SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.8 número1A extimidade própria à psicanáliseUm mundo de luz e sombra: comentário do filme documentário de Wim Wenders, Juliano R. Salgado: O sal da Terra (Prêmio César de melhor documentário) índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Trivium - Estudos Interdisciplinares

versión On-line ISSN 2176-4891

Trivium vol.8 no.1 Rio de Janeiro enero./jun. 2016

http://dx.doi.org/10.18379/2176-4891.2016v1p.112 

ARTES

 

Sideral em nós: comentário crítico da exposição de fotografias de Luiz Braga*

 

 

Por Guilherme Coelho

Diretor de cinema

 

 


Clique para ampliar

 

Deve ter sido em Belém, à beira do Guamá, numa exposição do Arte Pará, onde eu vi pela primeira vez uma foto do Luiz. Olha que sorte: em Belém, no segundo andar da Casa das Onze Janelas, de frente pro rio que é mar. Mas não é o Guamá, é a baía do Guajará. Ali embaixo tinha o Boteco das Onze Janelas, um dos maiores prazeres que vivi. Uma noite fresca, um peixinho, um amor por uma cidade.

Uma cidade a qual voltei, anos depois e pelas mãos do escritor que me deu um filme. Aí conheci o Luiz em carne e osso. Um fim de tarde, lusco-fusco amazônico, havia chovido. Uma luz teimosa. Crepúsculo. Um luz que eu tanto quis roubar pro nosso "Órfãos do Eldorado". Conheci o Luiz em seu atelier, e vimos fotos no computador. E discutimos essa luz do Norte. E o Norte nunca mais saiu de mim.

 


Clique para ampliar

 

O Luiz é um imaginário que sempre existiu dentro de nós, e que não sabíamos que estava lá. Tal qual os grandes relatos que nos fundam, os grandes narradores que nos inventam - Nelson Rodrigues e seus canalhas e ingênuos; Clarice e nossas cucas, ensimesmadas e ruminantes - Luiz nos mostra o nosso olhar. E olhamos com encanto, com grandeza, leviana e profundamente.

Em face as suas fotos, eu me vejo exuberante e melancólico. Cheio de vazios. Eu sinto o calor e me sinto sozinho. E tantas vezes me vejo dentro de seu enquadramento, do seu espaço sideral.

Sideral são suas paisagens. Lunares. Em infravermelho. Uma estética que me ajudou a sonhar o verde da Amazônia. O desafio do verde. O desafio do ver.

Uma rede vazia aqui nessa exposição. Mas uma outra rede, esta de 1990, talvez no Guamá (agora, o bairro). Uma rede com uma menina que nos olha. Uma menina virando moça. Uma foto que hoje, segundo ele, seria "impossível": proibida, imprópria. No nosso filme, essa foto, essa menina, virou a Dira Paes.

E pro mesmo filme nos inspiramos num outro retrato: uma outra moça, destrambelhada sobre uma mesa de bar. Também no bairro do Guamá? Pra mim, pra nós do filme, aquela era "Dinaura, em pose de Arminto". E assim construímos uma linguagem a partir dos personagens de Milton Hatoum. Gente atravessada pelo olhar de Luiz Braga.

 

 

Lembro dessa noitinha quando fomos em seu atelier e Luiz nos mostrou a foto de Iara, a senhora das águas, a deusa dos rios. Acho que num igarapé perto de Bragança. O sideral sacro de uma imagem verde, no coração da mata, no coração de todos nós. Assim é a luz do Luiz.

 

 

* Galeria Leme, São Paulo 2016