero necessitava, após ele ter sido desnudado de toda e qualquer substância. Nós vivenciamos e presenciamos as consequências desta fraude (Gumpert, 1939, pp. 52-56).

Nós podemos partir do fato de que Benjamin vivia em semelhante situação; que sustentava abstratamente o conceito idealista da juventude, enquanto que, por outro lado, estava presente um verdadeiro temor das mulheres. Dez anos mais tarde, quando ele conheceu Asja Lacis, retornarão exatamente aqueles temas da política, do feminismo e da questão social, como inicialmente tinham feito seus adversários Bernfeld e Barbizon no movimento da juventude alemã. E na Crônica berlinense lê-se, de forma lapidar:

Apesar disso - ou por isso mesmo - não há nenhuma dúvida de que em nenhum momento posterior a própria cidade de Berlim entraria na minha existência tão fortemente como naquela época já que nós acreditávamos poder deixá-la intacta, para apenas melhorar suas escolas, romper com a inumanidade dos pais dos seus alunos, colocar a palavra de Hölderlin ou Georg no seu espaço. Era uma tentativa extrema, heroica de modificar a postura dos homens sem afrontar suas circunstâncias. Nós não sabíamos que isto estava fadado ao fracasso, mas praticamente nenhum de nós que assumisse aquela sabedoria estaria em condições de mudar (Benjamin, 1932/1980 a , p. 478).

 

Mirada Em Uma Outra Realidade Presente

Estamos chegando ao fim. Infância e experiência, portanto, não se excluem para Benjamin. Mas nós vimos como foi difícil para ele o caminho para lá. Eu gostaria de dar a vocês, agora no fim, dois exemplos dessas novas formas estéticas que Benjamin encontrou nos livros sobre a infância e que já apresentam a experiência nos escritos.

A lua

O fragmento A Lua, em seu livro Infância em Berlim por volta de 1900, fala da criança que tenta se apoderar da lua e da sua enigmática proximidade. Benjamin desenvolve ali a figura mimética da criança que se amolda, em noites sombrias de luar, ao satélite terrestre em uma forma superorgânica - criança e lua estendem sua força imaginativa e ambas se misturam em tal figura onírica superorgânica, na qual o sujeito e o objeto se encontram na penumbra que há entre eles.

A luz que flui da lua não faz parte do cenário de nossa vida diurna. O âmbito que ela ilumina de maneira imprecisa parece pertencer a uma antiterra ou a uma Terra vizinha. Já não é aquela Terra que a lua segue como satélite, mas sim aquela que ela mesma transformou em satélite da lua. Seu peito amplo, cuja respiração foi o tempo, já não se mexe, finalmente a criação regressa ao ponto de partida e pode novamente pôr o véu de viuvez que o dia lhe havia arrebatado. O pálido raio que permeava através da persiana do meu quarto me fez compreender isso. Meu sono se tornou intranquilo; a lua o cortava com o seu vaivém. Quando ela estava em meu quarto e eu acordava, me desalojava (Benjamin, 1987, p. 138).

Mas este quidpro quo é radical, ele o leva à questão schopenhaueriana de saber por que há algo e por que não, antes, nada:

Quando, então, a lamparina tremulante sossegava a ela e a mim, eu verificava que do mundo nada mais estava à mão a não ser uma única pergunta pertinaz. Pode ser que esta pergunta se escondesse nas dobras da cortina que pendia diante da minha porta a fim de deter os barulhos externos. Pode ser que fosse apenas o que sobrara de muitas noites já passadas. E, por fim, podia ser o reverso do sentimento estranho que a lua propagara em mim. A pergunta era: por que existe algo no mundo? Por que existe o mundo? Estupefato, percebi que nada no mundo podia me forçar a pensar o mundo. De modo nenhum, seu não existir me teria sido mais questionável que seu existir, o qual parecia piscar para o não existir. A lua fazia um jogo fácil com esse existir (Benjamin, 1987, p. 139).

Em seguida, Benjamin relata um sonho em que a lua fica no céu diurno de Berlim e freneticamente chega mais próxima para devorar tudo; mas a criança desperta antes que isso aconteça e o regime da lua no dia continua a brilhar por um período.

Este momento da inversão e da condução da criação a um ponto de interferência em que outro mundo virtual presente aparece é de grande importância para a crítica de Benjamin à técnica. Esta, assim como a arte e o orgânico no Spatenstichstelle da Crônica berlinense, é transformada em imagens que possuem uma proximidade com a miragem. Mas essa formulação possui também consequências para a relação epistemológica das ciências naturais e das ciências humanas. Pois o registro infantil da natureza, oficialmente designado segundo um conceito de George Lukács como segunda natureza, é, para Benjamin, na verdade, a primeira. Isso significa, de outra maneira, "tornar as forças da embriaguez úteis para a revolução", que ele exige no ensaio sobre o Surrealismo (Benjamin, 1980, p. 297).

O tempo

O segundo exemplo provém das Imagens do pensamento, que Benjamin compõe por volta de 1931-1933. O discurso ali é sobre um jogo:

Pretzel, Pluma, Pausa, Lamento, Bobagem. Estas espécies de palavras, sem ligação ou contexto, são o ponto de partida de um jogo que era muito bem visto na época do Biedermeier. A tarefa de cada um era colocá-las em um contexto relacionado sem modificar a sua ordem. Quão mais curto fosse ele, e quanto menos momentos de ligação ele possuísse, mais a solução era admirada. Este jogo promovia as descobertas mais belas especialmente entre as crianças. Para elas, as palavras ainda são como cavernas entre as quais elas conhecem caminhos de ligação pouco usuais. Pois, agora, imagine-se o inverso desse jogo: tome-se uma frase dada como se ela tivesse sido construída de acordo com as suas regras. De um golpe ela teria ganhado uma face estranha e excitante para nós. Uma parte desta visão está, com efeito, contida em cada ato de ler. Não é apenas o povo que lê os romances assim - a saber, apenas por causa dos nomes e fórmulas que saltam do texto em sua direção; também o homem com formação permanece, ao ler, à espreita de mudanças e palavras, e o sentido é apenas o pano de fundo tocado pela sombra que elas jogam como figuras em relevo. Isto é especialmente perceptível naqueles textos chamados de sagrados. O comentário que serve a eles arranca palavras do texto como se elas tivessem sido dadas para que ele as solucionasse segundo as regras daquele jogo. E efetivamente as frases que uma criança forma jogando a partir das palavras tem maior parentesco com os textos sagrados do que com a gíria dos adultos. Eis um exemplo que fornece a ligação das palavras mencionadas por uma criança (em seus doze anos de vida): "O tempo varre pela natureza como um Pretzel. A pluma pinta a paisagem, e se surge uma pausa, ela é preenchida com chuva. Não se ouve um lamento, pois não há bobagem" (Benjamin, 1932/1980 a, pp. 432-433).

Nós vemos aqui como Benjamin compreende o texto, quando as palavras se tornam cavernas e liberam secretos buracos de vermes como conexões subterrâneas. Esta leitura segue uma relação gestual e mimética com a linguagem, o elemento platônico com o qual se conectam os textos sagrados. Essa criança que sabe de modo inocente possui ainda aquela experiência peculiar que ameaça perder-se na idade adulta. Também aqui, porém, tais temas devem recuar ante o elemento poético da construção e da forma, na qual a força da linguagem se torna clara.

 

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Recebido em: 15/02/2015
Aprovado em: 11/06/2015

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